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Memorias: Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe

On-line version ISSN 1794-8886

memorias  no.17 Barranquilla Dec. 2012

 

O transformismo petista: considerações acerca das transformações
históricas do Partido dos Trabalhadores no Brasil
1

"El Transformismo en el PT: consideraciones sobre las
transformaciones históricas del Partido de los Trabajadores en Brasil

The transformism of PT: considerations about the historical transformations of Workers' Party in Brazil

Rafaela Vieira2


Resumo

Neste artigo pretende-se traçar os determinantes e que influíram nas transformações do Partido dos Trabalhadores (PT) ao longo de trinta anos de história, isto é, desde sua fundação, em 1980, até o último ano do segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva na presidência da república brasileira, em 2010. Acredita-se que através da trajetória do partido é possível conhecer um pouco da história recente do Brasil, desde as lutas pela redemocratização entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, passando pela entrada do neoliberalismo no país, até a atual fase do chamado novo-desenvolvimentismo.

Palavras-chave: História recente do Brasil; Partido dos Trabalhadores; transformações; transformismo; governo Lula.


Resumen

En este artículo se pretenden trazar los determinantes y condicionantes que influyeron en las transformaciones del Partido de los Trabajadores (PT) a lo largo de treinta años de historia, esto es, desde su fundación, en 1980, hasta el último año del segundo periodo del Lula da Silva en la presidencia de la república brasilera en 2010. Se plantea que a través de la trayectoria del partido, es posible conocer un poco acerca de la historia reciente de Brasil, desde las luchas por la democratización entre las décadas de los años 1970 hasta los años 1980, por la entrada del neoliberalismo en el país, y hasta la fase actual del llamado desarrollismo.

Palabras clave: Historia reciente de Brasil; Partido de los Trabajadores; transformaciones; transformismo; gobierno Lula.


Abstract

This article attempts to trace the determinants and factors that influenced the transformations in the Workers' Party (PT) over thirty years of history, that is, since its founding in 1980 until the last year of the second term of Lula da Silva as president of the Brazilian republic in 2010. It is believed that going through the party´s history, it's possible to know about the recent history of Brazil, since the struggles for democratization from the late 1970s and early 1980s, passing through the neo-liberalism in the country until the current phase of called new developmentally.

Keywords: Brazil's recent history; the Workers' Party; transformations; transformism; the Lula government.


Introdução

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi fundado em 1980, em um contexto de intensas lutas da classe trabalhadora brasileira pelo fim do regime ditatorial e por reais melhorias das condições de vida. Ao longo de sua primeira década de existência desempenhou um importante papel nas lutas sociais, tendo apoiado diversos movimentos de trabalhadores, como, por exemplo, a luta pela reforma agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as greves promovidas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT). Em 1989, nas primeiras eleições diretas para a presidência da república após o fim do regime militar, Lula, principal líder do PT, quase foi eleito, tendo perdido no segundo turno por uma pequena diferença de votos.3

Durante os anos 1990, ao mesmo tempo em que se consolidava como o maior partido de esquerda da América Latina, o PT foi se alinhando à tendência de flexibilização e burocratização que atingia, em nível mundial, partidos tradicionalmente vinculados à esquerda. Tendência esta determinada pela tese de fim da história, isto é, pela crença de impossibilidade de superação do capitalismo que ganhou o imaginário da sociedade após o fim da União Soviética, da consolidação do ideário neoliberal e da adoção das teorias pós-modernas por grande parcela dos intelectuais.

Em 2002, depois de três tentativas frustradas, Lula foi eleito presidente com amplo apoio da classe trabalhadora. No entanto, apesar de ter criticado enfaticamente a política adotada pelo antecessor Fernando Henrique Cardoso (FHC), o presidente petista deu prosseguimento ao modelo econômico em curso desde o início dos anos 1990, isto é, as políticas neoliberalizantes. Todavia, implementou programas assistenciais voltados para o alívio da pobreza extrema e, com uma "ajuda" do contexto mundial,4 efetivou aumento real do salário mínimo e dos postos de trabalho. Estes fatores, somados a uma campanha de marketing eficiente, permitiram a Lula a conquista de altos índices de popularidade. Porém, bandeiras históricas do PT foram esquecidas, como por exemplo, a reforma agrária, que nunca figurou entre os objetivos do governo petista. A política econômica beneficiou o grande capital, fazendo crescer a desigualdade entre as rendas do capital e do trabalho, embora tenha havido uma diminuição da desigualdade de renda no interior da classe trabalhadora. Assim, podemos considerar que o partido que nos anos oitenta representou um dos principais catalisadores das lutas sociais no país, sofreu o que Gramsci conceituou como transformismo.

Transformismo pode ser assim definido:

1) absorção, em caráter individual ou "de grupo" e obtida por diferentes "métodos", de intelectuais ("elementos ativos") das classes subalternas pelas classes dominantes. Nele estão implicados: 2) a modificação "molecular" dos grupos dirigentes, sua ampliação e 3) a produção da desorganização política das classes subalternas. A concepção do transformismo como mecanismo de atração de intelectuais exige, por fim, que se considere o 4) poder de atração de cada classe, que varia principalmente em função da sua "condensação ou concentração orgânica".5

Neste artigo procuraremos, pois, analisar os determinantes e condicionantes que influíram para o que conceituamos como transformismo petista, isto é, as transformações históricas do PT ao longo de trinta anos, que o fizeram deixar de representar um intelectual orgânico da classe trabalhadora, e passar a desempenhar o papel de um intelectual da burguesia no seio da classe trabalhadora.

O PT como intelectual orgânico da
classe trabalhadora

O contexto da formação do PT: as lutas
sociais no final da década de setenta

Entre o final dos anos sessenta e meados da década seguinte, aconteceu no Brasil o que a historiografia tradicional conceituou como "milagre econômico". Esta fase corresponde ao auge do padrão fordista-taylorista de produção no país, um verdadeiro "boom" da industrialização durante a autocracia burguesa6, que fez com que a classe operária praticamente se quadruplicasse.

Entretanto, a partir de 1973 o capitalismo entrou em uma de suas crises cíclicas.7

Esta atingiu primeiro o centro capitalista e, paulatinamente, estendeu-se à periferia do capital. O Brasil foi abalado devido, principalmente, à sua situação de extrema dependência externa. A política econômica interna, por sua vez, não serviu para amenizar os impactos da crise mundial. O "arrocho" salarial8, por exemplo, promovia o subconsumo, conforme salienta Andrade9, uma vez que a maioria da população teve diminuição da renda mensal. A crise provocou altos índices inflacionários, taxas de juros elevadíssimas, crescimento alarmante do desemprego, dívida externa, dentre outras consequências.

Em decorrência desta situação econômica de escala mundial e da concentração cada vez maior da renda no Brasil, houve um aumento vertiginoso dos índices de pauperismo de significativa parcela da população brasileira. Somou-se a isso, uma crise de legitimidade política do regime militar, que culminou, no final da década de setenta, na intensificação das lutas das massas por melhores condições de vida e trabalho, evoluindo para o debate acerca da redemocratização do país. Novos atores políticos entraram em cena e acabaram sendo os principais responsáveis por esse processo de ebulição contestatória.

Em meados dos anos setenta, emergiu uma corrente sindical inovadora e minoritária na região do ABC paulista10, o denominado "novo sindicalismo", que pretendia superar o esvaziamento das lutas sindicais e assumir as reivindicações dos trabalhadores, principalmente no que dizia respeito à reposição das perdas salariais decorrentes da lei de 1965. As lideranças dessa corrente provocaram uma mudança na forma de atuação dos sindicatos que dirigiam, assumindo a função de "agenciadores dos conflitos trabalhistas11".

Nesse cenário destacou-se um jovem líder de pouco mais de trinta anos, Luís Inácio da Silva, mais conhecido como Lula. Migrante de origem nordestina, o metalúrgico Lula integrava a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo desde 1972, sendo eleito presidente da mesma entidade em 1975. Sua gestão dava ênfase ao trabalho de base.

Nessa mesma época surgiram novos movimentos sociais. Na análise de Doimo12, a década de setenta foi marcada pela surpreendente emergência de múltiplos movimentos populares, que estavam relativamente articulados. Eram responsáveis por esta conexão os setores progressistas da Igreja Católica e agrupamentos de esquerda, que afirmavam o discurso do "povo como sujeito", bem como as organizações não-governamentais (ONG's). As reivindicações da maioria destes movimentos relacionavam-se, inicialmente, a necessidades imediatas para a reprodução da vida biológica e social.

Grande parte destes grupos assumiu uma postura crítica ao regime militar e, mais do que isso, à ordem capitalista, haja vista que, de acordo com Fernandes:

(...) por trás do capitalista, do empresário e da empresa, era visível a ditadura militar e seu governo tirânico; por trás do governo fardado, descrito oficialmente como constitucional e 'democrático', ficava explícito o peso e as manipulações políticas do grande capital associado.13

Esse autor considera que a greve operária realizada em 1978 teve o papel fundamental de alumiar as contradições entre os interesses do grande capital e seu governo ditatorial, e os do movimento operário, desmistificando a proposta de conciliação defendida pelo regime. Na mesma direção, Konder14 avalia que esta greve e os três anos de mobilização que a sucederam tiveram o papel fundamental de unificar a classe trabalhadora, imbuindo-a de consciência classista.

Constatando a agitação popular, a burguesia logo se colocou na defensiva,arquitetando uma transição pelo alto. A abertura política proposta pelo próprio regime tinha, dessa forma, o intuito de conter os movimentos populares, de modo a manter as classes subalternas bem distantes dos instrumentos de poder. Neste contexto, foi lançada a proposta da reforma partidária, que tinha como objetivo fragmentar a esquerda, até então articulada em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em vista das crescentes vitórias eleitorais deste partido. Todavia, esta reforma tendia a ser bastante controlada. Abria-se, pois, espaço para novos partidos, mas sob o olhar atento da ditadura.15

Entretanto, o caráter da "abertura restrita e sob controle que estava nas intenções iniciais dos militares16" foi frustrado. Isso ocorreu devido à formação de um partido que buscava representar os setores organizados nas lutas sociais.

PT: o nascimento de um partido classista

À medida que foi ganhando impulso, o "novo sindicalismo" começou a inserir-se também na luta pela redemocratização. A esse respeito, Iasi afirma que "a coincidência com a crise da forma ditatorial emprestou ao movimento que se apresentava um alvo que permitia ir além do corte imediato de uma categoria ou setor de classe, e assim transformar-se em um movimento político de classe, sem que fosse, efetivamente, um movimento 'político'17".

Porém, conformava-se cada vez mais entre os "sindicalistas autênticos" o desejo de imprimir sua marca no processo da luta pela democracia, sendo necessário, pois, um salto para o movimento político. O "novo sindicalismo" surgido no ABC não se sentia representado pelo MDB nem pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), este ainda na clandestinidade. Surgiu então, entre suas vanguardas, o desejo de criação de um partido que representasse substancialmente as expectativas e as necessidades das classes exploradas. Um partido que aglutinasse todos os setores populares numa luta unificada dos trabalhadores. Uma declaração de Lula em 1980, mostra a tomada de consciência pela liderança do movimento operário: "descobri que sindicato a gente faz para melhorar a relação entre capital e trabalho, e um partido político a gente faz para mudar a sociedade18".

De acordo com Lênin19, é através do partido que as vanguardas devem incitar aqueles que estão descontentes com uma questão específica a questionar todo o regime político, bem como, organizar uma ampla luta revolucionária. Podemos considerar que, no momento de sua concepção, o PT pretendeu ter essa função, embora nunca tenha sido um partido revolucionário no sentido leninista. Desde o início apresentou-se como uma alternativa eleitoral, mas defendia a superação do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista.

Para a concretização do novo partido, outros setores da classe trabalhadora uniram-se aos sindicalistas. Dessa forma, foram representativos componentes na formação do PT:

1) a concentração em São Paulo das lideranças do novo sindicalismo, encabeçados por Lula;
2) a aproximação de políticos do MDB paulista, marginalizados pelas lideranças de seu partido após as eleições de 1978;
3) o engajamento de quadros intelectuais no debate sobre a reorganização partidária;
4) o apoio das organizações de esquerda na formação do partido, apesar da inexistência de afinidade ideológica entre a maioria dos fundadores do PT;
5) a mobilização de um número significativo de movimentos populares urbanos, em boa parte encabeçada pelos setores progressistas da Igreja Católica.20

Como podemos observar, o partido foi formado por dissidentes das organizações clandestinas de combate à ditadura, dentre eles intelectuais esquerdistas que retornavam do exílio, ex-membros do MDB, militantes de movimentos sociais, setores progressistas da Igreja Católica e, majoritariamente, por sindicalistas.

Devido não apenas, mas também a esta diversidade entre seus sujeitos fundadores, o PT nasceu sem uma ideologia definida. Os conceitos marxistas encontrados em seus documentos fundacionais devem-se à intervenção dos intelectuais da esquerda tradicional que integravam o partido, sendo a maioria destes de orientação trotskista, os quais estiveram presentes desde a conformação do "novo sindicalismo". A falta de clareza dos outros grupos do PT acerca do que se entendia por socialismo e democracia permitiu a influência ideológica das organizações de esquerda.

Por outro lado, boa parte dos sindicalistas que integravam o partido rejeitava o comunismo. Parece-nos evidente que o comunismo, estava sendo confundido com o regime desenvolvido na União Soviética. Contudo, desde os documentos prévios à formação do PT, e até mesmo no "novo sindicalismo", havia um forte posicionamento anticapitalista21.

Mendonça e Fontes22 acreditam que por estar organicamente vinculada ao "novo sindicalismo", a formação do PT representa, sobretudo, a busca de um movimento social por formas próprias de se expressar politicamente, sendo este o principal determinante para a radical diferença do partido em relação à montagem tradicional dos demais partidos políticos brasileiros.

lém disso, o PT buscava preservar uma independência em relação ao jogo político das classes dominantes, o que pode ser constatado no seu Manifesto de fundação:

A grande maioria de nossa população trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir por meio de suas lutas. As grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo.23

O PT foi, portanto, um partido criado "de baixo para cima", que se tornou a principal resistência à transição pelo alto, planejada pela burguesia. O caráter classista marcou a trajetória do partido ao longo da sua primeira década de existência.

Segundo Garcia24, o PT nasceu apoiado em três princípios: independência de classe, como já supracitado, democracia interna e presença nas lutas. Em relação ao primeiro ponto, podemos observar na Carta de Princípios, lançada antes mesmo da fundação oficial da entidade, a recusa em "aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras25". Neste período, o PT se afirmava como um "partido sem patrões". A Plataforma Política, do mesmo ano, é outro documento que merece destaque. Este defende explicitamente a erradicação dos latifúndios, a estatização de empresas e o controle popular dos fundos públicos.26

A presença nas lutas, outro princípio petista, seria garantida pela forte ligação entre o partido e os movimentos urbanos e rurais, e a defesa contundente das demandas postas por estes. Existia, entre a vanguarda partidária, a convicção de que somente através da atuação massiva dos setores explorados e oprimidos, que eram representados por estes movimentos, seria possível estabelecer uma democracia mais ampla.

Para a maioria dos intelectuais que se debruçaram sobre a temática da fundação e trajetória inicial do PT, este representou uma possibilidade real de manifestação da classe trabalhadora27. Em interessante análise sobre o partido e a consciência de classe, Iasi relata como pessoas de diversas partes do Brasil souberam da criação do PT e receberam isso como tarefa pessoal, pois encontraram uma identidade com o "poder de explicá-los a si mesmos, [passando] a desenvolver um sentimento de pertencimento mais amplo28".

Anos oitenta: a "década perdida" ou a
"década do sonho"?

Fundado oficialmente em 1980, desde o início o PT apresentou-se como uma alternativa eleitoral. Porém, segundo seu projeto político, com a disputa nas urnas pretendia fortalecer as lutas sociais e acumular forças para um governo sob o controle dos trabalhadores. Neste sentido, o Manifesto de fundação trazia a afirmação de que sua participação em eleições e atividades parlamentares estaria subordinada "ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas29". Em 1981, o partido realizou seu primeiro Encontro Nacional. Iasi avalia que nesta ocasião os dirigentes petistas, em especial Lula, apresentaram um amadurecimento em relação às definições estratégicas do PT. A afirmação, neste encontro, da necessidade de criação de uma sociedade socialista é expressiva deste desenvolvimento. Porém, uma grande questão que perpassa a história do partido é que tipo de socialismo seria este. Havia, neste primeiro momento, de um lado a negação dos limites da social-democracia, e de outro, "a intenção de se diferenciar das transições socialistas caracterizadas como 'burocráticas'30".

Para Andrade, a estratégia socialista petista seria "a democratização da vida social em geral. E os instrumentos táticos para tanto seriam o próprio fortalecimento do partido, sua ascensão aos governos e parlamentos e o estabelecimento de mecanismos que combinem os exercícios direto e representativo da democracia31".

O que nos parece importante pontuar é que, apesar de certa confusão teórico-ideológica, desde que surgiu o PT reivindicava o socialismo. Este era defendido como o norte de um partido que se colocava contra o capitalismo, o imperialismo, o monopólio e o latifúndio. Tanto que nos documentos e resoluções dos primeiros encontros, são veementemente defendidas a nacionalização de empresas estrangeiras e a estatização de bancos e do comércio exterior. O partido era categórico em defender o não-pagamento da dívida externa e o rompimento dos acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Sobre o caráter antilatifundiário, era defendida a necessidade de uma reforma agrária ampla, realizada, também, sob o controle dos trabalhadores. Nesse sentido, o partido prestava total apoio às lutas dos trabalhadores rurais que ascendiam naquele momento. Era constante a defesa por uma campanha contra a violência no campo e pela punição dos assassinos e mandantes.

Os princípios antilatifundiário, antimonopolista e anti-imperialista foram defendidos pelo partido ao longo dos anos 1980, sendo este um tripé que pautava as formulações partidárias e dava maior consistência às suas propostas, definindo com mais clareza os objetivos do partido.

Em 1982, o PT disputou suas primeiras eleições, recusando-se a realizar alianças e com uma campanha extremamente inovadora. Nesse momento, os objetivos eleitorais do partido, segundo suas próprias resoluções, consistiam em ampliar a consciência política da população, organizar os trabalhadores e, a partir daí, assumir as reivindicações destes e colocar o poder político a serviço dos mesmos. O seguinte trecho expressa bem esses ideais: "Devemos fazer da campanha um mutirão político no qual o povo adquira maior consciência de sua situação e acredite em sua capacidade de transformar este país. Essa educação política das bases populares deverá ser a tônica de todas as nossas campanhas eleitorais." 32

Condizente com sua origem no seio do movimento operário combativo, o PT sempre defendeu a necessidade de criação de uma central sindical oposicionista ao sindicalismo pelego oriundo da era Vargas,33 que fosse democraticamente eleita pelos trabalhadores e dissociada do Estado. Apesar de crescentes, as greves careciam de um instrumento para unificá-las e generalizá-las. Com o intuito de fundar a Central, foram realizados tanto encontros que articulavam o movimento sindical com movimentos sociais não sindicais, quanto encontros que se restringiam ao movimento operário. Embora não fossem os únicos, os setores ligados ao PT eram, segundo Garcia (2008), predominantes nestes encontros. Em agosto de 1983, um encontro em São Bernardo do Campo/SP, berço do "novo sindicalismo" e do PT, resultou na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com isso, desde o nascimento da CUT, há uma ligação orgânica entre esta e o PT.

Nesse mesmo contexto de incentivo aos movimentos sociais se insere o apoio dado pelo partido à formação do MST. Os trabalhadores do campo já vinham se organizando desde o final dos anos 1970, sendo isso, parte do processo de ebulição contestatória surgido naquela década, em decorrência da precarização das condições de vida daqueles que vivem do trabalho, seja na cidade ou no campo. A questão agrária no Brasil é estrutural e histórica, mas durante a autocracia burguesa, a modernização da agricultura agravou o empobrecimento do campesinato. Com isso, surgiram várias lutas concretas dos trabalhadores do campo que, aos poucos, se articularam. Dessa articulação se estruturou o MST, fundado oficialmente em 1984, tendo como principal reivindicação a realização da reforma agrária. Esta bandeira, que já era defendida pelo PT, permaneceu por muitos anos como uma das prioridades do partido, como pode ser constatado tanto nas resoluções de encontros quanto nos programas de governo das primeiras candidaturas de Lula à presidência da república. Estava colocada a necessidade de um amplo processo de reforma agrária sob o controle dos trabalhadores.

Na primeira década de existência, o partido manteve-se coerente aos seus princípios norteadores, como a democracia direta. Garcia (2000) destaca um importante momento, que para ele é o episódio mais emblemático deste início da trajetória petista. Após ter encabeçado a campanha das Diretas-já, houve uma imensa frustração no interior do PT – e por que não dizer para toda a população? – com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que previa eleições diretas em 1985. Por isso o partido tomou a decisão de boicotar o Colégio Eleitoral, que elegeria indiretamente o novo presidente do país. Esta atitude rendeu ao partido uma cisão no nível parlamentar, além de diversas críticas, sendo taxado inclusive de isolacionista. Porém, para Garcia e outros autores, esta postura garantiu ao PT o respeito popular e foi determinante para seu posterior crescimento eleitoral. Um exemplo desse crescimento é a eleição de Lula, em 1986, a deputado federal com a maior votação do país.34

Por sua vez, os movimentos sociais e os sindicatos intensificavam a atuação. No final da década de oitenta, manifestações grevistas explodiram por várias regiões do país. Em 1988 ocorreram 2.137 greves com a participação de 8.218.546 grevistas.35 Nestas, as bandeira do PT e da CUT eram facilmente vistas.

A estratégia utilizada pelo governo para tentar controlar o movimento grevista foi a intimidação por meio da repressão. Porém, o "feitiço virou contra o feiticeiro" em um trágico episódio na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), na cidade de Volta Redonda, no qual três jovens operários foram assassinados pelas Forças Armadas. Este fato culminou na generalização da indignação por todo o país.

O resultado das eleições municipais de 1988 acabou surpreendendo positivamente o partido. Porém, Garcia (2000) sustenta que a vitória daquele ano marca o início da integração petista à ordem. Iniciou-se aí um processo de burocratização que afastou o partido dos setores que anteriormente reivindicava representar, tanto nos municípios que governava quanto nacionalmente. A corrente majoritária do PT começou a ter como preocupação central a aceitação da candidatura de Lula à presidência por parcelas mais amplas do eleitorado. 36

Nesse sentido, foi iniciado um processo de flexibilização no que tange ao posicionamento sobre a estatização do sistema financeiro. Segundo Iasi (2006), no lugar da nacionalização e estatização das empresas estrangeiras e bancos, o que se propôs no programa de governo da candidatura de Lula foi a subordinação do capital estrangeiro às prioridades da política econômica, bem como a utilização do setor bancário estatal para fazer com que os bancos privados se adequassem às propostas.37

Ainda assim, a força da campanha de Lula à presidência da república em 1989, nas primeiras eleições diretas pós-ditadura, assustou as classes dominantes. Dos vinte e dois candidatos, o petista foi o segundo colocado no primeiro turno, e na segunda fase do pleito recebeu o apoio de quase todos os que haviam sido derrotados. Isso favoreceu uma alteração substancial da correlação de forças entre a burguesia e os setores populares, o que colocou a disputa eleitoral em uma patamar mais propício para uma vitória da esquerda.

Porém, uma sucessão de boatos, intrigas e "tramoias" contra Lula garantiram a eleição de Fernando Collor de Mello por uma diferença mínima de votos. Nesse sentido, no mesmo ano em que o Leste europeu era tomado pela queda do Muro de Berlim, consolidando o triunfo do capitalismo no mundo, no Brasil quase chegou ao governo um partido constituído pela classe trabalhadora, que visava a superação do capitalismo. Infelizmente, ficou no "quase", já que também aqui a ordem burguesa teve seu triunfo. Contudo, os anos 1980, que são rotulados pela historiografia tradicional como a "década perdida", devido à recessão econômica que sucedeu a crise dos anos 1970, poderiam ser mais adequadamente chamados de "década do sonho", se considerarmos as possibilidades de mudanças concretas para a classe trabalhadora brasileira que vieram à tona.

O novo contexto e o transformismo
petista

O novo contexto mundial a partir dos anos 1970

Na década de setenta uma crise se iniciou nos países centrais do capitalismo. Esta foi atribuída pelos teóricos liberais aos elevados gastos públicos com a área social. A proposta foi, então, diminuir as responsabilidades do Estado no que concerne à área social, transferindo esta tarefa para a esfera do mercado. Inaugurou-se, dessa forma, o neoliberalismo sob a falácia de modernização do Estado.

Além disso, a chamada globalização, ou mundialização do capital, permitiu que os grandes grupos burgueses expandissem seus empreendimentos para as diversas partes do globo, avançando para os países periféricos, onde encontraram, além de mercado consumidor, força de trabalho a menores custos e maior flexibilização das leis trabalhistas e ambientais. A entrada das multinacionais nos regiões periféricas provocou, assim, um desmonte do setor industrial de tais países.

Articula-se a isso outra reação burguesa para reaver a lucratividade: a denominada reestruturação produtiva, que consiste em uma série de mudanças no processo de trabalho e nas relações trabalhistas com o objetivo de reduzir os custos de produção e ampliar os lucros. Primeiramente, deu-se a substituição do padrão de produção fordista pelo toyotista. Surgido na fábrica japonesa Toyota, esse modelo flexibilizou a produção, contrariamente à rigidez da produção em massa centrada no interior das fábricas característica do fordismo.38 Muitos consideram que essa reestruturação corresponde à Terceira Revolução Industrial, contudo, é importante ressaltar que a substituição de um padrão de acumulação por outro não altera os pilares do modo de produção capitalista, fundado na propriedade privada dos meios de produção e na extração de mais-valia daqueles que possuem apenas a força de trabalho para vender ao capital em troca do salário.

A flexibilização se deu também no que tange às relações de trabalho e aos direitos trabalhistas historicamente conquistados pelo conjunto do operariado através de muitas décadas de lutas, iniciadas em meados do século XIX. Como o objetivo primordial é ampliar a lucratividade, as empresas capitalistas passaram a empregar cada vez mais recursos em capital constante e menos em capital variável,39 o que lhes permitiu reduzir o dispêndio com os encargos trabalhistas, uma vez que são necessários menos trabalhadores nas fábricas. Este fato pôs fim ao pleno emprego nos países centrais, devolvendo ao novo exército de reserva que se formava sua função fundamental: pressionar os salários para baixo e gerar insegurança no emprego, uma vez que a oferta da mercadoria força de trabalho é maior do que a demanda, de modo a atemorizar os operários e obstaculizar manifestações de descontentamento.

O desemprego nos centros capitalistas também foi provocado pela transferência de determinadas fases da produção da mercadoria para as regiões onde são encontradas força de trabalho mais barata e precariedade das leis trabalhistas, bem como menor fiscalização ambiental e isenção de impostos às empresas. Além disso, outra forma de reduzir os custos foi o enxugamento dos postos de trabalho, o que acarretou sobrecarga de trabalho aos que permaneceram.

Somam-se a isso as terceirizações, que se inserem na flexibilização das relações de trabalho. As fábricas, e demais espaços produtivos, deixaram de ser as únicas contratantes de todos aqueles que nelas atuam. Ao invés disso, contratam empresas menores prestadoras de serviços. Estas têm a função de contratar os trabalhadores e distribuí-los para realizarem atividades nas grandes empresas. Em outros casos, os trabalhadores prestam serviços como autônomos, desprovidos, portanto, de quaisquer direitos trabalhistas, ou ainda, são submetidos a contratos temporários. Com efeito, nesse novo contexto o "capital recria o ideal do livre mercado, desenvolvendo novas formas de exploração do trabalho, através da expansão dos princípios da produção denominada flexível que implica, fundamentalmente, no aumento da insegurança e da incerteza diante da vida40".

Além de diminuir os gastos do capital com a mercadoria força de trabalho e ampliar, assim, a acumulação, a precarização do mundo do trabalho desempenhou outra função ainda mais estratégica: dificultou a organização do operariado. Tais mudanças tornaram a classe trabalhadora mais heterogênea, dividida agora entre trabalhadores formais, informais, terceirizados, desempregados, etc. Tal divisão é um dos determinantes para a perda da identidade de classe e do acirramento da disputa intraclasse. Face ao recuo do proletariado no enfrentamento com o capital, o movimento sindical perdeu seu caráter combativo, priorizando a negociação por melhores salários e benefícios sociais, e abandonando a contestação à ordem burguesa. Também influiu para esse quadro a crise do "socialismo real".

Na dimensão ideocultural, o marxismo perdeu parte do poder de atração que despertava até o final do século XX. De acordo com Therborn (2007), das desilusões de esquerdistas com as derrotas das organizações de orientação marxista entre as décadas de sessenta, setenta e oitenta veio a teoria social pós-moderna.41

Serviu para enfraquecer ainda mais as ideias socialistas e provocar o avanço das concepções pós-modernas o fim da União Soviética. A partir daí, disseminou-se no mundo a ideia da impossibilidade da existência de uma outra ordem que não a capitalista. A obra marxiana foi considerada utópica e ultrapassada. Nas palavras de Coutinho (2007), uma ardilosa propaganda ideológica tratou de identificar as ideias socialistas ao modelo que havia se esfacelado.42

Esse processo foi acompanhado no meio acadêmico pela chamada "crise de paradigmas". De acordo com Iasi (2006), esta foi iniciada como uma tentativa de atualizar o marxismo através das contribuições de outros teóricos, como Gramsci. Mas, posteriormente, se transformou no seguinte questionamento: seria o marxismo ainda apropriado para a compreensão do mundo e para orientar a organização dos trabalhadores? Com isso, um pensamento de esquerda mais moderado passou a despertar, segundo o autor, maior influência tanto entre os intelectuais quanto nas formulações dos partidos de esquerda.43

Esse complexo de determinações contribuiu para criar uma atmosfera de conformismo. O capitalismo disseminou a ideia de que é insuperável, não havendo, portanto, a possibilidade de construção de outra forma de sociabilidade. A consciência de classe dos trabalhadores foi sendo dissolvida e, com isso, seu potencial de transformação social foi desacreditado. A ideia de coletividade perdeu espaço para o individualismo e a meritocracia.

Segundo Lima, "o pensamento atual, à medida que não vislumbra o novo, limita-se, pragmaticamente, a elaborações que visam administrar o presente, renunciando, assim, à possibilidade, sempre historicamente determinada, de controlar o decurso da experiência social44". Esse pensamento parece ter atingido profundamente o PT, nosso objeto de análise. Mas antes de voltarmos a ele, vamos analisar um pouco das reformas implementadas no Brasil a partir dos anos 1990.

O novo contexto brasileiro

As estratégias implementadas pela grande burguesia para expandir a acumulação assolaram o mundo inteiro, mas apresentam particularidades em cada país, de acordo com as condições sócio-históricas. Segundo Iamamoto, "a inserção dos países 'periféricos' na divisão internacional do trabalho carrega as marcas históricas persistentes que presidiram sua formação e desenvolvimento, as quais se atualizam redimensionadas no presente".45 Aqui os efeitos devastadores para a classe que vive do seu trabalho tornaram-se mais graves se comparados aos países centrais.

Como vimos anteriormente, a classe trabalhadora brasileira passou por um período de grande organização entre meados dos anos setenta e final da década seguinte, momento no qual parte dela compreendeu as contradições existentes no sistema capitalista e reivindicou a realização de políticas que satisfizessem suas necessidades. A Constituição de 1988 é fruto desse período, seu texto expressa parte das reivindicações históricas dos trabalhadores. Porém, a inserção do país na economia globalizada inviabilizou a concretização dos preceitos desta carta, embora seja a constituição vigente na atualidade.

A reforma do Estado brasileiro, que as análises críticas caracterizam como contrarreforma,46 foi iniciada do governo Collor, mas aprofundada durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Em 1995 o governo lançou o Plano

Diretor da Reforma do Estado (PDRE), formulado por Bresser Pereira, então à frente do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE). Utilizando o argumento de que era necessário reformular o Estado, a reforma foi orientada para o mercado, com ênfase nas privatizações. Com isso, as grandes empresas estatais geradoras de lucro começaram a ser vendidas, por valores irrisórios, a grandes corporações econômicas compostas, em sua maioria, por grupos estrangeiros. Além disso, de acordo com Iamamoto (2007), entre as políticas de ajuste estrutural implementadas no país neste período estão: maior abertura da economia para o exterior; racionalização da presença do Estado na economia; estabilização monetária; e exigências de redução da dívida pública, com elevados ônus para as políticas sociais.47

Paralelamente a isso, a entrada de inúmeras empresas multinacionais no Brasil provocou um verdadeiro desmonte da indústria nacional. As mesmas foram atraídas pela oferta de menores custos da força de trabalho, pela precariedade da proteção governamental em relação aos direitos dos trabalhadores e pelos impostos mais baixos. Com elas foi introduzida no país a reestruturação produtiva, que deixou a classe trabalhadora brasileira exposta às condições supracitadas, que foram redimensionadas em virtude do contexto sócio-histórico do país.

Com esse cenário montado, os anos 1990 foram marcados pela redução exponencial dos postos de emprego, gerando o desemprego estrutural. Além disso, presenciamos a ampliação da precarização das relações de trabalho, com o crescimento dos contratos temporários, dos vínculos sem garantias de direitos e do trabalho informal. Segundo Antunes (2008), o que é entendido como flexibilização da produção possibilita maior liberdade para as empresas, ao passo que precariza as condições de vida e trabalho da classe dominada. Nas palavras do autor:

A flexibilização pode ser entendida como "liberdade da empresa" para desempregar trabalhadores; sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem; liberdade, sempre para a empresa, para reduzir o horário de trabalho ou de recorrer a mais horas de trabalho; possibilidade de pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho exige; possibilidade de subdividir a jornada de trabalho em dia e semana segundo as conveniências das empresas, mudando os horários e as características do trabalho (por turno, por escala, em tempo parcial, horário flexível etc.), dentre tantas outras formas de precarização da força de trabalho.48

Como consequência, a classe trabalhadora ficou refém de um conjunto de incertezas, ampliando-se a insegurança no mercado de trabalho, no emprego, na renda, na contratação, na representação do trabalho, na organização sindical e na defesa do trabalho.49 Isso traz sérias consequências para a organização dos trabalhadores, entre elas, o arrefecimento do sentimento classista e a descrença na possibilidade de ruptura com a ordem capitalista.

Contudo, durante os dois mandatos de FHC (1995-2002), marcados pelo aprofundamento das medidas neoliberais, como mencionado, a burguesia acionou também com uma estratégia mais tradicional para enfraquecer os movimentos sociais: a coerção. Logo em 1995, uma grande greve dos petroleiros foi violentamente reprimida. A mesma forma de atuação marcou a relação deste governo com o MST.

No entanto, o movimento sindical se deparou com outros problemas estruturais, relacionados à nova racionalidade do espaço produtivo inaugurada pelo toyotismo. Conforme salienta Alves (2000), esse padrão de produção promoveu:

a debilitação da classe, não apenas em sua dimensão subjetiva, mas objetiva. Por um lado, a captura da subjetividade do trabalho através de uma luta ideológica vigorosa, expressa nos investimentos em estratégias de manipulação do consentimento operário, tais como os Programas de Qualidade Total, CCQ's etc. Por outro lado, mais cruel ainda, a destruição do coletivo operário, através da terceirização, da descentralização produtiva e do desemprego, uma das maiores marca das políticas neoliberais.50

O autor considera que o sindicalismo brasileiro ainda era muito frágil, tanto no aspecto organizativo quanto no que diz respeito ao aspecto político-ideológico. Portanto, apesar da vitalidade que este sindicalismo tivera na década anterior, o desemprego estrutural, a precarização dos vínculos trabalhistas, a perda de um referencial de alternativa ao capitalismo, devido ao fim do "socialismo real", e a ofensiva ideológica neoliberal tenderam a debilitar demasiadamente a organização dos trabalhadores. Nesse sentido, na década de noventa, o movimento sindical brasileiro entrou em sincronia com o que estava acontecendo no resto do mundo desde os anos 1970.

Alves (2000) sustenta que, se o período entre 1978 e 1988 representou a ascensão do movimento sindical brasileiro, os dez anos seguintes marcaram a sua crise. As transformações da CUT, no entanto, não se deram sem resistência por parte de sua militância mais à esquerda. Como qualquer organização política, a Central sempre esteve dividida por correntes internas, sendo dois os pólos principais: os socialistas, mais radicais e subversivos, que defendiam a necessidade dos trabalhadores assumirem o controle dos meios de produção; e os socialdemocratas, mais conciliadores, que defendiam apenas a participação dos trabalhadores em um processo produtivo sob o controle capitalista. Essa divergência se refletiu no debate travado sobre a prática sindical que a CUT deveria assumir durante o período da reestruturação produtiva, tendo prevalecido a opção dos socialdemocratas.51

A partir daí, a corrente majoritária da CUT priorizou uma estrutura sindical mais cooperativa e participativa. Postura que condizia, aliás, com a estratégia capitalista, de adequar o sindicalismo às suas necessidades de produtividade e geração de consenso, visando minar os setores combativos. Conforme sustenta Alves, essa estratégia surge "como uma verdadeira capitulação política – e ideológica – do trabalho diante da nova ofensiva do capital na produção".52 Uma das consequências dessa atuação foi a diminuição significativa do número de greves.

Vale lembrar também a criação, em 1991, de outra organização sindical, a Força Sindical, que desde o início deu ênfase à cooperação com o capital.

Assim, depois de uma década de vigor e contestação à ordem, o sindicalismo brasileiro começou, nos anos 1990, a seguir a mesma tendência dos países centrais do capitalismo, que, de acordo com Antunes (2005), consiste na perda dos vínculos com o movimento social contestatório e na incorporação da lógica capitalista.53

De acordo com Coelho (2005), a corrente majoritária da CUT e a do PT trilharam caminhos que se interligam, tendo o mesmo ponto de chegada: "a perda do referencial de classes no projeto político, a substituição da crítica radical ao capitalismo pela crítica ao neoliberalismo, a defesa de algum tipo de capitalismo organizado cujo instrumento principal seria a colaboração de classes (...)54".

Analisaremos a seguir, como o PT, assim como a Central, deixou de ser uma expressão dos setores subalternos, passando a atuar como um agente da conservação da ordem burguesa na medida em que, ao se apresentar como um representante dos trabalhadores, apassiva os setores organizados da classe que vive do trabalho, que passam a acreditar que a atuação do partido levará à concretização de seus objetivos.

A trajetória petista nos anos 1990

Em 1990, o PT estava recém-saído da mais traumática derrota eleitoral até aquele momento: a de Lula nas eleições presidenciais do ano anterior, para a qual nutriu-se tantas esperanças e cuja diferença de votos foi tão pequena. Nessa virada de década, o neoliberalismo consolidava-se, ao passo que o desmonte da União Soviética repercutia na crise da alternativa socialista vivenciada em parte do mundo.

Neste contexto, o partido realizou seu sétimo encontro oficial, momento no qual tentou adequar-se aos novos tempos. O documento intitulado "O socialismo petista" reafirmava o caráter anticapitalista do partido, mas o "socialismo" como contraponto ao capitalismo foi gradativamente sendo substituído por "democracia". O partido já mantinha uma posição crítica ao socialismo burocrático,55 mas se antes a democracia aparecia como um aspecto do socialismo almejado pelo PT, agora era o socialismo que aparecia como coadjuvante para qualificar a democracia desejada.56 No lugar de "socialismo democrático" passou-se a defender a "democracia socialista".

Se anteriormente o partido visava a estatização de empresas e do sistema financeiro, passou a adjetivar o planejamento econômico estatal de "intolerável". O tipo de propriedade devia ser, segundo a resolução do encontro, aquele "decidido democraticamente" pela sociedade.57 Podemos observar a preocupação em mostrar distanciamento do modelo do "socialismo real". O conteúdo dessa resolução revela, a nosso ver, um demasiado temor de julgamentos negativos por parte das parcelas mais conservadoras da sociedade.

No trecho a seguir, a fala de um dos principais dirigentes petistas, Luis Gushiken, nos debates preparatórios para o I Congresso do PT, em 1991, nos permite verificar como os pilares defendidos foram sendo repensados em virtude das mudanças ocorridas na sociedade capitalista e, principalmente, devido ao fim do "socialismo real":

Os textos nossos têm um tripé, que é a ação concentrada da política do partido: a ação anti-imperialista, antimonopolista e antilatifundiária. Se a gente assume a ação anti-imperialista como um dos elementos pilares, eu acho que é um desastre total para quem vai ser governo daqui a três anos. O que vamos dizer para a sociedade? Nós somos contra as empresas estrangeiras, nós somos contra vir capital externo aqui no Brasil? Isso é um suicídio. Um dos primeiros pilares que temos que demover – e aí tem divergência – é a questão do imperialismo. (...) Mudou o quadro. Significa dizer o seguinte: se forem perguntar para o Lula se o seu governo interessa atrair capitais de monopólios, de trustes, o Lula não pode titubear. Ele tem que dizer: nós queremos sim. Agora, qual é a contrapartida, para efeito de política, não só para a sociedade, até para justificar nosso projeto socialista? Nós queremos, mas que não tenha abuso na determinação do preço, que não tenha abuso na determinação do investimento, abuso no pagamento dos operários. Mas aí há uma inversão global da linha política com relação ao capital. Coisa que antigamente não tinha tanto, porque de uma forma ou de outra, a gente tinha inconscientemente que um processo revolucionário no Brasil teria como ponto de apoio, material-financeiro-político, o socialismo real. Mas desagregou. E, durante muito tempo, ele era uma referência para nós, nesse aspecto. Com a mudança, que foi de fundo, eu quero saber, se nos mesmos moldes uma revolução socialista hoje, no quadro da economia basicamente capitalista, nós temos condições de argumentar na linha de ação anti-imperialista como centro.58

Diferentemente do "socialismo exercido pelos trabalhadores", como objetivado nos encontros anteriores, a democracia representativa ganhava cada vez mais peso nas formulações do partido. Para Iasi (2006), a meta projetada pelo PT, que nas palavras dele são rebaixadas e modestas, não são nada mais do que o Estado de direito. Neste, "a ordem do capital, (...) pode emprestar seu Estado para os trabalhadores ou pequenos burgueses tomarem conta por um tempo, desde que o devolvam sem alterar a substância da ordem de classe que o fundamenta, ou seja, as relações sociais de produção e as formas de propriedade a elas associadas".59

Nas resoluções do Congresso, tem-se novamente a recusa da estatização da economia, ao contrário do que o partido defendeu durante a década de 1980. Tampouco pretendia-se, agora, abolir a economia de mercado, colocando isso apenas como uma possibilidade a longo prazo, como podemos observar no seguinte trecho:

O mercado, sob o controle do planejamento democrático e estratégico e orientado socialmente, é compatível com nossa concepção de construção do socialismo. No entanto, o fortalecimento das formas socializadas e coletivas de produção e o desenvolvimento tecnológico poderão permitir que, historicamente, possamos superar definitivamente as relações mercantis de produção.60

A política de alianças do PT começou a ser revista naquele período. Determinados setores da população viam com desconfiança o projeto de mudança da sociedade defendido pelo partido, seja por associarem isso ao regime da ex-União Soviética ou por acreditarem que tal fato poderia provocar uma reação conservadora, levando a uma nova ditadura. Com isso, os blocos petistas mais moderados lançaram a proposta de ampliação das alianças. Estes sugeriram coligações com siglas que eles identificavam como sendo de "centro-esquerda". Nesse sentido, aliar-se a partidos como PSDB, PMDB e PDT poderiam, na opinião deles, levar o PT a conquistar a confiança de um eleitorado mais amplo. Iasi observa que o entendimento sobre alianças se deslocou "da conformação das classes para o reino das siglas partidárias61".

Apesar da virada ideológica, o PT destacou-se dos outros partidos, durante os anos 1990, pela defesa da ética como elemento primordial na política. Durante os escândalos de corrupção do governo Collor, esteve à frente da luta por uma nova política, tendo seus parlamentares uma importante atuação na instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do PC, 62 em 1992. No entanto, Martuscelli (2005) pondera a esse respeito:

O PT não fugiu à tendência dominante do movimento pró-impeachment, vindo a aderir à campanha pela ética na política e a atacar o presidente Collor a partir de um discurso moralista que relegou ao segundo plano a crítica e a denúncia do caráter de classe das políticas neoliberais e satisfez-se apenas com a denúncia da política recessiva do governo Collor, tática que se inscreve na luta contra os efeitos das políticas neoliberais e não propriamente contra essas políticas. Esse comportamento político pode ser considerado como um indicador do processo de aceitação passiva, por parte do PT, das propostas neoliberais.63

Contudo, durante a década de 1990, o partido seguiu se posicionando, ao menos no plano do discurso, contrário às políticas neoliberais, e também defendendo a ética como aspecto fundamental na forma de governar.

Por outro lado, até aquele momento, as mudanças de concepção não haviam atingido todo o partido, mas os principais dirigentes das tendências majoritárias. Nesse sentido, o PT ainda era um campo em disputa. O fato de correntes mais à esquerda – que se contrapunham à moderação que estava sendo implantada pela corrente majoritária – atuarem no interior do partido é expressivo dessa possibilidade de disputa. Em 1993, por ocasião do oitavo Encontro, as divergências internas ficaram mais exacerbadas. Os blocos de esquerda atribuíram as deformações ocorridas no PT à perda de legitimidade de sua antiga direção e a problemas organizativos. Foi proposta a criação de um novo núcleo dirigente, devendo este ter compromisso com o caráter revolucionário e socialista do PT, com a democracia, com as metas anticapitalista, antimonopolista, antilatifundiária e anti-imperialista, bem como estar comprometido em ser um partido de massas e em propor uma renovação do contrato ético entre os militantes. Foi criticada a construção de "centros paralelos de poder" e o surgimento de "notáveis" dentro do partido. Lula era um desses "notáveis" e, fazia parte da ala moderada 64.

A campanha presidencial de 1994 aconteceu no contexto dessa reviravolta dentro do partido, e ainda sob o impacto do impeachment de Collor. Devido à crise que havia se instaurado no país, a vitória de Lula era dada como certa. No entanto, o Plano Real lançado pouco antes pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi capaz de controlar a inflação e deu a este último a vitória naquele ano.

Apesar da "inflexão à esquerda" (IASI, 2006), como ressaltamos o partido era uma terreno em disputa. Dessa forma, em 1994, o PT aceitou doações de pessoas jurídicas pela primeira vez em uma campanha. O Banco Itaú, surpreendentemente, doou aproximadamente 500 mil reais. Garcia (2008) acredita que isso sinalizava que o setor financeiro estava começando a entender e apostar nas mudanças que ocorriam no PT.65 Mais alarmante do que isso foi a doação da empreiteira Odebrecht para a campanha de José Dirceu ao governo do estado de São Paulo. Meses antes, parlamentares do PT haviam acusado a empresa de participar de um esquema de fraude no Orçamento da União.66

Todavia, a derrota de Lula em 1994 acelerou ainda mais o processo de transformação no discurso e na imagem que o PT tentava passar. A direção de esquerda perdeu espaço e as estratégias de moderação e ampliação das alianças foram retomadas. Com isso, o programa do partido foi ficando ainda mais flexível.

Em discurso, em 1995, Lula dá a dimensão da virada de rumo das concepções petistas:

Criamos o PT para que o povo brasileiro tenha um canal político, uma legenda que represente os interesses da maioria, uma bandeira em torno da qual se mobilizam as donas de casa e os sem-terra, os operários e os desempregados, negros e mulheres, estudantes e intelectuais, produtores culturais e empresários interessados na modernização do Brasil, compatível com a redução das desigualdades sociais.67

Se nos seus primórdios, o partido se declarava "sem patrões" e defendia a construção de uma sociedade socialista e igualitária, o novo discurso afirmava que o PT foi criado para ser um representante de amplos setores, incluindo aí os empresários, desde que estes objetivassem a modernização do país. Falava-se, nesse momento, também em "redução das desigualdades sociais", o que é bem diferente de socialismo, que prevê uma sociedade sem desigualdades, e não apenas com desigualdades mais amenas.

Durante a década de 1990, o PT foi o principal expoente da crítica ao neoliberalismo no Brasil e conquistou notoriedade em toda a América Latina, mas os caminhos que percorria já mostravam-se irreversíveis. Sua organização interna preocupava os militantes. Em 1995, Vladimir Palmeira, do PT-RJ, expressou um pouco dessas preocupações, conforme demonstra o texto a seguir:

Cada vez mais afeito ao jogo institucional e cada vez menos inclinado a expressar a radicalidade, a revolta e, porque não dizê-lo, o desespero de milhões cujo cotidiano se passa à margem do jogo político formal, o PT vai se conformando, ele também, à imagem da sociedade que pretendemos subverter: pouco democrático, monopolizado por grupos de profissionais da política (no mau sentido) e especialistas de todo tipo, consumido pelo jogo político institucional, movido pela ficção de opinião pública construída pela mídia e pelos institutos de pesquisa, pouco sensível ao trabalhador comum, crescentemente incapaz de construir-se e apresentar-se como uma alternativa ao sistema dominante.68

Naquele período o partido experimentou um grande crescimento eleitoral nos municípios. Contudo, distanciava-se, cada vez mais, da classe trabalhadora. Coelho (2005) observa que o número de filiados na base partidária não aumentou na mesma proporção que os mandatos. O PT afastava-se dos movimentos sociais, com os quais anteriormente manteve vínculos orgânicos. À medida que o partido ia se tornando mais moderado, essa relação se tornava mais formal e menos concreta. De acordo com o autor, o transformismo petista pode ser percebido através de dois principais aspectos. O primeiro diz respeito exatamente à "dissolução dos vínculos orgânicos com a classe trabalhadora69", tendo esse segmento da esquerda deixando de se portar como intelectual orgânico do proletariado. Se antes era um incentivador das lutas sociais, se propondo não somente a representar a classe, mas também a organizá-la, o partido modificou, gradualmente, essa posição. Passou a controlar as manifestações sociais em nome da "governabilidade". Isso nos leva ao segundo aspecto levantado por Coelho. Este consiste no que o historiador considera ser o novo projeto político do PT. Para ele, esse comportamento de conter as revoltas populares cumpre o papel de defesa dos interesses da classe dominante. Isso expressa que essa parte da esquerda se apropriou da concepção burguesa de mundo, passando a agir como intelectual da burguesia no seio da classe trabalhadora. Sendo assim, esta esquerda estaria a serviço do capital, sendo, por isso, denominada pelo autor de "esquerda do capital70".

O partido preocupava-se cada vez menos em defender os interesses dos trabalhadores e cada vez mais em expandir sua ocupação nos cargos públicos. Nas campanhas eleitorais municipais de 1996, o PT tentou passar a imagem de um partido ainda menos combativo. Os slogans utilizados ("O PT faz bem", " O PT é bom de governo" e "onde o PT governa dá certo") remetiam a um partido mais pacífico e conciliador. Como nessa época ainda era forte no partido a presença de uma militância mais à esquerda, que colocava-se em uma posição crítica às mudanças ocorridas, slogans ainda mais brandos foram duramente rejeitados, como é o caso de "o PT que diz sim!", usado por Luiza Erundina, na campanha para a prefeitura de São Paulo71.

Em consonância com essas mudanças, a política de alianças do PT ia se flexibilizando ainda mais. Eram defendidas alianças com diversos partidos e personalidades, desde que os mesmos se opusessem ao neoliberalismo e ao governo de FHC. Notemos que nessa época o capitalismo já havia, há algum tempo, deixado de ser entendido como passível de superação. Já o neoliberalismo havia se tornado o principal alvo das críticas e da oposição do PT, ao menos no plano do discurso. Ressalva à parte, ao encontro das alianças ia a nova imagem que o partido estava construindo, com a ajuda dos marqueteiros eleitorais.

A tarefa principal dos marqueteiros foi mudar a imagem radical que assustava setores da sociedade. Os slogans de 1996 já haviam sido uma espécie de laboratório para essa mudança. Na campanha das eleições de 1998, as tradicionais bandeiras vermelhas petistas foram trocadas por bandeiras brancas, símbolo da conciliação, e as cores verde e amarelo foram escolhidas como as cores oficias da campanha. Apesar de todo o "esforço", ainda não foi dessa vez que Lula, que nesse ano tinha Leonel Brizola (PDT) como candidato a vice, conseguiu se eleger.

No ano seguinte à derrota eleitoral de Lula, os dirigentes petistas colocaram mais uma vez em questão as posições defendidas pelo programa partidário. Em 1999, aconteceu o II Congresso do PT.

Nessa ocasião, o socialismo foi posto novamente em debate, o que não ocorria desde o I Congresso. Porém, dessa vez o que foi discutido era se o partido devia ou não assumir o socialismo.

Garcia (2008) avalia que, como resolução do debate, o socialismo foi reafirmado, mas não mais

como resultado de um processo de "reformas estruturais" de caráter econômico-social, como, por exemplo, a estatização dos setores estratégicos da economia ligados à infra-estrutura do país, mas sim como resultado de uma vaga "reorganização da sociedade, da economia e da política". A saída para as indefinições continuava a ser a vaga afirmação de que o socialismo do PT seria definido depois, mas agora sequer pelos trabalhadores, e sim pelas "maiorias sociais".72

Ainda segundo o autor, neste mesmo Congresso, o PT criticou duramente a política econômica do governo FHC, denunciou o acordo com o FMI e o estrondoso crescimento da dívida externa e, defendeu a necessidade de impedir a reestatização da dívida, uma vez que o endividamento dos anos 1990 era fundamentalmente privado. Mas a solução proposta para resolver o problema foi relegada a uma "renegociação", podendo o pagamento ser suspenso apenas se os credores se mostrassem intransigentes.

Ao longo da década, portanto, o programa partidário foi sendo, conforme mencionado, gradualmente modificado. Embora as mudanças tenham começado já em 1990, o partido que terminou a década tinha poucas semelhanças com aquele que a iniciou. Ainda assim, o PT era considerado o principal expoente da esquerda na América Latina e um forte opositor ao neoliberalismo. Foi na campanha presidencial de 2002, como veremos mais adiante, que Lula e os demais dirigentes petistas mostraram que estavam dispostos a aceitar todos os condicionantes do capital para chegarem ao governo federal.

O caminho da burocratização

Antes de analisarmos a campanha de Lula em 2002, é necessário abrirmos parênteses para tratar de um aspecto que acompanhou o partido desde o final dos anos oitenta e que merece uma atenção especial: o processo de burocratização.

De acordo com Mandel (1980), a burocratização das organizações operárias – partidos ou sindicatos – consiste na mudança de concepção sobre o que representam estas organizações. O que inicialmente é concebido como um meio passa a ser considerado, pelos seus componentes, um fim em si próprio. Segundo o autor, a criação de aparelhos, bem como a presença de funcionários permanentes no interior destes, é indispensável à organização operária, uma vez que seria impossível dirigir milhares de pessoas sem um mínimo de infraestrutura. Contudo, "quem diz aparelho e funcionários, diz já fenômeno de burocratização em potencial: assim, logo de início, vemos surgir uma das raízes mais profundas do fenômeno burocrático".73

O autor salienta que em uma sociedade pautada na divisão do trabalho, há a tendência dos trabalhadores considerarem a atividade que executam um objetivo em si. Soma-se a isso, a defesa, por parte dos funcionários permanentes das organizações, dos privilégios materiais, benefícios e status que obtêm ao ocuparem cargos de direção no interior dos aparelhos. Os "valores morais" da sociedade capitalista produzem, mesmo no seio do movimento operário, "uma inclinação para certas tentações".74 Nesse sentido, os privilégios materiais e sociais, tais como autoridade e poder, se ampliam quando as organizações operárias assumem lugares de destaque no interior da estrutura capitalista. Com isso, esses dirigentes ascendem a cargos em parlamentos ou no poder executivo, passando a conviver e a negociar com os representantes da burguesia nestes espaços. A este respeito, o autor afirma:

As raízes da burocracia multiplicam-se então muito rapidamente. Uma parte dos dirigentes convive de maneira consciente com a burguesia e integra-se na sociedade capitalista. Os obstáculos à burocratização levantados pela consciência socialista desaparecem; os privilégios multiplicam-se; os parlamentares sociais-democratas não oferecem já uma parte do salário à sua organização por se contentarem com um salário de funcionário permanente e tornam-se assim como uma verdadeira clientela no seio da classe operária. A partir desse momento, a degeneração burocrática só pode proliferar.75

Mas a defesa dos privilégios não explica todo o fenômeno burocrático. Segundo Mandel, existe um outro fator que está na base dessa deformação no movimento operário: a dialética das conquistas parciais. Na medida em que a organização trabalhadora adquire vitórias, surge a concepção de que, diferentemente do início, agora existem coisas a perder. Segundo suas palavras, essa dialética

manifesta-se nos comportamentos daqueles que subordinam o prosseguimento e a vitória das lutas operárias para chegar à conquista do poder nos países capitalistas somente à defesa das organizações operárias existentes; (...) Comportam-se como se qualquer nova conquista do movimento operário devesse subordinar-se de maneira absoluta e imperativa à defesa do que existe. E isto cria de fato uma mentalidade fundamentalmente conservadora.76

Os autores que analisaram o processo de transformismo do PT, atribuem a este fato diferentes determinantes, sendo um deles a burocratização. Garcia (2000) considera que as eleições municipais de 1988 foram o marco inicial do processo de deformação burocrática do partido. Segundo ele,

(...) a partir dos êxitos eleitorais, notadamente o de 1988, o partido começou a romper com a lógica de ruptura, iniciando um processo de integração ao regime que se aceleraria no decorrer da década de noventa. Sua vida orgânica passou a ser dominada pelos funcionários das prefeituras, dos gabinetes dos parlamentares, levando-o a um processo de burocratização, que o afastou progressivamente daqueles setores que, em sua origem, reivindicava representar.77

De acordo com este autor, uma vez ocupando as prefeituras, começa a pesar mais para estes segmentos do partido, a opinião dos setores médios, a necessidade de manter boa relação com a imprensa, bem como questões meramente gerenciais. Por outro lado, há o "abandono físico das lutas em troca da presença constante no parlamento e em outras instituições78".

Iasi (2006) analisa que também foi decisivo para os rumos tomados pelo partido, a partir da década de noventa, o refluxo dos movimentos populares e sindicais, organicamente ligados ao PT. O autor pontua que as lutas não deixaram de acontecer, mas houve um desgaste das formas utilizadas. Além disso, não surgiram novas lideranças para substituir aquelas que envelheciam ou passavam a ocupar cargos públicos. Segundo o autor, nos municípios nascia um dilema para os movimentos populares: se opor a governos que ajudaram a eleger. Do lado do partido, as relações com os movimentos foram transferidas, unicamente, para o plano da formalidade.

Inicialmente, a proposta de ganhar as prefeituras era transformar as cidades governadas pelo PT em instrumentos para disputar a hegemonia na sociedade. No entanto,

em que pesem as experiências inovadoras e as honradas e raras exceções, a regra geral foi que as administrações foram engolidas pela lógica de administrar a crise, principalmente em sua manifestação financeira, e pela tarefa de reeleição como meta fundamental. O resultado, via de regra, foi um profundo distanciamento das bases sociais, um retrocesso nos movimentos e o desmonte do PT pelo quase absoluto atrelamento à lógica institucional eleitoral e aos interesses das administrações.79

Além disso, com o rápido crescimento do PT, as disputas internas acirravam-se.

Isso deu início à cooptação de membros do partido para o favorecimento de determinadas posições e interesses pessoais e meramente eleitorais. Segundo Iasi, estas questões eram tratadas pelo partido como sendo imanentes ao crescimento, mas possíveis de serem controladas.

Com base em diversas pesquisas realizadas ao longo dos anos noventa, Garcia constatou as modificações graduais ocorridas na composição orgânica do PT. Já na primeira metade dos anos 1990, quanto mais altas eram a renda e a escolaridade dos dirigentes do partido, mais elevados eram seus cargos na hierarquia partidária.80 Estes dirigentes distanciavam-se, progressivamente, da militância de base. Lima (2004) sustenta que o distanciamento entre dirigentes e base de determinada organização, naturalizado pela ideologia da competência, expressa uma forma contemporânea de dominação: "Os dirigentes detêm a consciência dos fins da ação e espera-se da base que adote formas de comportamento que favoreçam o alcance destes fins, cujo sentido lhe escapa.81" O fundamento deste fenômeno reside na divisão do trabalho.

Apesar da inexistência de dados anteriores em relação ao tema, Garcia acredita que os salários dos membros do PT aumentaram a partir "dos êxitos eleitorais, com um aumento substancial dos 'profissionalizados' e detentores de cargos de confiança no parlamento e no executivo82". Conforme analisa este autor, os efeitos da burocratização do partido se refletem na brutal alteração do perfil dos militantes. A elevação da renda individual é o fato mais alarmante. Em 1991, 14,9% dos petistas tinham renda entre dez e vinte salários mínimos, já em 1997, o percentual de membros do partido que tinham essa faixa salarial era de 27%, passando para 34% apenas dois anos mais tarde, em 1999. Já aqueles militantes com renda entre vinte e cinquenta salários passou de 6,2% em 1991, para 23% em 1997.83 Entretanto, quando comparados os rendimentos mensais dos dirigentes com dos militantes de base, constata-se que os dirigentes possuem renda superior.

São justamente estes que ocupam cargos públicos, fato que ajuda a dar materialidade à mudança na forma de consciência.

Sobre os altos salários, Garcia afirma que isso estabelece "uma dependência em relação ao Estado burguês84". Além das vantagens individuais, existe a questão do financiamento do partido pelas contribuições daqueles que ocupam cargos no legislativo ou no executivo. Assim, os melhores quadros e esforços do PT foram direcionados, segundo o autor, para a disputa eleitoral, o que deixou o cotidiano da luta de classes no final da lista de prioridades.

A direção do partido distanciou-se não somente da base, mas principalmente da população trabalhadora. Como podemos observar, o fato da direção deter mandatos, é um determinante para esse fenômeno. Para Iasi (2006), deter um posto na máquina partidária pode ser decisivo para a obtenção de uma vaga na disputa eleitoral. A detenção de mandatos, por sua vez, leva à burocratização e afastamentos dos movimentos populares, à defesa de interesses pessoais e à busca do apoio das classes dominantes.

Ao longo dos 1990, os detentores de altos cargos no interior do PT fizeram de tudo para defender interesses que beneficiariam unicamente a eles, em detrimento das necessidades do conjunto da classe trabalhadora, fato que se seguiu na década seguinte. Um exemplo é a participação dos fundos de pensão dirigidos por petistas em consórcios que disputaram os leilões das empresas privatizadas. De acordo com Garcia (2008), em 1997, o PT se posicionou oficialmente contrário à privatização da Vale do Rio Doce, no entanto, a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (PREVI), estava no consórcio que venceu o leilão. Da PREVI faziam parte integrantes da Articulação Sindical, principal corrente do PT.85

De acordo com Oliveira (2003), o antigo proletariado está hoje ocupando a administração de fundos de previdência complementar, onde supostamente defendem os interesses dos trabalhadores quando, na verdade, estão preocupados com o rendimento de tais fundos, que, por sua vez, são utilizados para financiar a reestruturação produtiva, geradora de desemprego e precarizadora das condições de trabalho. Mas, para o autor, esta camada não representa mais apenas parte de uma burocracia. Segundo ele, esses dirigentes petistas fazem parte de uma nova classe que "formou-se no consenso ideológico sobre a nova função do Estado, trabalha no interior dos controles de fundos estatais e semi-estatais e está no lugar que faz a ponte com o sistema financeiro86". O sociólogo considera que a existência dessa nova classe explica as semelhanças entre PT e PSDB, já que a mesma é composta por núcleos de ambos os partidos.

Iasi (2006), por outro lado, não acredita que estes setores constituem uma nova classe, mas a tradicional pequena burguesia. Na sua análise, trata-se de um segmento que situa-se entre o capital e o trabalho, temendo, por isso, uma coalizão entre as classes. Assim, tende a buscar meios de ocultar os antagonismo entre as classes existentes. Essa pequena burguesia é composta pelos funcionários que exercem funções de defesa da ordem capitalista, mas, contraditoriamente, se apresentam como representantes dos interesses da maioria.87 Para Garcia (2008), este setor está além da pequena burguesia. Ele afirma: "Trata-se de uma burocracia que defende com 'unhas e dentes' seus privilégios materiais, mas que depende de estar no poder, para a manutenção desses privilégios.88". No entanto, este não é um fenômeno isolado, insere-se na adaptação do PT à ordem burguesa.

"Lulinha paz e amor" e a esperança nacional

Em 2000/2001, os EUA foram atingidos por uma crise econômica, que repercutiu em fortes consequências para a América Latina. Em resposta a isso, mobilizações populares que expressavam questionamentos às políticas neoliberais foram capazes de derrubar presidentes em países como Equador, Argentina e Bolívia. Até então, o PT representava, no Brasil, o principal opositor do neoliberalismo. Foi nesse contexto que a campanha presidencial de Lula ganhou força em 2002.

O slogan "agora é Lula" deu o tom da campanha petista que, por um lado, tentava passar para a população a certeza de que seu governo seria diferente do antecessor e mais comprometido com as camadas de baixa renda; e por outro, procurava dar garantias ao grande capital de que manteria os acordos do governo com o mesmo e não prejudicaria de nenhuma forma o empresariado. Vista desse prisma, a campanha representou para boa parte da população trabalhadora brasileira uma esperança de que as coisas poderiam mudar, e para a burguesia a certeza de que, independente de quem ganhasse as eleições, ela não seria abalada. Em síntese, para os trabalhadores a esperança de que tudo seria diferente, e para a burguesia a certeza de que nada seria diferente.

Análises atentas conseguem identificar a ambiguidade desse momento histórico. Diversos autores consideram que a primeira década do século XXI foi marcada por uma virada à esquerda no continente latino-americano.89 A eleição de Lula faz parte desse processo. O principal líder sindical do país e membro do maior partido constituído pela classe trabalhadora foi eleito como um governo de esquerda. Nele foram depositadas inúmeras expectativas das massas trabalhadoras, que vivenciavam uma forte crise com altíssimos índices de desemprego.

Contudo, sob a nova "roupagem" de Lula, que ficou conhecida como "Lulinha paz e amor", embutia-se um candidato que fazia de tudo para conquistar a confiança das classes dominantes. Isso pode ser constatado em alguns exemplos, a começar pela escolha do candidato a vice-presidente, José de Alencar, um dos maiores empresários do setor têxtil e membro de um partido que sempre foi favorável às políticas liberais, o Partido Liberal (PL). Outros exemplos podem ser vistos na busca pelo apoio de políticos conservadores, tais como: Antônio Carlos Magalhães e José Sarney; no lançamento da "Carta ao Povo Brasileiro", cujo conteúdo garantia que todos os contratos do país seriam honrados e o superávit primário mantido por um governo do PT; e no fato de Lula ter aceitado – assim como os outros três principais candidatos à presidência, José Serra (PSDB), Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PSB) – assinar um documento se comprometendo a, se eleito, cumprir o acordo que FHC havia assumido com o FMI.

O programa de governo apresentado na campanha sequer foi escrito pelos dirigentes petistas. O mesmo foi encomendado ao Instituto da Cidadania e só depois apresentado ao partido. As antigas posições do PT em relação a muitas questões já vinham sendo desfiguradas ao longo dos anos e foram ainda mais flexibilizadas. Até os anos 1990, o PT era sempre associado à reforma agrária. De acordo com Garcia (2008), em 2002 o programa de governo acabava assumindo, implicitamente, como principal compromisso, a defesa do agronegócio, já que dava maior ênfase a este. Mas ainda assim, constavam no referido programa, propostas como a destinação à reforma agrária de terras griladas e propriedades onde há prática do trabalho escravo.90

O "Lulinha paz e amor" convenceu. Na avaliação de Garcia, as doações de empresas para a campanha de Lula – vinte empresas doaram mais de R$ 500 mil para o candidato petista, enquanto para Serra esse valor foi doado por vinte e duas empresas, ou seja, praticamente a mesma quantidade – mostram que este foi tratado em pé de igualdade com o candidato tucano, o que deixa claro que para a burguesia brasileira havia a certeza de que, se o PT ganhasse, seus interesses continuariam sendo preservados.

Mas, ainda assim, Lula insistia em defender a concepção de mudança. O lema nos últimos dias da campanha era "a esperança vence o medo", numa alusão ao temor que determinadas parcelas da sociedade sempre tiveram em relação a uma vitória do PT nas eleições presidenciais, seja por identificá-lo ao socialismo, considerado totalitário pelo senso comum, seja por acreditarem que isso faria o capital externo se retirar do Brasil, gerando decréscimo econômico.

Apesar de todas as provas de que nenhuma das duas crenças tinha o menor cabimento, o PSDB ainda tentava passar essas ideias para o imaginário da população.91

No dia seguinte à eleição, vencida no segundo turno após a disputa com José Serra, Lula divulgou uma carta que tinha como título "Compromisso com a mudança".92 Esta começava afirmando que o povo brasileiro havia votado para mudar, e enfatizava que isso aconteceu de forma "democrática e pacífica", o que nos parece uma tentativa de se legitimar perante os mais conservadores. O conteúdo seguinte da carta dizia ser esta uma vitória de amplos setores da sociedade, desde as camadas populares e movimentos sociais e sindicais, até "parcelas importantes do empresariado". Embora as camadas populares e os movimentos de lutas sociais e trabalhistas sejam partes da classe trabalhadora, não havia no documento nenhuma referência direta à classe trabalhadora como um todo, o que dissolve a unidade classista que o PT buscava construir durante a década de 1980. Isso sem contar que, segundo a carta assinada por Lula, era também uma vitória de parte do empresariado. De fato, uma vitória dos patrões no que antes fora o "partido sem patrões".

Em seguida, no mesmo documento, há referência às alianças com diversos partidos como fundamental para a vitória, além de agradecimentos a políticos de direita, como José Sarney. Há também a afirmação de que o apoio do FMI e do Banco Mundial é essencial para que o Brasil supere a crise. E para este fim será necessário, ainda, o restabelecimento de "linhas de financiamento para as empresas", o que é, na prática, transferência de recursos públicos para o setor privado. A carta termina com uma alusão a sindicalistas, ONG's e empresários "numa ação comum pelo país". Tentava-se passar a ideia de que era possível governar para todos. No entanto, haja vista que capital e trabalho possuem interesses antagônicos, defender interesses de uma implica em prejudicar a outra. Dessa forma, o projeto de "conciliação de classes" que o PT implementa tem como objetivo mascarar a luta de classes e gerar o conformismo entre os trabalhadores, no intuito de impedir, assim, manifestações que alterem a ordem.

Após a vitória de Lula, as notícias veiculadas pela imprensa nacional e internacional afirmavam que a eleição do petista serviria para sanar a inquietação da população diante da crise que assolava o país. Empresários e políticos conservadores, que em outra época se alardeariam com esse resultado eleitoral, deram declarações nas quais demonstravam aceitar com tranquilidade o novo governo. Afinal, por que não aceitariam? Já não havia mais nenhum vestígio do PT dos anos 1980.

O PT a serviço da burguesia

A campanha eleitoral de Lula, em 2002, teve caráter dúbio: pautou-se na crítica ao neoliberalismo, mas também assumiu acordos com o grande capital, o beneficiário das políticas neoliberais. Ao chegar ao governo, o PT e sua base de apoio escolheram a segunda opção. Lula seguiu executando o mesmo receituário que o seu antecessor, com ênfase no superávit primário e no controle da inflação. As empresas privatizadas por FHC não foram reestatizadas. O arrocho salarial continuou naquele momento. Segundo Lesbaupin (2009), uma análise do governo Lula não é possível sem considerarmos o contexto histórico mundial. É no cenário de desregulamentação dos direitos trabalhistas, enfraquecimento das lutas da classe trabalhadora e de difusão da ideologia neoliberal que este governo está inserido.93 Todavia, dar continuidade às políticas implementadas durante a gestão do PSDB, foi uma opção do PT.

Se por um lado, ao assumir o governo, a direção do partido cumpriu os acordos com a grande burguesia, por outro, descumpriu os princípios que defendeu durante anos, sobretudo na primeira década de existência. Logo no primeiro ano do mandato de Lula, o projeto de Reforma da Previdência causou indignação em parcela da classe trabalhadora e discórdias no interior do próprio PT. A referida reforma retirava direitos dos servidores públicos e favorecia a privatização do setor previdenciário, via os fundos de pensão. O governo não mostrou-se nada democrático em relação às posições contrárias. Parlamentares petistas que votaram contra o projeto foram expulsos do partido. 94 Os servidores, por sua vez, realizaram uma greve que durou vários meses, porém, não tiveram o apoio da CUT, a maior central sindical do país. Insensível à greve, o governo colocou o projeto em prática. Luciana Genro, uma das deputadas expulsas, avaliou que essa reforma previdenciária foi mais severa do que a implementada por FHC, em 1996. Isso deve-se "ao fato de que aqueles que eram um obstáculo, hoje são os instrumentos de aplicação da Reforma95". Ela referiu-se à bancada do PT, que fez ferrenha oposição à reforma de 1996.

Cabe ressaltar a intransigência do governo em relação não só a essa, mas às demais greves ocorridas durante a gestão de Lula. Ao longo de seus dois mandatos, segundo Garcia (2008), houve uma tentativa, por parte do presidente, "de 'disciplinar' o direito de greve de uma maneira geral e dos servidores em particular96", apesar de sua trajetória como líder sindical.

Como vimos anteriormente, a campanha de Lula à presidência criou entre os segmentos mais pauperizados da população, a expectativa de melhores condições de vida. No entanto, o governo colocou em prática políticas meramente compensatórias e assistencialistas, ancoradas nas formulações do Banco Mundial para o atendimento emergencial à pobreza. O programa Fome Zero foi lançado como carro-chefe do governo, tendo, além do caráter imediato de combate à fome, ações estruturais mais abrangentes,97 que jamais foram integralmente postas em prática. Ainda em 2003 foi criado o programa Bolsa Família, que consiste, basicamente, em uma adaptação dos programas assistencialistas e focalizados implementados por FHC, 98condizentes com as tendências neoliberais. Em pouco tempo o Fome Zero perdeu espaço nas ações governamentais, enquanto o Bolsa Família ganhou destaque e se tornou responsável por grande parte da popularidade que o presidente viria a alcançar, sendo considerado por muitos especialistas como uma "usina de votos". O programa nada mais é do que uma política compensatória destinada àqueles que não usufruem de seus verdadeiros direitos. A estes o governo dá migalhas, ao invés de proporcionar uma real redistribuição de renda e políticas públicas de qualidade.

Em paralelo a isso, o governo federal manteve a submissão da política econômica aos interesses do grande capital, sobretudo o capital financeiro. Lula cumpriu a palavra de que honraria os acordos do país com respeito à dívida pública, portanto, desde o início, deu prioridade ao pagamento desta, em detrimento das políticas sociais. A meta de superávit primário que era de 3,75% foi elevada, pelo governo, para 4,25% do PIB, em um nítido sinal para o capital financeiro.99

Verificando o orçamento da União, podemos ter a dimensão da disparidade na divisão de recursos destinados ao pagamento da dívida e às políticas públicas. De acordo com Sabadini, em 2005, foram gastos R$ 157 bilhões do orçamento em juros de dívida, enquanto apenas R$ 6,4 bilhões foram revertidos para o programa Bolsa Família, que atendia, naquele ano, a 8,7 milhões de famílias. Já em 2009, foram utilizados 48,24% do orçamento geral da União com juros e amortização da dívida, e políticas essenciais como saúde, educação e assistência social, somadas, não chegaram a obter 10% do PIB no mesmo ano.100 Lesbaupin (2009) observa que mais de R$ 200 bilhões foram repassados, através do pagamento da dívida, aos banqueiros e rentistas, que somam menos de 1 milhão de pessoas. Por outro lado, através do Bolsa Família foram destinados apenas R$ 10 bilhões para as 11 milhões de famílias atendidas em 2009, que somam, aproximadamente, 45 milhões de pessoas.101

Além disso, Lula pagou antecipadamente a dívida com o FMI,102 atitude louvada pela opinião pública e que lhe rendeu prestígio internacional. Durante a crise de 2008/2009, depois que a dívida já estava paga, o país retirou dinheiro de seus cofres para emprestar ao fundo, o que foi motivo de orgulho para o presidente. Os recursos que deveriam ser destinados às políticas sociais foram usados para ajudar a salvar o capital financeiro da crise. Portanto, segundo Lesbaupin (2009), nesse governo tivemos um amplo processo de transferência de renda dos trabalhadores para a burguesia. De fato, a renda dos pobres, que vai para o governo pela via da tributação, foi revertida para as elites, as verdadeiras beneficiárias da política econômica neoliberal.103

Além do mais, a reforma tributária aprovada pelo governo foi profundamente recessiva, pois além de retirar recursos da seguridade social, não modificou a regressividade do sistema de tributação brasileiro. Este gera ainda mais desigualdade entre capital e trabalho, pois na medida em que os impostos sobre bens de consumo têm peso maior do que sobre a renda, os trabalhadores, especialmente os mais pobres, são mais penalizados. Isso acontece porque na tributação indireta os pobres têm grande parte da sua renda destinada a impostos, quando compram os produtos de que necessitam para sobreviver. Os ricos, ao consumirem, pagam a mesma quantidade de impostos que os trabalhadores com menor renda, mas para eles o gasto faz menos falta no orçamento. De acordo com um estudo realizado pela Unafisco Sindical e apresentado por Lesbaupin, enquanto uma família de renda mensal de até dois salários-mínimos tem aproximadamente 46% de seu orçamento destinados a impostos sobre consumo, uma família que ganha mais de trinta salários-mínimos tem apenas 16% do orçamento comprometido com a tributação indireta. Já na tributação direta, que é o imposto de renda (IR), são cobrados entre 7,5% e 27,5% do total da renda, sendo que a faixa de impostos mais alta é cobrada de quem ganha a partir de R$ 3.582,00 por mês. Dessa forma, uma pessoa que recebe R$ 50 mil ou R$ 100 mil por mês, paga a mesma proporção de imposto do que quem recebe R$ 3.582 mensais.104

Ou seja: quanto maior a renda, menor é o peso do imposto no orçamento. Sendo assim, proporcionalmente à renda, os pobres pagam mais impostos do que os ricos. Ainda segundo o autor, no governo Lula, houve a elevação da carga tributária de 32,5% do PIB em 2003 para 36,5% em 2008. Porém, a mesma não foi destinada às políticas públicas, mas ao pagamento de juros e amortização da dívida pública. Como se não bastasse, "o governo Lula editou a MP 281 (15/02/2006), reduzindo a zero as alíquotas de IR e de CPMF para estrangeiros no Brasil que investirem em títulos da dívida pública. Novamente, os grandes beneficiados são os bancos e os muito ricos105".

Ao contrário do que foi exaustivamente veiculado pela mídia e usado como principal trunfo na campanha de Dilma Rousseff à presidência,106 a desigualdade social no Brasil não diminuiu nos oito anos de mandato de Lula. Lesbaupin salienta que houve, sim, um maior nivelamento entre os salários da classe trabalhadora. Ou seja, aconteceu uma redução da desigualdade entre as camadas populares e a chamada classe média, mas a burguesia conseguiu acumular ainda mais capital. A distribuição funcional da renda, que é a divisão da renda entre capital e trabalho, mostra que o trabalho teve sua renda diminuída desde os anos 1990, permanecendo assim no governo Lula, enquanto a renda do capital não parou de crescer. Dessa forma, o que aconteceu foi uma redução da desigualdade entre os trabalhadores, e não entre trabalhador e capitalista.

O maior nivelamento entre a renda dos trabalhadores deve-se, principalmente, a dois fatores: o primeiro refere-se ao aumento do salário mínimo, que subiu de R$ 260 para R$ 510 entre 2003 e 2010, um aumento de 53,7%. Entretanto, é preciso que se diga que este permaneceu muito aquém do salário mínimo necessário para uma família suprir todas as suas necessidades. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE), em outubro de 2010, quando o mínimo real estava em R$ 510, o necessário era de R$ 2.132,09. 107

O segundo fator consiste no crescimento do número de postos de empregos formais. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que durante os oito anos da gestão de Lula, foram criados cerca de 12 milhões de empregos. O ano de 2007 representou o ápice desse processo, com 2.452.181 novos postos de trabalho com vínculo formal, tendo o número diminuído a partir da crise internacional, iniciada em 2008. No ano de 2009, 1.765.980 empregos foram gerados. Porém, Pochmann108 observa que os novos postos de trabalho pagam baixos salários.

Em 2005, quase 90% pagavam até dois salários mínimos. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2009, os salários de dezembro desse ano, incluindo todos os empregos formais existentes no país, estavam na média de pouco mais de dois salários mínimos em todos os estados, com exceção do Distrito Federal, onde a renda média era mais alta. Separando por grau de escolaridade constata-se que, em todo o país, trabalhadores com ensino médio incompleto ou escolaridade mais baixa receberam menos de dois salários, enquanto aqueles que possuem ensino médio completo obtiveram remuneração de cerca de dois salários mínimos. Estes são justamente os que ocupam o maior número de postos de emprego: aproximadamente 40% do total.109 Percebe-se, portanto, que a grande maioria dos trabalhadores empregados tem salários acima do mínimo real, mas ainda assim, sua renda não atinge o mínimo necessário.

Podemos constatar, através destes dados, que o governo que tem à frente o PT, priorizou os interesses da burguesia, enquanto aos trabalhadores relegou pequenas melhorias que não atendem às suas reais necessidades. Cardim afirma que "há pelo menos duas coisas que constituem (...) a expectativa mínima de uma demanda de esquerda não revolucionária (...): por um lado, há que dar prioridade ao pleno emprego e, por outro lado, à distribuição de renda e riqueza110".

Estes aspectos não foram, de fato, contemplados pelo governo Lula. A taxa de desemprego ainda é grande, os empregos criados remuneram abaixo do suficiente, e não houve uma real redistribuição de renda e riqueza. Ao contrário, houve o aumento da concentração de renda, que é apropriada pelo capital financeiro.

Seguindo a mesma direção, o projeto de reforma agrária, que durante anos foi defendido pelo PT, foi abandonado. No programa de governo de 1989 era defendido um amplo processo de reforma agrária sob o controle dos trabalhadores; no programa de 2002 constava que essa reforma seria realizada respeitando a Constituição e com a utilização das terras griladas e daquelas nas quais fossem encontrados trabalhadores em regime de escravidão.111 Nem mesmo essa última proposta se concretizou. A Polícia Federal realizou uma série de operações para libertar trabalhadores que encontravam-se em regime de escravidão em fazendas, mas não houve nenhuma desapropriação para fins de reforma agrária, o que também não aconteceu com as terras griladas.

Mattos (2003) avalia que a Reforma Agrária é uma questão mais de vontade política do que de verba, posto que os recursos para isso existem, mas são destinados a outros fins. Como vimos, no governo Lula, assim como no anterior, a maior parte do orçamento foi usada para pagar os juros da dívida pública. Segundo o autor, invertendo as prioridades na utilização dos recursos, seria possível realizar a Reforma Agrária mesmo dentro dos marcos do capitalismo, sem "transgressão da lei". Mas para isso é necessário interesse do governo, o que de fato não existe.112

A prioridade do governo no campo foi outra: o agronegócio. De acordo com Garcia (2008), no governo Lula o capitalismo avançou sobre a agricultura, o que permitiu ao capital maior controle sobre os bens da natureza e aumentou a concentração da propriedade de terra. Também a partir deste aspecto podemos perceber a submissão do Brasil ao capital internacional, pois, segundo Vasconcellos (2010), "o que está agora na agenda do imperialismo, (...) é a compra de terra e a ocupação dos trópicos para produzir em latifúndios (com economia de escala exportadora) a energia vegetal, isto é, o álcool combustível e os óleos vegetais substitutivos do petróleo113".

Dessa forma, o agronegócio se desenvolveu com um forte incentivo do governo federal e subsídios do BNDES. Embora o governo tenha dado alguns recursos e crédito à agricultura familiar, de todo o orçamento voltado aos investimentos no campo, apenas 10% foram destinados aos pequenos agricultores, enquanto 90% foram para o agronegócio, com ênfase na produção do etanol. No ano de 2008, por exemplo, a agricultura familiar recebeu cerca de R$ 13 bilhões, e o agronegócio obteve por volta de R$ 100 bilhões114. Mais uma vez, o dinheiro público foi revertido para o capital privado. Além de subsidiar a produção, em 2007 o governo perdoou R$ 1 bilhão da dívida dos usineiros com o Estado. E as multinacionais dos transgênicos, por sua vez, ganharam carta branca para atuarem no campo brasileiro.

Conforme salienta Lesbaupin (2009), o grande capital mundial reserva aos países periféricos a função de exportadores de matéria-prima e produtos agropecuários. Com isso, desde os anos 1990, busca-se o retorno do Brasil à condição de país agroexportador, como foi até o fim da República Velha (1889-1930). Relaciona-se a isso o desmonte da indústria nacional, decorrente, sobretudo, da entrada das multinacionais no país.

Também para impulsionar as agroindústrias, em 2004 o governo lançou o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco, com o argumento de que esta seria uma solução para a seca que afeta parcela da população mais pobre do nordeste. Imediatamente, o projeto recebeu duras críticas, pois além de comprometer o meio-ambiente, este não seria suficiente para resolver o problema da falta de água na região, uma vez que não atingiria grande parte das áreas prejudicadas pela seca. Mas o grande objetivo da transposição, que não está explícito no projeto, é abastecer as agroindústrias localizadas nos estados nordestinos.

O agronegócio representa um entrave tanto à reforma agrária quanto à demarcação de terras indígenas e quilombolas, haja vista que, por se desenvolver em latifúndios, necessita da concentração fundiária. Com isso, durante o governo Lula não houve grandes avanços no que tange aos interesses dos índios e das populações quilombolas. Sobre isso, Lesbaupin afirma que o governo Lula não cumpriu os compromissos assumidos com o movimento indígena

em função de suas novas alianças com o capital financeiro, com o agronegócio, com os interesses dos grandes. Como evidência destas alianças, ficou famosa a frase do presidente Lula, em 21 de novembro de 2006, anunciando que iria afastar todos os entraves ao crescimento econômico do país, entre os quais listou as questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e o Ministério Público.115

De acordo com o que já foi anteriormente ressaltado, as políticas sociais implementadas pelo governo federal também seguiram a tendência neoliberal, nesse caso, segundo as determinações do Banco Mundial, que prioriza ações focalizadas no alívio imediato à pobreza. Para tanto, também fazem parte do receituário da ideologia hegemônica, as parcerias público-privadas (PPP). Estas, através da transferência da responsabilidade pelos serviços sociais às organizações não-governamentais (ONG's), não só repassam dinheiro público para o setor privado, como precarizam estes serviços e inviabilizam a universalização do acesso. Soma-se a isso, o crescimento da filantropia empresarial, ou, de acordo com a nova nomenclatura, responsabilidade social. Esta consiste na execução de projetos sociais por empresas em troca de generosos abatimentos fiscais. No governo Lula tivemos uma expressiva expansão das ONG's, entidades filantrópicas, bem como, da filantropia empresarial, numa clara precarização dos serviços destinados à classe trabalhadora e desregulamentação dos direitos, que através do discurso da solidariedade, passam a ser entendidos como favor.

A política voltada à educação superior também obedeceram às determinações dos organismos multilaterais, que prevêem para a periferia do capital a adaptação e a transmissão do conhecimento, em detrimento da produção do mesmo. Além disso, o ensino superior passa a ser entendido, por parcela da burguesia, como uma área em potencial para o crescimento do capital, especialmente neste contexto de enfrentamento à crise. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, abriu muitas brechas para a expansão das instituições de ensino superior (IES) privadas, mas foi durante o governo Lula que a educação superior teve um crescimento exponencial no setor privado. O Programa Universidade para Todos (ProUni), criado em 2004, concede isenção de impostos às IES em troca de bolsas de estudos a alunos de baixa renda, permitindo, assim, o aumento dos lucros do empresariado da educação. Com isso, há o favorecimento do ensino superior privado, de caráter mercadológico.

Criado posteriormente, o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) precariza as universidades públicas, haja vista que prevê um aumento de 80% do número de vagas e apenas 20% a mais de verba, sendo esta destinada, principalmente, à infraestrutura. Com isso, tem-se a perda da qualidade, em função da superlotação das salas de aula e da ênfase no ensino em detrimento da pesquisa e da extensão. Segundo Lima (2008), a expansão universitária, bandeira tradicionalmente da esquerda, foi apropriada pelos capitalistas para formarem técnicos que respondam às suas necessidades.116 Apesar de todas as manifestações de estudantes, professores e servidores das universidades contrárias ao Reuni, o programa foi implantado.

Contudo, as maiores crises que se abateram sobre o governo Lula relacionaram-se à escândalos de corrupção. A razão disso está no fato de que são esses escândalos que a mídia conservadora e a oposição composta pelos partidos de direita PSDB e DEM utilizam para criticar o PT, já que não podem se contrapor ao programa de governo, posto que possuem acordo com o mesmo. Esta mesma mídia e oposição não têm interesse, evidentemente, em denunciar que a política econômica adotada pelo governo beneficia a acumulação capitalista e precariza as políticas sociais.

A maior turbulência do governo Lula ocorreu em 2005, quando a imprensa tomou conhecimento do que ficou conhecido como "mensalão".117 Membros históricos do PT, como José Dirceu e José Genoíno, tiveram suas imagens irremediavelmente abaladas, e acabaram pedindo demissão de seus cargos para não prejudicarem o presidente. Lula alegou que não sabia do esquema e insinuou que as elites estavam planejando um golpe contra seu governo. O PT buscou preservar a imagem de Lula, e encontrou apoio em grandes entidades de representação da classe trabalhadora. Em agosto daquele ano a Coordenação de Movimentos Sociais (CMS) convocou uma manifestação em Brasília a favor do presidente. Nesta estavam representantes da CUT, da UNE118 e do MST. No dia seguinte, no entanto, outra manifestação aconteceu no mesmo local, só que desta vez expressando insatisfação perante a política econômica e a corrupção do governo Lula.

O "mensalão" ocorreu em nome da chamada "governabilidade". Segundo Lesbaupin, esse termo significa:

Ter maioria [no Congresso] para poder aprovar seus projetos, para levar à frente seu projeto de poder, para ter apoio para seus candidatos, para eleger aqueles que indicar. Neste processo, "os fins justificam os meios", vale tudo: o governo faz as alianças que julga necessárias para alcançar seus fins, pouco importa o caráter pouco ou nada ético dos compromissos assumidos. Passam para trás os compromissos assumidos com os movimentos sociais, de construir algo novo no país, passam para a frente os interesses da velha política. 119

Nesse sentido, as alianças não se justificam pelas afinidades ideológicas ou por projetos políticos em comum, mas pelo mero interesse de aprovar suas propostas e conseguir eleger seus candidatos. Devido à "governabilidade", o PT fez alianças com políticos aos quais já fez ferrenha oposição, como os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor de Mello. Também fazem parte dos "meios" os esquemas de corrupção. Garcia (2008) avalia que se mesmo após ter esquecido o projeto socialista, o partido ainda levantava a bandeira da ética na política, o escândalo do "mensalão" provou que não havia diferença entre o PT e os partidos conservadores.120

As eleições de 2006, quando Lula foi reeleito, permitem visualizar como estava, até aquele momento, a aceitação do governo Lula por parte dos trabalhadores, e também, das elites. Nesse ano, a imagem do PT ainda estava abalada perante a opinião pública, devido ao escândalo do "mensalão", mas o presidente tinha grande popularidade entre os setores mais pobres da população. O slogan da vez, "com a força do povo, eu quero Lula de novo", buscava refletir esse apoio popular. Este devia-se, sobretudo, ao aumento do salário mínimo e dos postos de emprego e ao programa Bolsa Família. Em torno de Lula criava-se a imagem de "presidente dos pobres".

Paralelamente a isso, a burguesia já havia tido a prova de que o governo petista servia a seus interesses. Isso pode ser comprovado com as doações de pessoas jurídicas para a campanha de Lula, que aumentaram.121 A seguinte declaração do empresário Olavo Setúbal à Folha de São Paulo nos permite compreender esse comportamento da burguesia:

Havia uma grande dúvida se o PT era um partido de esquerda, e o governo Lula acabou sendo um governo extremamente conservador. (...) O sistema estava tensionado, mas, como ele [Lula] ficou conservador, agora está para ganhar novamente a eleição e o mercado está tranquilo. Não tem diferença do ponto de vista do modelo econômico. Eu acho que a eleição do Lula ou do Alckmin é igual. Os dois são conservadores.122

Os setores que mais doaram para a campanha de Lula foram o financeiro, o setor de construção e o primário-exportador. Estes doadores têm papel de destaque na economia do país. A política monetária e cambial favorece o setor financeiro, as empreiteiras são beneficiadas com as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no início do segundo mandato de Lula, e "as empresas do setor primário-exportador comandam o padrão de inserção do país no sistema munida de comércio via mercado de commodities, inclusive com a revitalização do segmento do etanol123".

No início do segundo mandato, em janeiro de 2007, o governo Lula lançou o PAC, coordenado pela então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Este programa foi planejado para os quatro anos seguintes e englobou um conjunto de políticas econômicas com o objetivo de acelerar o crescimento econômico do país. Foram previstos R$ 503,9 bilhões para serem aplicados em infraestrutura entre 2007 e 2010, com a seguinte divisão de recursos: 55% foram destinados ao setor energético, 12% à logística e transportes e 33% à área social e urbana. Segundo a página eletrônica oficial do PAC,124 este tinha o objetivo de estimular o crescimento do produto interno bruto (PIB) e do emprego, intensificando a inclusão social e a melhora na distribuição de renda.

No entanto, Lesbaupin (2009) considera que o projeto não incluía as "dimensões humana, social e de futuro". 125 A ênfase no setor energético favorece apenas os interesses econômicos, enquanto os povos indígenas e quilombolas têm suas terras tomadas para a construção de hidrelétricas.126 Os recursos utilizados na logística e transportes foram destinados a obras em aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, tendo a finalidade de ampliar a infra-estrutura para escoar a produção para consumo interno e exportação, além de privilegiar o turismo. Com isso, mais uma vez o Estado assumiu o papel de protetor e potencializador dos interesses das classes dominantes. O programa ainda contemplou a realização de projetos em comunidades carentes, entretanto, estes foram elaborados sem a participação dos moradores destes locais, não respondendo, portanto, às suas reais necessidades. Dois dias antes da saída de Dilma Rousseff da Casa Civil, para se candidatar à presidência, foi lançado o PAC 2, o que indica que um dos objetivos do governo era angariar votos para a sua candidata.

Castelo (2010) define as políticas implementadas pela gestão do PT como um "novo-desenvolvimentismo", que seria um projeto nacional pautado no crescimento econômico, com um determinado padrão de intervenção do Estado na "questão social". No entanto, os níveis de desigualdade social são mantidos. Esse autor acredita que esta é uma estratégia encontrada pelo Estado para garantir a acumulação de capital e a manutenção da ordem, o que sempre foi sua função essencial.127

Como temos procurado demonstrar, as alianças do governo com o grande capital impediram a real redistribuição da renda e riqueza socialmente produzidas. A prioridade orçamentária foi o pagamento da dívida, beneficiando unicamente os banqueiros e rentistas. A reforma agrária e a demarcação das terras de índios e quilombolas foram inviabilizadas pela defesa dos interesses dos latifundiários e da agroindústria. Da mesma forma, os compromissos com empresários impediram a reestatização das empresas leiloadas nos anos de FHC, o que nos possibilita afirmar que os acordos do governo com a burguesia foram priorizadas em detrimento dos vínculos históricos do PT com os movimentos sociais e do passado classista do partido.

Conclusões

Surgido no seio das lutas sociais brasileiras do final da década de 1970, o Partido dos Trabalhadores possuía, durante seus primeiros anos de existência, um caráter altamente classista, afirmando-se como anticapitalista, antimonopolista e anti-imperialista, apoiando a luta pela reforma agrária e pelas demais demandas da classe trabalhadora, defendendo a nacionalização e estatização de bancos e empresas. Segundo seu projeto político, através da disputa eleitoral pretendia colocar os instrumentos de poder sob o controle do povo trabalhador. Naquele período, o partido cresceu e conquistou o respeito de diversos setores da sociedade. Assim, representou também uma ameaça para os segmentos mais conservadores, sobretudo, durante a campanha de Lula à presidência em 1989, que quase resultou em uma vitória do operário.

Todavia, no início dos anos 1990, o Brasil começou a ser atingido pelas reformas que já estavam sendo implementadas nos países centrais e na maior parte da periferia do capital há quase duas décadas. As políticas neoliberais foram introduzidas no governo Collor e aprofundadas, posteriormente, por FHC, acarretando a precarização das políticas públicas e a ampliação da pobreza. A reestruturação produtiva, por sua vez, ao gerar desemprego e insegurança no trabalho, fragilizou o movimento sindical. Somam-se a isso, o desmonte do "socialismo real" e a adoção das ideias pós-modernas por grande parte dos intelectuais de esquerda, levando à descrença na possibilidade de superação do capitalismo.

Nesse contexto, os dirigentes do PT, assim como em diversos partidos de esquerda do mundo inteiro, foram flexibilizando o projeto político. A oposição ao capitalismo de tornou uma oposição ao neoliberalismo, ou seja, não se acreditava mais na construção do socialismo, apenas em um capitalismo "mais humanizado". Paralelamente a isso, o crescimento eleitoral do partido levou à burocratização, pois a defesa das conquistas já obtidas foi colocada à frente de novas lutas. Por outro lado, as seguidas derrotas de Lula nas eleições presidenciais fizeram com que este se preocupasse cada vez mais em conquistar o apoio das camadas mais conservadoras da sociedade brasileira, incluindo políticos de direita e as grandes empresas.

Todavia, o PT ainda se apresentava como uma alternativa em relação aos outros partidos, haja vista que era crítico ao neoliberalismo e à corrupção. Isso levou à vitória de Lula em 2002. Entretanto, o presidente operário deu prosseguimento à política econômica de seu antecessor, priorizando os compromissos com o grande capital em detrimento da classe trabalhadora. Bandeiras históricas do partido, como a reforma agrária, foram abandonadas. Mas, graças a uma campanha de marketing eficiente e a pequenas melhorias – como o crescimento dos postos de trabalho, que, em sua maioria, são precarizados e com baixa remuneração, e o aumento do salário mínimo, que ainda continua bem abaixo do necessário –, Lula alcançou índices inéditos de popularidade. Houve crescimento do PIB, mas os maiores beneficiados foram os banqueiros e empresários, que puderam expandir seus lucros. Dessa forma, podemos considerar que durante sua primeira década de existência, o PT desempenhava a função de um intelectual orgânico da classe trabalhadora. No entanto, como vimos, no seu interior destacaram-se os dirigentes que passaram por um processo de transformismo de grupo, fenômeno que, segundo Coelho (2005), é uma expressão da hegemonia da classe dominante, que ampliava-se em um período de ofensiva burguesa.128 Com isso, esses intelectuais passaram a não mais atuar no sentido de elevar a consciência de classe, mas ao contrário, tenderam a buscar meios de dissolver essa consciência. Com a falácia do "governo para todos", a função do governo Lula foi de dotar a classe trabalhadora da visão burguesa de mundo. A capacidade do presidente de, supostamente, conciliar interesses inconciliáveis, rendeu-lhe destaque, inclusive, no cenário político internacional. Entra para a história como o "presidente dos pobres", mesmo tendo privilegiado os interesses dos ricos. E é justamente isso que fez de seu governo estratégico para o capital: sua face de "governo do povo".


1Este artigo baseia-se na monografia O PT e os movimentos sociais: da autonomia à cooptação, defendida em dezembro de 2010 na Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense.

2Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense/Brasil. Atualmente cursa mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Brasil e Licenciatura em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Brasil.

3Cabe ressaltar que Lula foi derrotado após um bombardeio de notícias sensacionalistas na mídia, com o claro intuito de prejudicar sua imagem.

4Referimo-nos aos investimentos externos destinados aos países periféricos emergentes, como Brasil, Índia e China, que oferecem força de trabalho barata e uma série de benefícios ao capital estrangeiro, e com seu desenvolvimento e aumento do poder de consumo da população, permitem altos lucros para a grande burguesia.

5Eurelino Coelho. Uma esquerda para o capital: crise do marxismo e mudanças nos projetos políticos dos grupos dirigentes do PT (19791998). Tese de doutorado, PPGH/UFF. Niterói, 2005. P. 465.

6 Autocracia burguesa é um termo utilizado por intelectuais como Florestan Fernandes e José Paulo Netto para se referirem à ditadura militar brasileira, que foi de 1964 a 1985.

7 Ver a respeito em Ernest Mandel. A Crise do Capital: os fatos e sua interpretação marxista. Ensaios. São Paulo, 1990.

8 A Lei 4.725 de 1965 estabelecia que os reajustes salariais não poderiam se efetivar em períodos anteriores há um ano, "seriam determinados com base no 'salário real médio' dos 24 meses anteriores, com o acréscimo de uma taxa que corresponderia ao 'aumento da produtividade nacional' no ano anterior, sendo todos esses cálculos fornecidos pelo governo" (Eder Sader, Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo, 1970-1980. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1991. P. 179).

9Rodrigo G. M. Andrade. Um estudo em busca de vestígios do socialismo petista. Dissertação de mestrado, PPGSS/UFRJ. Rio de Janeiro, 2008.

10 Região correspondente às cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, situadas nas proximidades de São Paulo.

11 Eder Sader. Quando novos personagens... Op. Cit. P. 183.

12 Ana Maria Doimo. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70. Relume-Dumará/ANPOCS. Rio de Janeiro, 1995.         [ Links ]

13 Florestan Fernandes. O PT em movimento: contribuições ao I Congresso do Partido dos Trabalhadores. Cortez: Autores Associados. São Paulo, 1991. P. 40.

14 Leandro Konder. História das idéias socialistas no Brasil. Expressão Popular. São Paulo, 2003.

15 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica da diferença. Dissertação de mestrado, PPGH/UFF. Niterói, 2000.

16 Mauro Iasi. As metamorfoses da consciência de classe: o PT entre a negação e o consentimento. Expressão Popular. São Paulo, 2006. P. 375.

17 Ibidem. P. 374.

18 Citado por Mauro Iasi, As metamorfoses... Op. Cit. P.374.

19 Lênin. Que fazer? Hucitec. São Paulo, 1988.

20 Rachel Meneguello citada por Rodrigo G. M. Andrade. Um estudo em busca de vestígios... Op. Cit. P. 103 s.

21 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

22 Sonia Regina Mendonça e Virgínia Maria Fontes. História do Brasil recente (1964-1980). Ática. São Paulo, 1988.

23 Site oficial do PT (www.pt.org.br). Documentos e downloads. Manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores. São Paulo, 1980. 3 páginas.

24 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica... Op. Cit.

25 Site oficial do PT. Carta de Princípios. São Paulo, 1979. 6 páginas.

2626 Conferir Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 381.

2727Conferir Rachel Meneguello. PT: a formação de um partido. Paz e Terra. São Paulo, 1989; Moacir Gadotti e Otaviano Pereira. Para que PT? Cortez. São Paulo, 1989; entre outros.

28 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 372.

29 Site oficial do PT. Manifesto de Fundação. Op. Cit.

30 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 387 s.

31 Rodrigo G. M. Andrade. Um estudo em busca de vestígios... Op. Cit. P. 110.

32 Resoluções de Encontros e Congressos 1979-1998. Citado por Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença à sustentação da ordem. Tese de doutorado, PPGH/UFF. Niterói, 2008. P. 109.

33 Referência ao governo de Getúlio Vargas, no qual os sindicatos foram cooptados pelo Estado.

34 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica... Op. Cit.

35 Dados do Nepp/Unicamp apresentados por Cyro Garcia. Op. Cit. P. 31.

36 Ibídem.

37 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

38 Devemos ressalvar que um modelo não substitui imediatamente o outro. Ainda hoje temos a permanência do fordismo em alguns setores. Em muitos casos, os dois padrões são empregados conjuntamente, complementando-se um ao outro. Portanto, o fordismo não deixou de existir, mas deixou de ser o principal modelo da produção capitalista.

39 A respeito das categorias por nós utilizadas, ver Karl Marx. O Capital: crítica da economia política. Abril. São Paulo, 1983.

41 Sonia Lúcio R. de Lima. Metamorfoses na luta por habitação: o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Tese de doutorado, UFRJ. Rio de Janeiro, 2004. P. 7.

41 Entre essas derrotas o autor cita o massacre do Partido Comunista da Indonésia em 1965, um ataque israelense que devastou a esquerda árabe em 1967, o golpe contra o governo socialista de Salvador Allende no Chile em 1973, os ataques às organizações socialistas latino-americanas na década de 1970, a dissolução do Partido Comunista Italiano e o encolhimento do Partido Comunista Francês (Göran Therborn. Depois da dialética: teoria social radical em um mundo pós-comunista. Em. Margem Esquerda, n° 10. Boitempo. São Paulo, 2007. P. 112.)

42 Carlos Nelson Coutinho. A época neoliberal. Especial para Gramsci e o Brasil, 2007. Disponível em www.acesso.com/gramsci/?page=visualizar&id=790

43 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

44 Sonia Lúcio R. de Lima. Metamorfoses na luta por habitação... Op. Cit. P. 4.

43 Marilda Vilela Iamamoto. Serviço Social em tempo de capital fetiche – capital financeiro, trabalho e questão social. Cortez. São Paulo, 2007. P. 107.

46 Ver Elaine Bering e Ivanete Boshetti. Política social: fundamentos e história. Cortez. São Paulo, 2007.

47 Marilda Vilela Iamamoto. Serviço Social em tempo... Op. Cit.

48 Ricardo Antunes. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho? Seminário Nacional de Saúde Mental e Trabalho. São Paulo, 2008. P. 6. Disponível em http://www.fundacentro.gov.br/dominios/CTN/anexos/Mesa%201%20%20Ricardo20Antunes%20texto.pdf

49 Marilda Vilela Iamamoto. A questão social no capitalismo. Em. Temporalis, v.3. Brasília: 2001. P. 09-32.

50 Giovanni Alves. Do "novo sindicalismo" à "consertação social": ascensão (e crise) do sindicalismo no Brasil (1978-1998). Em. Revista de Sociologia Política, n° 15. Curitiba, 2000. P. 113. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n15/a08n15.pdf

51 Ibidem.

52 Ibidem. P. 117.

53 Ricardo Antunes. Século XXI: nova era da precarização... Op. Cit.

54 Eurelino Coelho. Uma esquerda para o capital... Op. Cit. P. 448.

55 Referimo-nos ao modelo de socialismo soviético.

56 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

57 Ibidem.

58 Citado por Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença à sustentação da ordem. Tese de doutorado, PPGH/UFF. Niterói, 2008. P. 153 s. (grifo nosso)

59 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 475.

60 Citado por Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica... Op. Cit. P. 165.

61 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 494.

62 Instalada em 26 de maio de 1992, essa comissão teve como objetivo investigar as denúncias de tráfico de influência exercida por um dos mais próximos assessores do ex-presidente Collor, PC Farias. O relatório dessa CPI desencadeou um processo de impeachment que afastou temporariamente o presidente em 29 de setembro de 1992 e o levou à renúncia em 29 de dezembro do mesmo ano.

63 Danilo Enrico Martuscelli. A crise do governo Collor e a tática do PT. Dissertação de mestrado, IFCH/UNICAMP. Campinas, 2005. P. 13.

64 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

65 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica... Op. Cit.

66 A Odebrecht foi uma das empreiteiras denunciadas na CPI do Orçamento, em 1993.

67 Citado por Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica... Op. Cit. P. 156. (grifo nosso)

68 Ibídem. P. 71.

69 Eurelino Coelho. Uma esquerda para o capital... Op. Cit. P. 466.

70 Ibidem.

71 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica... Op. Cit.

72 Ibidem. P. 166.

73 Ernest Mandel. A burocracia no movimento operário. Aparte. São Paulo, 1980. P. 6.

74 Ibidem. P. 9.

75 Ibidem. P. 10.

76 Ibidem. P. 7.

77Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica da diferença. Dissertação de mestrado, PPGH/UFF. Niterói, 2000. P. 34.

78 Ibidem. P. 66 s.

79 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit. P. 460.

80 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica... Op. Cit. P. 65.

81 Sonia Lúcio R. de Lima. Metamorfoses na luta por habitação... Op. Cit. P. 44.

82 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: rompendo com a lógica... Op. Cit. P. 54.

83 Ibidem. P. 66.

84 Ibidem.

85 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença à sustentação da ordem. Tese de doutorado, PPGH/UFF. Niterói, 2008. Cap. 1.

86 Francisco de Oliveira. Crítica à razão dualista/O ornitorrinco. Boitempo. São Paulo, 2003. P. 148

87 Mauro Iasi. As metamorfoses... Op. Cit.

88 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit. P. 62.

89 Conferir Göran Therborn. Depois da dialética: teoria social radical em um mundo pós-comunista. Em. Margem Esquerda, n° 10. Boitempo. São Paulo, 2007. P. 109-127; Emir Sader. A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana. Boitempo. São Paulo, 2009.

90 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit.

91 Cabe lembrar a propaganda com a atriz Regina Duarte afirmando que estava com medo de uma possível vitória de Lula.

92 Site oficial do PT (www.pt.org.br). Documentos e downloads. Compromisso com a mudança. São Paulo, 2002.

93 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009: de como servir aos ricos sem deixar de atender aos pobres. 2009. Disponível em www.iserassessoria.org.br/novo/produtos/biblioteca.php

94 Estes parlamentares foram a então senadora Heloísa Helena e os deputados Luciana Genro, Babá e João Fontes.

95 Luciana Genro em Felipe Demier (coordenador). As transformações do PT e os rumos da esquerda no Brasil. Bom texto. Rio de Janeiro, 2003. P. 42.

96 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit. P. 188.

97 Essas ações estavam no âmbito da reforma agrária, fortalecimento da agricultura familiar, abastecimento de água no semi-árido, ampliação do acesso e qualidade da educação, programa de geração de emprego e programa de atenção básica à saúde. Cf. http://www.fomezero.gov.br/programas-e-acoes

98 Os referidos programas são: Bolsa Escola, Auxílio Gás e Cartão Alimentação.

99 Maurício de S. Sabadini. A política econômica do governo Lula: reformismo e submissão ao capital financeiro. s/d. P. 7. Disponível em http://www.ucm.es/info/ec/jec10/ponencias/714Sabadini.pdf

100 Divisão orçamentária apresentada no documento CPI da Dívida Pública (2010), elaborado pela Coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida.

101 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit.

102 A dívida pública, no entanto, continuou alta. No final de 2x009, a dívida externa estava em US$ 282 bilhões, e a interna em R$ 2,04 trilhões. Fonte: documento CPI da Dívida Pública, organizado pela Coordenação da Auditoria Cidadã da Dívida.

103 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit

104 Ibidem. P. 30.

105 Ibidem. P. 31.

106 Dilma Rousseff foi lançada pelo PT, nas eleições de 2010, como a candidata à sucessão de Lula, tendo ganhado a disputa no segundo turno, quando seu adversário foi José Serra, do PSDB.

107 Consultar http://www.dieese.org.br/rel/rac/salminMenu09-05.xml Acesso em novembro de 2010.

108 Citado por Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit. P. 20.

109 Consultar http://www.mte.gov.br/PDET/arquivos_download/rais/resultado_2009.pdf Acesso em novembro de 2010.

110 Citado por Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit. P. 24.

111 Cf. Programas de Governo, disponíveis em www.pt.org.br e www.fpabramo.org.br Acesso em julho de 2010.

112 Marcelo Badaró Mattos em Felipe Demier (coordenador). As transformações do PT... Op. Cit.

113 Gilberto Felisberto Vasconcelos. A disputa dos iguais e o desenvolvimentismo. Em. Caros Amigos, n.50. Casa Amarela. São Paulo, 2010. P. 18 s.

114 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit. P. 14.

115 Ibidem. P. 18.

116 Kátia Lima. Reuni e banco de professor-equivalente: a contra-reforma da educação superior nas universidades federais brasileiras. Em. Revista Classe. Niterói, 2008. P. 16-21.

117 O deputado Roberto Jefferson, do PTB, estava sendo acusado de participar de corrupção nas empresas de Correios e Telégrafos. Para desviar o foco das acusações contra ele, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o parlamentar insinuou a existência de um esquema de corrupção no qual o PT daria um suborno mensal – por isso "mensalão" – no valor de R$ 30 mil a deputados da base aliada, para que estes apoiassem seus projetos. Alguns dias mais tarde, em nova entrevista, Jefferson contou detalhes sobre o esquema e nomeou seus principais agenciadores. Este foi um prato cheio para a mídia. Assim também foi para o PSDB e PFL, principais opositores do PT. Os integrantes destes partidos aproveitaram o escândalo de todas as formas, e chegaram a falar em impeachment de Lula. Ressaltamos que PFL é o antigo nome do DEM.

118 União Nacional dos Estudantes.

119 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit. P. 18.

120 Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit.

121 Conforme Garcia (2008), em 2002, os dois principais candidatos, Lula e Serra, receberam valores muito aproximados em doações de empresas, com uma pequena vantagem para o tucano, com aproximadamente R$ 7 milhões a mais. Já em 2006, isso se inverteu e Lula recebeu por volta de R$ 15 milhões a mais do que o candidato do PSBD, que dessa vez era Geraldo Alckmin.

122 Citado por Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit. P. 86.

123 Filgueiras e Gonçalves citados por Cyro Garcia. Partido dos Trabalhadores: da ruptura com a lógica da diferença... Op. Cit. P. 82

124 http://www.brasil.gov.br/pac/ Acesso em junho de 2009.

125 Ivo Lesbaupin. Uma análise do governo Lula 2003-2009... Op. Cit. P. 17.

116 O que foi comprovado no episódio da hidrelétrica de Belo Monte.

127 Rodrigo Castelo. O social-liberalismo: a ideologia neoliberal para a "questão social" no século XXI. Tese de doutorado, PPGSS/UFRJ. Rio de Janeiro, 2011. P. 353.

128 Eurelino Coelho. Uma esquerda para o capital... Op. Cit.


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