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Avances en Psicología Latinoamericana

Print version ISSN 1794-4724On-line version ISSN 2145-4515

Av. Psicol. Latinoam. vol.41 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2023  Epub July 14, 2023

https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.9224 

Artículos

Estruturas de interação no tratamento psicodinâmico de uma paciente com Transtorno de Personalidade Borderline

Estructuras de interacción en el tratamiento psicodinámico de un paciente con Trastorno Límite de la Personalidad

Interaction Structures in the Psychodynamic Therapy of a Patient with Borderline Personality Disorder

Suzana Catanio dos Santos Nardia  * 
http://orcid.org/0000-0003-0236-0176

Luan Paris Feijób 
http://orcid.org/0000-0002-7587-3987

Aline Alvares Bittencourtc 
http://orcid.org/0000-0002-7121-145X

Fernanda Barcellos Serraltad 
http://orcid.org/0000-0003-4602-6495

Silvia Pereira da Cruz Benettie 
http://orcid.org/0000-0001-8557-2216

a Universidade do Vale do Rio dos Sinos

b Universidade La Salle

c Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica

d Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica

e Universidade Federal do Rio Grande do Sul


Resumo

Estruturas de interação são padrões repetitivos que ocorrem entre terapeuta e paciente, mesmo que ambos não sejam conscientes disso. Na pesquisa empírica, elas ajudam a compreender como se estabelece o processo de mudança em psicoterapia. Nesse sentido, esta investigação utilizou 68 sessões de psicoterapia psicanalítica de um caso de uma jovem paciente com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) com o objetivo de identificar as estruturas de interação e sua correlação com o tempo de tratamento. Os dados foram gravados em vídeo e posteriormente codificados através do Psychotherapy Process Q-Set (PQS), por duplas de juízes treinados na metodologia Q-Sort. A partir desses dados, foi realizada a análise fatorial do tipo Q de componentes principais que indicou quatro estruturas de interação, sendo fator 1: Colaborativo; fator 2: Resistência; fator 3: Aliança/Ruptura e fator 4: Apoio/Encorajamento. As estruturas indicaram que a interação se voltou para o trabalho de manutenção da interação colaborativa, através de uma posição empática do terapeuta, direcionado para o reconhecimento dos estados internos do paciente. Apesar do trabalho colaborativo, a resistência também surgiu como um padrão repetitivo. O terapeuta se tornou diretivo com intervenções estruturadas e questionando o paciente, desta forma contribuindo para o desenvolvimento da capacidade de mentalização. Implicações sobre o processo psicoterápico e indicações para estudos futuros são apresentados com o intuito de contribuir na compreensão sobre o tratamento de pacientes com TPB em psicoterapia psicodinâmica.

Palavras-chave: transtorno de personalidade borderline; análise fatorial; processo psicoterapêutico

Resumen

Las estructuras de interacción son patrones repetitivos que ocurren entre el terapeuta y el paciente, incluso si ambos no son conscientes de esto. En la investigación empírica ayudan a comprender cómo se establece el proceso de cambio en psicoterapia. En tal sentido, esta investigación utilizó 68 sesiones de psicoterapia psicoanalítica del caso de un paciente joven con Trastorno Límite de la Personalidad (TLP) para identificar las estructuras de interacción y su correlación con el momento del tratamiento. Los datos fueron grabados en video y posteriormente codificados utilizando el Q-Set Proceso de Psicoterapia (PQS), por pares de jueces entrenados en la metodología Q-Sort. Con base en estos datos, se realizó un análisis factorial del tipo Q de componentes principales, el cual indicó cuatro estructuras de interacción, siendo factor 1: Colaborativo; factor 2: Resistencia; factor 3: Alianza/Disrupción y factor 4: Apoyo/Estímulo. Las estructuras indicaron que la interacción se tornó al trabajo de mantener la interacción colaborativa, a través de una posición empática del terapeuta, dirigida al reconocimiento de los estados internos del paciente. A pesar del trabajo colaborativo, la resistencia también surgió como un patrón repetitivo. El terapeuta se volvió directivo con intervenciones estructuradas cuestionando al paciente, contribuyendo así al desarrollo de la capacidad mentalizadora. Se presentan implicaciones en el proceso psicoterapéutico e indicaciones para futuros estudios con el objetivo de contribuir a la comprensión del tratamiento de pacientes con TLP en psicoterapia psicodinámica.

Palabras clave: trastorno límite de la personalidad; análisis factorial; proceso psicoterapéutico

Abstract

Interaction structures are repetitive patterns of interaction between therapist and patient, even if they are not conscious of it. In empirical research, they help to understand how the process of change in psychotherapy is established. In this sense, the current research used 68 sessions of psychoanalytic psychotherapy in a young patient with Borderline Personality Disorder (BPD) to identify the interaction structures and their correlation with different moments of treatment. The sessions were recorded on video and later encoded through the Psychotherapy Process Q-Set (PQS) by pairs of judges trained in Q-Sort methodology. A factor analysis of the Q-type of main components was performed based on these data, which indicated four interaction structures. Factor 1: Collaborative; factor 2: Resistance; factor 3: Alliance/Rupture; and factor 4: Support/Encornment. The structures indicated the interaction became a work of maintenance of the collaborative interaction through an empathic position of the therapist, focused on recognizing the patient's internal states. Despite the collaborative work, resistance also appeared as a repetitive pattern. The therapist became more directive with more structured interventions questioning the patient, thus, contributing to the development of the capacity of mentalization. Implications for the psychotherapeutic process and indications for future studies are presented to contribute to the comprehension of the treatment of patients with BPD in psychodynamic psychotherapy.

Keywords: Borderline Personality Disorder; factor analysis; psychotherapeutic process

Pesquisadores no campo de processo psicoterápico direcionam seus estudos para a compreensão daquilo que realmente acontece nas sessões de psicoterapia. Essa modalidade de investigação enfoca o tratamento psicoterápico, suas abordagens, técnicas e as intervenções utilizadas. Já as pesquisas de resultado visam demonstrar, empiricamente, quais as mudanças que ocorrem em função da psicoterapia (Serralta et al., 2011).

As pesquisas de processo são responsáveis por compreender as ações e experiências de paciente e terapeuta, os comportamentos e a relação entre ambos durante as sessões (Orlinsky et al., 2004). Dirigem-se também, a entender as mudanças que ocorrem internamente no paciente, durante a psicoterapia e que ocasionalmente podem estar ligadas ao resultado do tratamento (Crits-Christoph et al., 2013). Assim, os mecanismos de mudança podem ser identificados e verificada a ação terapêutica dos ingredientes comuns e específicos em diferentes modelos de psicoterapias, oportunizando o conhecimento de aspectos do paciente, do terapeuta e da interação que podem estar associados a mudança psicológica.

A partir disso, os pesquisadores em psicoterapia têm se dirigido para a busca de modelos mais efetivos de tratamento, especialmente para pacientes graves. Destaca-se que os profissionais precisam implementar estratégias de intervenção assertivas com esses pacientes, especialmente aqueles diagnosticados com TPB, devido as dificuldades que essa psicopatologia apresenta em relação a adesão aos tratamentos psicológicos (Goodman et al., 2014a). O TPB, é um transtorno mental severo, caracterizado por padrões generalizados de instabilidades, nos relacionamentos interpessoais, na identidade, impulsividade e afeto. Apresenta também, tendências ao suicídio e a autolesão (American Psychiatric Association [APA], 2013; Leichsenring et al., 2011).

O paciente TPB, segundo Kernberg et al. (1991), tem sua organização psíquica diferente da neurótica, uma vez que o neurótico tem sua organização ligada ao conflito edípico, cujo problema é a triangulação. Já o TPB está enredado por questões pré-edípicas, em relações primitivas entre mãe-bebê, especialmente na fase oral e anal, as quais são carregadas de agressividade. Assim, o indivíduo fica fixado em uma etapa do desenvolvimento em que id, ego e superego, são ainda incipientes e defensivamente projeta no objeto os componentes sádicos, agressivos e idealizações, passando pelo desejo de possuir e controlar o objeto e também de destruir, tendo uma grande dificuldade na diferenciação eu-não eu.

O TPB utiliza mecanismos de defesa do ego extremamente arcaicos, como as identificações projetivas e a cisão e o ódio aparecem principalmente (Kernberg, 1968). Não toleram a solidão, a impulsividade é intensa, além de autoagressão que muitas vezes levam a tentativas de suicídio, relações instáveis, instabilidade afetiva e vazio ou tédio crônico (Catelan & Faria, 2022), além de pouca capacidade de fazer uso da simbolização.

Devido as dificuldades de ter relações objetais saudáveis, o paciente TPB isola-se e ao mesmo tempo que mantém uma dependência, utiliza a identificação projetiva por medo da perda da identidade. A ansiedade invade a psique, provocando intenso sentimento de perigo, medo da solidão e do vazio que o isolamento parece criar; os objetos devem ser encontrados para que possa eliminar a sensação de morte. As relações objetais adicionam uma proporção de subjetividade interpessoal que contribui para o terapeuta ampliar o relacionamento no campo da experiência recíproca e não apenas observando de modo imparcial (Hegenberg, 2000).

O sofrimento do paciente TPB é intenso e por apresentarem fragilidade psíquica, é importante ter cuidado com as intervenções e métodos utilizados no tratamento (Adami et al., 2020). Para Kernberg (2008), esses pacientes possuem debilidade e são retratados como pacientes graves. Assim, diante das implicações clínicas que o TPB apresenta, diversos estudos buscam compreender os mecanismos de ação terapêutica nas psicoterapias com esses pacientes.

Nesse sentido, o trabalho realizado na psicoterapia compreende os aspectos do terapeuta, do paciente e da relação entre ambos, cujo comportamento observável durante as sessões ocorre em resposta ao comportamento do outro e por vezes sem o conhecimento de ambos. Esses comportamentos se repetem no decurso das sessões e formam o que Jones (2000) cunhou de "estruturas de interação", elas foram descritas como padrões repetitivos de interação que ocorrem entre paciente e terapeuta influenciando mutuamente a díade e estão associadas aos aspectos observáveis da transferência e contratransferência. A experiência, a interpretação e a compreensão do significado desses padrões repetitivos de interação formam uma parte importante da ação terapêutica em psicoterapias dinamicamente orientadas (Jones, 2000).

A natureza da ação terapêutica adota duas linhas de pensamento sobre a origem dos efeitos das mudanças: (a) interpretação e (b) a interação interpessoal. A primeira enfoca os efeitos da interpretação como fator determinante para o autoconhecimento do paciente, compreensão e insight. Já os modelos interativos, destacam a relação interpessoal, a empatia, segurança, continuidade, holding ambiental e a aliança terapêutica (Ablon & Jones, 2005; Jones, 2000; Luyten et al., 2012).

Na prática clínica, as estruturas de interação podem ser observadas, sendo possível demonstrar empiricamente sua presença e função na mudança psicológica do paciente. Ademais, elas podem ser positivas ou negativas, o que demanda o estudo aprofundado da díade, no sentido de compreender tanto o processo terapêutico quanto seus resultados (Ablon & Jones, 2005). Pesquisas empíricas de estudos de caso realizadas por Ablon e Jones (2005) investigaram as estruturas de interação em duas análises com duas pacientes. Os dados apontaram para o fato de que cada díade, paciente-analista possue um padrão único e distinto de interação e que esses padrões possivelmente estariam associados com o resultado do tratamento (Ablon & Jones, 2005).

Ademais, considera-se que elas são recíprocas nos processos, tipicamente assimétricas e a ação terapêutica está presente não apenas na experiência dessas interações repetitivas, mas também no seu reconhecimento e compreensão tanto pelo terapeuta como pelo paciente. Assim, as estruturas de interação contribuem para a formulação da operacionalização dos aspectos do processo da psicoterapia psicodinâmica como a intersubje-tividade, a transferência-contratransferência e a capacidade de resposta (Goodman & Athey-Lloyd, 2011). Além disso, a análise das estruturas de interação, facilitam a compreensão dos elementos ativos da interação terapeuta-paciente, do modo como ocorrem as mudanças, podendo associar a diminuição dos sintomas e desfechos de sucesso no tratamento (Ablon & Jones, 2005; Jones, 2000; Schmidt et al., 2018).

Nessa direção, as pesquisas em psicoterapia se voltam para as investigações do modo como as psicoterapias psicanalíticas provocam a mudança do paciente. Para isso, a utilização de sessões gravadas em vídeos e transcrições textuais dos tratamentos de longo prazo e das psicoterapias breves têm sido extensamente empregadas como dados clínicos. Além disso, são utilizados juízes para a avaliação das sessões e o grau de confiabilidade entre os juízes é fundamental para estabelecer um consenso em relação ao que acontece na sessão terapêutica. Assim, um significativo progresso no campo da investigação de processo foi adquirido por meio do estudo das interações entre paciente e terapeuta utilizando o Psychotherapy Process Q-Set (PQS).

A utilização do PQS permitiu um respeitável progresso nas pesquisas de processo, alcançado por meio do estudo das interações entre paciente e terapeuta e da identificação de elementos determinantes da mudança terapêutica na abordagem psicanalítica. Os estudos como os de Goodman et al. (2014a,b) e Serralta et al. (2010) abordam importantes questões em relação às intervenções do terapeuta em diferentes abordagens teóricas, apontando para a existência de uma variação de estratégias entre tratamentos da Psicoterapia Psicodinâmica e da Terapia Cognitivo-Comportamental de acordo com os sintomas específicos para cada paciente. Demonstram, ainda, a consideração de uma postura flexível do terapeuta, bem como da posição empática, incentivando o paciente a reflexões e intervenções relativas à clarificação.

Pesquisas empíricas sobre estruturas de interação em diferentes situações clínicas

Ablon e Jones (2005) desenvolveram uma pesquisa, envolvendo um estudo de caso de duas análises da Sra. C. e Sra. G., em ambos os casos foi utilizado o PQS como instrumento para a identificação das estruturas de interação. A análise da Sra. C. foi realizada ao longo de seis anos, ou por aproximadamente 1.100 horas e o resultado de seu tratamento foi considerado muito bom pela dupla. Todas as sessões foram gravadas e transcritas, uma amostra de cerca de 70 sessões foi randomizada e codificada com o PQS. As análises estatísticas dos dados foram realizadas para identificar a presença de estruturas de interação. As classificações de cada uma das horas analíticas foram submetidas a uma análise fatorial exploratória. Foram identificados três grupos de itens que representavam padrões de interação recorrentes na análise. O primeiro fator foi chamado de "Auto Exploração do Paciente/Aceitação do Analista" (Patient Self-exploration/Analyst Acceptance), o segundo fator foi chamado de "Atividade do Analista" (Analyst's Activity). Já o terceiro fator foi identificado como "Se fazendo de desentendida" (Playing Stupid) (Ablon & Jones, 2005). O estudo demonstrou que cada díade paciente-analista tem um padrão único e distinto de interação e que esses padrões foram provavelmente associados com o resultado positivo do tratamento.

O segundo caso analisado da Sra. G, ocorreu ao longo de 324 sessões, quatro vezes por semana. Houve uma significativa redução dos sintomas e no final da análise, durante as últimas 60 sessões, ela demonstrou independência em relação ao analista diminuindo para duas vezes por semana e terminando a análise mais cedo do que o analista havia planejado. Houve uma série de interações características recorrentes na análise que foram capturadas pela análise fatorial nos agrupamentos dos itens, sendo determinado três fatores -estruturas de interação- (Ablon & Jones, 2005).

O primeiro fator identificado foi chamado de "Transferência Positiva/Contratransferência" (Positive Transference/Countertransference), o segundo de "Autoridade do analista e a capacidade de resposta" (Analyst's Authoritative Responsiveness) e o terceiro Transferência Erotizada (Erotized Transference). A Transferência positiva/Contra-transferência foi negativamente correlacionada ao longo do tratamento. Analista Autoritário Receptivo não se correlacionou com tempo do tratamento, já a transferência erotizada diminuiu durante o curso do tratamento. Com o progresso da análise, as transferências positivas e contratransferências diminuíram assim como a necessidade do paciente erotizar a relação com o analista. Da mesma forma que no primeiro caso, esse padrão de interação esteve associado ao resultado do trabalho terapêutico. Também se evidenciou como que cada dupla terapêutica estabelece um padrão singular que é fundamental para a ação terapêutica (Ablon & Jones, 2005).

Pesquisas mais atuais que investigam as estruturas de interação, como os estudos de Goodman et al. (2014a) e Serralta (2016), utilizaram a análise fatorial exploratória com rotação varimax, para identificar as estruturas de interação. No estudo de Goodman et al. (2014a), foram utilizadas as sessões de psicoterapia com pacientes internadas com diagnóstico de TPB. Elas foram atendidas em psicoterapia psicodinâmica durante um período de seis meses com frequência de três vezes por semana. O total de 147 sessões foram analisadas através do PQS e submetidas à análise fatorial do tipo Q que apontaram quatro estruturas de interação: (a) relação de colaboração, com terapeuta apoiador e tranquilizador, (b) terapeuta em sintonia empática, (c) relação terapêutica erotizada e (d) terapeuta é diretivo, complacente com o paciente. Houve uma correlação significativa das estruturas de interação, com o tempo de tratamento e a severidade global dos sintomas, os autores concluíram que o tratamento mais eficaz para pacientes em momentos de crise, necessita provocar o aparecimento de interações empaticamente sintonizadas, com intervenções diretivas e de apoio que possam ser direcionadas de acordo com as necessidades de cada paciente e que exigem maior flexibilidade para o momento de instabilidade.

Já o estudo de Serralta (2016), verificou a existência de estruturas de interações em uma psicoterapia breve. Para isso utilizou 31 sessões de psicoterapia psicodinâmica que foram codificadas através do PQS e posteriormente submetidas a análise fatorial do tipo Q com rotação varimax que apontou cinco estruturas de interação: resistência, aliança, enfrentado a depressão, expectativa de mudança e introspecção e escuta. No decurso do tratamento houve uma variação que demonstrou que as estruturas podem estar associadas de modo mais positivo ou mais negativamente saliente em distintas sessões, ou mesmo sobressair em determinados momentos do tratamento.

Por outra via, o estudo de caso único realizado por De Bei e Montorsi (2013), verificou através do método qualitativo, os padrões de interação em uma psicoterapia psicodinâmica breve de uma paciente, cujo tratamento foi considerado bem-sucedido. Foi utilizado o PQS em 14 sessões que foram divididas em três etapas, correspondendo ao início, meio e fim do tratamento. Na etapa final do tratamento, os itens mais característicos do PQS sinalizaram as mudanças e quando comparadas à fase inicial e meio, foi constatado que essas mudanças foram significativas.

Ainda, o foco do tratamento se deslocou dos sintomas para os sentimentos, fornecendo espaço aos aspectos emocionais. O humor do paciente provocou atitudes de aceitação e neutralidade no terapeuta, que por sua vez gerou sentimentos depressivos induzindo o terapeuta a ser mais diretivo e emocionalmente reativo. Quando o terapeuta abandona a postura de neutralidade, os sintomas do paciente apresentaram melhora. Os autores do estudo assinalam que mesmo em uma psicoterapia psicodinâmica breve a ação terapêutica está centrada no trabalho da transferência, oposto ao trabalho na contratransferên-cia, manifesto basicamente na relação terapeuta-paciente (De Bei & Montorsi, 2013).

Assim, os trabalhos de De Bei e Montorsi (2013), Goodman et al. (2014a) e Serralta (2016) demonstram através de diferentes metodologias, o refinamento do exame do processo que ocorre durante as sessões de psicoterapia. Comporta também o estudo do conteúdo das estruturas de interações, que está relacionado aos constructos da psicanálise da transferência-contratransferência e enactment (Jones, 2000).

A investigação de Goodman et al. (2014a) evidenciou dados inéditos, uma vez que as estruturas de interação com pacientes com TPB internados, nunca haviam sido apresentadas. Através da detecção das estruturas de interação, ampliou-se os meios de desenvolvimento das pesquisas empíricas, no que se refere ao incremento de evidências das especificidades do processo terapêutico, especialmente com pacientes com TPB. Isso permitiu a compreensão e aprofundamento acerca dos padrões de interação, contribuindo para a eficácia de tratamentos e aproximando a prática clínica da pesquisa empírica. Ainda de acordo com Goodman et al. (2014a) as estruturas de interação podem estar associadas com resultados e podem facilitar ou dificultar o desfecho dos tratamentos. Jones (2000) aponta ainda, que as estruturas de interação ajudam os investigadores a explicar os processos singulares, ideográficos e idiossincráticos que acontecem entre cada díade, que estão associados a ação terapêutica. Portanto, o objetivo deste estudo foi o de identificar as estruturas de interação e as correlacionar com o tempo de tratamento na psicoterapia psicanalítica de uma paciente com Transtorno de Personalidade Borderline.

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo de delineamento híbrido e longitudinal, com base no Estudo de Caso Sistemático. Esse tipo de investigação se caracteriza pela utilização de um caso único, visando compreender os aspectos que contribuem para a mudança, baseado nos processos que acontecem no ambiente clínico ou dito naturalista, cujos dados se obtém através de sessões de psicoterapia, além disto, se considera o rigor sistemático, cuidadoso na coleta de dados e em muitos casos o uso de juízes e análise estatística para mensuração dos resultados (Edwards, 2007).

Participantes

Uma paciente de 19 anos que recorreu a uma clínica de atendimento psicológico em busca de tratamento psicoterápico. Depois de ser avaliada por uma entrevista de triagem com um psicólogo, foi encaminhada para psicoterapia e avaliação psiquiátrica. No momento da entrevista de triagem apresentou crise de choro e referiu que muitas vezes buscou atendimento psicológico, mas abandonou a todos. Após a avaliação psiquiátrica o diagnóstico foi o de Transtorno de Personalidade Borderline que posteriormente foi abonado pelo terapeuta. O terapeuta é integrante do grupo da clínica em que o paciente buscou atendimento. Possui dez anos de experiência clínica e formação como psicólogo na área de psicoterapia psicanalítica, seu percurso de estudos foi contemplado por seminários teóricos, supervisões e tratamento pessoal.

Tratamento

Os atendimentos foram realizados no consultório privado do terapeuta, com horários previamente agendados e periodicidade inicial de duas vezes por semana até o quinto mês, após foi diminuído para uma vez por semana. No decorrer do quinto mês de atendimento o paciente entrou em contato por telefone com o terapeuta comunicando o desejo de se cortar e pensamentos suicidas, momento em que foi internado em uma clínica psiquiátrica onde permaneceu durante quinze dias. Nessa fase, os atendimentos continuaram no local da internação contemplando 4 sessões.

Juízes e treinamento

Para a utilização do PQS, foi realizado um treinamento por duas pesquisadoras doutoras em psicologia e experientes na administração e codificação do instrumento. Participaram dessa capacitação, seis psicoterapeutas de distintos locais de formação em psicoterapia de Porto Alegre e Região Metropolitana do Rio Grande do Sul, além de uma psicóloga mestra em Psicologia Clínica. O treinamento teve duração de 9 horas, utilizadas para o conhecimento do instrumento, manejo do manual e discussão dos itens. Além disso, foram usados exemplos de codificações e aplicação do PQS em cinco sessões de psicoterapia em diferentes casos. Foram formadas duplas de juízes de modo aleatório, que se alternavam entre si e entre as sessões. Posteriormente, foram discutidos os itens em relação com os resultados das pesquisadoras experts. Em seguida, foram calculadas as correlações entre as diferentes duplas de juízes, verificou-se que o grupo alcançou níveis de confiabilidade entre avaliadores superiores a α = .700 e assim encerrou-se o treinamento.

Instrumentos

Psychotherapy Process Q-Set (Jones, 2000). Trata-se de um instrumento que busca compreender os fenômenos emergentes em um processo de psicoterapia individual. O PQS é pautado no método Q-Sort, validado no Brasil por Serralta et al. (2007) e desenvolvido com o objetivo de permitir a compreensão de como se dá a mudança durante o processo psicoterápico, assinalando os mecanismos de ação, tanto do psicoterapeuta, quanto do paciente e da interação que se processa entre ambos. O PQS tem como unidade de análise o processo de cada sessão. As sessões devem ser gravadas na íntegra em áudio e/ou vídeo. Após o estudo da sessão, procede-se o ordenamento conforme o manual do instrumento. Utilizam-se dois juízes independentes e avalia-se a fidedignidade entre avaliadores antes das análises subsequentes. Caso a fidedignidade esteja abaixo de .700 no cálculo da correlação de Pearson, um terceiro avaliador faz-se necessário.

Procedimento de coleta dos dados

As 68 sessões de psicoterapia foram gravadas em vídeo e posteriormente codificadas através do PQS, por duplas de juízes treinados na metodologia Q-Sort. Após, a codificação de cada juiz foi realizada a correlação de Pearson, sendo necessário correlações superiores a r > .700, com o objetivo de verificar a concordância entre os itens.

Procedimentos de análises dos dados

Adotando os procedimentos estatísticos de Goodman et al. (2014a) e Jones e Pulos (1993), no que se referem a identificar as estruturas de interação, as classificações do PQS das 68 sessões de psicoterapia foram submetidas a uma análise fatorial de componentes principais com rotação varimax. A partir dessa análise, se obteve os fatores ou estruturas de interação, verificando-se também a variância total. Por fim, foi feita a análise das estruturas de interação com o tempo de tratamento utilizando-se a correlação de Pearson.

Procedimentos éticos

O protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O estudo obteve parecer de aprovação no CEP n.° 12/028.

Resultados

Os resultados indicaram que o processo geral das 68 sessões de psicoterapia, se caracterizou por um terapeuta solicitando informações ou elaboração, sensível aos sentimentos do paciente, afinado e empático, comunicando-se com estilo claro e coerente, seguro e autoconfiante e percebendo acuradamente o processo terapêutico. O terapeuta possuía tato, era responsivo e afetivamente envolvido com o paciente, transmitindo a impressão de aceitação não-crítica.

Em relação ao paciente, o mesmo era claro e organizado em sua expressão, não encontrava dificuldade para compreender os comentários do terapeuta, iniciava assuntos, sentia-se confiante e seguro, não buscava aprovação, afeição, ou simpatia do terapeuta, respondia trazendo temas e material significativos, não se sentia tímido ou envergonhado, não era controlador, não possuía dificuldade em começar a sessão e não estava preocupado com o que o terapeuta pensava dele.

Por sua vez, a interação se caracterizou por importantes temas de relacionamentos interpessoais do paciente e ênfase na discussão da situação de vida atual ou recente do paciente. Em relação a análise fatorial do tratamento, obteve-se 4 fatores/estruturas de interação, fator 1: Colaborativo; fator 2: Resistência; fator 3: Aliança/Ruptura e fator 4: Apoio/ Encorajamento. Além disto, verificou-se a variância total de 29 %, embora esse percentual seja baixo é coerente com outros estudos, como os de Goodman et al. (2014a) com explicação de 34 % e Jones e Pulos (1993) com 37 % de variância.

A Tabela 1 apresenta a estrutura de interação com os itens e suas cargas. Essa estrutura foi nomeada como fator colaborativo e apresentou a = .91. Ela explicou 11.31 % da variância do processo da psicoterapia, apresentando 25 itens com cargas fato-riais que variaram entre .775 e .451. Essa estrutura de interação não se correlacionou com o tempo de tratamento (r = -.111; p ≥ .375). Este fator apresenta padrões de interação que se caracterizaram por um terapeuta sensível aos sentimentos do paciente, transmitindo a impressão de aceitação não-crítica e exercendo ativamente o controle sobre a interação. Assim, o paciente responde de modo colaborativo, aceitando os comentários do terapeuta, prontamente explorando pensamentos e sentimentos íntimos.

Tabela 1 Fator Colaborativo 

Item Item do PQS Carga do fator1
15 O terapeuta exerce ativamente controle sobre a interação com o paciente (por exemplo, estruturando e/ou introduzindo novos assuntos). .755
97 O paciente é introspectivo, prontamente explora pensamentos e sentimentos íntimos. .724
05 O paciente tem dificuldade para compreender os comentários do terapeuta. -.720
12 Ocorrem silêncios durante a sessão. -.680
25 O paciente tem dificuldade em começar a sessão. -.674
13 O paciente está animado ou excitado. .663
14 O paciente não se sente entendido pelo terapeuta. -.663
18 O terapeuta transmite a impressão de aceitação não-crítica. .654
42 O paciente rejeita os comentários e observações do terapeuta. -.629
58 O paciente resiste em examinar pensamentos, reações ou motivações relacionadas aos problemas. -.627
73 O paciente está comprometido com o trabalho terapêutico. .624
72 O paciente entende a natureza da terapia e o que é esperado. .606
7 O paciente está ansioso ou tenso. -.588
95 O paciente sente-se ajudado. .560
94 O paciente sente-se triste ou deprimido. -.550
28 O terapeuta percebe acuradamente o processo terapêutico. .537
74 O humor é utilizado. .534
86 O terapeuta é seguro ou autoconfiante. .508
6 O terapeuta é sensível aos sentimentos do paciente, afinado com o paciente; empático. .465
44 O paciente se sente cauteloso ou desconfiado. -.448
99 O terapeuta questiona a visão do paciente. .429
87 O paciente é controlador. -.428
1 O paciente verbaliza sentimentos negativos (por exemplo, crítica, hostilidade) dirigidos ao terapeuta. -.472
20 O paciente é provocador, desafia os limites da relação terapêutica. -.402
8 O paciente está preocupado ou conflituado com sua dependência do terapeuta. .451

1 Cabe destacar que o sinal negativo na carga do fator indica que ocorre o oposto ao descrito na coluna "Item do PQS".

A Tabela 2 apresenta a estrutura de interação com os itens e suas cargas. Essa estrutura foi nomeada como fator resistência e apresentou confiabilidade a = .80, Ela explicou 6.74 % da variância do processo da psicoterapia, apresentando 13 itens com cargas fatoriais que variaram entre .508 e .408. Essa estrutura de interação não se correlacionou com o tempo de tratamento (r = -.117; p ≥ .348). Esta estrutura de interação foi denominada deste modo, pois as atitudes do terapeuta e do paciente, bem como seus estados mentais podem ser considerados entraves ao tratamento. Ainda, ela se organizou em torno de padrões interativos em que o paciente não se sentia entendida, rejeitava os comentários do terapeuta e verbalizava sentimentos negativos em relação a ele. Em resposta aos comportamentos do paciente, o terapeuta tenta se adaptar para melhorar a relação, solicitando mais informação ou elaboração e chamando a atenção para o comportamento não verbal.

Tabela 2 Fator Resistência 

Item Item do PQS Carga do fator
14 O paciente não se sente entendido pelo terapeuta. .508
42 O paciente rejeita os comentários e observações do terapeuta. .598
1 O paciente verbaliza sentimentos negativos (por exemplo, crítica, hostilidade) dirigidos ao terapeuta. .645
20 O paciente é provocador, desafia os limites da relação terapêutica. .618
27 O terapeuta dá orientações e conselhos explícitos. -.567
10 O paciente busca maior intimidade com o terapeuta. -.532
53 O paciente está preocupado com o que o terapeuta pensa dele. -.496
8 O paciente está preocupado ou conflituado com sua dependência do terapeuta. .464
31 O terapeuta solicita mais informação ou elaboração. .463
47 Quando a interação com o paciente é difícil, o terapeuta tenta se adaptar num esforço para melhorar a relação. .435
78 O paciente busca aprovação, afeição, ou simpatia do terapeuta. -.435
45 O terapeuta adota uma atitude de apoio. -.408
2 O terapeuta chama a atenção para o comportamento não-verbal do paciente, por exemplo, postura corporal, gestos. .408

A Tabela 3 apresenta a estrutura de interação com os itens e suas cargas. Essa estrutura foi nomeada como fator aliança/ruptura e apresentou α = .67. Ela também explicou 5.09 % da variância do processo da psicoterapia, apresentando 11 itens com cargas fatoriais que variaram entre -.440 e -.418. Assim como as outras estruturas de interação, esta também não se correlacionou com o tempo de tratamento (r = .059; p ≥ .639). Esta estrutura de interação se caracterizou por uma paciente que não se sentia ajudada e experimentava afetos incômodos ou penosos (dolorosos). O terapeuta respondia de modo empático e sensível aos seus sentimentos, possibilitando trabalhar a relação terapêutica, interrupções, pausas ou o término do tratamento.

Tabela 3 Fator Aliança/Ruptura 

Item Item do PQS Carga do fator
95 O paciente sente-se ajudado. -.440
6 O terapeuta é sensível aos sentimentos do paciente, afinado com o paciente; empático. .426
61 O paciente se sente tímido ou envergonhado (versus à vontade e seguro). .697
98 A relação terapêutica é um foco de discussão. .574
65 O terapeuta clarifica, reafirma ou reformula a comunicação do paciente. -.554
75 Interrupções ou pausas no tratamento ou o término da terapia são discutidas. .537
3 As observações do terapeuta visam facilitar a fala do paciente. -.484
59 O paciente se sente inadequado ou inferior. .480
70 O paciente luta para controlar sentimentos ou impulsos. .462
26 O paciente experimenta afetos incômodos ou penosos (dolorosos). .439
77 O terapeuta não tem tato. -.418

Tabela 4 Fator Terapeuta diretivo 

Item Item do PQS Carga do fator
69 A situação de vida atual ou recente do paciente é enfatizada na discussão. .514
66 O terapeuta é diretamente encorajador. .500
21 O terapeuta revela informações sobre si. .493
88 O paciente traz temas e material significativos. -.491
32 O paciente adquire uma nova compreensão ou insight. -.448
43 O terapeuta sugere o significado do comportamento de outros. -.437
46 O terapeuta se comunica com o paciente com um estilo claro e coerente. .429
76 O terapeuta sugere que o paciente aceite a responsabilidade por seus problemas. .412

A Tabela 4 apresenta a estrutura de interação com os itens do PQS e suas cargas. Essa estrutura foi nomeada como fator diretivo e obteve = .62 e explicou 4.91 % da variância do processo da psicoterapia. Ela apresentou 8 itens com cargas fatoriais que variaram entre .514 e .412. Destaca-se também que essa estrutura de interação não se correlacionou com o tempo de tratamento (r = .189; p ≥ .129). Essa foi constituída pelas interações de apoio e encorajamento do terapeuta frente à situação de vida atual do paciente que não traz temas e material significativo e não tem insight. O terapeuta faz revelações sobre si, se comunica de forma clara, indica que o paciente aceite a responsabilidade por seus problemas e não sugere o significado do comportamento dos outros.

Discussão

De acordo com os resultados apresentados nas tabelas, é possível considerar os alfas como moderados aqueles que apresentem valor de 0.60 < α ≤ 0.75, como os fatores 3 e 4. Entretanto, valores de alfa entre 0.75 < α ≤ 0.90, como encontrados nos fatores 1 e 2, são considerados altos e indicam graus de confiabilidade ainda melhores (Dancey & Reidy, 2007).

Ademais, a presente investigação é a primeira pesquisa a identificar estruturas de interação em um estudo de caso com um paciente com TPB no Brasil. Os dados expressam o fato de que independentemente da modalidade terapêutica ou o tempo de tratamento, as estruturas de interação se estabelecem através dos padrões repetitivos de relação entre terapeuta e paciente. Outros estudos têm apontado resultados semelhantes e que também assinalam que as estruturas identificadas nos tratamentos são próprias de cada díade (Ablon & Jones, 2005; Jones & Price, 1998; Jones & Pulos, 1993; Serralta, 2016).

De modo geral, o processo das 68 sessões da psicoterapia demonstrou um trabalho voltado para a exploração dos temas, um terapeuta empático, envolvido emocionalmente com o paciente. Este por sua vez, responde ao terapeuta de modo cola-borativo trazendo temas e material significativos, se expressando claramente e compreendendo os comentários do terapeuta.

A partir disso verificou-se a existência de quatro fatores que consistem nas estruturas de interação e dizem respeito à relação entre a díade durante o tratamento. O fator 1 colaborativo, foi predominante durante o processo psicoterapêutico, demonstrando que o trabalho realizado, de modo geral permitiu a exploração dos sentimentos do paciente, através de uma interação colaborativa e cooperativa entre terapeuta e paciente. Isso é o que os tratamentos validados empiricamente para TPB buscam preconizar, principalmente na fase inicial (Beatson & Rao, 2014). Também foi demonstrado que o terapeuta exercia ativamente controle sobre a interação com o paciente (por exemplo, estruturando e/ou introduzindo novos assuntos), o que demonstra o trabalho de estimulação da aliança de trabalho. O fato de o terapeuta transmitir a impressão de aceitação não-crítica favoreceu a exploração dos pensamentos e sentimentos do paciente e seu comprometimento com o trabalho terapêutico. Isso favorece a mentalização uma vez que a exploração das experiências emocionais do paciente, contribui para dar sentido, mostrando as circunstâncias ligadas ao comportamento decorrente da falha da mentalização (Nardi et al., 2018).

Apesar do trabalho colaborativo, a resistência, fator 2, também surge como um padrão repetitivo. Entretanto, de acordo com Zimerman (2008) a resistência é um fenômeno que ocorre entre indivíduos, representando a confusão e o grau de conflito interno do paciente em relação a mudança e o modo de resposta do terapeuta. A qualidade do relacionamento terapêutico desempenha um importante papel quanto ao nível de resistência, conforme afirma Wachtel (1999). Esse fator denota o comportamento do terapeuta, na tentativa de se adaptar para melhorar a situação, quando a interação com o paciente é difícil. Assim, podemos perceber o esforço da terapeuta para melhorar a relação, solicitando informações e elaboração, o que nos leva a pensar na flexibilidade da técnica, importante aspecto no tratamento com TPB, como aponta Goodman et al. (2014a).

O terceiro fator, Ruptura/Aliança, demonstra que as dificuldades que surgiram durante a psicoterapia, são conduzidas pela terapeuta assumindo uma postura mais empática, possibilitando que o paciente se sinta ajudada, permitindo que a relação terapêutica se torne um foco de discussão. Novamente a empatia da terapeuta, utilizando uma comunicação clara e coerente e uma aceitação não crítica do paciente, contribuíram para o desenvolvimento da aliança terapêutica. Esses são aspectos que Price e Jones (1998), relacionam com a aliança e que demonstram que o paciente alcançou a mínima capacidade para examinar seus afetos incômodos, assim como suas atitudes relacionadas com o terapeuta e a psicoterapia.

O último fator, terapeuta diretivo, foi apontado no estudo de Goodman et al. (2014a), como um importante aspecto no tratamento com pacientes TPB, principalmente em momentos de crise, servindo para a estabilização desses indivíduos. Assim, intervenções mais estruturadas e diretivas, contribuem para o desenvolvimento da capacidade de mentalização, como apontam Bateman e Fonagy (2010). Além disso, Beatson e Rao (2014) sinalizam o fato de que não há espaço para um terapeuta silencioso com os pacientes TPB, uma vez que o silêncio pode ser experimentado como um abandono.

Como o paciente TPB apresenta falhas na simbolização, intervenções interpretativas só podem ser utilizadas com o desenvolvimento do tratamento, quando o paciente, mesmo que de modo mais primitivo, tenha sua capacidade simbólica ativada (Goodman et al., 2014a). No modelo da mentalização a sintonia empática com o paciente no aqui e agora, são aspectos fundamentais (Bateman & Fonagy 2004). Os mesmos autores referem ainda, que esse tipo de intervenção contribui para o desenvolvimento da capacidade interpretativa do comportamento de si e dos outros.

Em consonância com o estudo de Goodman et al. (2014b), identificou-se quatro estruturas de interação durante as sessões da psicoterapia com um paciente com TPB. Entretanto, as estruturas identificadas no presente estudo diferem daquelas encontradas no estudo de Goodman e colaboradores (2014b). Isso reforça a ideia de que as estruturas presentes nos tratamentos são próprias de cada díade e que não há uma relação terapêutica igual a outra. Outro aspecto importante é que, independentemente do tempo de tratamento, se é uma psicoterapia de longo prazo ou curta duração, as estruturas de interação se fazem presentes, demonstrando que os comportamentos do paciente e do terapeuta se influenciam mutuamente (Ablon & Jones, 2005; Jones et al., 1993; Jones & Price, 1998).

Assim, o estudo das estruturas de interação fornece uma importante contribuição empírica e clínica a questão da ação terapêutica, demonstrando estar no campo de interação entre fatores técnicos e interpessoais, especificamente identificando e interpretando os padrões relacionais disfuncionais. Desta forma, a ação terapêutica acontece através do reconhecimento e compreensão dos padrões repetitivos entre a díade (Gabbard & Westen, 2003).

Considerando a severidade dos sintomas dos pacientes TPB, os padrões repetitivos de interação observados no presente estudo, demonstraram o relacionamento colaborativo, cooperativo e empático. Deste modo, conforme Beatson e Rao (2014) e Goodman et al. (2014b), um tratamento eficaz necessita uma abordagem flexível e eclética, agregando distintos elementos de diferentes modalidades, estimulando o começo de interações empáticas com intervenções estruturadas de acordo com as especificidades de cada paciente.

Conclusão

O estudo das estruturas de interação demonstrou que cada tratamento, terapeuta e paciente são únicos e o relacionamento que se estabelece entre eles é próprio daquela dupla terapêutica. Esse conhecimento pode contribuir para a compreensão de que tais especificidades devem ser entendidas no momento da psicoterapia, uma vez que determinado modelo de tratamento pode ser eficaz com um paciente e com outro não. Há de se pontuar ainda sobre a importância do reconhecimento e a compreensão do significado dos padrões repetitivos, como componentes da ação terapêutica. Ademais, as estruturas encontradas nesse estudo demonstram que as interações mudam conforme o tratamento e podem ser positivas ou negativas refletindo o clima de cada etapa do tratamento. Também nos permitiu observar que a postura do terapeuta sensível aos sentimentos do paciente, acolhedora, sem criticar, na tentativa de compreendê-la, reafirmando os achados de Goodman et al. (2015), que apontaram terapeutas flexíveis, com capacidade reflexiva e empáticos, que utilizavam intervenções mais estruturadas. Demonstrando que os comportamentos do paciente influenciam nas ações do terapeuta e que também levam o paciente a mudanças nos estados mentais, assim como o paciente também leva o terapeuta a mudar as intervenções, o que demonstra a relevância de compreender os mecanismos de ação terapêutica.

A gravidade do caso demandou flexibilidade técnica por parte do terapeuta e sua postura ativa, empática e encorajadora, contribuíram para o incremento da capacidade reflexiva e para o desenvolvimento e fortalecimento da aliança de trabalho (Nardi et al., 2018). Portanto, o exame da interação da díade, pode ampliar a compreensão do que realmente ocorre no ambiente terapêutico, possibilitando um olhar mais aprofundado da interação criada entre paciente e terapeuta.

Em termos de limitações, o estudo de caso único, embora seja sistemático não permite generalizações, mas contribuem para melhor compreensão de como pode ocorrer a ação terapêutica de determinadas psicoterapias, como neste caso de orientação psicodinâmica. Além disto, fornecem elementos técnicos para que terapeutas de diferentes níveis de experiência possam utilizar o material como recurso de pesquisa e de instrumentalização profissional. Enquanto direcionamentos para pesquisas futuras, sugere-se que haja novos trabalhos que busquem avaliar as estruturas de interação em diferentes condições psicopatológicas.

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Fontes de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Para citar este artigo: Nardi, S. C. S., Feijó, L. P., Bittencourt, A. A., Serralta, F. B., & Benetti, S. P. C. (2023). Estruturas de interação no tratamento psicodinâmico de uma paciente com Transtorno de Personalidade Borderline. Avances en Psicología Latinoamericana, 41(1), 1-16. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.9224

Recebido: 14 de Julho de 2021; Aceito: 09 de Dezembro de 2022

*Dirigir correspondência à Suzana Catanio dos Santos Nardi. Endereço: Rua Vila Lobos 647. Bairro Tamandaré, Esteio, Rio Grande do Sul, Brasil CEP 93260 400. Correio eletrônico: suzanacatanio@gmail.com

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