SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.16 número2Estimulação cognitivo motor nas creches públicas no Sul e Nordeste do BrasilSelf co-construction in children institutionalized and declared for adoption índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Em processo de indexaçãoCitado por Google
  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO
  • Em processo de indexaçãoSimilares em Google

Compartilhar


Revista Guillermo de Ockham

versão impressa ISSN 1794-192Xversão On-line ISSN 2256-3202

Rev. Guillermo Ockham vol.16 no.2 Cali jul./dez. 2018  Epub 03-Ago-2021

https://doi.org/10.21500/22563202.3308 

Artículo original

Reflexões sobre Adolescências e juventudes segundo relatos de estudantes*

Reflections on adolescences and youths based on shared meanings by students

Fatima Maria Leite Cruz1a 

Milena Ataíde Maciel2a 

Carlos Eduardo Ferreira Monteiro3a 

Carolina Fernandes de Carvalho4b 

aUniversidade Federal de Pernambuco; Brasil.

bUniversidade de Lisboa; Portugal.


Resumo

Discutimos neste artigo o que os adolescentes constroem sobre temas do cotidiano e relacionamos ao desenvolvimento sócio afetivo na adolescência e na juventude. Participaram do estudo 24 estudantes do ensino fundamental em escolas públicas da Paraíba, Brasil. No método, a realização de dois grupos focais tratados pela análise temática de conteúdo que permitiu a formação dos núcleos de sentido: O lazer como necessidade; A convivência de pares e a socialização; A transgressão como defesa e sobrevivência; As tecnologias digitais como controle social; Discriminação, preconceitos e exclusão social com ênfase na Sexualidade e na questão de gênero. Os resultados apontaram relações assimétricas de poder e a ausência de relações interpessoais mais igualitárias e afetivas dos estudantes com seus professores. Tais resultados implicam na necessidade de ampliação de mecanismos democráticos na escola; expressam que os estudantes adolescentes se sentem negligenciados em suas necessidades, como o lazer e a provocação à curiosidade intelectual; que a sexualidade ainda provoca estranhamentos; e que as desigualdades raciais e de gênero são temas contestados que precisam compor o debate intramuros na escola.

Palavras-chaves: Adolescência; Juventude; Práticas de exclusão

Abstract

This article discusses aspects about what adolescents construct on daily themes, establishing a relationship with affective development in adolescence and youth. Data from a study with 24 elementary school students in public schools in Paraíba, Brazil are presented. They participated in two focus groups whose data were treated by the thematic content analysis that allowed the formation of the sense nuclei: Leisure as a necessity; Peer interaction and socialization; Transgression as defense and survival; Digital technologies as social control; Discrimination, prejudice and social exclusion with emphasis on Sexuality and gender issues. The results showed asymmetrical power relations and the lack of more egalitarian and affective interpersonal relationships of students with their teachers. These results imply the need to expand democratic mechanisms in school; express that teenage students feel neglected in their needs, such as leisure and provocation to intellectual curiosity; that sexuality still causes estrangement; and that racial and gender inequalities are contested issues that need to constitute debate within the school.

Keywords: Adolescence; Youth; Exclusion practices

Introdução

Neste artigo, discutem-se alguns conceitos da Psicologia do Desenvolvimento, a partir de dados de uma investigação com adolescentes do Nordeste brasileiro que foram escutados acerca da violência na escola (Maciel, 2015). Em análise posterior de parte desses dados, encontramos outros resultados, para além da violência, que levantam contradições e a polissemia de significados que a adolescência e a juventude sugerem quando são analisadas formas de inserção socioculturais, nas quais os sujeitos produzem experiências e vivem seus processos interativos. Articulamos o debate acerca do que os adolescentes constroem sobre diferentes temas da vida cotidiana na escola com a discussão de aspectos do desenvolvimento na adolescência e na juventude, porque essa temática é contemporânea e permeia a vida escolar, lócus relacional que permite refletir sobre a teia de conflitos e relações no cotidiano (Santos, Cruz & Belém, 2014).

No trabalho de Maciel (2015), as falas dos participantes, por um lado, se referem aos conteúdos que circulam na mídia e nas conversas informais e vinculam a adolescência às situações de vulnerabilidade, de violência e de transgressões sociais. Por outro lado, na releitura dos dados para o presente estudo, encontramos a complexa rede de exclusão social que os adolescentes experimentam, por meio de preconceitos de raça, de gênero, da sexualidade, e da pertença social e, nesta leitura em interseccionalidade, vimos que definem um conjunto de elementos que nos permitem compreender o desenvolvimento humano.

No âmbito da discussão adotaremos os termos adolescências e juventudes no plural considerando que, para além de questões léxicas, existem imbricações semânticas multifacetadas que permeiam esses termos e trazem distintos referenciais; diversas pertenças étnicas e sociais; variadas crenças religiosas; o debate acerca das questões de gênero; exemplos de alguns dos marcadores sociais da diversidade que se engendram nos modos de ser e pensar dos adolescentes e jovens.

Assumimos uma posição contrária às prescrições e às normativas que associam as adolescências e as juventudes em exclusividade à questão biológica, à cronologia de idades e aos ciclos de vida, desconsiderando a visão relacional e sociocultural de construção dos sujeitos sociais no seu desenvolvimento humano. A linha de abordagem que referendamos é, por conseguinte, uma compreensão que entrecruza alguns desses múltiplos aspectos e se voltam ao empoderamento do sujeito de direitos. Assim, não nos baseamos em explicações universalizantes. Consideramos, portanto, as contradições na heterogeneidade da vida cotidiana, as configurações diversas e distintas dinâmicas que as caracterizam como fenômeno social, cultural e político circunstancializado a um contexto.

Da ‘adolescência normal’ à adolescência como fenômeno social e político

Tornou-se naturalizada na sociedade, a partir do século XX, a ideia que vincula a adolescência a uma etapa específica do desenvolvimento humano, pertinente ao ciclo da vida, e experimentado com conflitos e transgressões às normas convencionadas. Tal ideário foi disseminado pela própria Psicologia em seus construtos teóricos iniciais e discussões na área do desenvolvimento (Aberastury & Knobel, 2002). Essas concepções referendadas no paradigma biomédico se relacionavam às patologias e seguiam um protocolo hierarquizado ancorado em um paradigma considerado ‘normal’, com referentes do binômio saúde/ doença (Veronese, Guareschi & Zamboni, 2007). Essa demarcação legitimada pela autoridade médica validou a cristalização de características que ligam os adolescentes e jovens aos comportamentos considerados adequados e/ ou inadequados para o conjunto da sociedade.

A este respeito, Ozella e Aguiar (2008) afirmam que a visão universalizante desconsidera distintas articulações e histórias de vida das crianças e adolescentes em realidades específicas. Por exemplo, Aberastury (2002) argumenta que os jovens experimentam mudanças as mais variadas e, com elas, muitos conflitos junto à família e aos pares, os quais provocam emoções e sentimentos contrastantes, alternados, o que caracterizou como ‘inconstância normal da adolescência’, típica de uma síndrome. Essa concepção médica e de patologia defende que a superação da crise só ocorre com a consolidação da identidade adulta que, em tese, extingue a situação de vulnerabilidade típica das mudanças (Veronese et al, 2007).

Para Groppo (2000), as denominadas fases da vida, preconizadas pela ciência desde a modernidade, funcionam como meio de controle social, pois normatizam os sujeitos em seus movimentos de inserção ao mundo do trabalho industrializado, atendendo interesses econômicos predominantes em cada momento histórico. Dessa maneira, a tipificação da adolescência em normal e patológica fez parte do momento histórico de ‘psicologização da vida coletiva’, e na clássica divisão dos conceitos de ‘normalidade e anormalidade’. Essa vinculação biológica fixa, a faixa etária, como marcador cronológico de referência.

Estas ideias circulam e assumem permanências, pois o conhecimento científico que chega ao senso comum é emblemático e cristaliza significados que são adotados como verdades inquestionáveis, mesmo que haja avanços e mudanças de concepção que não são atualizadas ou sofrem resistências de incorporação do novo ao que já é conhecido. Ozella (2003) apresenta evidências dessa desatualização entre psicólogos que ainda possuem compreensão naturalizada da adolescência como etapa da vida ‘problemática e difícil’. Lira e Cruz (2014) também identificaram essa desatualização ao analisarem as matrizes curriculares em cinco instituições de formação de psicólogos na cidade do Recife.

As autoras encontraram uma perspectiva psicobiológica de naturalização da condição juvenil como inatista, universalizante, conflitual e homogênea, fundamentada na concepção de autores da área da psicanálise, e na associação da juventude aos considerados problemas relacionados à delinquência, aborto e drogas nas ementas das disciplinas que não se aproximam do debate mais atualizado na psicologia do desenvolvimento, a seguir comentada.

A visão sociocultural de construção das adolescências

Para Ozella e Aguiar (2008), a adolescência é um momento histórico interpretado e construído pelos sujeitos singulares, os quais mantêm com a sociedade uma relação de mediação constituída mutuamente, tendo suas identidades preservadas, como um ser único, singular e histórico. Assim, o marcador de cronologia não se sustenta quando se pensa na velocidade das mudanças contemporâneas que trazem repercussões nos modos de vida em geral, e no que significa ser jovem, em particular, modificando, inclusive, as relações sociais, as expectativas e os projetos de vida.

Abramo (2005) e Kehl (2004) afirmam que a categoria da juventude é plural e tem se tornado, cada dia mais, foco de uma indústria que a vê como consumidora de bens, serviços e cultura, uma faixa de público diferenciado, porque fontes de alta lucratividade para o mercado de eventos de massa. Assim, o modo de vida juvenil torna-se um produto ‘vendido’ com apelos midiáticos e se torna ícone estético simbólico e representativo da ideia de identidade juvenil para as outras gerações. Nas palavras de Melucci, “As pessoas não são jovens apenas pela idade, mas porque assumem culturalmente a característica juvenil através da mudança e da transitoriedade” (2008, p. 42). A iniciação dos jovens na vida adulta pode ser permeada por tensões e disputas e, muitas vezes, de intenso sofrimento psíquico, desamparo simbólico para aqueles e aquelas que não percebem esses rituais culturais e/ou não se enquadram às normativas que são exigidas para tal inserção.

No sentido de complexidade temos, ainda, a Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1996) que traz relevância aos contextos, ao sujeito biopsicossocial, integrando experiências objetivas e subjetivas. Ou seja, a articulação das dimensões de um dado momento sócio histórico, organizadas imprimem um sentido para o sujeito. Esta concepção interativa entre sujeito-meio situa a autoria pessoal e social de histórias de vida e nos ajuda a compreender, por exemplo, expressões de violência e de delinquência de jovens em situação de vulnerabilidade social. Esta perspectiva entende o desenvolvimento com tensionamentos nas interações e nas ações do sujeito, em construção contínua, com negociação de valores e indissociáveis referências relativas ao enredo de suas trajetórias.

Mais recentemente, a psicologia se articula a outras ciências para compreender fenômenos complexos e em relação à juventude a tematiza e a conceitua como um espaço de fronteira (Boaventura Santos, 2005), cujo significado é psicossocial, pois evoca a construção relacional e histórica de subjetividades eivadas de marcadores sociais, tais como gênero, pertença social, origem, etnia, que se fundem em interseccionalidade. Ou seja, considera o fluxo contínuo do desenvolvimento com os marcadores do paradigma predominante em uma dada sociedade e, considera também outros, marginais ou periféricos, e que coexistem simultaneamente. Nesse movimento, ainda segundo o autor, há por parte dos jovens um processamento das tradições; a ousadia de propor novas formas de sociabilidade; o questionamento às normas; a mixagem do novo e do antigo; maior plasticidade nas relações sociais; e estreitamento na compreensão entre o que é do âmbito público e o que é pertinente ao mundo privado.

Vale enfatizar que na década de 1990 a temática da juventude passou a se constituir enquanto preocupação política, em face do crescente quantitativo de jovens em situação de exclusão social em função das desigualdades sociais e econômicas (Sposito & Carrano, 2003). Até hoje esse temário é polêmico, por tentar normatizar parâmetros de redução das diferenças sociais e, dessa maneira, garantir a cidadania com a diluição dos preconceitos e a ruptura com os estigmas sobre as crianças e jovens oriundos das camadas populares, em sua maioria, negros e pobres, moradores das periferias dos grandes centros urbanos, a priori, taxados de violentos, delinquentes e carentes.

Na tentativa de compreender esse universo juvenil e o fenômeno da violência elegemos os jovens estudantes da Paraíba como protagonistas, para que nos encaminhassem suas reflexões, numa sequência de procedimentos, a seguir descritos.

Método

Neste artigo apresentamos uma outra análise dos dados da pesquisa que teve por objetivo geral compreender as Representações Sociais de violência na escola compartilhadas por alunos do Ensino Fundamental (Maciel, 2015), em duas escolas públicas da Paraíba, Nordeste do Brasil. Naquele estudo, a abordagem foi plurimetodológica em duas etapas sequenciais e interligadas. Na primeira etapa, buscou-se a compreensão estrutural das representações sociais da violência por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP)5 que teve como termos indutores violência e violência na escola. Nesta etapa participaram 203 estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.

Na segunda etapa foram realizados dois Grupos Focais (GF) com alunos que participaram da primeira etapa, escolhidos por sorteio. Cada grupo foi composto por 12 participantes, sendo 3 de cada ano do ensino fundamental. No inicio de cada GF foi feita a devolutiva das análises do TALP aos dois grupos com a apresentação das dez palavras de maior frequência e a instrução para que escolhessem, dentre aquelas palavras, as que mais representavam o tema. Em seguida, justificavam oralmente as suas escolhas, o ponto de partida para o início do diálogo nos grupos.

Para este estudo, focamos novamente o conjunto das falas produzidas nos grupos focais e desta feita, analisamos na releitura dos dados, o que os adolescentes diziam sobre o seu desenvolvimento e a vida social. A leitura fluente das falas nos permitiu identificar núcleos de sentido que foram agrupados e relacionados às tematizações pertinentes ao desenvolvimento da adolescência, da juventude e da vida em sociedade. Os dados foram tratados pela técnica da análise temática de conteúdo (Bardin, 2009) e os resultados serão apresentados e discutidos, a seguir.

Resultados e Discussão

Entre os temas que surgiram na discussão, levantamos alguns núcleos de sentido que se relacionam diretamente ao desenvolvimento afetivo social da adolescência e da juventude e, a seguir, serão elencados e discutidos: a) O lazer como necessidade no desenvolvimento de adolescentes e jovens; b) A convivência de pares e os processos de socialização; c) A transgressão como defesa e sobrevivência; d) A inserção naturalizada das tecnologias digitais como controle social; e) Discriminação, preconceitos e exclusão social com ênfase na Sexualidade, na questão de gênero e no movimento fluido de suas expressões.

O lazer como uma necessidade

Chamou-nos a atenção que os participantes falaram do lazer como uma necessidade dos adolescentes e que é conceituado, por eles e elas, como a experiência em espaços de socialização e atividades prazerosas, fora do ambiente escolar. Nas várias falas, reivindicaram viagens e passeios e relataram o valor atribuído às viagens pedagógicas: “Eu fiz uma viagem representando a escola, eu representei toda a escola” (Lucas, 14 anos); e solicitaram que a escola assuma a organização de atividades de lazer, para todos, como no extrato do debate coletivo: “Mas não tem viagem. Passa o ano todinho não tem uma viagem”, (Rafael, 15 anos); ou na crítica: “Uma coisa ruim é isso, porque aqui não faz passeio pra lugar nenhum” (Ana, 12 anos).

Ao reivindicaram passeios, os adolescentes dizem que o lazer é essencial na vida e é valorizado por eles, em diferentes formatos, inclusive, nas atividades educacionais. Por exemplo, uma palestra interpretada como lazer: “Uma coisa boa também que aconteceu foi a palestra que teve sobre homofobia semana passada” (Luísa, 14 anos). Entendemos que os adolescentes participantes, mitigados pelo sofrimento da vida compreendem como lazer, qualquer atividade extra que é oferecida pela escola, desde que seja interessante e requeira deslocamentos, para além do espaço escolar: “A gente foi pra biblioteca ai teve umas leituras, foi muito legal, muito mesmo!” (Arthur, 15 anos), ”Eles não levam a gente nem pra barragem que é logo ali!” (Lara, 12 anos). Para os adolescentes o espaço do cotidiano escolar não é valorizado, como esclarecem: “Tem evento na escola e a maioria só vai pra bagunçar, conversar, mexer no celular” (Daniela, 15 anos).

Muito além de um espaço de aprendizagem formal, eles e elas compreendem que a escola é, sobretudo, um espaço de socialização. É o local dos vínculos, dos sentimentos, das interações, da convivência que contribui para uma melhor socialização, bem como reconhecem a escola como um espaço agradável e de fundamental valor para sua vida.

Tal preocupação com as atividades extracurriculares que saiam do modelo tradicional também foi encontrada por Galvão (2010) que salientou que professores e alunos desejam atividades que envolvam valores, atitudes, cooperação e realização pessoal, assim a escola é o espaço de desenvolvimento pessoal, capaz de produzir ideias e conciliar alternativas.

A convivência de pares e os processos de socialização

A força do grupo e a necessidade de socialização com os pares emergiram quando os adolescentes expressaram a importância da convivência acolhedora e integradora: “Quando eu cheguei aqui todo mundo fez logo amizade comigo!” (Pedro, 13 anos). Ou, ainda, quando falam desse processo que não é harmônico e envolve o movimento de luta e conflito entre pares no cotidiano: “É um povo que nem briga, mas só quer fazer o circo pegar fogo, meninas de um lado e de outro atiçando ‘’vai dar na cara dela’’(Maria, 15 anos).

Esses achados corroboram os posicionamentos de Calligaris (2009) quando situa que os adolescentes se referenciam na organização e funcionamento nos grupos de pares. Entretanto, entre os jovens e adolescentes participantes dessa pesquisa a dimensão interativa com os adultos de referência foi destacada como base relacional no desenvolvimento, sobretudo, nos momentos de tensão: “Os professores não acolhiam como aqui acolhe, aqui é diferente, porque quando surge algum problema eles ajudam” (Otavio, 12 anos); “Aqui os professores respeitam” (Lucas,14 anos); “Qualquer coisa, qualquer problema que a pessoa tiver, for falar com eles, os professores ajudam” (Daniela, 15 anos).

Os participantes contradizem os referentes teóricos da geração clássica da psicologia que anunciam a rebeldia contra os adultos e ampliam a importância e validação que conferem à mediação ampliada ilustrada na expressão regional, ‘professor tem que pegar no pé’, que significa permanecer junto, acompanhar de perto: “Eles (se referem aos professores) têm que fazer por onde os alunos se interessar, né? não é só colocar assunto, tem que ‘pegar no pé’ mesmo, mas de uma forma diferente”. (Pedro, 13 anos). Neste extrato de fala, os adolescentes atribuem importância à mediação pedagógica dos docentes na sua vida escolar, seja com assuntos e dinâmicas de sala de aula que os provoque na curiosidade e os mobilize na direção das aprendizagens, seja no acompanhamento personalizado.

Além da aprendizagem interativa, Abramovay (2009) afirma a importância da criatividade no ensino, considerando que nem todos os alunos têm o mesmo comportamento em sala de aula, e assim, é papel também do professor propor atividades que contemplem essas diferenças abordando aspectos relacionais em suas aulas que atendam às singularidades.

A transgressão como defesa e sobrevivência dos adolescentes

A clássica situação de transgressão que tem tipificado o comportamento de adolescentes na teorização desse ciclo da vida apareceu nessa pesquisa nas situações de burla às regras de convivência e que são normatizadas pela escola. Os adolescentes nos dizem da memória escolar e social de transgressão que vai sendo transmitida às novas gerações quando se reportaram ao passado vivido no cotidiano escolar e que ouvem falar: “Antigamente fumavam dentro do banheiro”; ou quando discorreram sobre a realidade atual de transgressão no enfrentamento da violência que vivenciam: “É proibido estilete, mas eu trago, eu tenho que me defender (Luísa, 14 anos).

Os jovens pobres de escolas públicas nos dizem que sabem o que é transgressão às normas sociais como as que citam que ocorriam no passado, ‘antigamente fumavam’, e as que relatam na atualidade, ‘é proibido estilete, mas eu trago”, situação que parecem naturalizar como um armamento, meio de defesa, diante das eventuais situações de conflito e ameaças externas que, agora, adentram o espaço escolar, sem pedir permissão.

Coimbra, Bocco e Nascimento (2005) situam que as representações sociais de juventudes pobres estão ancoradas, aqui no Brasil, em meados dos anos 1920, na teoria racista, no Darwinismo social e no eugenismo propagados e defendidos por médicos, antropólogos, advogados dentre outros profissionais, os quais tomavam os pobres como sujeitos degenerados e causadores dos males sociais. Esse pensamento social foi corroborado e encontrado em outros estudos: Longhi (2008) ao analisar políticas públicas para a juventude; na pesquisa de textos da imprensa por Menandro et al (2010) que associam o jovem à violência e à criminalidade. A despeito dessa teorização, os adolescentes nos informam, com sofrimento, que o porte de arma é usado como defesa. O novo argumento embora questionável e polêmico pode ser considerado em sua contextualização: conflito de gangues e disputa por território dos traficantes que exploram a mão de obra da juventude.

As tecnologias digitais na escola como meio de controle social

Um aspecto que nos chamou a atenção no debate nos grupos focais foi a naturalidade com que os adolescentes falam em relação às tecnologias digitais usadas como meio de controle social, seja pela gestão escolar no monitoramento do pátio e áreas internas da escola, por meio de câmaras; seja pelas relações de poder que os próprios adolescentes e jovens assumem quando fazem ameaças aos colegas e professores com o uso desses artefatos digitais.

Nesse caso, o poder da comunicação imediata das mídias digitais fragiliza as interações, inclusive, na relação dos adolescentes com os docentes, como foi relatado o ‘poder de mando’ sobre os professores com o uso das tecnologias: “Teve um engraçadinho que ficou filmando umas engraçadinhas dançando, aí foi pro Face. Aí a professora no final de tudo ficou com vergonha de vir pra escola e pediu pra sair. Porque disseram que ela não tinha moral, porque ela tava na sala e tinha gente bagunçando” (Arthur, 15 anos), “Até o vigia da escola compartilhou o vídeo. Tipo assim, um vídeo que o menino postou de brincadeira no Facebook gerou isso tudo. A professora saiu da escola, eu não sabia que ia gerar isso tudo” (Pedro, 13 anos).

Percebe-se, de uma parte, a forte influência midiática nos grupos de jovens e entre os adultos. Os alunos relataram que a possibilidade constante de exposição do seu cotidiano nas redes sociais influencia os modos de comportamento e, muitas vezes, impede realizações pelo temor que experimentam: “Tem gente que começa na brincadeira, aí depois não aguenta mais e diz: ‘No final da aula eu vou te pegar’ mas não pega não é tudo frouxo. Porque se pegar vai pro Youtube, vai pro Face, vai pra todo canto” (Ana, 12 anos).

Diante das tecnologias, a questão geracional, que ligaria determinado grupo a um mesmo conjunto de experiências em um recorte temporal, torna a conceituação de adolescência flexibilizada e, por conseguinte, torna mais tênues os limites do que tipificaria grupos em particular e passa a configurar, assim, uma aldeia globalizada de usos e costumes controlados pela própria rede de relações tecnológicas.

Discriminação, preconceitos, e exclusão social com ênfase na Sexualidade e na questão de gênero nas interações cotidianas

Em relação ao convívio com as diferenças e a diversidade os adolescentes nos dizem que experimentam discriminação, preconceitos e várias formas de exclusão social nas interações diárias na escola: “Tem muita gente que tem preconceito contra o homossexualismo, racismo, pela cor e pelo jeito” (Tiago, 15 anos). Ilustram, por exemplo, a situação de racismo, quando um participante se refere desrespeitosamente sem pudores a um colega estudante negro: “Geralmente a mãe da pessoa dá a luz, né? A mãe desse menino deu um apagão”. Embora os alunos se vejam como autores e protagonistas da violência e reconheçam a mudança desta realidade no exercício da autonomia, suas práticas continuam marcadamente violentas e desrespeitosas.

Em um dos grupos, houve a intimidação constante do grupo para com um dos participantes, o estudante J, 14 anos, com sobrepeso e negro. Durante toda a sessão suas falas eram interrompidas com um ríspido grito de ‘cala a boca’ ou ‘não é a sua vez’, gestos sempre provocativos de risadas em todos os demais no grupo. Os colegas parecem não dimensionar a força do preconceito e discriminação racial que expressam, e mesmo quando provocados pela mediadora na reflexão a respeito da dor e sentimento de exclusão que provocavam nos colegas negros, não paravam com tais comentários pejorativos e depreciativos do outro.

Os adolescentes ilustraram com suas próprias experiências, o movimento fluido das expressões e vivências da sexualidade e de gênero na adolescência: “Eu já fiquei com ela! Meu jeito de vestir (considerado gay pelos colegas no grupo) não quer dizer que eu gosto de homem não, eu gosto de mulher também” (Mateus, 16 anos) “E a gente já namorou!” (Marcela, 15 anos) a colega atesta a sexualidade heterossexual do adolescente considerado gay.

Os adolescentes comentaram que outro marcador social da sexualidade são as roupas e o jeito de vestir como indicadores da sexualidade referente a cada gênero, porém, entendem que não é mais um marcador confiável, por atenderem a mais de uma experiência. Os adolescentes participantes contestaram as convenções da estética da moda, por gênero.

Embora os adolescentes falassem com naturalidade e com desenvoltura sobre o tema da homossexualidade percebemos que ainda há, entre eles e elas, incertezas e ambiguidades acerca da própria sexualidade. Alguns afirmaram ser bissexuais e acham que ainda é cedo para definirem-se neste sentido, como ficou evidente no exemplo de um adolescente que, em alguns momentos, demonstra hostilidade para com os gays ‘não gosto de gente assim’ e, em outros, demonstra afinidade, o que pode ser percebido quando argumentou ‘ele experimenta minhas coisas e eu experimento das mulheres’. Expressaram claramente esta dúvida, na fala: “Eu ainda estou decidindo minha vida, estou decidindo o que eu vou querer. Eu já fiquei com ela.” (Daniel, 14 anos).

Os marcadores de faixa etária, geração, e categoria social são, cada vez mais, fluidos e inconclusos quanto aos referenciais para os adolescentes e em relação à sexualidade parece-nos que experimentam ambivalências. Na convivência social diária, suas expressões não são diferentes das práticas de exclusão do conjunto da sociedade que se sente ameaçada diante do que lhes parece ‘estranho’.

Muitos foram os relatos sobre expressões de homofobia que parecem corriqueiras no ambiente da escola e, logo que surgiu o tema, os adolescentes apontaram aqueles que eram considerados homofóbicos e aqueles que são constantemente vítimas dessa forma de exclusão social. O grupo de adolescentes homossexuais afirmou ser vítima constante de discriminação e de preconceito e de uma parte, alguns colegas gritaram: “Gosto muito de olhar pra cara dele não! Eu não gosto de gente assim.” Enquanto, outros, saíram em defesa dos homossexuais e levantaram a necessidade de lutar contra o preconceito e de reconhecer que ‘somos todos iguais independentemente de cor ou orientação sexual’, como afirmou uma estudante cujo extrato de fala é ilustrativo da sua posição de defesa aos direitos individuais: “Eu acho que independente de qualquer coisa tem que ter o respeito. Eu acho isso uma besteira. Mesmo a gente gostando de outra sexualidade a gente é gente igual a eles são” (Taís, 13 anos).

Nesta pesquisa, algumas formas de preconceito apareceram diretamente entrelaçadas, por exemplo, racismo e homofobia se misturaram, aparecem coexistindo e em influência mútua. Esses elementos no espaço escolar são estruturantes das relações e são cotidianamente consentidos, muitas vezes, disfarçados de brincadeiras e “constituem-se poderosos mecanismos heterorreguladores, de silenciamento, de dominação simbólica, normalização, ajustamento, marginalização e exclusão.” (Junqueira, 2012, p. 07).

Mesmo com a legislação brasileira que criminaliza o preconceito, essas práticas ainda estão na escola como um reflexo do que ocorre em toda sociedade, ranço da organização elitista, misógina e escravocrata de décadas, portanto, é compreensível que ainda seja embrionária na validação dos direitos humanos nas práticas sociais, entre adolescentes, na população escolar.

Considerações finais

Por muito tempo, a base inatista pautada na Biologia e na Genética foi suficiente na argumentação explicativa sobre o comportamento humano e justificava as suas diferenciações com o foco na natureza, independentemente da influência da cultura. A compreensão dos mecanismos de adaptação às necessidades que o meio impõe aos seres humanos foi redimensionando a importância da história e da cultura nesse processo e, paulatinamente, esses atributos foram sendo apropriados como referentes na articulação interativa entre o sujeito e o ambiente.

Nessa pesquisa, nos grupos focais os alunos jovens conseguiram falar de sua realidade sem censura e sem a preocupação de expressarem o que é considerado como ‘politicamente correto’ e esperado socialmente. Através da voz dos alunos identificamos o que é para eles significativo no cotidiano escolar, que temas os preocupam, e com eles pudemos pensar como transformar os contextos de aprendizagem. Dar voz aos alunos sobre o que consideram importante leva-os a se tornarem mais participativos e colaboradores na transformação da escola em temas e problemas sociais e, por extensão, no futuro, na sociedade. Os momentos vivenciados pelos alunos nos grupos focais podem ser vistos como oportunidades de práticas de cidadania ativa necessárias à vida adulta. De uma parte, os resultados apontaram expressões de preconceito e discriminação vividos nas relações assimétricas de poder e na ausência de relações interpessoais mais igualitárias e afetivas com seus professores.

Os resultados apontam, portanto, para a necessidade de ampliação de mecanismos democráticos na escola, considerando que os estudantes adolescentes se sentem negligenciados em suas necessidades, como lazer e provocação à curiosidade intelectual; a sexualidade que embora mais discutida, ainda provoca estranhamentos; e as desigualdades raciais e de gênero, ainda temas contestados que precisam compor o debate intramuros na escola, para que todos os atores sociais desse ambiente possam ocupar espaços para serem ouvidos na sua condição humana, bem como respeitados nas interações, em suas diferenças.

Referências

Aberastury, A., Knobel, M. (2002) Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]

Abramo, H. W. (2005). O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa, 19-35. [ Links ]

Abramovay, M., Cunha, A. L., & Calaf, P. P. (2009). Revelando tramas, descobrindo segredos: violência e convivência nas escolas. Distrito Federal: Secretaria de Estado de Educação. [ Links ]

Bardin, L. (2009). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70. [ Links ]

Santos, B. D. S. (2005). A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da universidade. In Educação, Sociedade & Culturas (No. 23, pp. 137-202). CIIE/Edições Afrontamento. [ Links ]

Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]

Calligaris, C. (2009) A adolescência. São Paulo: Ed. Publifolha. [ Links ]

Coimbra, C., Bocco, F., & Nascimento, M. L. D. (2006). Subvertendo o conceito de adolescência. Arquivos brasileiros de psicologia, 57(1). [ Links ]

Galvão, A., Gomes, C. A., Capanema, C., Caliman, G., & Câmara, J. (2010). Violências escolares: implicações para a gestão e o currículo. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, 18(68). [ Links ]

Groppo, L. A. (2009) Juventude: Ensaios sobre a sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel. [ Links ]

Junqueira, R. D. (2012). Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heterossexismo e homofobia no cotidiano escolar. In Discursos fora da Ordem: deslocamentos, reinvenções e direitos. 25 (277-305). [ Links ]

Kehl, M. A (2004) Juventude como sintoma da cultura. In Juventude e sociedade, 89-114. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. [ Links ]

Reis Longhi, M. (2008). Viajando em seu cenário: reconhecimento e consideração a partir de trajetórias de rapazes de grupos populares do Recife. (Tese de doutorado, Universidade Federal de Pernambuco, 2008), 256. [ Links ]

Maciel, M. A (2015). Representações sociais de violência na escola: um diálogo com alunos e professores da Paraíba. (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Pernambuco, 2015) 112. [ Links ]

Melucci, A. (2008). A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Rio de Janeiro: Vozes. [ Links ]

Menandro, M. C. S., Trindade, Z. A., & Almeida, A. M. O. (2010). Gente jovem reunida: representações sociais de adolescência/juventude em textos jornalísticos. Vitória-ES: GM. [ Links ]

Lira V. T; Cruz, F. M. L. (2014) Juventudes Pobres: sentidos construídos por psicólogos(as). Recife: Nova Presença. [ Links ]

Ozella, S. (2003) Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez. [ Links ]

Ozella, S., & Aguiar, W. M. J. D. (2008). Desmistificando a concepção de adolescência. Cadernos de pesquisa, 38(133), 97-125. [ Links ]

Santos, M. D. F. S., Cruz, F. M. L., & Belém, R. C. (2014). Adolescentes podem ser alunos ideais?. Educação em Revista, 30(3). [ Links ]

Sposito, M. P., & Carrano, P. C. R. (2003). Juventude e políticas públicas no Brasil. Rev. Bras. Educ.[online], (24), 16-39. [ Links ]

Veronese, M., Guareschi, P. A., Zamboni, C. S. (2007) Juventude uma questão de fronteira para a Psicologia Social. In Psicologia do Cotidiano: Representações Sociais em ação. Petrópolis: Vozes. [ Links ]

5A TALP consiste em solicitar aos participantes que escrevam as três primeiras palavras que vem à mente quando leem os termos indutores. Em seguida é solicitado que enumerem as palavras que escreveram por ordem de importância de 1 a 3, sendo 1 a mais importante e 3 a menos importante.

*A pesquisa que ofereceu os dados de análise teve o apoio financeiro da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Propesq - UFPE.

1 Doutora em Educação, docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. fatimacruz@yahoo.com

2Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco. milenaamaciel@gmail.com

3Doutor em Educação, docente do Pós-Graduação em Educação Matemática e Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco. cefmonteiro@ gmail.com

4Doutora em Psicologia da Educação, Docente no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. cfcarvalho@ie.ulisboa.pt

Referencia norma APA: Leite, F. M., Ataíde, M., Ferreira, C. E., & Fernandes de Carvalho, C. (2018). Reflexões sobre Adolescências e juventudes segundo relatos de estudantes. Revista Guillermo de Ockham, 16(2), 23-30. doi: http://dx.doi.org/10.21500/22563202.3308

Recebido: 18 de Maio de 2017; Revisado: 22 de Agosto de 2018; Aceito: 05 de Novembro de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons