SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue1Rehabilitation of executive functions: Implications and strategiesIs diabetes mellitus associated with poor cognitive performance in the elderly?: A revision study author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Avances en Psicología Latinoamericana

Print version ISSN 1794-4724

Av. Psicol. Latinoam. vol.31 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2013

 


Traumatismo cranioencefálico:
avaliaçao da ocorrência de heminegligência e de déficit atencional por tarefas de cancelamento
*

Brain injury:
Assessment of hemineglect occurence and of attentional deficit through cancellation tasks

Traumatismo craneoencefálico:
evaluación de heminegligencia y déficit atencional a través de tareas de cancelación

LUARA DE FREITAS CALVETTE**
YVES JOANETTE***
ROCHELE PAZ FONSECA****

* Correspondência a ser enviada para Rochele Paz Fonseca. Av. Ipiranga, 6681, prédio 11, sala 932, PUCRS, Porto Alegre - RS, Brasil. CEP 90619-900. E-mail:
rochele.fonseca@pucrs.br

** Mestre em Psicologia, área de concentração Cognição Humana, Bolsista CAPES, do Programa em Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Brasil, e-mail:
luaracalvette@gmail.com

*** Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de Montreal, Canadá. Pesquisador do Centre de recherche de l'institute de gériatrie de Montréal, e-mail:
yves.joanette@umontreal.ca

**** Professora adjunta da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (área de concentração em Cognição Humana), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE). Bolsista Produtividade do CNPq, e-mail:
rochele.fonseca@pucrs.br

Para citar este artículo: Calvette L. F., Joanette, Y. & Fonseca, R. P. (2013). Traumatismo cranioencefálico: avaliação da ocorrência de heminegligência e de déficit atencional por tarefas de cancelamento. Avances en Psicología Latinoamericana, 31 (1), pp. 121-130.

Fecha de recepción: 1° de agosto de 2012
Fecha de aceptación: 22 de octubre de 2012



Resumo

Heminegligência (HN) é uma síndrome vastamente estudada após lesões unilaterais por acidente vascular cerebral. Entretanto, apesar de alguns estudos com reabilitação de HN pós-traumatismo cranioencefálico (TCE), não parece haver publicações sobre a prevalência de HN em TCE a partir de tarefas de cancelamento. Dessa forma, o objetivo desse estudo foi caracterizar a ocorrência dessa síndrome e de déficits atencionais em pacientes com TCE a partir do Teste de Cancelamento dos Sinos e de uma tarefa de cancelamento de linhas. Participaram 21 pacientes com TCE e 21 controles saudáveis emparelhados por escolaridade, idade e frequência de hábitos de linguagem escrita. Verificou-se um pior desempenho de pacientes com TCE com maior número de omissões à esquerda menos direita e maior tempo de execução. Encontrou-se, ainda, 38% da amostra de TCE com sinais sugestivos de HN. Mais investigações são necessárias para caracterizar síndromes de subquadros clínicos de TCE quanto à ocorrência de HN a partir do já reconhecido paradigma de cancelamento.

Palavras-chave: traumatismo craniano, atenção seletiva, heminegligência, testes neuropsicológicos, testes de cancelamento dos sinos



Abstract

Hemineglect (HN) is a widely studied syndrome after unilateral lesions due to stroke. However, although there are some studies with HN rehabilitation of post-traumatic brain injury (TBI), there seems to be no published data about the prevalence of HN in TBI through cancellation tasks. Thus, the objective of this study was to characterize the occurrence of this syndrome and of attentional deficits in patients with TBI by means of the Bells Test and of a line cancellation task. The sample was comprised of 21 patients with TBI and 21 healthy controls matched by education, age and frequency of written language habits. There was a poorer performance of patients with TBI with a greater number of omissions on the left side and lower speed processing. In addition, suggestive signs of HN were found in 38 % of the sample of TBI patients. More research is needed to characterize clinical syndromes regarding the occurrence of HN after a TBI through the traditionally known cancellation paradigm.

Keywords: traumatic brain injury, selective attention, hemineglect, neuropsychological tests, Bells Test



Resumen

La heminegligencia (HN) es un síndrome ampliamente estudiado después de lesiones unilaterales por accidente cerebral vascular. Sin embargo, a pesar de la existencia de algunos estudios en rehabilitación de HN después del trauma craneoencefálico (TCE), no parece haber publicaciones sobre la prevalencia de HN en TCE a partir de tareas de cancelación. De esta forma, el objetivo de este estudio fue caracterizar la ocurrencia de ese síndrome y de déficits atencionales en pacientes con TCE, a partir del test de Cancelamento dos Sinos y de una tarea de cancelación de líneas. Participaron 21 pacientes con TCE y 21 controles saludables pareados por escolaridad, edad y frecuencia de hábitos de lenguaje escrito. Se encontró un desempeño peor en los pacientes con TCE, con mayor número de omisiones a la izquierda y mayor tiempo de ejecución. También se encontró que el 38% de la población de TCE presentaba señales sugerentes de HN. Son necesarias más investigaciones para caracterizar los síndromes de subcuadros clínicos de TCE en relación con la ocurrencia de HN a partir del reconocido paradigma de cancelación.

Palabras clave: traumatismo craneano, atención selectiva, heminegligencia, pruebas neuropsicológicas, test de cancelamento dos sinos



O traumatismo cranioencefálico (TCE) é uma das causas mais prevalentes de morte ou de sobrevida com importantes sequelas cognitivas que limitam a vida pessoal, social e acadêmico-profisional das pessoas por ele acometidas (World Health Organization, 2004). Nos Estados Unidos, o TCE está entre as principais causas de mortalidade e morbidade. No Brasil, a situação é semelhante. Estima-se que ocorram anualmente 57 mil mortes relacionadas ao TCE, enquanto outros cerca de 50 mil apresentam sequelas decorrentes do quadro (Stefani, Marrones, & Marrone, 2008).

As sequelas devido à lesão podem ser imediatas e incluir lesão axonal difusa, contusões corticais e o rompimento de pequenos vasos sanguíneos. Além disso, existem alterações secundárias, tais como, edema, hematomas, instabilidade hemodinâmica e hidrocefalia, que podem exacerbar ainda mais os prejuízos neurobiológicos e funcionais (National Institutes of Health, 1998). As dificuldades de processamento da atenção encontradas após um TCE estão em parte relacionadas a lesões nos lobos frontais, em particular na substância branca que conecta as regiões frontal, parietal e estriatal. Essas alterações resultam em dificuldade para focar em um objetivo, bem como em queixas frequentes de dificuldade de concentração e de lentidão de processamento (Chan, 2000; Dockreea et al., 2004; Perbal, Couillet, Azouvi, & Pouthas, 2003).

Existem muitos estudos sobre os déficits atencionais nos quadros pós-TCE, em geral, relatando alterações em atenção dividida (Stuss et al., 1989) e sustentada (Chan, 2000; Dockreea et al., 2004, 2006). No entanto, há poucos estudos que investigam a atenção seletiva através do desempenho em testes de cancelamento, paradigma reconhecido por avaliar de modo acurado déficits atencionais e síndromes neurológicas mais específicas (Ferber & Karnath, 2001). Uma exceção é a pesquisa de de Hills e Geldmacher (1998), em que se utilizaram testes de cancelamento para examinar pacientes com TCE e controles emparelhados por idade e escolaridade. De acordo com os autores parecem existir alterações específicas no escaneamento visual ou no funcionamento da atenção concentrada após TCE.

Dentre as síndromes clínicas neurológicas que englobem déficit de processamento atencional-perceptivo destaca-se a heminegligência (HN) (Zoccolotti et al., 2011). Este quadro, diferentemente da dificuldade de acuidade visual, faz com que a pessoa não atenda a um dos lados do espaço, podendo ser uma das características do transtorno, a falta de consciência sobre tais sequelas - anosognosia (Berryman, Rasavage, & Politzer, 2010).

Existem alguns estudos sobre reabilitação relatando que pacientes com TCE apresentam muitas sequelas atencionais-perceptivas. Dentre a mais frequente estaria a HN (Berryman et al., 2010; Mc-Carthya, Beaumon, Thompson & Pringle, 2002). Além disso, os mesmos estudos descrevem que esse déficit está fortemente relacionado à redução da independência e do autocuidado do paciente (García-Peña, & Sánchez-Cabeza, 2004; Niemeier, 2010). De tal forma, outras alterações da qualidade de vida dos pacientes podem ser acarretadas pela ocorrência da HN.

Em contrapartida, apesar da HN ser amplamente investigada em lesões cerebrovasculares unilaterais (Azouvi et al., 2002, 2006; Bailey, Riddoch, & Crome, 2004, 2000; Beis et al., 2004; Chen-Sea, 2001; Gottesman, Bahrainwala, Wityk, & Hillis, 2010), existem poucos estudos específicos com TCE interessados na avaliação neuropsicológica dessa síndrome. Após levantamento em bases indexadas (PubMed, LILACS e PsycINFO), encontrou-se apenas um estudo que reporta a incidência de 45% de HN em TCE (Mckenna, Cooke, Fleming, Jefferson, & Ogden, 2006). Pode-se pensar então que a HN é frequentemente subdiagnosticada em populações com TCE.

Algumas das hipóteses para esta reduzida frequência de investigação podem estar relacionadas à falta de consciência do déficit pelos pacientes - o quadro anteriormente referido como anosognosia, além do fato de que em casos leves e moderados as seqüelas não fiquem tão evidentes (Sutter, 1995). Além disso, o fato do TCE ser conhecido como um caso difuso pode despertar menos interesse da equipe médica em examinar a possibilidade de ocorrência de HN, na medida em que estudos sobre essa síndrome está tradicionalmente mais associada a lesões cerebrais unilaterais (Rengachary, He, Shulman, & Corbetta, 2011; Vossel et al., 2011).

Outro aspecto relevante que pode contribuir para esta exploração ainda insuficiente pelo tema em estudo está relacionado à escolha dos instrumentos utilizados, bem como aos critérios para caracterização da HN. Os testes de cancelamento com estímulos distribuídos de forma pseudoaletória e com distratores são as ferramentas consideradas mais sensíveis para avaliar HN (Azouvi et al., 2006; Gauthier & Joanette, 1989; Vanier et al., 1990). Para os autores do Teste de Cancelamento dos Sinos (Gauthier, Dehaut, & Joanette, 1989), o ponto de corte utilizado como indício de HN é de mais de quatro omissões em um dos hemicampos da folha de aplicação. Dessa forma, este estudo visou a caracterizar a ocorrência da HN e de déficits atencionais em pacientes com TCE a partir de tarefas de cancelamento.


Método

Participantes

Participaram dessa pesquisa uma amostra de 23 pacientes que sofreram TCE fechado confirmado por exame de imagem e/ou laudo da lesão e selecionados de forma consecutiva e 21 controles emparelhados por idade e escolaridade. Os critérios de exclusão para população clínica foram acometimento neurológico além do TCE, uso de antipsicóticos e drogas ilícitas, distúrbios sensoriais (auditivos e/ou visuais não corrigidos). Dessa amostra, foram excluídos 2 pacientes por abuso de drogas ilícitas. Dessa forma, a amostra final foi formada por 21 pacientes. Os controles deveriam possuir os mesmos critérios já listados para os pacientes, exceto a presença de TCE, bem como, apresentar desempenho igual ou maior dos pontos de corte (analfabetos=21, baixa escolaridade=22, intermediária=23 e alta=24) no Mini Exame do Estado Mental (MEEM) de acordo com idade e escolaridade (Kochhann et al., 2010). Os pacientes foram selecionados em hospitais, ambulatórios e por conveniência, já os controles foram selecionados por conveniência em grupos de convivência ou do banco de normatização das tarefas de cancelamento utilizadas. Na Tabela 1 as características sociodemográficas dos grupos e o desempenho no MEEM encontram-se resumidas.

Na Tabela 1 pode-se observar que não existe uma diferença significativa entre os grupos quanto à idade, sexo, escolaridade e escore socioeconômico. No entanto, os grupos se diferenciam quanto ao escore do MEEM, o que é esperado uma vez que esse instrumento é utilizado como screening para avaliação de aspectos cognitivos e após TCE inúmeras sequelas cognitivas podem ocorrer. Na Tabela 2 seguem as características clínicas da amostra de pacientes pós-TCE.

Observa-se uma distribuição de 48% de pacientes com lesões à esquerda e 29%, com lesões difusas e 23%, com lesões em outros locais. Além disso, existe o dobro de TCE graves do que leves e parece haver um equilíbrio entre a distribuição de lesões corticais e subcorticais.

Procedimentos e instrumentos

A breve avaliação neuropsicológica foi efetuada em uma sessão, com duração de uma hora, que foi reduzida quando necessário de acordo com os sinais de fadiga. A participação de todos participantes foi voluntária e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (protocolo número 09/04908). Os instrumentos utilizados são descritos abaixo.

  1. O Teste de Cancelamento dos Sinos (TS) (Gauthier, Dehaut, & Joanette, 1989) é um instrumento de cancelamento de alvos dentre distratores que avalia atenção concentrada e seletiva, assim como percepção visual adaptado ao Português Brasileiro pelo Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental, Fonseca et al. (in press). O indivíduo deve cancelar com um traço todos os sinos que vê em uma folha onde há 315 figuras misturadas. Entre estas, há 35 sinos. A tarefa do examinando é localizá-los livremente, em sete zonas diferentes. Esse teste permite identificar a estratégia de busca dos sinos, a coluna em que o primeiro sino foi cancelado e se as omissões restringem-se a uma zona em particular. A pontuação inclui um escore total de erros (distratores cancelados) e de omissões (acurácia), assim como mensuração do tempo de realização. O ponto de corte sugerido é mais que quatro omissões em um dos hemicampos da folha de aplicação (Lezak, Howieson, & Loring, 2004; Strauss, Sherman, & Spren, 2006).

  2. O Teste de Cancelamento de Linhas é um subteste denominado Heminegligência Visual no Instrumento de Avaliação Neuropsicológico Breve NEUPSILIN (Fonseca, Salles, & Parente, 2008, 2009), que segue os mesmos pressupostos teóricos com equivalência metodológica ao paradigma do Albert Test (Albert, 1973; Strauss et al., 2006). O objetivo é riscar todas as 35 linhas dispostas em uma folha, sem distratores. As variáveis avaliadas são o número de acertos (número de linhas riscadas). De acordo com o manual do Neupsilin, o ponto de corte para o diagnóstico de HN é três ou mais riscos omitidos no mesmo quadrante. O tempo de administração é em geral inferior a um minuto.

Quanto à detecção de indícios de HN, o ponto de corte utilizado foi aquele sugerido pela literatura e o julgamento foi realizado por uma avaliação duplo cega de dois clínicos experientes no diagnóstico de HN. Aqueles protocolos cujo julgamento apresentou discordância foram submetidos a um terceiro avaliador para consenso.


Análise dos dados

Os dados foram analisados descritiva e inferencialmente. A partir de uma análise pelo Teste t de Student para amostra independentes, compararam-se entre grupos os dados de caracterização sociodemográfica e variáveis dependentes quantitativas do TS. Com o intuito de verificar se havia diferença entre a distribuição das variáveis categóricas entre grupos utilizou-se o Qui-Quadrado. Foram consideradas significativas as diferenças com p ≤.05.


Resultados

Segue na Tabela 3 a comparação de desempenho entre os pacientes e controles nas variáveis quantitativas do TS. Ressalta-se que apenas as variáveis que apresentaram diferença significativa são apresentadas.

Na Tabela 3 observa-se pior desempenho dos pacientes com TCE que os controles nas principais variáveis do TS. A diferença significativa entre grupos no escore E-D é reforçado pela diferença limítrofe no escore total de omissões à E (p=.08). Segue a Tabela 4 com a comparação entre grupos quanto à distribuição das variáveis qualitativas do TS.

Na Tabela 4 pode-se observar uma prevalência significativa de estratégia desorganizada nos pacientes com TCE. No entanto, não houve diferença siginificativa quanto à outra variável qualitativa do TS. Mais especificamente, para complementar o entendimento da ocorrência de omissões no grupo clínico, a Tabela 5 apresenta o número de omissões por caso nos pacientes com TCE nos hemicampos à esquerda e à direita da folha de aplicação do TS, com respectiva descrição do local da lesão para análise da relaççao entre lado heminegligenciado e lado lesional. Os escores Z positivos ≥1.5 referemse a um déficit sugestivo de HN à esquerda, enquanto os escores Z negativos ≤-1.5, de HN à direita.

Observa-se na Tabela 5 que o TS possibilitou de acordo com as normas para idade e escolaridade identificar sete pacientes com lesão bilateral com HN à esquerda e um com HN à direita. Dos pacientes avaliados com a tarefa de Cancelamento de linhas, verificou-se que apenas o caso 17 apresentou HN, com três omissões à esquerda, dessa forma, apesar do grande número de omissões em ambos hemicampos, confirma-se o achado do TS.


Discussão

A presente pesquisa teve como objetivo comparar o desempenho TS entre um grupo clínico de adultos que sofreram TCE e controles saudáveis emparelhados. Tal análise comparativa possibilitou algumas inferências sobre a compreensão da ocorrência de HN mesmo após quadros neurológicos não exclusivamente unilaterais. Em geral, houve diferenças significativas entre os grupos no escore de omissões esquerda menos direita e na velocidade de processamento, havendo indícios diagnósticos de HN em 38% dos casos examinados.

Nos estudos mais recentes com pacientes com AVC e TS, o escore mais utilizado para verificar HN é o de omissões esquerda menos direita (Azouvi et al. 2002; Azouvi et al. 2006; Beis et al. 2004). Esse escore caracteriza a lateralização do déficit possibilitando verificar o hemicampo da folha com maior número de omissões.

A ocorrência de indícios de HN em 38% da amostra pode ser considerada relativamente alta para um quadro mais difuso como o TCE. Dos 21 casos estudados, seis foram identificados através do TS como tendo sinais sugestivos de HN; em contrapartida apenas um teve indícios de HN quando se utilizou a Teste de Cancelamento de Linhas. Isto reforça a hipótese da literatura de que o TS é um dos instrumentos mais sensíveis para detecção de HN. De acordo com os resultados apresentados, é possível que o fato de a tarefa de cancelamento de linhas não contar com distratores possa ter contribuído para a ocorrência de prováveis cinco falsos negativos (Vanier et al., 1990). A literatura é clara ao ressaltar a importância da presença de distratores para aumentar a acurácia de testes de cancelamento de alvos (Azouvi et al., 2006).

Verificou-se que os pacientes apresentaram um pior desempenho que os controles nas variáveis número de omissões à esquerda menos o número de omissões à direita e o tempo de execução da tarefa. Esses resultados estão associados com déficit de atenção visual unilateral e lentidão de processamento, respectivamente. Além disso, observou-se um maior uso de estratégias desorganizadas em pacientes do que em controles. O uso de estratégias desorganizadas está associado em geral a déficits em funções executivas (Butlera, Lawrenceb, Eskesa, & Kleinb, 2009; Mark, Woods, Ball, Roth, & Mennemeier, 2004). Nota-se, então, que a HN de pacientes pós-TCE pode estar associdada a déficits atencionais, perceptivos e/ou executivos de seleção de estratégias e de velocidade processual. Entretanto, não é possível determinar qual déficit está causando ou potencializado os demais, não sendo possível especificar quais são primários ou secundários. Em geral eles co-ocorrem no mesmo paciente, sendo relevante compreender seu funcionamento geral para possível inferência clínica e tratamento. Ademais, o TS parece ser uma ferramenta válida clinicamente para discriminar tais componentes cognitivos entre pacientes neurológicos e controles brasileiros, tal como vem sendo destacado internacionalmente (Azouvi et al., 2006; Ferber & Karnath, 2001).

No estudo de Hills e Geldmacher (1998), que avaliaram 20 pacientes com TCE grave e 20 controles com testes de cancelamento, identificou-se um pior desempenho dos pacientes com TCE em medidas de acurácia, tempo de execução e qualidade de busca. Entretanto, os autores não avaliaram o desempenho em relação à HN. No artigo de Laurent-Vannier et al. (2006) sobre crianças com lesões cerebrais adquiridas, 32 eram com TCE, sendo que dentre elas oito apresentavam lesão cerebral à direita, 12 à esquerda e 12 difusas. Das crianças com TCE avaliadas, cinco apresentavam HN no Teddy Bear Test, que é a versão infantil do TS. No estudo de Mckenna, Cooke, Fleming, Jefferson e Ogden (2006), com 31 pacientes com TCE e 195 controles, com o objetivo de avaliar alterações perceptivas através da Occupational Therapy Adult Perceptual Screening Test (OT-APST), identificou-se 45% da população clínica com HN; entretanto, os subtestes dessa bateria não incluíam tarefas de cancelamento. Pode-se observar que os achados necessitam de maiores evidências quanto ao desempenho de pacientes exclusivamente com lesão causadas por TCE em tarefas de cancelamento, pois não parece existir estudos na literatura com população adulta que discutam o paradigma abordado nessa pesquisa. Entretanto, os achados apresentados parecem ser coerentes com a incidência de HN em populações com lesões cerebrais, além disso, os estudos de reabilitação com TCE são categóricos em afirmar que a HN está entre os déficits mais freqüentes e de pior prognóstico para os pacientes neurológicos (Berryman, Rasavage, & Politzer, 2010; García-Peña & Sánchez-Cabeza, 2004; Hills & Geldmacher, 1998; McCarthya et al., 2002; Mckenna et al., 2006; Niemeier, 2010; Sutter, 1995; Warren, 1993).

Parece, dessa forma, que existe uma prevalência significativa de pacientes com TCE que apresentam a síndrome de HN. Uma hipótese para esse desempenho na amostra estudada pode estar relacionado ao tipo de lesão. Esse resultado fica ainda mais surpreendente uma vez que a HN está nesse estudo relacionado a quadros bilaterais. Supõe-se, então, que em amostras com mais casos de TCE com lesão de HD esse resultado fique ainda mais expressivo. Além disso, os achados são condizentes e reforçam a teoria da rede atencional que explica que o HD foca atenção para o hemicampo direito e esquerdo (Sutter, 1995). Dessa forma lesões corticais e subcorticais nas regiões neuroanatomicas envolvidas podem acarretar o déficit aqui identificado.

Quanto às ferramentas utilizadas no presente estudo, ambas mostraram ser instrumentos de rápida aplicabilidade podendo ser utilizadas em diversos contextos da saúde. Sugere-se que, em virtude de sua maior sensibilidade, o TS seja incluído em baterias de avaliação neuropsicológicas de rotina para pacientes neurológicos. No entanto, sabe-se das limitações desse estudo em especial quanto à falta de representatividade igualitária desta amostra única de pacientes com TCE, por esta ser inerentemente heterogênea com diferentes níveis de severidade e de locais de lesão, por exmeplo. Por outro lado, idealmente com uma amostra maior, subgrupos clínicos por lateralidade lesional, etiologia, nível de severidade e características de lesão poderiam ter sido comparados entre si. Do mesmo modo, seria possível a avaliação e comparação de pacientes com TCE com e sem HN em diferentes tarefas para avaliação neuropsicológica, evidenciando a gravidade de cada aspecto cognitivo. Assim, em futuros estudos com esta representatividade de subgrupos clínicos pós-TCE, será possível um melhor entendimento da relação entre o desempenho nesses instrumentos de cancelamento e demais tarefas de avaliação da HN (leitura, escrita, praxia construtiva, por exemplo), buscando-se uma caracterização mais clara da HN neste quadro mais difuso.



Referências

Albert, M. L. (1973). A simple test of visual neglect. Neurology, 23, 658-664.         [ Links ]

Azouvi, P., Bartolomeo, P., Beis, J-M., Perennoud, D., Pradat-Diehl, P. & Rousseaux, M. (2006). A battery of tests for the quantitative assessment of unilateral neglect. Restorative Neurology and Neuroscience, 24, 273-285.         [ Links ]

Azouvi, P., Couillet, J., Leclercq, M., Martin, Y., Asloun, S. & Rousseaux, M. (2004). Divided attention and mental effort after severe traumatic brain injury. Neuropsychologia, 42, 1260-1268.         [ Links ]

Azouvi, P., Samuel, C., Louis-Dreyfus, A., Bernati, T., Bartolomeo, P., Beis, J. M., Chokron, S., Leclercq, M., Marchal, F., Martin, Y., De Montety, G., Olivier, S., Perennou, D., Pradat-Diehl, P., Prairial, C., Rode, G., Siéroff, E., Wiart, L. & Rousseaux, M. (2002). Sensitivity of clinical and behavioural tests of spatial neglect after right hemisphere stroke. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 73 (2), 160-166.         [ Links ]

Bailey, M. J., Riddoch, M. J. & Crome, P. (2004). Test-retest stability of three tests for unilateral visual neglect in patients with stroke: Star Cancellation, Line Bisection, and the Baking Tray Task. Neuropsychological Rehabilitation, 14 (4), 403-419.         [ Links ]

Bailey, M. J., Riddoch, M. J. & Crome, P. (2000). Evaluation of a test battery for hemineglect in elderly stroke patients for use by therapists in clinical practice. NeuroRehabilitation, 14 (3), 139-150.         [ Links ]

Beis, J. M., Keller, C., Morin, N., Bartolomeo, P., Bernati, T., Chokron, S., Leclercq, M., Louis-Dreyfus, A., Marchal, F., Martin, Y., Perennou, D., Pradat-Diehl, P., Prairial, C., Rode, G., Rousseaux, M., Samuel, C., Sieroff, E., Wiart, L. & Azouvi, P. (2004). Right spatial neglect after left hemisphere stroke: qualitative and quantitative study. Neurology, 63 (9), 1600-1605.         [ Links ]

Berryman, A., Rasavage, K. & Politzer, T. (2010). Practical clinical treatment strategies for evaluation and treatment of visual field loss and visual inattention. NeuroRehabilitation, 27, 261-268.         [ Links ]

Butlera, B. C., Lawrenceb, M., Eskesa, G. A. & Kleinb, R. (2009). Visual search patterns in neglect: Comparison of peripersonal and extrapersonal space. Neuropsychologia, 47, 869-878.         [ Links ]

Chan, R.C.K. (2000). Attentional deficits in patients with closed head injury: A further study to the discriminative validity of the test of everyday attention. Brain Injury, 14 (3), 227-236.         [ Links ]

Chen-Sea, M. (2001). Unilateral neglect and functional significance among patients with stroke. Occupational Therapy Journal of Research, 21 (4), 223-240.         [ Links ]

Dockreea, P. M., Kellyb, S. P., Rochea, R. A. P., Hoganc, M. J., Reillyb, R. B. & Robertson, I. H. (2004). Behavioural and physiological impairments of sustained attention after traumatic brain injury. Cognitive Brain Research, 20, 403-414.         [ Links ]

Dockree, P. M., Bellgrove, M. A., Fiadhnait, M., O'Keeffe, Moloney, P., Aimola, L., Carton, S. & Robertson, I. H. (2006). Sustained attention in traumatic brain injury (TBI) and healthy controls: Enhanced sensitivity with dual-task load. Experimental Brain Research, 168, 218-229.         [ Links ]

Ferber, S. & Karnath, H-O. (2001). How to assess spatial neglect: Line bisection or cancellation tasks? Journal of Clinical and Experimental Neuropsychology, 23 (5), 599-607.         [ Links ]

Fonseca, R.P., Parente, M.A.M.P., Ortiz, K. Z., Soares, E.C.S., Scherer, L. C., Gauthier, L. & Joanette, Y (in press). Teste de Cancelamento dos Sinos. São Paulo, Brasil: Vetor Editora.         [ Links ]

Fonseca, R.P., Salles, J.F. & Parente, M.A.M.P. (2009). Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN. Porto Alegre, Brasil: Vetor.         [ Links ]

Fonseca, R.P., Salles, J.F. & Parente, M.A.M.P. (2008). Development and content validity of the Brazilian Brief Neuropsychological Assessment Battery NEUPSILIN. Psychology & Neuroscience, 1 (1), 55-62.         [ Links ]

García-Peña, M. & Sánchez-Cabeza, A. (2004). Alteraciones perceptivas y práxicas en pacientes con traumatismo craneoencefálico: relevancia en las actividades de la vida diária. Revista de Neurología, 38 (8), 775-784.         [ Links ]

Gauthier, L., Dehaut, F. & Joanette, Y. (1989). The bells test: A quantitative and qualitative test for visual neglect. International Journal of Clinical Neuropsychology, 11 (2), 49-54.         [ Links ]

Gottesman, R. F., Bahrainwala, Z., Wityk, R. J., & Hillis, A. E. (2010). Neglect is more common and severe at extreme hemoglobin levels in right hemispheric stroke. Acta Neurologica Scandinavica, 21 , 1641-1645.         [ Links ]

Hills, E. C. & Geldmacher, D. S. (1998). The effect of character and array type on visual spatial search quality following traumatic brain injury. Brain Injury, 12, 69-76.         [ Links ]

Kochhann, R., Varela, J.S., Lisboa, C.S.L. & Chaves, M.L.F. (2010). The mini mental state examination: Review of cutoff points adjusted for schooling in a large Southern Brazilian sample. Dementia Neuropsychologia, 4 (1), 35-41.         [ Links ]

Laurent-Vannier, A., Chevignard, M., Pradat-Diehl, P., Abada, G. & De Agostini, M. (2006). Assessment of unilateral spatial neglect in children using the Teddy Bear Cancellation Test. Developmental Medicine and Child Neurology, 48(2), 120-125.         [ Links ]

Lezak, M., Howieson, D. & Loring, D. (2004). Neuropsychological assessment. USA: Oxford.         [ Links ]

Mark, V. W., Woods, A. J., Ball, K. K., Roth, D. L. & Mennemeier, M. (2004). Disorganized search on cancellation is not a consequence of neglect. Neurology, 63 (1), 78-84.         [ Links ]

McCarthya M., J., Beaumon, G., Thompson, R. & Pringle, H. (2002). The role of imagery in the rehabilitation of neglect in severely disabled brain-injured adults. Archives of Clinical Neuropsychology, 17, 407-422.         [ Links ]

Mckenna, K., Cooke, D. M., Fleming, J., Jefferson, A., & Ogden, A. (2006). The incidence of visual perceptual impairment in patients with severe traumatic brain injury. Brain Injury, 20 (5), 507-518.         [ Links ]

National Institutes of Health. (1998). Rehabilitation of persons with traumatic brain injury. United States National Institutes of Health Consensus Statement, 16, 1-41.         [ Links ]

Niemeier, J. P. (2010). Neuropsychological assessment for visually impaired persons with traumatic brain injury. NeuroRehabilitation, 27, 275-283.         [ Links ]

Pawlowski, J. (2007). Evidências de validade e fidedignidade do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Porto Alegre Rio Grande do Sul.         [ Links ]

Perbal, S., Couillet, J., Azouvi, P. & Pouthas, V (2003). Relationships between time estimation, memory, attention, and processing speed in patients with severe traumatic brain injury. Neuropsychologia, 41, 1599-1610.         [ Links ]

Rengachary, J., He, B.J., Shulman, G.L. & Corbetta, M. (2011). A behavioral analysis of spatial neglect and its recovery after stroke. Frontiers in Human Neuroscience, 5 (29), 1-13.         [ Links ]

Stefani, M. A., Marrones, A. C. H., & Marrone, L. P. (2008). Traumatismo craniencefálico. In M. F. L. Chaves, A. Finkilsztejn, & M. A. Stefani (Orgs.), Rotinas em neurologia e neurocirurgia (pp. 523-534). Porto Alegre, Brasil: Artmed.         [ Links ]

Strauss, E., Sherman, E., & Spren, O. (2006). A compendium of neuropsychological tests: Administration, norms and commentary (3a. ed.). New York, USA: Oxford.         [ Links ]

Sutter, P. S. (1995). Rehabilitation and management of visual dysfunction following traumatic brain injury. En M. J. Ashley, & D. K. Krych (Orgs.), Traumatic brain injury rehabilitation (pp. 187-216). Boca Raton, USA: CRC Press.         [ Links ]

Vanier, M., Gauthier, L., Lambert, J., Pepin, E. P., Robillard, A., Duboluloz, C. J., Gagnon, R. & Joannette, Y. (1990). Evaluation of left visuoespatial neglect: Norms and discrimination power of two tests. Neuropsychology, 4, 87-96.         [ Links ]

Vossel, S., Eschenbeck, P., Weiss, P. H., Weidner, R., Saliger, J., Karbe, H. & Fink, G. R. (2011). Visual extinction in relation to visuospatial neglect after right-hemispheric stroke: Quantitative assessment and statistical lesion-symptom mapping. Journal of Neurology, Neurosurgery & Psychiatry, 82 (8), 862-868.         [ Links ]

Warren, M. (1993). A hierarchical model for evaluation and treatment of visual perceptual dysfunction in adult acquired brain injury, part 1. The American Journal of Occupational Therapy, 47 (1), 42-54.         [ Links ]

World Health Organization (2004). Rehabilitations for Persons with traumatic brain injury. World Health Organization United States Department of Defense Drucker Brain Injury Center. Philadelphia, USA: Moss Rehab Hospital.         [ Links ]

Zoccolotti, P., Cantagallo, A., Luca, M., Guariglia, C., Serino, A. & Trojano, L. (2011). Selective and integrated rehabilitation programs for disturbances of visual/spatial attention and executive function after brain damage: a neuropsychological evidence-based review. European Journal of Physical and Rehabilitation Medicine, 47, 123-147.         [ Links ]