O aparecimento da COVID-19 ("Coronavirus Disease 2019") conduziu à adoção de uma série de medidas de contenção, que afetaram o cotidiano da maioria das pessoas (Dubey et al., 2020). Estas medidas, na sua maioria comportamentais, incluíram, por exemplo, o distanciamento social, práticas de higiene, a implementação de confinamentos e interdições ao deslocamento (Kim et al., 2020). Também o cotidiano dos estudantes do ensino superior sofreu alterações psicossociais significativas (Aristovnik et al., 2020), devido ao encerramento das universidades, ao regresso de muitos alunos a casa e à alteração das aulas presenciais para formato online, o que conduziu a uma diminuição/escassez de encontros pessoais (Maia & Dias, 2020). Esta população está inserida num contexto social único, composto largamente por jovens adultos e caracterizado por altos níveis de contato social próximo, pela convivência em grupo e por limites bastante permeáveis (Van et al., 2010). Estas características, aliadas à fase do ciclo de vida em que se encontram, poderão propiciar o envolvimento em diversos comportamentos de risco para a sua saúde (Kwan et al., 2013; Skidmore et al., 2016). Torna-se, deste modo, relevante a investigação junto desta população específica, em particular para compreender de que forma a adoção de medidas comportamentais pelos estudantes pode ter impacto ao nível da contenção da pandemia (Aristovnik et al., 2020).
Em resposta a uma pandemia, as pessoas podem adotar diferentes medidas de proteção, como comportamentos preventivos (e.g., lavagem de mãos, uso de máscara), de evitamento (e.g., evitar multidões) ou comportamentos de gestão da doença (e.g., a procura de um profissional de saúde) (Bish & Michie, 2010). Alguns estudos (Akdeniz et al., 2020; Alves et al., 2021; Aristovnik et al., 2020; Barrett & Cheung, 2021; Taghrir et al., 2020), em diferentes países do mundo, têm procurado analisar os comportamentos de proteção adotados por estudantes do ensino superior, desde o aparecimento da pandemia.
Num dos primeiros estudos neste contexto, realizado nos meses iniciais da pandemia, verificou-se que 94.5 % dos estudantes no Irã adotavam comportamentos de proteção, sendo o mais praticado o evitar de locais com agrupamentos de pessoas (Taghrir et al., 2020). Também numa fase inicial da pandemia, se observou que estudantes turcos adotavam maioritariamente práticas de distanciamento social (90 %), lavagem de mãos (90 %) e ventilação de espaços (95 %), sendo o uso de máscaras comparativamente mais baixo (50 %), ainda assim considerado pelos autores como superior ao esperado, atendendo à não obrigatoriedade do seu uso no momento de coleta dos dados (Akdeniz et al., 2020). No Reino Unido, em maio de 2020, Barrett e Cheung (2021) verificaram que estudantes adotavam níveis mais altos de comportamentos de distanciamento social (88.9 %), comparativamente aos de higiene de mãos (42 %). Num estudo em larga escala, realizado entre maio e junho de 2020, com participantes de 133 países, Aristovnik et al. (2020) relataram que uma alta proporção de estudantes do ensino superior alterou as suas rotinas diárias, passando a usar máscaras (87 %), lavar as mãos (80 %) e evitar multidões e grandes aglomerações (78 %), existindo também diferenças na prevalência das medidas adotadas (e.g., o uso de máscara foi mais adotado na Europa, Ásia e América do Sul, enquanto o evitamento de multidões foi mais adotado na Oceania e na América do Norte). Em Portugal, Alves et al. (2021) observaram uma moderada adoção de comportamentos preventivos em estudantes do ensino superior (e.g., manutenção da distância física, lavagem das mãos e o uso de máscara), sugerindo que ter atitudes positivas perante estes comportamentos era um fator determinante para a sua adoção. Mais recentemente, num estudo realizado na Polônia, verificou-se que 97.4 % dos participantes reportaram usar máscara nos locais onde era obrigatório (Reszke et al., 2021).
A percepção de risco pode ser definida como um conjunto de crenças resultantes da avaliação subjetiva que realizamos quanto ao potencial de dano de um evento e perdas que daí possam resultar (Darker, 2013). Teorias como o Modelo de Crenças de Saúde (Rosenstock, 1974) e a Teoria de Motivação para a Proteção (Rogers, 1983) consideram a percepção de risco como um dos fatores psicológicos com maior influência na aceitação e no cumprimento de recomendações de saúde. A percepção de risco pode ser melhor compreendida atendendo a dois componentes: (1) a percepção de suscetibilidade ao risco, isto é, a crença sobre a probabilidade de uma situação negativa ocorrer se não for realizado nenhum comportamento preventivo; e (2) a percepção de gravidade do risco, ou seja, quão severas serão as consequências da ocorrência do evento negativo, tanto a nível médico/clínico como a nível social, caso não seja adotado nenhum comportamento preventivo (Abraham & Sheeran, 2005; Champion & Skinner, 2008; Norman et al., 2005).
A relação entre a percepção de risco e a adoção de medidas comportamentais de proteção é suportada por estudos em contextos pandêmicos anteriores (e.g., SARS, gripe H5NÍ e gripe H1N1), revistos por Bish e Michie (2010). Esta relação tem sido igualmente demonstrada em diversos estudos no contexto da pandemia COVID-19. Wise et al. (2020) verificaram que a percepção de risco, em termos de probabilidade percebida de ser infectado (mas não a percepção de gravidade da doença), foi capaz de predizer a adesão a comportamentos de proteção. Em outro estudo, com estudantes e staff universitários, verificou-se que a adesão a comportamentos de proteção era maior nos indivíduos com maior percepção de risco, tanto de suscetibilidade como de gravidade (Vally, 2020). Kohler et al. (2021) compararam indivíduos com doenças de alto risco à COVID-19 e indivíduos sem doenças, verificando que os que tinham maior risco também apresentaram uma maior percepção de risco e mais comportamentos de proteção. Por outro lado, Barrett e Cheung (2021) observaram, em estudantes do Reino Unido, que uma maior percepção de risco permitia prever uma maior frequência de comportamentos de higiene, mas não um aumento na prática de distanciamento social. Também Alves et al. (2021) encontraram uma associação positiva entre a percepção de risco e a adoção de comportamentos de proteção em estudantes universitários portugueses.
Tem sido demonstrada a importância da percepção de gravidade, mas não da percepção de suscetibilidade, na relação entre percepção de risco e comportamentos de proteção (Jose et al., 2021; Kowalski & Black, 2021). Assim, estes estudos sugerem que, em certos contextos, a percepção de que a doença é severa tem maior relação com a adoção de comportamentos, do que a crença de que é provável contrair a doença, o que vem demonstrar a importância de estudar o papel de outras variáveis relevantes, como o medo face à doença, neste caso, o medo face à COVID-19. De acordo com a Teoria da Motivação para a Proteção, o medo é visto como uma variável adicional, situada entre as percepções de suscetibilidade e a gravidade e a avaliação de risco, sendo que se prevê que esta última irá, por sua vez, aumentar a motivação para a realização de comportamentos de proteção (Rogers, 1983). Ou seja, esta teoria propõe que o medo tem um papel mediador na relação entre percepção de risco e comportamentos de proteção.
De acordo com Ahorsu et al. (2020), uma característica central das pandemias é o medo que elas podem causar na população. Perante níveis elevados de medo, os indivíduos terão dificuldade em pensar de forma clara e racional (Ahorsu et al., 2020), podendo apresentar pior saúde mental e uma diminuição do bem-estar (Harper et al., 2021), adotar estratégias de coping desadaptativas (Vally, 2020), ou comportamentos menos adequados (e.g., comprar grandes quantidades de desinfetante ou comida de emergência) (Kohler et al., 2021). Por outro lado, o medo pode ter um papel funcional, aumentando os comportamentos de segurança em contexto de epidemias ou pandemias (Bish & Michie, 2010). Tem sido sugerido que o medo é preditor de comportamentos de saúde pública, na atual pandemia COVID-19, aumentando também a percepção de risco na população adulta (Harper et al., 2021; Kohler et al., 2021; Wong et al., 2020; Yildirim et al., 2021). No mesmo sentido, Kohler et al. (2021) verificaram que os indivíduos com um maior risco apresentam mais medo da doença, o que por sua vez pode levar à maior adoção de comportamentos de proteção.
Atendendo à importância da adoção de comportamentos de proteção na contenção da atual pandemia, e às relações entre as variáveis sugeridas pela literatura, propõe-se neste estudo: (1) descrever a adoção dos comportamentos de proteção (preventivos e de evitamento) e a percepção de risco (suscetibilidade e gravidade) em estudantes do ensino superior; (2) analisar a relação entre os comportamentos de proteção, a percepção de risco e o medo face à COVID-19; e (3) avaliar o papel mediador do medo face à COVID-19 na relação entre a percepção de risco e a adoção de comportamentos preventivos e de evitamento. Neste sentido, e atendendo à literatura que sugere uma relação dos comportamentos de proteção com a percepção de gravidade, mas não com a percepção de suscetibilidade (Jose et al., 2021; Kowalski & Black, 2021), foram formuladas as seguintes hipóteses: H1: "A relação entre a percepção de gravidade e os comportamentos preventivos é mediada pelo medo face à COVID-19"; H2: "A relação entre a percepção de gravidade e os comportamentos de evitamento é mediada pelo medo face à COVID-19".
Método
Participantes
A amostra integrou 335 participantes que cumpriram os seguintes critérios de inclusão: idade entre os 18 e os 29 anos, ser estudante numa instituição de ensino superior (IES) portuguesa, residir em Portugal e ter a língua portuguesa como primeiro idioma. A média de idade dos participantes foi de 21.42 anos (DP = 2.43) e a faixa etária mais representada foi entre os 18 e os 21 anos (54.3 %). A maioria pertencia ao sexo feminino (76.1 %) e tinha nacionalidade portuguesa (97.3 %). Durante o período escolar, 43 % dos participantes residiam em casa dos pais/familiares e 37 % em casa partilhada com colegas/amigos. A maioria frequentava o 1° ciclo de estudos (57.3 %), em ÍES no centro do país (63 %) e encontrava-se em regime de ensino híbrido/misto (71.9 %) (Tabela 1).
Variável | Valor | N | % |
---|---|---|---|
Idade | 18-21 | 182 | 54.3 |
22-25 | 134 | 40.0 | |
26-29 | 19 | 5.7 | |
Gênero | Masculino | 80 | 23.9 |
Feminino | 255 | 76.1 | |
Nacionalidade | Portuguesa | 326 | 97.3 |
Outra | 9 | 2.7 | |
Onde/com quem vive durante o período escolar? | Casa dos pais/familiares | 144 | 43.0 |
Residências de estudante | 31 | 9.3 | |
Sozinho/a | 14 | 4.2 | |
Casa partilhada com colegas | 124 | 37.0 | |
Cônjuge/parceiro/ namorado | 21 | 6.3 | |
Outro | 1 | .3 | |
Ano/Ciclo de estudos | 1° Ano - 1° ciclo | 55 | 16.4 |
2° Ano - 1° ciclo | 49 | 14.6 | |
3° Ano - 1° ciclo | 88 | 26.3 | |
2° ciclo | 140 | 41.8 | |
3° ciclo | 3 | .9 | |
Regime de Ensino | Totalmente presencial | 63 | 18.8 |
Híbrido/Misto | 241 | 71.9 | |
Totalmente On-line | 31 | 9.3 | |
Região da IES | Norte | 83 | 24.8 |
Centro | 211 | 63.0 | |
Lisboa e Vale do Tejo | 23 | 6.9 | |
Alentejo e Algarve | 12 | 3.6 | |
Ilhas | 6 | 1.8 |
A maioria dos participantes indicou não pertencer a nenhum grupo de risco à COVID-19 (88.7 %). Quanto à experiência com a doença, 271 (80.9 %) pensam que nunca estiveram infetados, quatro (1.2 %) já testaram positivo à COVID-19, 24 (7.2 %) já tiveram contactos de risco e/ou sintomas, mas testaram negativo, e 36 (10.7 %) pensam que já podem ter estado infetados e recuperaram, mas nunca foram testados. Quando questionados sobre a coabitação com alguém pertencente a um grupo de risco, 49.9 % responderam "não", 41.2 % "sim" e 9 % "não sei".
Procedimentos
O estudo insere-se num projeto mais alargado sobre atitudes, crenças e comportamentos de estudantes do ensino superior na pandemia COVID-19 (Projeto HI-RISK19+), aprovado pela Comissão de Ética da Universidade da Beira Interior (CE-UBÍPJ-2020-096). O inquérito com as medidas utilizadas foi disponibilizado on-line, através da plataforma EU Survey, entre os dias 19 de outubro e 28 de novembro de 2020, o que coincidiu com a fase crescente da segunda onda da pandemia em Portugal (Direção Geral de Saúde [DGS], 2021). A coleta ocorreu segundo o sistema de "bola de neve", principalmente através das redes sociais e do e-mail. Os participantes foram informados sobre os objetivos da investigação, anonimato e caráter voluntário da sua participação, tendo dado o seu consentimento a estes termos antes de preencherem o inquérito.
Medidas
Dados sociodemográficos. Foram avaliados com base em um questionário sociodemográfico, que incluía ainda questões relativas à COVID-19, como a coabitação ou pertencimento a um grupo de risco e experiência com COVID-19.
Comportamentos de proteção. Foram avaliados através de um questionário de 12 itens, adaptados de Kim e Choi (2016) e Taghrir et al. (2020), que refletem diferentes comportamentos de proteção (e.g., "Evito locais com agrupamentos de pessoas" ou "Vou lavando ou desinfetando as mãos ao longo do dia"). Estes itens foram agrupados em duas dimensões (comportamentos preventivos e comportamentos de evitamento), tendo por base o reconhecimento teórico desta distinção (Bish & Michie, 2010). A análise da consistência interna demonstrou valores aceitáveis para os 6 itens dos comportamentos preventivos (α = .76) e bons para os 6 itens dos comportamentos de evitamento (α = .81). Os itens podem ser respondidos numa escala do tipo Likert de 5 pontos, que varia entre 0 (quase nunca) e 4 (quase sempre), sendo uma pontuação mais elevada indicadora de maior frequência dos respectivos comportamentos em cada uma das escalas.
Percepção de risco. Foi avaliada através de dois itens, adaptados de Dryhurst et al. (2020) e Taghrir et al. (2020). O primeiro avalia a percepção de suscetibilidade ao risco ("Até que ponto considera provável vir a ser infectado pela COVID-19 nos próximos 6 meses") e pode ser respondido numa escala tipo Likert de 5 pontos, que varia entre 1 (nada provável) e 5 (muito provável). O segundo avalia a percepção de gravidade do risco ("Provavelmente não ficarei doente se pegar COVID-19"), variando a escala de resposta entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente). Este item foi cotado de forma invertida, indicando uma maior pontuação uma maior percepção de gravidade de risco.
Medo face à COVID-19. Foi avaliado através da Fear of COVID-19 Scale (Ahorsu et al., 2020). É composta por sete itens que podem ser respondidos numa escala tipo Likert de 5 pontos, que varia entre 1 (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente), sendo a amplitude da pontuação total da escala entre 7 e 35 (Ahorsu et al., 2020). Alguns exemplos dos itens são: "Tenho muito medo da COVID-19" e "Pensar na COVID-19 deixa-me desconfortável" (Ahorsu et al., 2020). No presente estudo, a escala apresentou um valor de alfa de Cronbach de .87. A tradução e adaptação cultural dos itens no presente estudo seguiu as orientações fornecidas na literatura (Beaton et al., 2000; Gjersing et al., 2010).
Análises estatísticas
A análise dos dados foi realizada com recurso ao programa estatístico IBM SPSS Statistics (versão 25). Foram calculadas estatísticas descritivas, em particular frequências em relação às variáveis sociodemográficas, comportamentos de proteção e percepção de risco e realizadas análises de correlação de Pearson para avaliar as associações entre as variáveis, tendo sido utilizados, para a interpretação da magnitude, os valores propostos por Cohen (1988). Foi ainda realizada uma análise de mediação com recurso ao software PROCESS v.3.5 (Hayes, 2013), tendo a significância dos efeitos indiretos sido testada através de procedimentos de bootstrapping com 5.000 amostras e um intervalo de confiança de 95 %.
Resultados
Para apresentação dos resultados dos comportamentos de proteção, as frequências das cinco possibilidades de resposta foram agrupadas em três categorias: "quase nunca/raramente", "às vezes" e "muitas vezes/quase sempre". Os resultados descritivos para os itens relativos à frequência de adoção dos comportamentos preventivos e de evitamento podem ser observados na Tabela 2.
Comportamento | Quase nunca / raramente (%) | Às vezes (%) | Muitas vezes / Quase sempre (%) | |
---|---|---|---|---|
Comportamentos preventivos | Limpar/desinfetar objetos tocados pelas mãos | 24.8 | 28.7 | 46.6 |
Lavar/desinfetar as mãos | 0.3 | 9.3 | 90.4 | |
Usar máscara na via pública/espaços exteriores | 6.3 | 7.8 | 86.0 | |
Usar máscara com colegas/amigos | 17.3 | 25.4 | 57.4 | |
Manter a distância em espaços exteriores | 14.0 | 32.8 | 53.2 | |
Manter a distância em espaços interiores | 16.7 | 33.4 | 49.9 | |
Comportamentos de evitamento | Evitar locais com agrupamentos de pessoas | 2.4 | 11.9 | 85.7 |
Evitar frequentar espaços fechados | 8.7 | 21.8 | 69.6 | |
Evitar ir às compras | 28.1 | 34.6 | 37.3 | |
Evitar convívios presenciais com amigos | 6.3 | 20.9 | 72.9 | |
Evitar comer em espaços públicos fechados | 23.0 | 29.3 | 47.8 | |
Evitar comer em espaços públicos abertos | 40.3 | 28.1 | 31.6 |
Quanto à percepção de risco, as frequências das respostas foram também agrupadas em três categorias. Relativamente à suscetibilidade, 43.9 % consideram provável ou muito provável, 40 % mais ou menos provável e 15.8 % nada ou pouco provável serem infectados nos próximos 6 meses com COVID-19. Quanto à gravidade, 48 % não concordam nem discordam com a afirmação "Provavelmente não ficarei doente se pegar COVID-19", 32.2 % discordam/discordam totalmente e 19.7 % concordam/concordam totalmente.
Da análise das correlações entre as variáveis (Tabela 3), destaca-se que a percepção de suscetibilidade não se apresenta significativamente associada a nenhum dos tipos de comportamentos de proteção, ao contrário da percepção da gravidade, que apresenta uma relação de pequena magnitude, mas estatisticamente significativa, com ambos os tipos de comportamentos. O medo face à COVID-19 apresenta uma relação estatisticamente significativa de pequena magnitude com os comportamentos preventivos e de magnitude moderada com a percepção de gravidade e os comportamentos de evitamento.
Variáveis | M | DP | 1 | 2 | 3 | 4 |
---|---|---|---|---|---|---|
1. Percepção de suscetibilidade | 3.44 | .97 | - | |||
2. Percepção de gravidade | 3.17 | .88 | -.030 | - | ||
3. Medo face à COVID-19 | 16.29 | 5.47 | .110* | .240*** | - | |
4. Comportamentos preventivos | 16.96 | 4.26 | .056 | .128* | .238*** | - |
5. Comportamentos de evitamento | 15.88 | 4.75 | .107 | .155** | .243*** | .522*** |
Nota. *p < .05; **p < .01; ***p < .001.
Discussão
Para testar a Hipótese 1, foi realizado um modelo de mediação simples. Como indica a Figura 1, os coeficientes de regressão relativos, quer à relação entre a percepção de gravidade e o medo face à COVID-19 (a = 1.49, p < .01), quer à relação entre o medo face à COVID-19 e os comportamentos preventivos (b = .17, p < .01) foram positivos e estatisticamente significativos. O resultado c' = .26, IC 95% = [.11; .44] indica que se observou um efeito indireto da percepção de gravidade nos comportamentos preventivos, relação mediada pelo medo face à COVID-19. Dado que o efeito direto da percepção de gravidade nos comportamentos preventivos não é significativo, C = .36, p = .17, podemos concluir que se trata de uma mediação total. Segundo o valor obtido de R2, cerca de 6.21 % da variância observada pode ser explicada pelo input do modelo, F(2, 332) = 11.00, p < .00. Assim, os resultados apoiam a Hipótese 1, que previa o efeito mediador do medo face à COVID-19 na associação entre percepção de gravidade e comportamentos preventivos.
Para testar a Hipótese 2, foi realizada uma análise semelhante à anterior, sendo também neste caso o coeficiente de regressão relativo à associação entre medo face à COVID-19 e os comportamentos de evitamento positivo e estatisticamente significativo (ver Figura 2). O resultado c' = .28; IC 95% = [.12; .50] indica que se obteve um efeito indireto significativo da percepção de gravidade nos comportamentos de evitamento, através do medo face à COVID-19. Da mesma forma, como o efeito direto da percepção de gravidade nos comportamentos de evitamento não é significativo (c = .55, p = .06), estamos perante um efeito de mediação total do medo face à COVID-19. Segundo o valor de R2, cerca de 6.91 % da variância observada pode ser explicada pelo input do modelo, F(2, 332) = 12.32, p < .00. Assim, mais uma vez, os resultados suportam a Hipótese 2, pois o medo à COVID-19 mostrou ser mediador da relação entre percepção de gravidade e comportamentos de evitamento.
Este estudo procurou descrever os comportamentos de proteção adotados por estudantes portugueses do ensino superior e analisar a sua relação com a percepção de risco e o papel mediador do medo face à COVID-19. Decorreu num momento em que o país assistia a um número crescente de casos de infecção (DGS, 2021), com a aplicação de medidas de saúde pública restritivas, mas com manutenção de atividades letivas presenciais (Direção-Geral do Ensino Superior, 2020; Resolução Do Conselho de Ministros n.° 96-B, 2020), pelo que a grande maioria dos estudantes se encontrava num regime híbrido/misto, ou seja, com aulas parcialmente presenciais e parcialmente on-line.
Os resultados sugerem que os estudantes alteraram as suas rotinas diárias, adotando, em geral, diversos comportamentos de proteção face à COVID-19, à semelhança dos estudantes de outros países afetados pela pandemia (Akdeniz et al., 2020; Aristovnik et al., 2020; Barrett & Cheung, 2021; Taghrir et al., 2020). Em particular, a lavagem/ desinfecção das mãos ao longo do dia e o uso de máscara na via pública ou espaços públicos exteriores eram os comportamentos preventivos mais frequentemente adotados pelos estudantes destaamostra. O fato de o uso de máscara na via pública ter se tornado obrigatório em Portugal durante o período de coleta de dados (Lei n. 62-A/2020, 2020), e já antes ter sido recomendado pelas autoridades de saúde (DGS, 2020), pode explicar a elevada adoção desta medida, que vai ao encontro de resultados prévios (Reszke et al., 2021). Tal como em estudos anteriores (Taghrir et al., 2020) , a limpeza ou desinfecção de objetos que pudessem ser tocados pelas mãos era o comportamento menos frequentemente adotado, sendo que perto de um quarto dos estudantes desta amostra quase nunca ou raramente o faziam. De notar também que uma percentagem considerável de estudantes referiram quase nunca ou raramente (16.7 %) manter a distância de segurança em espaços interiores, ou utilizar máscara quando estão com colegas e amigos (17.3 %), apesar de estes serem dos comportamentos mais amplamente recomendados pelas autoridades de saúde (DGS, 2020; Organização Mundial de Saúde [OMS], 2020). O fato de os participantes utilizarem menos a máscara em privado do que na via pública poderá ser motivado, por um lado, pela obrigatoriedade de o fazer neste contexto, mas também pelas normas sociais. Ou seja, a forma como os outros se comportam, e os comportamentos que são aprovados ou desaprovados, poderão ter influência na adoção (ou não) destes comportamentos (Young & Goldstein, 2021). Com efeito, os jovens são geralmente mais suscetíveis à influência dos seus pares em situações de risco (Gardner & Steinberg, 2005), o que poderá reforçar a importância das normas sociais na adoção de certos comportamentos nesta população.
Quanto aos comportamentos de evitamento, os mais frequentemente adotados foram o evitar de locais com agrupamentos de pessoas e o evitar de convívios presenciais com os colegas/amigos, tendo sido estas práticas de distanciamento social encontradas igualmente em outros estudos (Akdeniz et al., 2020; Aristovnik et al., 2020; Barrett & Cheung, 2021) . A elevada percentagem de estudantes que refere evitar locais com outras pessoas poderá estar relacionada com as medidas legais em vigor, como por exemplo o encerramento e/ou limitação horária de vários estabelecimentos (e.g., cafés, restaurantes) que permitiriam ajuntamentos sociais (Resolução Do Conselho de Ministros n.° 96-B, 2020). Além disso, a maioria encontrava-se num regime de ensino híbrido/misto, o que provavelmente aumenta a possibilidade de praticar distanciamento social e comportamentos de evitamento, em comparação com alunos em formato totalmente presencial.
No que diz respeito à percepção de risco, os resultados sugerem que uma considerável percentagem de estudantes se percepciona como suscetível a ser infectado com o vírus (43.9 %) num espaço de 6 meses. Dado que a grande maioria pensa nunca ter sido infectada com COVID-19, justifica-se a maior percepção de suscetibilidade de ainda virem a se contagiar com o vírus, isto porque no momento da coleta de dados também se estava numa fase crescente em termos de números de infecções, com mais do triplo dos casos diários registrados no pico da primeira onda (DGS, 2021). O fato de a maioria dos participantes se encontrar num regime de ensino híbrido/misto, em que pelo menos nas aulas presenciais existia algum contato social, pode também ajudar a explicar estes resultados em termos de percepção de risco.
Quanto à percepção de gravidade, perto de um quinto (19.7 %) dos participantes julga que não ficará doente se contrair o vírus, o que, apesar de não refletir a percepção da maioria da amostra, poderá sugerir nesse subgrupo de participantes uma crença de que não haverá uma consequência severa caso contraiam a doença. Este resultado poderá estar relacionado com o fato de a grande maioria dos participantes (88.7 %) não pertencer a nenhum grupo de risco à COVID-19 e de uma grande parte das internações, casos graves e mortais estarem associados a uma população mais envelhecida (OMS, 2020). Tal poderá refletir uma percepção realista dos estudantes, sendo convergente com o fato de indivíduos com maior risco efetivo à COVID-19 também terem uma percepção de risco mais elevada (Kohler et al., 2021). A comparação destes resultados com outros estudos deve ser feita com cautela, pois a percepção de risco tem sido avaliada com instrumentos diferentes, e atendendo a construtos diferentes (Barrett & Cheung, 2021), para além de que o contexto temporal e do país determinarão o número de infectados e as medidas que naquele momento estavam sendo tomadas perante a COVID-19 (Akdeniz et al., 2020), o que poderá ter influência na avaliação que os indivíduos faziam do seu risco.
À semelhança de estudos anteriores (Alves et al., 2021; Kohler et al., 2021), os resultados sugerem uma relação entre percepção de risco e comportamentos de proteção. Mais especificamente, verifica-se que os comportamentos preventivos e de evitamento aumentam à medida que aumenta a percepção de gravidade. No entanto, esta relação não se verifica relativamente à percepção de suscetibilidade, o que vai ao encontro de estudos anteriores (Jose et al., 2021; Kowalski & Black, 2021), em que apenas a crença sobre a gravidade das consequências de ser infectado revelou uma relação positiva com a adoção de comportamentos de proteção. Tal fato pode ser justificado por uma possível relação de duas vias entre percepção de suscetibilidade e comportamentos, podendo uma maior suscetibilidade levar a mais comportamentos de proteção. No entanto, a maior adoção de comportamentos também pode reduzir a percepção de suscetibilidade (Brewer et al., 2004). Não obstante, os resultados da investigação na atual pandemia não são unanimes, existindo igualmente evidência em sentido contrário, ou seja, de que a percepção de suscetibilidade (e não de gravidade) tem influência na adoção de comportamentos de proteção (Wise et al., 2020).
Neste estudo, verificou-se que o medo tem uma relação estatisticamente significativa com os comportamentos preventivos e de evitamento, tal como reportado em outros estudos realizados no contexto da atual pandemia (Harper et al., 2021; Kohler et al., 2021; Yildirim et al., 2021). Os resultados suportam as hipóteses que propunham que o medo face à COVID-19 desempenha um papel mediador na relação entre a percepção de gravidade e a adoção de comportamentos (preventivos e de evitamento). Pelo fato de não se verificar um efeito direto da percepção de gravidade nos comportamentos de proteção, os resultados sugerem a importância do medo, não apenas na relação direta com a adoção de comportamentos de proteção, mas, em particular, como variável mediadora entre a percepção de risco e os comportamentos de proteção (Rogers, 1983). Desse modo se reforça a importância do componente emocional, resultante da avaliação da situação potencialmente ameaçadora para a saúde, na frequência com que comportamentos preventivos e de evitamento são adotados. No entanto, face aos valores obtidos de variância explicada, outros fatores para além da percepção de risco e do medo parecem poder contribuir para a explicação da adoção de comportamentos protetores face à COVID-19. Por exemplo, segundo a Teoria de Motivação para a Proteção (Rogers, 1983) é realizado, paralelamente ao processo de avaliação de risco (e.g., "quão provável será eu ser infectado?"; "se eu for infectado, o que vai acontecer comigo?"), um processo de avaliação de coping, que engloba fatores como a percepção de eficácia de resposta (e.g., "usar máscara vai me proteger do vírus?"), de autoeficácia (e.g., "eu consigo cumprir as medidas?") e dos custos de resposta associados ao comportamento (e.g., "para me proteger a mim e aos outros, vou ter que ficar isolado durante muito tempo"), o que por sua vez poderá ter influência nos comportamentos de proteção.
Simultaneamente, e apesar do seu papel funcional para a adoção de comportamentos de prevenção, convém notar que o medo face à COVID-19 tem vindo a ser relacionado com pior saúde mental e com uma diminuição do bem-estar (Harper et al., 2021), podendo o contexto específico da pandemia exacerbar fatores de risco de doença mental pré-existentes (Vally, 2020). Tem sido também sugerido que altos níveis de medo podem impedir os indivíduos de pensar de forma clara e racional (Ahorsu et al., 2020), levando à adoção de estratégias de coping desadaptativas (Vally, 2020) e de comportamentos disfuncionais (Kohler et al., 2021). É importante notar que, no presente estudo, apenas se abordou o medo pelo próprio risco e não pelos dos outros. No entanto, a literatura refere um medo superior dos estudantes perante a possibilidade de os seus familiares serem contagiados, comparativamente ao medo que eles próprios tinham de ser contagiados (Akdeniz et al., 2020), o que sugere que o medo pelos próximos também pode ter um papel importante na adoção de comportamentos de proteção.
Este estudo apresenta algumas limitações que importa referir. As características da amostra (e.g., dimensões, idade dos participantes, o fato de ser composta apenas por estudantes do ensino superior) e o método de coleta de dados utilizado (i.e., exclusivamente on-line, amostra de conveniência) constituem limitações à validade externa da investigação. A coleta de dados on-line, por exemplo, impossibilita a descrição pormenorizada dos participantes potenciais junto dos quais foi distribuído o questionário, não sendo também possível apoiar os participantes de forma imediata em caso de dúvida. Em particular, o fato de apenas uma pequena proporção de estudantes ter integrado o estudo leva a que os resultados não possam ser generalizados para a população de estudantes do ensino superior nacional. É ainda de referir que o estudo recorreu exclusivamente a medidas de autorrelato, suscetíveis a erros de medida, respeitando a percepção sobre os próprios comportamentos. Outra limitação prende-se com o uso de itens singulares para avaliar a percepção de risco, recomendando-se em estudos futuros investigar esta variável com recurso de outras medidas validadas para o país.
Será importante atentar, na leitura dos resultados, à natureza transversal do presente estudo e à possível influência do momento em que os dados foram coletados. É de salientar que Portugal viria a atravessar, em janeiro de 2021, uma nova onda de infecções que acabou por ser a que levou a mais casos e mortes no país (DGS, 2021), tendo motivado um segundo confinamiento geral, que incluiu novamente a suspensão das atividades de ensino presencial, também nas instituições de ensino superior (Presidência do Conselho de Ministros, 2021). Assim, e tendo em conta a rápida evolução da situação pandêmica e das medidas governamentais que vão sendo tomadas ao longo do tempo, seria importante em estudos futuros coletar dados em diferentes momentos para avaliar a possibilidade de existirem mudanças nas variáveis estudadas (i.e., percepção de risco, comportamentos de proteção e medo face à COVID-19) conforme a situação epidemiológica no país, bem como a taxa de vacinação entre os mais jovens. É ainda relevante prosseguir com o estudo de outras variáveis potencialmente mediadoras (e.g., eficácia de resposta, influência dos pares, normas subjetivas, preocupação com os familiares), que poderão ter influência na adoção de medidas de proteção pelos jovens. A confiança do público na comunicação em saúde pública e a adesão a longo-prazo são outras potenciais variáveis a estudar, com vista à otimização de políticas de saúde.
Por fim, este estudo contribuiu para o conhecimento sobre a resposta à situação pandêmica no contexto específico dos estudantes de IES portuguesas, trazendo suporte empírico sobre a importância do medo como mediador entre a percepção de risco e a prática de comportamentos de proteção. Os resultados podem ter implicações para a comunicação na área da saúde pública, devendo os profissionais ter em conta que o medo pode efetivamente ter uma relação importante na adoção de comportamentos de proteção. No entanto, é importante considerar o difícil balanço entre o lado protetor do medo, através do aumento da adesão a comportamentos de proteção, e a sua relação com a sintomatologia psicopatológica (e.g., ansiedade, depressão), o bem-estar e o desempenho acadêmico dos estudantes. Assim, a ativação de reações emocionais como o medo, embora eficaz, deve ser vista como uma alternativa de recurso por parte dos decisores políticos, ajustada à gravidade das situações. Sempre que possível deve optar-se por uma comunicação focada em informação consistente e ações práticas, enfatizando a eficácia das ações recomendadas para a minimização do risco pessoal e para a gestão da epidemia/pandemia.