Intervenções com vistas à redução nos déficits das habilidades sociais e comunicativas de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) são frequentes no âmbito da Análise do Comportamento Aplicada (e.g., Custer et al., 2021). Na busca pelos melhores procedimentos para favorecer o estabelecimento da interação social funcional para pessoas com TEA, tem-se investido muito em pesquisas sobre o ensino de diferentes operantes verbais (Skinner, 1957), sendo a maioria de estudos sobre mando (DeSouza et al., 2017; Shafer, 1994).
O mando foi definido por Skinner (1957) como um operante verbal controlado por condições de privação ou estimulação aversiva, cuja forma da resposta especifica a consequência reforçadora em uma comunidade verbal. Contemporaneamente, as variáveis de controle do mando passaram a ser caracterizadas em termos das 'operações motivadoras' (OM), ou seja, das variáveis que alteram o valor reforçador de um estímulo e a probabilidade de ocorrência dos comportamentos que resultaram anteriormente na produção daquele estímulo reforçador (Laraway et al., 2003; Michael, 1988). Um exemplo de mando pode ser a vocalização "Me passa o joystick!" de uma criança dirigida a um colega, quando chega a sua vez de jogar uma partida de um jogo eletrônico.
Nas últimas décadas alguns estudos procuraram analisar e sistematizar os avanços e limitações da investigação sobre o ensino de mando. Shafer (1994) realizou uma análise qualitativa comparando os tipos de treino da habilidade de pedir publicados até então, além de avaliar a congruência desses procedimentos com a caracterização do mando na proposta de Skinner (1957). A autora identificou três tipos de intervenção para ensino de mando: treino incidental (oportunidades de ensino, iniciadas pelo aprendiz, são realizadas durante as atividades do dia a dia), procedimento de escolha (são ensinadas respostas que indicam a escolha de um item/atividade entre diferentes opções) e procedimento de interrupção de cadeia (são ensinadas respostas que permitem obter um item/realizar uma atividade que possibilita concluir uma cadeia comportamental). Shafer apontou que este último procedimento se mostrou mais coerente com a proposta skinneriana, especialmente por garantir que uma OM foi efetivamente manipulada durante o ensino do mando. Ela ressaltou que os efeitos das OM não condicionadas (efeitos derivados da história filogenética) e OM condicionados (efeitos derivados da história do indivíduo) (Michael, 1993) no ensino de mando deveriam ser melhor investigados.
Brady et al. (1994) realizaram uma revisão con-ceitual de intervenções com ensino de mando para participantes com repertório verbal limitado. Considerando o tipo de resposta, procedimento e consequência, os autores identificaram cinco categorias de intervenções: ensino de respostas de mando inespecíficas (respostas de aceite e recusa, mandos generalizados), mando por item específico (como brinquedos e alimentos), interrupção de cadeia com bloqueio de item (mando por itens cujo acesso é impedido pelo professor e são necessários para a conclusão de uma tarefa), interrupção de cadeia com item ausente (mando por itens que não estão presentes e são necessários para completar uma tarefa), e substituição de comportamentos disruptivos (respostas socialmente aceitáveis que substituem comportamentos disruptivos). Em conclusão similar a Shafer (1994), os estudos com interrupção de cadeia com item ausente foram considerados os mais vantajosos, por apresentarem maior controle da OM (e.g., Sigafoos et al., 1989).
Ainda sob o mesmo escopo, Wallace (2007) realizou uma análise dos procedimentos de ensino de mando a pessoas com transtornos de fala e linguagem. A autora descreveu dois tipos de treino realizados até então: treino de mando como único operante (citando as três categorias e algumas pesquisas já discutidas em Shafer, 1994) e treino de operantes de facilitação de mando (efeitos do ensino de diferentes operantes verbais [ex., tato, ecoico, in-traverbal] na emergência ou inibição do mando). Além da importância da OM como ponto de partida para planejamento de intervenções, a autora indicou necessidade de expandir as investigações sobre o processo de aquisição de operantes verbais, a independência entre os operantes, avaliando também as variáveis que interferem nesse processo e os repertórios que geram variabilidade na aquisição.
Algumas revisões sistemáticas têm indicado resultados predominantemente positivos sobre a produção de tecnologia eficaz para o ensino de mando. Carter e Grunsel (2001) revisaram as pesquisas publicadas entre 1985 a 2000 que utilizaram o procedimento de interrupção de cadeia de respostas com pessoas com deficiências severas. Os 10 estudos avaliados foram compostos por participantes de idades variadas (crianças, adolescentes e adultos), buscando ensinar, generalizar ou aumentar a taxa de mandos emitida pelos participantes. Os autores apontaram que os resultados indicaram a efetividade do procedimento de interrupção de cadeia para o ensino de mando, assim como evidências de seu efeito na generalização e manutenção desse repertório em grande parte dos artigos, mas indicaram a necessidade de estudos comparativos da eficácia desse procedimento com outras intervenções.
Raulston et al. (2013) revisaram pesquisas publicadas entre 1977 e 2011 que abordaram o treino de mando por informações para pessoas com TEA. Nos 21 estudos revisados foram identificados: perfil dos participantes e ambiente experimental, tipo de resposta de mando por informação, procedimentos de intervenção, delineamento e resultados. A maioria dos participantes era do sexo masculino, com média de idade de sete anos, e as pesquisas foram conduzidas predominantemente em escolas, residências e ambientes clínicos. As intervenções mais utilizadas envolveram fornecimento e esvanecimento de ajuda, reforçamento positivo, e manipulação da OM em condições específicas. Intervenções para o ensino de questões com "o que" e "onde" foram as mais utilizadas. Todos os estudos mostraram aquisição ou aumento de frequência dos mandos ensinados, com resultados de manutenção do repertório sendo predominantemente positivos, e resultados de generalização mistos.
Mais recentemente, DeSouza et al. (2017) realizaram uma revisão sistemática sobre o ensino de operantes verbais para crianças com TEA, e verificaram que o mando foi o operante mais utilizado (estando presente em 91 dos 172 estudos revisados). Uma contribuição importante desta revisão foi a descrição de uma série de variáveis independentes utilizadas para o treino de mandos básicos (contendo poucas palavras) e complexos (frases mais longas, utilização de autoclíticos, mandos por informações). Dentre elas, destacam-se os avanços na direção do que já fora sugerido nas revisões anteriores, como a manipulação da OM, avaliação de relações emergentes entre os operantes verbais e o ensino de respostas de comunicação alternativa, como imagens, sinais e via dispositivos eletrônicos. Os autores citaram também estudos que avaliaram o treino de cuidadores e profissionais para o ensino de mando, e o treino desse operante verbal como uma variável independente para a redução de comportamentos-problema (caracterizado como treino de comunicação funcional; Functional Communication Training, FCT).
Tomando em conjunto os estudos descritos previamente, é possível identificar os avanços e desafios gerais sobre o ensino de mando a partir de variados tipos de procedimentos de treino. Entretanto, devido à diversidade dos procedimentos sobre diferentes topografias de respostas, é importante identificar e sistematizar essas intervenções utilizadas com pessoas com TEA em relação a outras características dos estudos que não foram amplamente avaliadas.
Shafer (1994), Brady et al. (1994) e Wallace (2007) não tiveram como objetivo realizar revisões sistemáticas dos procedimentos de ensino de mando, e mesmo suas análises conceituais não enfatizaram o ensino desse repertório para pessoas com TEA. Carter e Grunsel (2001) e Raulston et al. (2013) realizaram revisões sistemáticas sobre o ensino de mando, no entanto, avaliaram intervenções específicas (procedimentos de interrupção de cadeia e mando por informações, respectivamente). A revisão de DeSouza et al. (2017), que analisou o ensino de operantes verbais para crianças com TEA, abordou o ensino de mandos descrevendo amplamente as variáveis envolvidas, mas não houve uma avaliação quantitativa, detalhamento das características dos participantes, ambiente experimental e efetividade dos procedimentos. Os dados ausentes são importantes para a análise minuciosa dos procedimentos, como a identificação de intervenções efetivas para perfis específicos de participantes, extensão dos resultados para diferentes ambientes, preponderância de variáveis investigadas e repertórios ensinados, podendo indicar necessidades de pesquisas futuras em temas específicos.
Considerando as limitações existentes em cada revisão descrita anteriormente, na presente revisão sistemática buscou-se: (a) atualizar e ampliar o panorama das pesquisas que utilizaram procedimentos de ensino de mandos para indivíduos com TEA, identificando características dos participantes, ambientes experimentais, variáveis independentes e dependentes, e resultados obtidos; e (b) investigar possíveis relações entre as categorias analisadas.
Método
Procedimento de busca
Para a condução dessa revisão foram utilizadas as diretrizes do protocolo 'Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Anaysis' (PRISMA; Moher et al., 2009). As buscas foram realizadas nas bases de dados scopus, Web of Science e PUBMED. Em cada base de dados a palavra-chave "mand*" foi combinada, via o operador boleano AND, com "autism", em seguida com "developmental disabilit*", e por último com "intellectual disabilit*", restringindo o resultado da busca apenas a artigos, sem delimitação de ano de publicação. A última busca foi realizada no dia 17 de setembro de 2020.
A busca nas três bases de dados resultou em 1.619 artigos. Os títulos desses artigos foram lidos, sendo excluídos 496 duplicados. Em seguida, os resumos dos 1.123 artigos restantes foram lidos (ou todo o artigo, quando o resumo não fornecia informações suficientes), sendo selecionados aqueles que: (a) apresentavam uma pesquisa empírica de caráter analítico comportamental; (b) apresentavam a descrição de um ou mais procedimentos de ensino de mando; (c) tinham entre os participantes pelo menos uma pessoa diagnosticada com TEA; (d) apresentava os dados de aquisição do repertório de mando; (e) apresentava informações detalhadas sobre pelo menos duas das seguintes categorias de análise: participantes, ambientes, variáveis independente/dependente, e resultados; e (f) havia sido publicado em língua inglesa em periódico revisado por pares disponível online. Essa etapa da triagem resultou na seleção de 176 artigos que foram incluídos na revisão (ver figura 1).
Extração de dados
Os 176 artigos selecionados para análise foram lidos integralmente e as seguintes informações foram categorizadas e analisadas: (a) características dos participantes (quantidade, diagnóstico, sexo, idade e repertório); (b) ambientes experimentais; (c) variáveis independente e dependente (tipo de comportamento e descrição da resposta); e (d) efetividade das intervenções sobre as variáveis medidas.
A efetividade das intervenções sobre as variáveis medidas foi avaliada conforme análise dos autores de cada artigo e com base na inspeção visual de gráficos e tabelas, sendo categorizada como: (a) Totalmente efetiva: aumento nos índices de emissão de mandos (e no caso de treino de FCT somado à redução dos comportamentos-problema) e/ou alcance de critério de aprendizagem de todas as respostas treinadas para todos os participantes em relação à linha de base; (b) Não efetiva: ausência de modificação nos índices de todas as respostas dos participantes em relação à linha de base; (c) Parcialmente efetiva: resultado negativo para pelo menos um dos participantes e/ou uma das respostas; e (d) Mista: em estudos com mais de uma intervenção, resultados diferentes entre as intervenções. Procedimentos adicionais (remedia-tivos) para alcance do critério de aprendizagem após a finalização do procedimento principal não foram considerados para avaliação.
Procedimentos de acordo entre avaliadores
Acordo sobre a busca de artigos
Utilizando os termos e procedimentos de pesquisa de artigos nas bases de dados, um segundo avaliador independente realizou nova busca, comparando aos números obtidos pelo primeiro avaliador em cada base. O índice de acordo foi realizado para cada base de dados através do cálculo: (menor número de artigos encontrados/maior número de artigos encontrados) x 100. A média do acordo entre as bases de dados foi de 91 % (variando entre 86 % e 100 %).
Acordo sobre a inclusão de artigos
Um avaliador independente analisou aproximadamente 30 % dos artigos (n = 337) encontrados nas bases de dados (excluindo-se os duplicados), considerando título, resumo e, caso necessário, o texto completo para identificar se os estudos atendiam aos critérios de inclusão na revisão sistemática. Foram comparados os estudos incluídos e excluídos por ambos os avaliadores, e utilizada a seguinte fórmula para cálculo do índice de concordância: (Concordâncias/Concordâncias + Discordâncias) x 100. A porcentagem de acordos foi de 97 %.
Acordo sobre a extração de dados
Um segundo avaliador leu aproximadamente 30 % dos artigos (n = 53) incluídos na revisão, avaliando e descrevendo as mesmas categorias previamente mencionadas. Sendo assim, cada categoria ou subcategoria foi considerada uma unidade de comparação de acordo entre os avaliadores, utilizando-se a mesma fórmula descrita na seção anterior, referente ao acordo sobre a inclusão. O índice obtido foi de 91 %.
Resultados
A seguir estão descritos os dados quantitativos sintetizados relativos às características dos participantes e ambientes experimentais, variáveis independente e dependente e efetividade das intervenções de todos os 176 artigos incluídos na revisão.1
Análise quantitativa Participantes e ambiente
O total de participantes dos 176 artigos foi de 598, variando de 1 a 30 em cada experimento. A distribuição das principais características de participantes pode ser conferida na Tabela 1, frisando-se que era possível encontrar participantes com diferentes características em um mesmo estudo. Dentre os 168 estudos em que o sexo dos participantes foi especificado, a maior parte era do sexo masculino (estando presente em 97 % dos estudos, e constituindo 80 % do total de participantes). A maioria dos participantes tinha somente diagnóstico de TEA (74 %) ou TEA com comorbidades (14 %), sendo mais comuns Deficiência Intelectual e atrasos na linguagem (e.g., LaRue et al., 2011).
Categoria | Característica | n.° de participantes | n.° de artigos |
---|---|---|---|
Diagnóstico | Somente TEA | 440 | 149 |
TEA com comorbidade | 84 | 51 | |
Outros | 72 | 48 | |
Idade | 1 a 5 | 145 | |
6 a 10 | 127 | ||
11 a 15 | 47 | ||
16 a 20 | 9 | ||
Acima de 20 | 10 | ||
Sexo | Masculino | 436 | 163 |
Feminino | 106 | 72 | |
Repertório de entrada | Vocal | 302 | 106 |
Não vocal | 31 | 15 | |
Vocal não funcional ou não compreensível | 39 | 23 | |
Comunicação alternativa | 64 | 38 | |
Mais de um tipo de comunicação | 60 | 32 |
Fonte: elaboração própria
A identificação precisa da idade de cada participante não foi realizada, pois em vários estudos essa informação não estava disponível ou somente o intervalo de idade era indicado. Foram identificados participantes com idade entre 1 e 44 anos, sendo que 82 % do estudos continham pelo menos um participante na faixa etária de 1 a 5 anos, e 72 % na faixa de 6 a 10 anos. Em menor quantidade foram identificados estudos com participantes de 16 a 20 anos, somando 5 % dos artigos (e.g., LaRue et al., 2011).
Os estudos que avaliaram o repertório pré-intervenção dos participantes indicaram a utilização de 38 diferentes instrumentos e protocolos no total, sendo os mais frequentes o VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones Assessment and Placement Program; Sundberg, 2008), VABS (Vineland Adaptive Behavior Scales; Sparrow et al., 1984) e CARS (Childhood Autism Rating Scale; Schopler et al., 1988). A análise do repertório verbal dos participantes antes das intervenções foi realizada em 157 estudos, dentre os quais, 67 % continham pelo menos um participante com repertório vocal com comunicação funcional (representando 51 % dos participantes) (e.g., Brodhead et al., 2016), vocal não funcional (respostas vocais que não produzem consequências especificadas) ou não compreensível em 15 % (7 % dos participantes) (e.g., Kodak & Clements, 2009), presença de repertório verbal alternativo, como a comunicação por imagens, via eletrônico ou gestual em 24 % (11 % dos participantes) (e.g., Valentino & Shillingsburg, 2011) e repertório variado, ou seja, participantes que apresentaram mais de um tipo de topografia de comportamento verbal, em 20 % (10 % dos participantes) (e.g., Chezan et al., 2016). Em 10 % dos estudos havia pelo menos um participante sem qualquer tipo de repertório vocal ou outras formas de comunicação (5 % dos participantes) (e.g., Drasgow et al., 2015).
Dentre os 168 estudos em que houve especificação do ambiente de pesquisa, 39 % foram realizados somente em escolas (e.g., Hung, 1980), 15 % somente no domicílio dos participantes (e.g., Johnson et al., 2004), 22 % somente em centros de atendimento ou pesquisa, incluindo clínicas e universidades (e.g., Rodriguez et al., 2017), e 1 % somente em hospitais (e.g., Kern et al., 1997). Em 22 % dos estudos foi utilizado mais de um ambiente.
Variáveis independente e dependente
Um dos critérios para seleção dos artigos considerou a presença do treino de mando, sendo acompanhado ou não por outras variáveis manipuladas e medidas. Com frequência foram identificadas em um único estudo mais de uma variável dependente (VD) e independente (vi), sendo possível conferi-las com mais detalhes na tabela disponibilizada em https://www.researchgate.net/publication/364221203_Tabela_1_Descricao_das_categorias_de_analise_ dos_artigos_incluidos_em_Martins_JCT_Souza_ CBA_2022_Ensino_de_mandos_para_pessoas_com_TEA_Uma_revisao_sistematica_Avances_en_ Psicologia_Latinoamericana_403. Considerando o foco da presente revisão, aqui foram apresentadas somente as variáveis relacionadas ao repertório de mando (ver figura 2).
As VDS mais frequentes foram mando por item, como comestíveis, brinquedos, eletrônicos e outros (presente em 72 % dos artigos; e.g., Fragale et al., 2012), redução de comportamentos-problema (ex., heterolesivos) com substituição por mandos socialmente adequados (presente em 27 %; e.g., DeLeon et al., 2000), mando por informação (14 %; e.g., Howlett et al., 2011), e mando por intervalo para pausar uma atividade (13 %; e.g., Johnson et al., 2004). Os parceiros de comunicação foram majoritariamente adultos, mas o treino de mandos direcionados a pares foram encontrados em 7 % dos estudos (e.g., Strasberger & Ferreri, 2013).
A topografia de resposta de mando mais comum nos treinos foi a vocal (presente em 68 % dos estudos; e.g., Endicott & Higbee, 2007). Outras topografias foram: mandos via imagens (28 %; e.g., Johnson et al., 2004), mandos via eletrônico (22 %; e.g., Strasberger & Ferreri, 2013), e mandos gestuais (19 %; e.g., Drasgow et al., 1998).
Em relação às vis, o treino mais simples, somente com fornecimento de ajuda e reforçamento diferencial de respostas alvo, foi a vi mais utilizada nos artigos revisados (presente em 22 %; e.g., Barlow et al., 2013). Em seguida, foram mais frequentes a manipulação da OM (presente em 18 %; e.g., Fragale et al., 2012) e a utilização de esquemas de reforçamento (15 %; e.g., DeLeon et al., 2000). Também foi frequente o treino de comunicação funcional (Functional Communication Training, FCT) (presente em 12 %; e.g., Kunnavatana et al., 2018), e o treino de aplicadores (profissionais ou familiares) (9 %; e.g., Loughrey et al., 2014). Uma grande variedade de manipulações experimentais menos frequentes individualmente (e.g., correspondência entre a resposta e a consequência, Ya-mamoto & Mochizuki, 1998; treino via aplicativo de comunicação assistido por pares, Strasberger & Ferreri, 2013) foi agrupada na categoria 'outra', que apresentou o maior índice geral (42 %), pela somatória dessas vis.
Avaliação da efetividade das intervenções
Os dados de efetividade dos procedimentos de ensino no que concerne a respostas de mando por item/informação, redução de comportamentos-problema via emissão de mando funcionais e treino de aplicadores para o ensino de mando (VDS mais frequentes) estão apresentados na tabela 2. As respostas de mando foram avaliadas em termos de aquisição, generalização, manutenção e variação na topografia das repostas, sendo que os procedimentos de ensino foram totalmente efetivos relativamente: (1) a aquisição em 68 % dos artigos nos quais esse tipo de VD foi avaliado (e.g., Yamamoto & Mochizuki, 1998); (2) a generalização em 45 % dos artigos (e.g., Tincani et al., 2006); (3) a manutenção em 74 %; e (4) a variação na topografia em 50 %. Os procedimentos foram parcialmente efetivos no que diz respeito a generalização em 43 % dos artigos (e.g., Rodriguez et al., 2017) e em 42 % no que tange à variação na topografia dos mandos (e.g., Drasgow et al., 2015).
Verificou-se que em 79 % dos artigos nos quais foi avaliado o efeito do ensino de mandos funcionais na redução de comportamentos-problema, o procedimento foi totalmente efetivo (e.g., DeLeon et al., 2000). O procedimento também se mostrou totalmente efetivo para a manutenção dessa aprendizagem em cinco dos seis estudos que avaliaram esse aspecto (e.g., Wacker et al., 2008).
Em 87 % dos estudos (n = 15) que avaliaram a aprendizagem de aplicadores de ensino de mando, as intervenções foram totalmente efetivas (e.g., Loughrey et al., 2014). As intervenções também se mostraram totalmente efetivas em: (1) dois de três estudos que avaliaram a manutenção das respostas adquiridas (Aktas & Ciftci-Tekinarslan, 2018; McCulloch & Noonan, 2013); e (2) no único estudo em que foi identificada avaliação de generalização do repertório aprendido (Nigro-Bruzzi & Sturmey, 2010).
Tipo de variável dependente | n.° de artigos | Efetividade da intervenção | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Total | Parcial | Mista | Não efetiva | |||
Respostas de mando por item/informação | Aquisição | 168 | 68 % | 18 % | 13 % | 1 % |
Generalização | 69 | 45 % | 43 % | 9 % | 3 % | |
Manutenção | 50 | 74 % | 18 % | 4 % | 4 % | |
Variação | 12 | 50 % | 42 % | 8 % | 0 % | |
Comportamentos-problema | Redução | 43 | 79 % | 14 % | 5 % | 2 % |
Manutenção | 6 | 83 % | 17 % | 0 % | 0 % | |
Treino de aplicadores | Aquisição | 15 | 87 % | 13 % | 0 % | 0 % |
Generalização | 1 | 100 % | 0 % | 0 % | 0 % | |
Manutenção | 3 | 67 % | 33 % | 0 % | 0 % |
Fonte: elaboração própria
Análise qualitativa
Avaliando os números obtidos foi possível identificar relações prevalentes entre as categorias. Uma análise mais minuciosa do perfil dos participantes mostra nuances em alguns aspectos discutidos a seguir. Foi identificada grande variabilidade de perfis dos participantes relacionada à vi 'reforçamento diferencial e ajuda', e às VDS 'mando por item' e 'mando para redução de com-portamentos-problema', possivelmente por não exigirem repertórios prévios específicos. Em contrapartida, participantes com repertório prévio de mando por item foram identificados em vários estudos de ensino de mando por informação com pronomes interrogativos. Esses participantes já possuíam uma habilidade pré-requisito para os procedimentos utilizados no ensino de mando por informação dessas pesquisas. Em procedimentos desse tipo, a primeira resposta exigida na tentativa de ensino era a emissão do mando por item (exemplo: "me dá a bola"), que era replicada por uma resposta verbal do experimentador (exemplo: "agora não pode"), a qual funcionava como OM para o mando por informação (exemplo: "quando?") (e.g., Landa et al., 2017).
Outra forte correspondência foi entre o ensino de mandos para recusar ou aceitar um item oferecido, e a presença de, no mínimo, repertório ecoico ou mandos gestuais (e. g., Chezan et al., 2016; Hung, 1980). Estudos cuja VD era a 'emergência de respostas de mando ou outro operante' também se destacam pela presença de participantes que já possuíam comportamento verbal de algum tipo (predominantemente vocal) (e. g., Finn et al., 2012; Nuzollo-Gomez & Greer, 2004).
Houve prevalência de utilização de ambientes já frequentados pelos participantes para a condução dos estudos, sendo a escola quando havia participantes de menor faixa etária (e.g., Landa et al., 2017), e centros de atendimento e os domicílios dos participantes para os de maior faixa etária (e. g., Kunnavatana et al., 2018).
Analisando as vis em relação às VDS (respostas avaliadas), verificou-se que a vi 'reforçamento diferencial e fornecimento de ajuda' foi comu-mente utilizada para o ensino de 'mando por item', sendo essa a VD também mais frequente nos estudos analisados, produzindo resultados efetivos consistentes. A manipulação da OM apareceu como a segunda vi mais utilizada no treino de diversos tipos de mando, mas mais comumente de mando por informações, e era caracterizada pela alternância entre operação estabelecedora e abolidora.
O FCT (Functional Communication Training) também foi uma vi amplamente utilizada. Frequentemente combinado com esquemas de reforçamento, presentes em estudos que buscavam comparar o padrão de emissão de mandos apropriados com o padrão de comportamentos-problema em diferentes condições de reforçamento (e. g., Johnson et al., 2004). Os estudos com FCT envolveram com mais frequência o ensino de mandos por item e por intervalo das atividades (e. g., Silbaugh et al., 2020), que assumiam a mesma função identificada para os comportamentos-problema.
Outra relação importante entre variáveis foi a utilização recorrente do Treinamento de Habilidades Comportamentais (Behavioral Skills Training, BST) -que conta com um conjunto de procedimentos (instruções, ensaio, modelação e feedback) para ensinar habilidades diversas (e.g., Nigro-Bruzzi & Sturmey, 2010)- no treinamento de aplicadores, que produziu resultados 100 % efetivos para a aquisição pelos aplicadores das habilidades treinadas.
Quando analisados os dados relativos para cada tipo de mando (VD) identificado, destaca-se a alta efetividade para a aquisição de mandos por informação e mandos para remoção ou recusa de um item, que obtiveram efetividade total, respectivamente, em 88 % (e.g., Endicott & Higbee, 2007) e 86 % (e.g., Chezan et al., 2016) dos artigos que continham cada uma dessas VDS.
Discussão
A presente revisão analisou 176 estudos contendo procedimentos de ensino de mando a pessoas com TEA. Verificou-se maior frequência de estudos com participantes crianças, do sexo masculino, diagnóstico de TEA sem comorbidades relatadas, e algum repertório vocal funcional existente antes das intervenções. Esses dados corroboram e ampliam os resultados de outras revisões no que concerne a idade e sexo dos participantes (Carter & Grunsel, 2001; Raulston et al., 2013).
Os dados apontaram possível relação entre os repertórios de entrada e o repertório ensinado em cada estudo. Essas relações, incluindo ainda os resultados obtidos em cada intervenção, merecem uma avaliação mais detalhada, conforme já foi sugerido por Wallace (2007). Porém, para que essa análise seja possível, é fundamental que os estudos descrevam o repertório verbal dos participantes de forma mais completa, indicando os operantes verbais e o nível em que se encontram presentes no repertório de cada um, a exemplo dos trabalhos de Valentino et al. (2019) e Landa et al. (2017).
A prevalência da utilização do ambiente escolar, especialmente com crianças menores, corrobora dados encontrados por Raulston et al. (2013). A utilização de ambientes alternativos aos laboratórios de pesquisa, especialmente em contextos naturais, facilita a generalização dos repertórios ensinados, confluindo com a preocupação de pesquisas aplicadas em resolver problemas comportamentais socialmente relevantes (Baer et al., 1968).
Foi verificada uma grande diversidade de vis relacionadas ao treino de mando, sendo avaliadas as mais frequentes na presente revisão (como re-forçamento diferencial e fornecimento de ajuda, manipulação de OMS e FCT). Essa variedade, bem como diferenças nos procedimentos (como tipo de ajuda), dificultaram a análise da efetividade de cada vi isoladamente. Também houve uma variedade de topografias de respostas de mando treinadas (gestual, via imagens, via eletrônicos), característica apontada também por DeSouza et al. (2017), demonstrando a produção de alternativas adequadas às limitações e necessidades dos participantes. Ao avaliar as primeiras pesquisas sobre o assunto, Shafer (1994) já havia destacado a importância do ensino de mando na adaptação da topografia de resposta ao aluno, assim como da comunidade verbal reconhecer e prover consequências adequadas a essas respostas.
A produção de resultados majoritariamente efetivos quando utilizado o procedimento de 'reforçamento diferencial e fornecimento de ajuda' para ensino de mando por item, aponta para um procedimento geral que de fato é eficiente para a aquisição desse repertório, e que pode impactar na geração de tecnologias de ensino amplamente utilizadas na prestação de serviço em Análise do Comportamento Aplicada.
A frequente manipulação da OM enquanto vi para o ensino de mando por informações também foi destacada por Raulston et al. (2013), e sua utilização de maneira geral representa um avanço importante na direção dos apontamentos de Shafer (1994), Brady et al. (1994) e Wallace (2007) sobre a importância da conformidade dos procedimentos com os pressupostos conceituais e controle experimental.
O FCT também foi uma vi frequente, em conjunto com diferentes esquemas de reforçamento. Essa intervenção parte de uma avaliação funcional do comportamento-problema alvo, e é seguida por reforçamento diferencial de uma resposta comunicativa socialmente adequada, utilizando a mesma consequência da resposta problema (Durand, 1993). Esses dados apontam para a importância do ensino de mandos para a prevenção e redução de comportamentos socialmente inadequados.
O treino de aplicadores (profissionais e familiares) via BST para o ensino de mando foi outra vi explorada em alguns estudos. Este tipo de investigação é importante para promover tecnologias de capacitação de pessoas para o ensino de intervenções de base analítico-comportamental, não só para profissionais da área, mas também para professores e familiares de pessoas com atrasos de desenvolvimento (para mais informações sobre o treino de professores e familiares, consultar Kirkpatrick et al., 2019 e Castro et al., 2020, respectivamente).
A análise dos resultados dos estudos revisados demonstrou predominância de efetividade total dos procedimentos em relação à aquisição e manutenção das respostas de mando ensinadas, redução de comportamentos-problema via aquisição de mandos funcionais e desempenho de aplicadores para o ensino de mando. Agregando esses dados aos de DeSouza et al. (2017), demonstra-se a amplitude de evidências científicas para a aplicação de tecnologia de ensino de mando diversas e adaptadas. É importante, no entanto ressaltar que esses resultados sejam contextualizados considerando as políticas de divulgação científica, que favorecem a publicação de resultados positivos. Assim, intervenções com resultados menos consistentes tendem a não ser publicadas, ou são publicadas parcialmente, produzindo vieses na avaliação desses dados (Tincani & Travers, 2019).
Em relação aos estudos que ensinaram mandos por informações e mandos para remoção ou recusa de um item, que obtiveram alta efetividade, ainda são necessárias novas pesquisas que corroborem a efetividade dessas intervenções. Isso se deve à variedade de treinos utilizados e a pequena quantidade de artigos, sendo pelo menos cinco tipos de vis utilizadas para 25 artigos com mando por informação e pelo menos dois tipos de vis para oito artigos com mando para remoção de aversivo ou recusa. Outro dado promissor é a inexistência de intervenções sem efetividade mínima quando ensinado mando por item. Sendo essa a VD mais frequente, uma análise que leve em conta as diferenças de cada tipo de intervenção e perfil de participante pode ser útil para promover a escolha do treino mais adequado para cada indivíduo.
Não foi possível comparar detalhadamente o nível de efetividade com as características dos participantes, pois um único estudo poderia conter participantes de mais de uma categoria de análise, exigindo uma avaliação individualizada. Para viabilizar essa análise, seria necessário, primeiramente, que os estudos apresentassem o perfil de cada participante (como sexo, idade, repertório verbal de entrada a partir de avaliações padronizadas) e os seus resultados respectivos após a intervenção, o que pode ser um desafio, já que muitos dos estudos não reportam essas informações individualmente. Reitera-se a importância dessa avaliação para fornecer dados sobre a efetividade das intervenções para os diferentes perfis de participantes, auxiliando na compreensão do processo de aprendizagem e pré-requisitos comportamentais para o desenvolvimento verbal.
As intervenções para generalização e variação de respostas de mando tiveram efetividade menos expressiva que a aquisição e manutenção. Sugere-se a realização de pesquisas que possam avaliar as variáveis relevantes para a promoção da generalização do repertório de mando entre ambientes, sujeitos e operações motivadoras, como o perfil de participantes, VDS e vis relacionadas. Pesquisas sobre variáveis influenciadoras da variabilidade de respostas de mando devem contribuir especialmente para o ensino de pessoas com TEA, cuja emissão de padrões repetitivos de comportamento é característica frequente.
A presente revisão buscou apresentar as variáveis relacionadas às intervenções de treino de mando a pessoas com TEA e algumas relações entre elas, importantes para a configuração de um panorama geral da área, além de indicar novas possibilidades de análise. Foram avaliadas as vis e VDS mais frequentes na literatura, porém, uma diversidade de outras variáveis também foi identificada e merece uma análise mais minuciosa em estudos futuros. Dentre as vis, por exemplo, destacam-se diferentes tipos de ajuda e atraso de dicas para emissão da resposta e utilização de ferramentas diversas de comunicação alternativa. Relativo às VDS, sugere-se atenção à preferência pelo participante de meios alternativos de comunicação e avaliação da construção de frases com função de mando incluindo autoclíticos. Análises mais detalhadas serão importantes não só para obter um quadro mais preciso da literatura, mas também para a identificação da relação entre variáveis que influenciam na aquisição, manutenção e generalização de diferentes respostas de mando. Algumas possibilidades foram apontadas ao longo da presente discussão.
A maioria dos procedimentos de ensino mostrou-se eficaz em diferentes níveis para todas as VDS avaliadas, com os efeitos modulados principalmente pelos repertórios pré-intervenções dos participantes dos estudos. Dessa forma, considerando as implicações práticas das pesquisas, os diferentes perfis de participantes podem ser o foco de estudos futuros. Destaca-se a importância de ampliar a investigação: (1) com pessoas com repertório comunicativo ausente ou mais limitado, especialmente em estudos que ensinem mandos diversos, como por informações e direcionados a pares; e (2) com jovens e adultos com TEA, de forma a avaliar a generalidade dos conhecimentos sobre tecnologias de ensino eficazes/eficientes obtidos nos estudos com crianças com TEA.