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Avances en Psicología Latinoamericana

Print version ISSN 1794-4724On-line version ISSN 2145-4515

Av. Psicol. Latinoam. vol.41 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2023  Epub July 15, 2023

https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.9182 

Artículos

Espiritualidade de pessoas vivendo com HIV/AIDS e suas representações sociais: encontro com Deus e a religião

Espiritualidad de las personas que viven con el VIH/SIDA y sus representaciones sociales: encuentro con Dios y la religión

Spirituality of People Living with HIV/AIDS and their Social Representations: Encounter with God and Religion

Virginia Paiva Figueiredo Nogueiraa  * 
http://orcid.org/0000-0001-7331-9715

Antonio Marcos Tosoli Gomesb 
http://orcid.org/0000-0003-4235-9647

Rafael Moura Coelho Pecly Wolterc 
http://orcid.org/0000-0003-1633-2141

Themistoklis Apostolidisd 
http://orcid.org/0000-0002-3549-5547

Luiz Carlos Moraes Françae 
http://orcid.org/0000.0002.6370-115X

Magno Conceição das Mercêsf 
http://orcid.org/0000-0003-3493-8606

Pablo Luiz Santos Coutog 
http://orcid.org/0000-0002-2692-9243

a Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

b Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgico, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

c Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo

d Aix-Marseille Université, LPS, Aix-en-Provence

e Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

f Departamento de Ciências da Vida, Universidade do Estado da Bahia

g Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia


Resumo

Este estudo tem como objetivo analisar a estrutura das representações sociais da espiritualidade para pessoas que vivem com o HIV/AIDS e identificar o núcleo central e os elementos periféricos superativados das representações sociais da espiritualidade. Trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória com abordagem quanti-qualitativa pautada na abordagem estrutural da teoria das representações sociais. Foram utilizadas diferentes técnicas de coleta de dados e análise, desta forma, o estudo foi realizado ao longo de três anos, os dados foram coletados entre os anos de 2015 a 2018. Participaram do estudo pessoas vivendo com HIV/AIDS atendidas num serviço ambulatorial especializado vinculado a um hospital universitário estadual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, dentre estes, 166 responderam ao questionário de evocações livres ao termo indutor de espiritualidade, 61 ao questionário de escolhas sucessivas por blocos, 60 ao de técnica do questionamento, e 50 aos esquemas cognitivos de base. Após os testes, chegou-se ao resultado de que os elementos Deus e religião são centrais nas representações sociais da espiritualidade para o grupo participante, os elementos fé e amor foram identificados como periféricos superativados.

Palavras-chaves: espiritualidade; Hiv; religião

Resumen

Este estudio pretende analizar la estructura de las representaciones sociales de la espiritualidad de las personas que viven con el VIH/SIDA e identificar el núcleo central y los elementos periféricos superactivados de las representaciones sociales de la espiritualidad. Se trata de una investigación descriptiva y exploratoria con un enfoque cuanti-cualitativo basado en el enfoque estructural de la teoría de las representaciones sociales. Se utilizaron diferentes técnicas de recolección y análisis de datos, de esta manera, el estudio se realizó a lo largo de tres años, los datos fueron recolectados entre el 2015 y 2018. Participaron del estudio personas que viven con VIH/SIDA, atendidas en un servicio ambulatorio especializado vinculado a un hospital universitario estadual de la Universidad Estadual de Río de Janeiro, entre ellas, 166 respondieron al cuestionario de evocaciones libres al término inductivo espiritualidad, 61 al cuestionario de elecciones sucesivas por bloques, 60 a la técnica de cuestionamiento, y 50 a los esquemas de base cognitiva. Después de las pruebas, el resultado fue que los elementos Dios y religión son centrales en las representaciones sociales de la espiritualidad para el grupo participante, los elementos fe y amor fueron identificados como periféricos superactivados.

Palabras clave: espiritualidad; VIH; religión

Abstract

This study aimed to analyze the structure of social representations regarding spirituality of people living with HIV/AIDS and to identify its central nucleus and peripheral superactivated elements. It was a quantitative and qualitative descriptive and exploratory research based on the structural approach of social representations theory. Different techniques of data collection and analysis were used. Thus, the study was carried out over three years (2015-2018). The participants were people living with HIV/AIDS treated at a specialized outpatient service linked to the State University of Rio de Janeiro. Among these, 166 answered the questionnaire of free evocations to the inducing term spirituality, 61 to the questionnaire of successive choices by blocks, 60 to the questioning technique, and 50 to the basic cognitive schemes. After the tests, the result was that the elements 'God' and 'religion' are central to the social representations of spirituality for the participating group. The elements 'faith' and 'love' were identified as peripheral superactivated ones.

Keywords: Spirituality; HIV; religion

A espiritualidade é um tema que tem tido uma abordagem crescente, assim como tem sido cada vez mais objeto de estudos na área da saúde, entre os quais são abordadas as pessoas vivendo com HIV/AIDS (Angelim et al., 2016). O HIV é uma infecção incurável, até o momento, e pode causar a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS), condição que é cercada por representações ancoradas em estigma, preconceito, luta pela vida e há a necessidade do uso contínuo de medicamentos antirretrovirais para que as pessoas vivendo com HIV ( PVHIV) se mantenham saudáveis (Nascimento et al., 2020).

Pessoas com HIV/AIDS enfrentam aspectos biomédicos e dimensões socioculturais difíceis em alguns contextos e considera-se que a espiritualidade pode ser aliada, pois pode auxiliar o paciente a ver a vida com mais sentido, gerando uma influência positiva na adesão ao tratamento medicamentoso e, assim, auxiliar na manutenção da qualidade de vida. Além de auxiliar com o enfrentamento da infecção, a espiritualidade pode ser um caminho de esperança que estimule o indivíduo a buscar estabelecer objetivos para sua vida (Angelim et al., 2016; Hipólito et al., 2017; Koenig, 2012a; Machado et al., 2020).

Em termos de definição, a espiritualidade parece não gozar de um conceito único que seja aceito por todos os pesquisadores, sendo tema de pesquisas em um vasto campo de conhecimento, como antropologia, teologia, psicologia, sociologia e filosofia, o que contribui para a multiplicidade de conceitos (Espírito Santo et al., 2013). De acordo com o trabalho de Caldeira et al. (2011), a espiritualidade é intrínseca ao ser humano e uma dimensão do cuidar, e o enfermeiro, assim como os outros profissionais da saúde, devem reconhecer quando os pacientes expressam necessidades espirituais, mesmo de formas sutis.

A definição de espiritualidade se baseia na busca do ser humano por significado e por propósito de vida. Esta busca pode incluir a religião, pode ser apenas o contato com Deus ou com um ser transcendente, pode estar na relação com os outros, com a natureza, pode ser encontrada na arte ou até no pensamento. Ela é uma parte complexa da experiência humana e possui três aspectos, os cognitivos, que incluem a busca de significado, bem como crenças e valores de acordo com os quais a pessoa vive. Os aspectos experenciais ou emocionais, que envolvem sentimentos como esperança, amor, conexão, paz interior e suporte. E os aspectos comportamentais da espiritualidade, que envolvem o modo como uma pessoa manifesta externamente as crenças espirituais individuais (Koenig, 2012b).

Como dito inicialmente, as representações sociais do HIV/AIDS, hoje já considerada uma doença crônica, ainda são cercadas por elementos representacionais negativos, como medo, preconceito, ou ainda, está presente na memória como a síndrome que apareceu na década de 1980 e gerou pânico (França et al., 2020). Esses elementos negativos associados ao HIV/AIDS podem estar presentes no pensamento da própria pessoa que vive com HIV, podendo ter efeitos maléficos sobre o enfrentamento da convivência com a infecção e adesão ao tratamento.

Desta forma, ao nos embasarmos na literatura que mostra benefícios ao se verificar a espiritualidade e práticas relacionadas a ela no cotidiano de pessoas que vivem com HIV (Grill et al., 2020; Ironson et al., 2016), torna-se valioso para o campo da saúde, conhecer as representações sociais da espiritualidade para pessoas que vivem com HIV/AIDS, pois a partir do conhecimento acerca do pensamento do grupo, pode-se buscar melhores estratégias para a abordagem da espiritualidade no cuidado.

Nesse contexto, traçou-se como objetivo analisar a estrutura das representações sociais da espiritualidade para pessoas que vivem com o HIV/AIDS através da identificação do núcleo central e dos elementos periféricos superativados da representação social em tela.

Método

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com abordagem quanti-qualitativa com o suporte teórico e metodológico da Teoria das Representações Sociais em sua abordagem estrutural. Por representações sociais (RS) pode-se compreender o saber do senso comum para um grupo social. Estudar esse pensamento torna-se essencial para a identificação da visão de mundo que indivíduos/ grupos possuem e utilizam para agir e se posicionar, sendo indispensável para compreender como ocorrem as interações sociais e esclarecer os determinantes das práticas sociais (Abric, 2000).

Na perspectiva da abordagem estrutural desenvolvida por Jean Claude Abric, uma representação é composta de ideias (cognemas ou elementos) que são ativadas quando um grupo pensa em um objeto. Uma RS pode ser caracterizada como um conjunto de elementos cognitivos ligados por relações, que variam de grupo para grupo e de um elemento para outro. Tanto as relações entre diferentes cognemas quanto os próprios elementos (conteúdo do pensamento) são altamente importantes. Esta ênfase nas conexões entre os elementos está subjacente a um conjunto de técnicas que se concentram no poder associativo (Wolter, 2018) que serão explanadas mais adiante.

Quanto aos aspectos éticos, foram atendidos os pré-requisitos do Ministério da saúde conforme a resolução 466/2012. A participação dos entrevistados ocorreu de maneira voluntária após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, garantindo o seu anonimato. A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sob o CAAE: 31448714.0.0000.5282 e parecer n° 699.220.

O cenário do estudo foi um ambulatório especializado (SAE) em HIV/AIDS de um hospital universitário estadual situado na zona norte do município do Rio de Janeiro e os participantes foram usuários atendidos no SAE. Foram incluídos no estudo: pacientes atendidos no SAE maiores de 18 anos e que estivessem em boas condições de saúde para participar, foram excluídos participantes que não estavam em boas condições de saúde.

Neste estudo foram utilizadas quatro técnicas, desta forma, houveram diferentes momentos de coleta de dados e diferentes números de questionários preenchidos conforme cada técnica, foram eles, 166 participantes que responderam ao questionário de evocações livres, 61 ao questionário de escolhas sucessivas por blocos (choix-par-bloc - CPB), 60 ao de técnica do questionamento (mise-en-cause - MEC) e 50 aos esquemas cognitivos de base (Schémes cognitifs de base - SCB), total de 337 questionários.

Em relação ao número de questionários para cada método, acerca das evocações livres para análise prototípica, esta apresentará resultados mais estáveis se houver um número igual ou maior a 100 participantes (Wachelke & Wolter, 2011). Foram coletados questionários de evocações livres até o momento em que não havia mais participantes novos que aceitassem participar. Para as outras técnicas, o número de questionários coletados foi orientado pelos estudos dos autores de cada técnica, como no de escolhas sucessivas por blocos, por Jean Claude Flament, na técnica do questionamento, por Moliner, e nos esquemas cognitivos de base, por Cristian Guimelli e Rouquette (Rateau & Rouquette, 1998).

A técnica de evocações livres utilizou o termo indutor "Espiritualidade" e é caracterizada como um teste projetivo/associativo que busca acessar a organização e a estrutura interna da representação (Oliveira et al., 2005). Foi solicitado aos participantes que evocassem cinco palavras ao ouvir o termo indutor, bem como foi aplicado um questionário de caracterização.

Para a análise deste resultado, realizou-se a organização das palavras evocadas em arquivo de texto e, em seguida, construiu-se um dicionário buscando um melhor aproveitamento na análise, a partir daí foi criado o corpus de análise. Foi realizada a análise prototípica com auxílio do software EVOC versão 2005 (Ensemble de programmes per-mettant l'analyse des evocations) que organiza os termos produzidos em função da hierarquia subjacente à frequência e à ordem de evocação (Sá, 2002).

A partir do resultado da análise prototípica, ob-teve-se os principais elementos da representação que fossem candidatos à centralidade, então foram realizados os testes de centralidade CPB, MEC e SCB.

O CPB é um método de hierarquização dos termos evocados que permite uma abordagem quantitativa evidenciando-se as relações de similitude no interior da representação (Sá, 2002). O questionário aplicado conteve uma lista com 15 palavras de maior frequência extraídas da análise prototípica, 61 entrevistados escolheram as cinco palavras que mais caracterizavam o objeto testado e as cinco que menos o caracterizavam, anotando também as palavras restantes. As palavras testadas foram: fé, Deus, amor, paz, religião, Jesus, esperança, força, vida, confiança, caridade, saúde, tudo, crença e conforto.

Para análise, foi calculado o índice de similitude e a partir deste foi desenhada a árvore máxima de similitude. Quanto mais próximo de 1,0 mais os itens em questão estão relacionados, a combinação entre relevância e conectividade que permite considerar os cognemas como um elemento central (Aubert & Abdi, 2002).

MEC é um método de verificação da centralidade do núcleo, em que os participantes devem dizer se reconhecem ou não o objeto central (Wolter et al., 2016). Nesse método solicita-se aos participantes, através de pergunta negativa, tendo como resposta sim, não e talvez, que indiquem se a desconsideração do elemento permite manter a identidade do objeto social de interesse (Wachelke, 2008). As palavras constituintes do teste foram Deus, religião, fé, amor, paz, Jesus, força, tudo e vida.

Para análise, foi calculado o percentual das respostas ao sim, talvez e não. Se o resultado das respostas dos 60 entrevistados estiver concentrado em mais de 75 % na resposta negativa, pode-se deduzir que o cognema presente nesta pergunta faça parte do núcleo central da representação (Vergès, 2001), pois mostra que este é indispensável quando se pensa no objeto.

O terceiro teste utilizado foi o dos esquemas cognitivos de base (SCB) que proporciona a identificação dos elementos do núcleo central através do poder associativo (Sá, 2002). Este modelo propõe a formalização de 28 conectores diferentes, organizados em cinco esquemas com três meta-esquemas cognitivos de base. São eles: descritivo (léxico, vizinhança e composição, cada um com 3 conectores); praxia (corresponde aos conectores de prática, 12 conectores) e atribuição (corresponde aos conectores de atribuição, 7 conectores) (Rateau & Rouquette, 1998; Sá, 2002; Wolter et al., 2016). Para esta técnica foram coletados 50 questionários, 10 para cada termo testado: fé, Deus, amor, religião e paz.

Para a análise dos SCB foi realizado o cálculo das valências dos meta-esquemas (descritivo, atribuição e praxia), que podem variar de 0 a 1, através da fórmula: Vt = quantidade de conectores ativados/28 (n° de conec.) x n° de respostas associativas (Rateau & Rouquette, 1998; Wolter et al., 2016).

Após os cálculos das valências, foi calculado o lambda conforme a fórmula ponderada ajustada por Wolter (2016) que considerou a proporção de cada um dos grupos de conectores em suas valências totais, por isso, o cálculo foi realizado com os conectores totais aos quais os elementos centrais testados se conectam e também leva em conta que não há a mesma quantidade de conectores nos três meta-esquemas. O cálculo do lambda ponderado (Wolter, 2016) ocorreu pela equação: λ ponderado = Vp ponderado/Va ponderado (λ ponderado =Vpp/Vap). A valência prática ponderada foi calculada por Vpp=Conectores ativados totais x 0.43/conectores práticos e a valência atributiva ponderada por Vap=Conectores ativados totais x 0.25/conectores atributivos.

Resultados

Os participantes do estudo foram 62 % do sexo masculino e 38 % do sexo feminino. A faixa etária que incluiu mais participantes foi entre 41 a 50 anos (31.3 %), 47 % dos participantes estudaram até o ensino fundamental e 58.4 % referiram não ter companheiro. Acerca da religião, 38 % dos entrevistados declararam-se católicos, 25.3 % são de religiões de matriz espírita/espiritualista (15 % candomblecistas, 6 % espíritas e 2.4 % umbandistas), 19.3 % de matriz evangélica e 17.5 % referiram não ter religião. Mas dentre o total de entrevistados, apenas 6 relataram que não acreditavam em Deus. A maior parte dos entrevistados (71.1 %) se declarou como heterossexual, também referiram ter adesão ao tratamento (92.8 %).

Com relação a análise prototípica realizada, destaca-se, como publicada anteriormente por Gomes et al. (2016), que a frequência média adotada foi de 14 e a média das ordens médias (rang) foi de 2.70, assim os elementos possivelmente centrais foram fé (freq. 67, ordem média de evocação - OME - 2,0), Deus (freq. 56 e OME. 1,4) e religião (freq. 21 e OME 1,6), estes atenderam tanto aos critérios de frequência quanto o de saliência. Na primeira periferia, como aponta Oliveira et al. (2005), alguns elementos podem ter características centrais, por isto aprofundou-se em especial a análise do léxico amor (freq. 45), que possui a terceira maior frequência da análise. Junto ao elemento amor, encontra-se a palavra paz.

A zona de contraste foi composta pelos elementos Jesus, força, vida, tudo e crença, enquanto a segunda periferia, esperança, confiança, caridade, saúde, conforto efamília. Este conjunto de termos será analisado a seguir, a partir dos testes específicos para se identificar os elementos centrais e os periféricos superativados.

Prosseguindo a análise, realizou-se a técnica de escolhas sucessivas por blocos (CPB) que resultou na árvore de similitude a seguir:

Na árvore máxima do CPB, destacam-se os elementos Deus, amor, religião e vida, uma vez que estes foram os que fizeram mais conexões, Deus foi, ainda, o que fez ligações mais próximas de 1, sendo, 0.5 com Jesus e 0.6 com fé. Deus e religião estão presentes no quadrante do núcleo central, o que demonstra a importância destes ao grupo social. Pelo resultado da árvore de similitude, pode-se inferir que na parte superior, a partir do cognema Deus, a ligação de elementos se referem a uma relação com o transcendente (Deus e Jesus) e as consequências desta relação (fé, força, esperança e amor). O elemento vida, ligado à religião, conecta-se a tudo, confiança e saúde.

Figura 1 Árvore máxima de similitude a partir do teste de escolha sucessiva por bloco (CPB) para os elementos da espiritualidade. Rio de Janeiro, 2019 (n= 61). Fonte:Nogueira (2019)

Destaca-se a organização da árvore em quatro aspectos, o ser transcendente e a sua definição mais divulgada nos textos fundamentais da tradição cristã, maioria dos participantes, e presente de maneira constante na mídia e nas redes sociais (Deus e amor). Ao mesmo tempo, amor se liga a religião que, curiosamente fica no centro entre amor e caridade, parecendo apresentar o seu ideal, ao menos para o cristianismo, e a sua prática cotidiana, respectivamente.

Ao mesmo tempo, vida aglutina a própria religião, confiança, saúde e tudo, explicitando uma certa forma de organização do viver em que a espiritualidade se desdobra nestes termos, que vai da ideia de institucionalização desta espiritualidade à capacidade de totalização da experiência da vida (tudo), perpassando a confiança e a saúde.

Na MEC, foram testados os cognemas que mais se destacaram na análise do quadro de quatro casas como possíveis elementos do núcleo central. O teste apresentou resultados positivos em relação à centralidade, ou seja, com respostas negativas que foram estatisticamente significativas (Sá, 2015) para os elementos: Deus, fé, amor, paz e vida.

Na Tabela 1, pode-se visualizar a distribuição das respostas para cada elemento testado, quais sejam: não (confirma-se que o elemento é inegociável), talvez (são aqueles que não foram escolhidos) e sim (descarta-se a centralidade do elemento).

Tabela 1 Distribuição das respostas à técnica do questionamento (MEG) para a Espiritualidade. Rio de Janeiro (2019) 

Elementos apresentados Resposta negativa (central) Talvez (não escolhido) Resposta positiva (não central) Total
Pode haver espiritualidade sem ____? f % f % f % f %
53 88.30 3 5 4 6.70 60 100
Vida 50 83.30 1 1.70 9 15 60 100
Amor 48 80 2 3.30 10 16.70 60 100
Deus 46 76.70 4 6.70 10 16.60 60 100
Paz 46 76.70 2 3.30 12 20 60 100
Força 42 70 5 8.30 13 21.70 60 100
Jesus 37 61.70 1 1.70 22 36.60 60 100
Religião 32 53.30 1 1.70 27 45 60 100
Tudo 12 20 2 3.30 46 76.70 60 100

Fonte: autores.

Pelo conjunto dos resultados, o elemento fé foi o que obteve maior porcentagem na confirmação com 88.3 %, havendo confirmação de sua centralidade neste teste. O elemento Deus obteve uma porcentagem um pouco mais baixa, 76.7 %, mas também teve a centralidade confirmada. Já o elemento religião apresentou o percentual de 53.3 %, mesmo presente no quadrante do provável núcleo central na análise prototípica, não teve sua centralidade confirmada neste teste.

Os elementos amor e paz, presentes na primeira periferia da análise prototípica, tiveram a centralidade confirmada por apresentarem 80 % e 76.7 %, respectivamente. Vida, presente na zona de contraste, obteve o segundo maior percentual (83.3 %), ao mesmo tempo em que os demais apresentaram percentual baixo, como força, de 70 %, Jesus (61.7 %) e tudo (20 %). Infere-se, portanto, que o elemento vida tenha um significado muito importante simbolicamente para os participantes, bem como, é importante do ponto de vista prático após o êxito da terapia antirretroviral. Fé, vida, amor, Deus e paz foram os elementos identificados pela técnica de mise-en-cause, ou seja, para o grupo, estes elementos são indispensáveis à representação da espiritualidade.

Na última técnica utilizada, o SCB, foram testados os elementos fé, Deus, amor, paz e religião, por seu comportamento na análise prototípica. Na primeira parte da análise foi calculado o valor das valências, como mostra a Tabela 2, a seguir:

Tabela 2 Valências calculadas para os elementos testados nos SGB da Espiritualidade. Rio de Janeiro (2018) 

Conectores do meta-esquema descrição Conectores do meta-esquema praxia Conectores do meta-esquema atribuição Total de conectores ativados
Elemento Fé
Ativados 207 288 143 638
Possíveis 270 360 210 840
Valência 0.77 0.80 0.68 0.76
Elemento Deus
Ativados 233 312 174 719
Possíveis 270 360 210 840
Valência 0.86 0.87 0.83 0.85
Elemento amor
Ativados 179 253 179 554
Possíveis 270 360 210 840
Valência 0.63 0.70 0.56 0.66
Elemento paz
Ativados 211 283 266 660
Possíveis 270 360 210 840
Valência 0.78 0.78 0.79 0.78
Elemento religião
Ativados 190 230 133 553
Possíveis 270 360 210 840
Valência 0.70 0.64 0.63 0.66

Nota. Valências (N° Conectores X ativados/N° Conectores X total). Fonte:Nogueira (2019).

Após o cálculo das valências descritiva, prática, atributiva e total, foram verificados seus valores e observado o quanto ativam em relação ao objeto.

O elemento fé possui uma valência total com índice elevado, a tabela mostra que 76 % (vt = 0.76) dos conectores foram ativados. Pelo resultado das valências descritiva, prática e atributiva, fé é um elemento prático e descritivo da representação. O cognema Deus teve uma valência total de 0.85, ou seja, 85 % dos conectores foram ativados, este alto índice de ativação, indica a importância deste na representação social da espiritualidade. Pelo resultado, Deus apresenta alta ativação em todas as valências, o que sugere que este é um elemento misto.

Amor teve uma ativação total menor, 66 % dos conectores (vt = 0.66). Ao visualizarmos o resultado das valências, possui uma maior ativação no registro funcional ou prático das cognições (0.70). Paz apresentou valência total com a ativação de 78 % (vt = 0.78). Para paz, as valências descritiva, prática e atributiva tiveram valores elevados e próximos, o que sugere que paz seja um elemento muito ativado em relação ao objeto de representação, além disso, é um elemento misto (ativação dos meta-esquemas descritivos, práticos e atributivos).

Por fim, religião foi o que apresentou os menores valores de valências e, por consequência, gerou menos ativações cognitivas nos participantes. A sua valência total foi de 0.66, e dentre as outras valências, a descritiva foi a que teve o mais alto valor (Vd = 0.70). Deste modo, vê-se que religião ativa um registro descritivo, mostrando que, de certo modo, ela tem uma influência na representação social da espiritualidade por ativar características e fatos que fazem parte da constituição do objeto (Wolter et al., 2016).

A partir dos autores que trabalharam com esta técnica de análise (Guimelli, 2007; Rateau & Rouquette, 1998), observou-se primeiramente os valores das valências totais, seguido pelas práticas e atributivas. O elemento Deus possui a valência total mais elevada, seguido por paz e fé. Esses três elementos possuem os valores mais elevados também na valência prática. Acerca da valência atributiva, Deus e paz têm os maiores valores. Todos os elementos têm valência atributiva menor do que prática, exceto paz. Entretanto, há elementos que possuem valências práticas e atributivas com valores próximos, mostrando que os elementos Deus e paz são mistos. Fé é um elemento descritivo e prático, amor é funcional e religião é descritivo.

Na segunda parte da análise do SCB, realizou-se o cálculo do lambda. Conforme Rateau e Rou-quette (1998), para se diferenciar os elementos centrais dos periféricos e periféricos superativados é necessário que se faça o teste do lambda. Este apresenta valores preestabelecidos entre 1.19 e 1.55 para os elementos periféricos, entre 0.9 e 1.10 para os centrais e menor do que 0.88 para os periféricos superativados.

Os resultados dos cálculos de lambda para os elementos da espiritualidade são apresentados no Tabela 4, a seguir:

Tabela 4 Lambda para os elementos testados nos SCB da Espiritualidade. Rio de Janeiro (2019) 

Cognemas candidatos à centralidade Cálculos realizados Resultados
Religião λPonderado (Vpp/Vap) 1
Paz λPonderado (Vpp/Vap) 1
Deus λPonderado (Vpp/Vap) 0.96
λPonderado (Vpp/Vap) 0.85
Amor λPonderado (Vpp/Vap) 0.83

Fonte:Nogueira (2019).

Considerando o cálculo do lambda conforme a fórmula ponderada (Wolter, 2016), os elementos Deus, religião e paz possuem valores de lambda compatíveis com a centralidade. Os elementos fé e amor não são considerados centrais neste resultado, sendo ambos, elementos periféricos superativados.

A partir do conjunto das análises acerca da espiritualidade, o tabela a seguir (Tabela 5) exibe os resultados da análise estrutural da espiritualidade com os métodos: análise prototípica, que mostra a organização estrutural dos cognemas, similitude por CPB, que faz um prognóstico da provável centralidade, e os métodos MEC e SCB que fazem um diagnóstico dos elementos centrais.

Tabela 5 Conjunto dos resultados dos estudos da análise estrutural acerca da espiritualidade. Rio de janeiro (2019) 

Candidatos à centralidade/Técnica Deus Religião Amor Paz Jesus Força Vida
Indicação de centralidade
Análise prototípica X X X
Testes de centralidade
Choix-par-bloc (CPB) X X X X
Mise-en-cause (MEC) X X X X X
SCB - λ ponderado X X X
Elementos centrais em 3 ou mais resultados X X

Fonte: autores (2018).

Como critério de análise para a definição de um elemento como central, neste estudo, estabeleceu-se um mínimo de três análises com indicação da referida centralidade. Os resultados apresentados no Tabela 5 mostraram que a análise prototípica apresentou como provável núcleo central fé, Deus e religião. A partir desses e de outros elementos do quadro de quatro casas, que apresentaram altas frequências, foram realizados os outros testes. O cognema fé teve a centralidade comprovada apenas no teste de MEC, enquanto Deus teve a confirmação de centralidade pelos resultados no CPB, MEC e SCB. Religião apresentou confirmação da centralidade no CPB e no resultado do SCB.

Amor e paz, elementos da primeira periferia foram destacados nos testes de centralidade, amor teve indicação de centralidade no CPB e confirmação no MEC, e paz, foi apontado como central nos dois testes, MEC e SCB, porém não apresentou indicação pela análise prototípica, nem pelo CPB, tendo os dois cognemas, indicação em apenas dois métodos.

Por fim, após todos os testes, considerou-se que Deus e religião são os elementos centrais da representação social da espiritualidade para pessoas que vivem com HIV/AIDS.

Discussão

A partir do conjunto dos resultados deste estudo multimetodológico, obteve-se a confirmação de centralidade para os elementos Deus e religião. Deus é um elemento central confirmado em todos os testes, evidenciando que o pensamento social do grupo acerca da espiritualidade é teísta e há grande importância da figura de um ser superior na vida dos entrevistados. O outro elemento central, religião, mostrou que o grupo social inserido nos diferentes estudos realizados apreendem a religião como um espaço privilegiado para a espiritualidade. Uma espiritualidade ancorada na prática da religião e/ou dos ensinamentos religiosos, das práticas religiosas organizacionais como contato com a comunidade e da religiosidade intrínseca na relação com o divino.

Historicamente, espiritualidade e religião têm sido consideradas importantes determinantes de saúde, pois seus valores e sistemas influenciam na formação do indivíduo, trazem realização e estabilidade a suas vidas, entre outras associações positivas da espiritualidade e da religiosidade. Por volta dos anos 1960, a religiosidade e a espiritualidade passaram a ser dissociadas da saúde e da medicina. Mas com o passar dos anos, houve aumento na necessidade de um cuidado integral, que levasse em conta a cultura, a religião e a espiritualidade dos pacientes (Litalien et al., 2022).

Há muitos autores que definem religião, religiosidade e espiritualidade, mas são conceitos complexos porque envolvem práticas individuais das pessoas e de grupos religiosos (Litalien et al., 2022). De acordo com Koenig et al. (2012), pode-se distinguir religião e espiritualidade. A religião tem uma prática focada na comunidade, pode ser observada, medida e objetiva; ela também é formal e organizada, com comportamentos focados e práticas específicas, e possui uma doutrina que separa o bem do mal. Por outro lado, a espiritualidade é individualizada, mais subjetiva e difícil de medir, menos formal ou ortodoxa, orientada pela emoção, direcionada para uma prática interior do ser. Mas pelos resultados encontrados, infere-se que para o grupo entrevistado não há essa diferenciação no cotidiano. Assim, para buscar esse contato íntimo com o transcendente, o grupo muitas vezes se utiliza de alguma prática religiosa intrínseca (ex.: oração, prece, leitura de textos, música).

Pargament (1999) considerou que o conceito chave acerca de religião e espiritualidade é o do sagrado, pois unifica-os. Para o autor, religião é uma busca de significância, ou aquilo que se valoriza na vida, por vias relacionadas ao sagrado, e espiritualidade é uma busca por este sagrado e a função central da religião. Os termos religião e religioso, de matriz latina, tiveram diferentes interpretações ao longo do tempo e a partir de Santo Agostinho, século IV, enfatizou-se a exortação do homem para Deus, articulando-se religio a religando, uma ideia de ligação entre o homem e Deus baseada na submissão e no amor. Atualmente, a ideia corrente é a de religare que não significa, necessariamente, religação com um Deus, mas, sim, com a existência, com o cosmos, com as dimensões invisíveis, com o divino, com o misterioso (Siqueira, 2008).

Sobre a relação da pessoa vivendo com HIV e o ser o divino, destaca-se um estudo realizado no Haiti em que, apesar de os entrevistados viverem com HIV, em média, há dez anos, alguns nunca falaram sobre o seu diagnóstico aos familiares e revelaram que ter Deus como confidente foi essencial para se sentirem capazes de revelar seu diagnóstico a outra pessoa, mesmo que sentissem que Deus fosse o único em quem poderiam confiar (Pierre et al., 2017). Isto ilustra a forte relação daqueles que tem fé e creem em Deus e, também, buscam nele uma fonte de forças, revelando que esta relação se configura a partir da ideia de construção de uma intimidade e proximidade, seja através da espiritualidade que possui raízes no recolhimento, na emoção e na oração pessoal ou através da experiência humana que busca significados na religião.

Por outro lado, Pierre et al. (2017) revelam que as pessoas que vivem com HIV ainda sofrem muito com atitudes negativas ao falarem sobre sua sorologia positiva ao HIV e, assim, as pessoas confidenciam suas dores e sentimentos a Deus, um ser concebido como perfeito, moralmente irrepreensível, infinito em sua bondade e acolhedor dos processos difíceis vivenciados pelos seres humanos.

Ao examinar as experiências de estigma e a espiritualidade de homens vivendo com HIV, Miller (2019) encontrou que a espiritualidade é um mecanismo utilizado pelos entrevistados para o enfrentamento de viver com o HIV. Para eles a espiritualidade pode estar relacionada a religião, mas não obrigatoriamente, depende da crença de cada um. É uma conexão com Deus ou um ser superior, uma relação pessoal com Deus. E ser uma pessoa que busca praticar a espiritualidade lhes auxilia no enfrentamento.

A forte relação entre Deus e religião verificada na espiritualidade dos participantes, revela o relacionamento próximo com Deus, Ele é alguém que os acompanha nos momentos de sua vida e que lhes dá força. Para pessoas vivendo com HIV que participaram do estudo de Caixeta et al. (2012), Deus foi considerado a mais importante fonte de suporte e esteve relacionado a orações, em acreditar na cura pela fé, em sentir conforto e encontrar força para enfrentar o processo de viver com HIV/AIDS, e ainda, sentir uma conexão próxima com o Ser divino.

Dentre os elementos representacionais que se destacaram nos resultados além dos centrais, é importante, ainda, ressaltar o papel da fé, elemento periférico superativado que funciona na representação como elemento de ligação entre o núcleo e a periferia. A fé, então, promove a ligação de elementos como, acreditar, amor, paz, ao elemento Deus, possibilitando a conexão entre o divino e a pessoa que Nele crê, liga o fiel à religião, promovendo e renovando os significados atribuídos sobre o que se vive, como a infecção pelo HIV, quando se liga à Deus numa experiência espiritual de fé. Além disto, deve-se destacar que a fé permite que o ser humano estabeleça uma escala de valores e oriente sua vida por eles, estimulando o equilíbrio salutar entre o racional e o emocional. Com isso, emergem para aquele que tem fé, força e outras necessidades específicas, que o auxiliam a construir, naturalmente, a vida com sentido (Panasiewicz, 2013).

Outro dado que se destaca é que a maioria dos entrevistados relata adesão ao tratamento, como referido na caracterização, muitas vezes difícil pelos efeitos colaterais que causa, por exemplo. Este resultado se alinha aqueles do estudo realizado por Cruz et al. (2017), em que os participantes HIV positivos relacionaram espiritualidade à fé em um Ser Supremo e à perseverança terapêutica. Os autores ainda observaram que, por se sentirem amados por Deus, os depoentes foram motivados a continuar lutando pela vida, a permanecerem firmes diante das dificuldades e buscaram ter fé e esperança de dias melhores.

Assim, a espiritualidade para o grupo entrevistado possui dois pilares: Deus e religião, que ora se relacionam e ora podem ser instâncias independentes. Ora Deus é o ser divino com quem se relaciona através da religião e, neste caso, se caracteriza a partir de elementos religiosos cristãos, como Jesus, Espírito Santo, fé e crença e ora é o ser divino com quem se tem o contato íntimo cotidiano e neste contato/crença/sentimento, o fiel sente amor, esperança, força, vida, confiança, elementos que se aproximam mais de um exercício da espiritualidade sem a necessidade de passar pelos dogmas e ritos religiosos.

Ao mesmo tempo, a religião neste complexo representacional parece possuir relação como meio privilegiado para o contato com Deus e como comunidade religiosa que pode estimular atitudes como a caridade, confiança, sentimentos de paz, amor, busca por viver melhor e com mais saúde e também cuidado com o corpo, considerado como morada do Espírito Santo. Há, para o grupo estudado, uma tendência a se reconhecer que há uma indissociabilidade entre o divino e a instituição religiosa, gerando um duplo movimento de si com o transcendente e de si com os demais.

Desta forma, para o grupo participante da pesquisa, a espiritualidade pode ser compreendida como a busca por um contato com Deus mediado pela religião, tanto em sua dimensão organizacional (instituição) quanto naquela considerada não organizacional e intrínseca (orações, preces, leituras de texto e visão de mundo, por exemplo). Desta forma, observa-se que a busca de um contato com Deus ou a adoção de práticas de espiritualidade e/ ou sua relação com a religião podem interferir positivamente ao se ter um diagnóstico de positividade ao HIV, ter que iniciar o tratamento antirretroviral e ter que conviver com o vírus e com AIDS (Caixeta et al., 2012; Miller, 2019).

Ao realizarem o cuidado de saúde, é importante que os profissionais que atendem as pessoas vivendo com HIV conheçam as necessidades espirituais e a forma de enxergar a espiritualidade que esse paciente possui, assim como o seu envolvimeto religioso. Desta forma, o profissional pode incentivá-lo, se for o caso, a buscar esta fonte para auxiliar a ter consolo e encontrar mais sentido para sua vida e para manter o tratamento. O estudo de Ironson et al. (2016) sugeriu que o envolvimento religioso e a crença podem afetar a contagem de CD4+ e a carga viral. Dependendo das crenças religiosas e do envolvimento espiritual do paciente podem haver efeitos negativos para eles, caso encarem Deus como um Ser que pune, pode haver um efeito prejudicial. Já se a crença for em um Deus benevolente, o impacto pode ser positivo (Doolittle et al., 2016).

Pelos elementos centrais (Deus e religião), periféricos superativados (fé e amor) e periféricos (paz, Jesus, força, vida, tudo, crença, esperança, confiança, caridade, saúde, conforto e família), tem-se que a representação social da espiritualidade para pessoas que vivem com HIV/AIDS possui na centralidade em Deus e religião e sua ligação com os elementos periféricos através da fé e do amor mostra a presença de elementos experienciais da espiritualidade no contato com o ser divino, mas também ao se exercer a religião nessa busca pelo contato com o divino observa-se elementos religiosos e ensinamentos cristãos.

Conclusões

Após a utilização dos métodos para levantamento e identificação da estrutura da representação social da espiritualidade, viu-se a importância de estudos desta magnitude. Ao se trabalhar com apenas uma ou duas abordagens para levantamento da centralidade, podem haver objetos de representação social que não tenham a centralidade confirmada. Ao se trabalhar com uma terceira técnica, a dos esquemas cognitivos de base, viu-se ainda que, há elementos no quadrante do núcleo central que podem ser periféricos.

Desta forma, a representação social da espiritualidade encontrada no presente estudo está estruturada em dois elementos: Deus e religião. Estes possuem características e estão presentes em fatos que fazem parte da constituição do objeto, possuem relação direta com as práticas sociais desenvolvidas pelos sujeitos em relação ao objeto e estão ligados aos valores, julgamentos e às normas salientes no grupo, bem como se relacionam a fatores históricos e ideológicos. Diante das características dos elementos centrais, o grupo vivencia a sua espiritualidade, de modo geral, através da religião e do contato com Deus.

Apesar de a literatura buscar definições diferenciadas para espiritualidade e religião/religiosidade, viu-se que para o grupo de pessoas vivendo com HIV participantes deste estudo, espiritualidade tem a religião no seu núcleo central representacional junto com o elemento Deus. Ela pode ser mediada pela fé e pelo amor para se alcançar o contato com Deus, bem como através da fé e do amor, busca-se exercitar a espiritualidade através da religião. Assim, para o grupo, pensar em espiritualidade é pensar em Deus e em religião.

Desta forma, este estudo contribui com a área da saúde por verificar que a espiritualidade pode ser benéfica às pessoas vivendo com HIV e no cuidado em saúde. Desta forma, os profissionais de saúde podem, conhecendo a importância da espiritualidade para o seu cliente, realizar uma abordagem terapêutica que estimule uma aproximação deste com a sua espiritualidade e formas de exercê-la, caso assim ele queira. Além de aderir ao tratamento e buscar melhorar seu estilo de vida dentro de suas possibilidades, buscar uma conexão espiritual pode favorecer melhoria na forma de ver a doença/ infecção e conviver melhor com ela.

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Financiamento provido pelas agências de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/Edital Universal - Processo número 483300/2013-6; Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro/Edital Jovem Cientista do Nosso Estado - Processo número E 23/2013 - Jovem Cientista do Nosso Estado; Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Edital Prociência.

Para citar este artigo: Nogueira, V. P. F., Gomes, A. M. T., Wolter, R. M. C. P., Apostolidis, T., França, L. C. M., Das Mercês, M. C., & Couto, P. L. S. (2023). Espiritualidade de pessoas vivendo com Hiv/AIDS e suas representações sociais: encontro com Deus e a religião. Avances en Psicología Latinoamericana, 41(1), 1-16. https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.9182

Recebido: 18 de Fevereiro de 2022; Aceito: 27 de Janeiro de 2023

*Dirigir correspondência à Virginia Paiva Figueiredo Nogueira. Endereço: Rua Ronald de Carvalho, 253/801, Copacabana, Rio de Janeiro, CEP: 22.021-020, Brasil. Correio eletrônico: virginiafigueiredo@yahoo.com.br

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