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Revista de Relaciones Internacionales, Estrategia y Seguridad

Print version ISSN 1909-3063

rev.relac.int.estrateg.segur. vol.10 no.2 Bogotá July/Dec. 2015

 

ARTÍCULO DE INVESTIGACIÓN

O IRÃO FACE À ÁSIA CENTRAL: UM BALANÇO GEOESTRATÉGICO*

IRAN VIS-À-VIS CENTRAL ASIA: A GEOSTRATEGIC ASSESSMENT

IRÁN ENFRENTA A ASIA CENTRAL: UN BALANCE GEOESTRATÉGICO

Paulo Duarte**

* This article results from a research funded by Calouste Gulbenkian Foundation and was written under the framework of the author's PhD thesis.
** PhD Student/Research at Université Catholique de Louvain, Belgium. Researcher at Instituto do Oriente, Portugal and author of several articles on Central Asia and Chinese Studies. E-mail: duartebrardo@gmail.com, paulo.duarte@student-uclouvain.be.

Referencia: Duarte, P. (2015). O Irão face à Ásia Central: Um balanço geoestratégico. Revista de Relaciones Internacionales, Estrategia y Seguridad, 10(2), pp. 179-195.

Recibido: 20 de marzo de 2015
Evaluado: 30 de marzo de 2015
Aceptado: 5 de mayo de 2015


RESUMO

O presente artigo visa contribuir para aumentar o conhecimento acerca de uma região remota, mas de extraordinária importância no contexto geopolítico atual -a Ásia Central- fruto da sua posição estratégica enquanto elo entre Oriente e Ocidente, espaço de competição entre as grandes potências. O argumento central é o de que o Irão demonstra um interesse fundamentalmente económico (a busca de recursos energéticos) relativamente à região, perseguindo uma política predominantemente realista em face de esta. Em alternativa à observação participante e não participante, privilegiou-se a entrevista semiestruturada. O trabalho de campo baseou-se em entrevistas conduzidas predominantemente na Ásia Central. O método qualitativo -através da análise hermenêutica- é a metodologia na qual se alicerça a presente investigação. Como recomendação estratégica, sugerimos que o Irão se inspire na política chinesa face à Ásia Central, que tem demonstrado uma vigor notável nos últimos anos, de forma a projetar o seu poder na esfera regional e a mitigar os efeitos da estratégia (fundamentalmente) isolacionista de Washington relativamente à região.

Palavras-chave: Ásia Central, Geoestrategia, Irão, Realismo.


ABSTRACT

This paper aims to contribute to increase knowledge about a remote region of the world, but of utmost importance in the geopolitical context of today - Central Asia - as a result of its strategic position as a link between East and West, a space of competition of the great powers. The central argument is that Iran demonstrates a predominantly economic interest (the search for energy resources) towards the region, pursuing fundamentally realistic-driven policies with regard to it. Alternatively to the participant and non-participant observation, we resorted to the semistructured interview. The field research was done through interviews conducted predominantly in Central Asia. The qualitative method, through the hermeneutic analysis, is the methodology supporting this investigation. We suggest that Iran inspires itself on the Chinese policy towards Central Asia, which has shown remarkable vigour in recent years in order to to project its power in the regional sphere and to mitigate the effects of Washington's (essentially) isolationist policy about it.

Keywords: Central Asia, Geostrategic, Iran, Realism


RESUMEN

En este trabajo se pretende hacer una contribución para aumentar el conocimiento sobre una región remota del mundo, pero que es de suma importancia en el contexto geopolítico actual en virtud de su posición estratégica como nexo entre Oriente y Occidente - Asia Central - siendo éste un espacio de competencia para las grandes potencias. El argumento central es que Irán demuestra un interés predominantemente económico (la búsqueda de recursos energéticos) vis-a-vis de la región, persiguiendo políticas fundamentalmente realistas con respecto a la misma. Como alternativa a la observación participante y no participante, se recurrió a la entrevista semiestructurada. La investigación de campo se llevó a cabo a través de entrevistas realizadas en su mayor parte en Asia Central. La metodología de apoyo a esta investigación es el método cualitativo, a través del análisis hermenéutico. Sugerimos que Irán se inspira en la política de China hacia Asia Central, la cual ha demostrado un notable vigor en los últimos años con el fin de proyectar su poder en el ámbito regional y mitigar los efectos de la política (esencialmente) aislacionista de Washington al respecto.

Palabras clave: Asia Central, Geoestrategia, Irán, Realismo.


INTRODUÇÃO

Várias correntes geopolíticas destacam a proeminência da Ásia Central no quadro da geoestratégia e economia mundiais. Autores, como H. Mackinder (2004) ou Brzezinski (1998) salientaram a importância do 'Heartland' (Balcãs Euroasiáticos), enquanto 'eixo do mundo' e espaço geopolítico que confere poder e influência à potência que dele se apropriar.

Nos últimos anos, principalmente devido às descobertas de importantes reservas energéticas na região e aos desenvolvimentos ligados à segurança mundial e regional, várias correntes de pensamento, têm reforçado os pressupostos de Mackinder e Brzezinski. O próprio debate acerca do conceito de segurança, que emergiu no Pós-Guerra Fria veio conferir outras dimensões -ultrapassando a visão estato-cêntrica e anárquica do sistema internacional (defendida por autores como Morgenthau, 1978)- à ideia de segurança. Efetivamente, a corrente realista, para a qual a segurança aparecia inseparavelmente ligada à posse e uso das capacidades militares, poder e interesses dos atores estatais, cede progressivamente. Os estudos sobre a segurança, nos anos 90, vieram convertê-la num conceito global. Barry Buzan destacou-se nessa corrente que reivindicava uma dimensão mais ampla para o conceito de segurança. Este seria composto, doravante, por uma vertente militar, política, económica (compreendendo a segurança energética) e ambiental (Buzan, 1991). Estava aberto o caminho à securitização do fenómeno energético. Para especialistas como Daniel Yergin (2006) falar em segurança energética pressupunha assegurar uma oferta de energia estável, a preços razoáveis. Outras definições do conceito seriam elaboradas posteriormente, refletindo quer a evolução das várias correntes teóricas, quer os interesses de produtores e consumidores energéticos. Apesar das múltiplas interpretações do conceito por parte das diferentes correntes teóricas, todas elas convergem quanto ao pressuposto fundamental de que um país deve ter acesso aos seus recursos energéticos de forma permanente, correndo um risco mínimo de que estes se esgotem (Worley, 2006). Ora, ao percorrermos a literatura existente verificamos que a Ásia Central constitui uma alternativa importante na diversificação energética russa ou europeia.

Vários autores argumentam que a riqueza energética da Ásia Central transformou a região numa encruzilhada de tensão entre Estados, de competição entre empresas e atores regionais (Edwards, 2003). Consequentemente, as grandes potências e multinacionais querem estar presentes nesta corrida à energia. O acesso às reservas petrolíferas, a rota dos oleodutos e o debate sobre quem deve construí-los inserem-se nas premissas daquilo a que alguns especialistas chamam 'Novo Grande Jogo', ou, antes, o 'regresso do Grande Jogo' (Freire, 2010). Este comporta também uma lógica de defesa e segurança militar, e não apenas de competição energética, reforçando o interesse da Ásia Central para as potências regionais e extra-regionais.

Uma breve reflexão acerca do realismo. O realismo pode ser concebido como a teoria política do nacionalismo económico: a ideia central é que atividades económicas governamentais devem permanecer subordinadas ao objetivo de construção do Estado (Siitonen, 1990). Baseado em tais postulados, o paradigma realista dominou consideravelmente os debates e a pesquisa em Relações Internacionais, na pós-Guerra, nos Estados Unidos e na Europa. Na perspetiva realista, a sociedade internacional encontra-se, fundamentalmente, num "estado de anarquia" hobbesiano, movida pela "busca de poder" (Siitonen, 1990). De facto, "o realismo político carateriza uma sociedade internacional essencialmente anárquica, na qual os atores subsistem através da gestão possível de um inevitável 'estado de natureza'" (Santos, 2007). De acordo com Stephen Blank, "os atores agem de acordo com os velhos postulados do realismo e da realpolitik" (1999, p.150). Por outro lado, muitas das medidas que eles tomam, e que visam aumentar a sua influência política, inscrevem-se na própria lógica da economia de mercado. As escolas realista e neorrealista, admitem, portanto, que "a sobrevivência do Estado nacional constitui a finalidade última da governação desenvolvida pelo aparelho do poder...Todas as políticas, são definidas como uma 'luta pelo poder" (Santos, 2007, p. 242). Neste sentido, o poder:

    é concetualizado como um meio e um fim em si mesmo, e o seu significado geral é o da capacidade para influenciar ou alterar o comportamento de outros numa direção desejada, ou alternativamente, a capacidade de resistir a tais influências sobre os comportamentos próprios. (Santos, 2007, p.242)

Após a introdução dos postulados realistas, bem como da importância geopolítica da Ásia Central, passaremos agora a desenvolver o nosso argumento central, isto é, que o Irão demonstra um interesse fundamentalmente económico (a busca de recursos energéticos) na região, seguindo políticas que são predominantemente realistas a este respeito. Em alternativa à observação participante e não participante, técnicas de difícil aplicação ao presente objeto de estudo, recorreu-se à entrevista semiestruturada. A pesquisa de campo foi efetuada, através de entrevistas realizadas não só em Portugal, mas também, e fundamentalmente, na Ásia Central a figuras-chave no âmbito da problemática estudada. No âmbito da investigação subjacente à presente dissertação foram efetuadas duas deslocações à Ásia Central, uma de 3 a 11 de setembro de 2011 ao Cazaquistão, a convite da Diretora do Suleimenov Institute, em Almaty, e a segunda deslocação de 28 de setembro a 18 de outubro de 2012 a dois outros países, além do Cazaquistão: Quirguistão e Tajiquistão (entre as principais cidades visitadas destaquemos Almaty, Bishkek, Naryn, Osh, Dushanbe). Optou-se por recorrer as especialistas de organizações não governamentais presentes no terreno, bem como ao staff de várias embaixadas nas repúblicas centro-asiáticas, entre outros. Em outros casos, os entrevistados eram da república centro-asiática em questão. Alguns entrevistados solicitaram o anonimato ou, em alguns casos, pediram para ser referidos enquanto especialistas locais (ligados à diplomacia norte-americana no Cazaquistão e no Quirguistão).

Convictos de que o comportamento dos Estados, o poder ou a influência não são suscetíveis de se traduzir em realidades tangíveis, fórmulas matemáticas, ou meras estatísticas, assumimos, desde já, que o recurso ao método qualitativo, através da análise hermenêutica, é, indiscutivelmente, a metodologia em que assenta a presente investigação. Neste sentido, é imperativo penetrar na esfera da subjetividade, isto é, da compreensão da causalidade inerente à ação dos diversos atores, que nos chega através da análise de toda uma panóplia de artigos científicos, monografias, teses, entre outras fontes disponíveis face à temática em estudo, de forma a procurar entender o que leva determinado ator (como é o caso do Irão) a agir desta ou daquela maneira. Ao indagar a compreensão do sentido dos factos e da causalidade que move os vários atores (neste caso, o comportamento das potências na esfera centro-asiática), a análise qualitativa aproxima-se, particularmente, do âmbito da hermenêutica, da compreensão, de que nos fala Dilthey na célebre máxima: "Explicamos a natureza, compreendemos a vida do espírito" (1894, p.149).

Como recomendação final, sugere-se, no caso específico do Irão, que o país se inspire na política chinesa face à Ásia Central, que tem feito prova de um vigor notável nos últimos anos, no sentido de projetar o seu poder na esfera regional e de mitigar os efeitos das políticas (essencialmente) isolacionistas de Washington face a Teerã.

A planificação das duas deslocações à Ásia Central envolveu uma pesquisa exaustiva e morosa de universidades, especialistas, diplomatas, docentes, Organizações Não Governamentais, tendo a Rede Aga Khan, entre muitos outros atores, fornecido um apoio considerável, não só ao nível da seleção de especialistas locais, como na facilitação de entrevistas à distância, por via telefónica, bem como ainda na visita aos vários polos da University of Central Asia (no Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão). Às dificuldades inerentes à seleção e contato prévio com entidades e especialistas locais, acresce a barreira linguística, a obtenção de vistos e a ausência de embaixada de Portugal em cada uma das Repúblicas centro-asiáticas, devendo sempre ter de recorrer a embaixadas em países terceiros, para tratar da burocracia caraterística de países como o Cazaquistão, que requer cartas de convite, entre outros procedimentos. Outra dificuldade prende-se com a própria natureza autoritária das Repúblicas centro-asiáticas, que faz com que a deslocação de um investigador a estes países suscite eventuais suspeitas por parte das autoridades locais, as quais se negam, frequentemente, a emitir vistos de estadia. Embora não tenhamos experienciado problemas a este respeito nos países que visitámos (Cazaquistão, Quirguistão e Tajiquistão), o caso do Uzbequistão é flagrante.

Outra dificuldade prende-se com a recolha de material fotográfico em alguns destes países, como foi possível comprovar em Dushanbe (o mesmo não verificámos no caso de Almaty, Bishkek, Osh ou Naryn, onde a polícia não colocou qualquer restrição ao ato de fotografar).

Um investigador depara-se, por conseguinte, com vários riscos neste tipo de países (já que o regime é praticamente omnipresente na vida dos cidadãos e instituições), sendo que o mesmo tem de investir, por conseguinte, um tempo bastante considerável na preparação das suas deslocações para evitar, ou, pelo menos, reduzir a possibilidade de que algo corra menos bem (porém, não conseguimos, para focar outro exemplo, evitar ser retidos, a cerca de cinco mil metros de altitude, pelos guardas fronteiriços no Tajiquistão que, ao nos vedarem a entrada no seu país, acabou, ainda que indiretamente, por fazer com que tivéssemos de pensar num 'plano B', que consistiu em viajarmos até à ponta oposta do Quirguistão para tentarmos atravessar aí a fronteira para o Tajiquistão -desta vez, bem-sucedidos-. Outra dificuldade inerente à recolha da informação, já não tanto ligada às restrições ou ao autoritarismo, tem que ver com uma outra ordenação do território -diferente do caso europeu, por exemplo-, que explica que para nós, ocidentais, tivesse sido muito complexo, em vários casos, encontrar as moradas previamente fornecidas pelos entrevistados.

A juntar a todos estes aspetos, julgo ainda ser pertinente mencionar as várias desistências de entrevistados - praticamente confirmados - a poucas semanas da partida para a Ásia Central, o que levou a um repensar de estratégias e a uma nova procura de especialistas a entrevistar, (Na maior parte dos casos, sobretudo no que respeita ao Quirguistão e, mais ainda, ao Tajiquistão), os websites afetos às universidades e institutos locais ora não ofereciam qualquer versão dos seus conteúdos na língua inglesa, ora se encontravam, pura e simplesmente, em manutenção, ou não mais disponíveis. Todos estes aspetos podem, eventualmente, sejam reveladores de outra visão do mundo e do território, onde o desaparecimento do Estado soviético, causador, frequentemente, de certa nostalgia nas gerações mais velhas, acabou por dar lugar a um rol de líderes autoritários, que descuraram o ordenamento do território e o bem-estar da população, em detrimento dos seus próprios interesses pessoais, nos quais o fator petróleo e/ou gás natural veio muitas vezes, trazer um 'falso desenvolvimento', que beneficia elites e certos grupos económicos.

A ÁSIA CENTRAL

Caraterização da região

No contexto do novo atlas energético, a Ásia Central situa-se numa região estratégica, com fortes vínculos às regiões vizinhas. O seu desenvolvimento depende, antes de mais, dos acessos ao resto do mundo. A Ásia Central é uma parte importante do sistema político e económico mundial, sendo "rodeada por algumas das economias mais dinâmicas do mundo, entre as quais, três dos chamados BRIC (Rússia, Índia e China)" (Central Asia Competitiveness Outlook, 2011, p. 10). Como sublinha Armando Marques Guedes, "a Ásia Central é, de algum modo, uma zona charneira [a qual tem vindo] a reganhar, indubitavelmente, importância conjuntural estrutural extraordinária" (A, Marques, entrevista pessoal, 2011). De acordo com este especialista, "se houve três grandes marcas do século XXI, conflitos que tiveram impacto efetivo na reconstrução e criação de uma nova ordem internacional, estes foram o do Afeganistão, o do Iraque e a invasão da Geórgia pela Federação Russa" (A, Marques, entrevista pessoal, 2011). Curiosamente, segundo o autor, "estes três conflitos ocorreram na Ásia Central" (A, Marques, entrevista pessoal, 2011). De notar ainda que se há "um conflito que a humanidade receia atualmente [este envolve o Irão, que não é mais que] a extensão sul da Ásia Central" (A, Marques, entrevista pessoal 2011). Durante séculos, a Ásia Central tem sido o cruzamento da Eurásia, ou, como observa Jack Caravelli (Entrevista, Pessoal, 2011), "a interseção entre o Oriente e o Ocidente", o que torna, segundo este autor, a região "interessante". Efetivamente, ela é o ponto de confluência de quatro civilizações que têm, simultaneamente, controlados e sido controladas pelos povos centro-asiáticos (Asimov & Bosworth, 1998). Por outro lado, "as civilizações que dominam a região têm sido capazes de exercer a sua influência em outras partes do mundo" (Xu, 1999, p.33).

A Ásia Central é uma das regiões-pivô do mundo. Está localizada no núcleo do espaço eurasiático continental e constitui uma ligação crucial entre várias economias robustas e dinâmicas, como as da China, União Europeia, Índia, Japão e Rússia (Central Asia Competitiveness Outlook, 2011). Segundo Khwaja, "a Ásia Central deve a sua importância ao vasto potencial económico e localização geoestratégica de que é dotada, tendo vindo a converter-se, progressivamente, num centro económico mundial" (2003, p.7). As Repúblicas centro-asiáticas, com o seu considerável potencial energético e humano são, como refere Johannes Linn, confrontados, simultaneamente, com "um desafio e uma oportunidade [na medida em que] o espaço económico eurasiático é parte ativa de uma nova fase de integração global" (2007, p.5). Na verdade, a Ásia Central é "a região onde os efeitos da geopolítica e da competição entre as grandes potências mais se têm feito notar, comparativamente a qualquer outra parte do mundo" (Xuetang, 2006,p.117). Efetivamente, segundo Xuetang, "os conflitos étnicos e religiosos, a competição energética, o posicionamento estratégico dos vários atores e a agitação política na região, têm-se revelado uma caraterística recorrente no contexto regional centro-asiático" (2006, pp.117,118). Como tal, é, dificilmente, concebível que qualquer estudo energético acerca da região possa limitar-se a discutir unicamente a relação oferta-procura de recursos energéticos na Ásia Central. Importa, por conseguinte, que este mencione, também, os aspetos geopolíticos e geoeconómicos.

A estrutura económica da Ásia Central, assim como as suas caraterísticas políticas, são bastante marcadas pela sua localização geográfica, mais concretamente, "pelo difícil acesso a outras partes do mundo" (Duarte, 2012, p.3). Por outro lado, "a sobrevivência das Repúblicas centroasiáticas depende, essencialmente, da manutenção de vários corredores e elos incontornáveis" (Xu, 1999, p.36). De facto, estes corredores são tão ou mais importantes que o potencial energético da região, na medida em que se expandem em todas as direções, ligando a China, a Rússia, a Europa, a região do Cáucaso e do Transcáspio, e o Oceano Índico (Duarte, 2012). De acordo com Armando M. Guedes (2011):

    a Ásia Central é um corredor entre o Ocidente e a China, que percorre o Grande Médio Oriente e a soft belly da ex-URSS - um espaço ao qual a Federação Russa designa de estrangeiro próximo horizontal, a sul (por oposição ao estrangeiro próximo vertical, que começa nos países Bálticos e termina na Ucrânia, na Geórgia e no Azerbaijão).

Portanto, segundo este especialista,

    a Ásia Central possui uma ligação umbilical à China, num extremo, e, no outro, ao Ocidente; no norte, uma ligação à Rússia (primeiro ao império russo, depois à União Soviética, e atualmente, à Federação Russa); e a sul, ligações múltiplas a zonas tão turbulentas e díspares entre si, como a Índia, o Afeganistão, o Paquistão e a Turquia (primeiro à Turquia enquanto Império Otomano, e, depois, como Estado turco. (Guedes, 2011)

Do ponto de vista político, como refere Doris Bradbury1 (Entrevista pessoal, 2011) note, "a Ásia Central é uma região mais estável que o Afeganistão, o Irão, o Médio Oriente, em geral". Ela forma "uma zona intermédia entre as grandes potências, ainda que a Rússia mantenha relações especiais com os países da região" (Huasheng, 2009, p.479). Desde o início do século XXI que a competição entre as grandes potências, em torno dos recursos energéticos se intensificou, contribuindo para uma rápida subida dos preços da energia, e para que o debate da segurança energética ganhasse novos contornos. Neste contexto, e em resultado das suas reservas energéticas, "a Ásia Central tem vindo a revelar-se um espaço de competição e rivalidade entre as grandes potências" (regionais e extrarregionais), o que afeta a relação entre estas, assim como a balança de poder, influenciando, desta forma, a "estrutura internacional" que emergiu no "pós-Guerra Fria" (Duarte, 2012, p.5). A geopolítica fornece, naturalmente, uma explicação para tal facto, na medida em que é, "em grande parte, determinada pelas dimensões de uma região" (Huasheng, 2009, p.480). Na verdade, "as grandes potências necessitam de adquirir uma ampla massa terrestre para exercerem influência no xadrez internacional" (Huasheng, 2009, p.480).

A IMPORTÂNCIA GEOPOLÍTICA E GEOSTRATÉGICA DA REGIÃO

Vários autores não hesitam em atribuir à Ásia Central uma "posição de destaque no contexto de uma nova ordem mundial" (Xu, 1999, p.33). Se observarmos a história do petróleo, "a ambição genérica, desde a década de 70, desde os grandes choques petrolíferos [por parte dos vários países consumidores], tem consistido em depender menos do Golfo Pérsico, por ser uma área altamente volátil" (P, Fonseca2, entrevista pessoal, 2011). De facto, como refere Richard L. Ottinger, "grande parte das reservas de petróleo remanescentes no mundo, localizam-se em países instáveis do Médio Oriente, e distantes das zonas de consumo [o que levanta] preocupações sobre a segurança dos abastecimentos petrolíferos" (2007, p.3). Não obstante, note-se que "a ambição de descobrir 'outro Golfo Pérsico' nunca se concretizou e, provavelmente, nunca se irá realizar [já que] dificilmente, outras regiões do mundo terão a mesma capacidade de reservas que o Médio Oriente" (P, Fonseca, entrevista pessoal, 2011).

No entanto, "na conjuntura atual, altamente competitiva ao nível do controlo dos recursos energéticos, a Ásia Central e, sobretudo, a região do Cáspio, assumem uma importância estratégica fundamental no mercado mundial [num contexto de] tentativa de diversificação das fontes energéticas" (P, Fonseca, entrevista pessoal, 2011).

Ao recordar-se a História, não muito distante, é possível constatar que o "Mar do Norte, ou a África Ocidental", regiões que acabam por servir de "contrapeso à preponderância do Golfo Pérsico e do Médio Oriente na produção mundial de petróleo" (P, Fonseca, entrevista pessoal, 2011), já haviam sido, também elas, alvo de interesse por parte das potências consumidoras. Contudo, segundo Fonseca, se "os recursos energéticos do Mar do Norte" se revelaram "uma opção atrativa no período que se seguiu aos choques petrolíferos" (P, Fonseca, entrevista pessoal, 2011), hoje em dia é fundamental encontrar-se alternativas capazes de compensar uma produção que tem vindo a cair, "sobretudo no Reino Unido e na Noruega". A título de exemplo, um relatório da Agência Internacional de Energia, de 2008, sobre as 800 principais reservas petrolíferas mundiais, indica uma taxa média anual de esgotamento de 5.1%, com tendência a aumentar para 8.6% por volta do ano 2030, sendo que as maiores quedas na produção de petróleo, entre 2000 e 2008, foram registadas nos casos do México, China, Noruega, Austrália e Reino Unido (World Energy Outlook, 2008). No que concerne ao Mar do Norte, por exemplo, "a produção desceu de 6.4 mbd3, no ano de 2000, para menos de 2.1 mbd no ano de 2005" (Luft & Korin, 2009, p.2). Tendo em conta este cenário, a Ásia Central assume, por conseguinte, "um papel de extrema importância na diversificação das fontes energéticas" (P, Fonseca, entrevista pessoal, 2011).

De acordo com Guedes (entrevista pessoal, 2011), "não é óbvio que a Ásia Central seja um espaço (na aceção atribuída pelas Relações Internacionais ao conceito de região)", dotada de "uma especificidade própria, uma coesão interna e um distinguo relativamente ao exterior", que permita que lhe chamemos 'região'. Tal deve-se ao facto de, segundo o especialista, "uma grande parte da regionalidade da dita Ásia Central, cujos contornos são fluidos [lhe ser] outorgada pelo exterior, definida pela negativa" (Guedes, entrevista pessoal, 2011). A Ásia Central é, para este autor, "uma região de geometria variável, situada entre a Rússia, a Índia, a China, o mundo islâmico e o Ocidente", e que corresponde, de certa forma, à "antiga Rota da Seda" (Guedes, entrevista pessoal, 2011). Ou seja, a Ásia Central não é, do ponto de vista analítico, mais do que uma "etiqueta", ela "não é um conceito" (Guedes, entrevista pessoal, 2011).

No entendimento do cônsul Fernando Melo Antunes existem três razões fundamentais que explicam "a importância da Ásia Central para as grandes potências". Em primeiro lugar, "[a região] possui recursos energéticos, em quantidades assinaláveis, tanto em petróleo, como em gás natural" (F, Melo, entrevista pessoal, 2012). A este respeito, Zehra Akbar afirma que "os Estados regionais e transregionais estão bem cientes da importância do potencial energético da Ásia Central" (2012, p.14). A região está, de facto, prestes a tornarse "um grande fornecedor mundial de energia [em particular] nos setores do petróleo e do gás natural" (Akbar, 2012, p.14). Voltando a Fernando M. Antunes (entrevista pessoal, 2012), o segundo motivo de importância da região para as grandes potências, deve-se ao facto de os seus vizinhos, "nomeadamente a China, a Rússia, o Cáucaso e a Europa", se depararem com "problemas de transporte" (entenda-se de caráter logístico), suscetíveis de ser resolvidos e/ou mitigados pelos "países da Ásia Central". Por fim, a região é importante, uma vez que é composta por países que, tendo conquistado a independência há cerca de 20 anos, "apresentam um potencial de crescimento económico bastante significativo" (Melo, F. Entrevista pessoal, 2012). Mencione-se, a este respeito, que com uma população de 92 milhões de pessoas e abundantes recursos energéticos, a Ásia Central é um destino atrativo em matéria de investimento e comércio (Central Asia Competitiveness Outlook, 2011). De 2000 a 2009, "os fluxos de investimento direto na região aumentaram nove vezes", enquanto o seu produto interno bruto cresceu, em média, "8,2% ao ano" (Akbar, 2012, p.13). Com efeito, "em resultado do crescimento dos mercados [centro-asiáticos], do reforço do potencial para o comércio de produtos agrícolas, e [da existência de] um setor de serviços propício à exploração, as Repúblicas centro-asiáticas podem ser elos de comércio vitais entre a Europa e a Ásia" (Akbar, 2012, p.14).

OS OBJETIVOS DO IRÃO À ÁSIA CENTRAL

Para Almaz Saifutdinov4 (entrevista pessoal, 2012), "o Novo Grande Jogo é, essencialmente, jogado pelos Estados Unidos, Rússia, China e Irão". De acordo com Farrukh Suvankulov & Yunus Guc, "por razões históricas, o Irão tem-se considerado, desde há muito, a porta para a Ásia Central" (2012, p.27). Devido à ocupação russa e, depois, à expansão soviética no século XX, os laços entre o Irão e a região diminuíram consideravelmente de intensidade (Suvankulov & Guc, 2012, p.27). Porém, nos últimos 15 anos, "o país tem procurado estimular as relações económicas e políticas com as Repúblicas centro-asiáticas" (Suvankulov & Guc, 2012, p.27). O foco dos esforços tem sido nas áreas em que o Irão compartilha um património histórico, cultural e linguístico (Tajiquistão e certos oblasts do Uzbequistão). Teerã tem apoiado, oficialmente, o intercâmbio cultural, educacional e religioso com o Tajiquistão.

Segundo Zehra Akbar:

    com a queda da União Soviética, o paradigma da política externa iraniana foi alvo de alterações significativas [no âmbito das quais] os decisores políticos passariam a ter de lidar com um conjunto de diferentes Estados independentes cujos objetivos podiam ou não estar alinhados com os interesses iranianos na região. (2012, p.7)

Uma vez que grande parte da região havia, outrora, integrado o Império Persa, o colapso da URSS proporcionou ao Irão uma oportunidade extraordinária para explorar, não só a ligação cultural com o que, por vezes, é denominado 'Ásia Média', mas também para utilizar a sua posição geoestratégica para manobrar a dinâmica desta região, e contrabalançar a influência de nações competidoras, tais como a Rússia e a China, e de países e organizações entendidos como ameaças diretas à segurança e soberania do Irão, tais como os Estados Unidos e a OTAN (Akbar, 2012). Além disso, Teerã considera ser vantajoso neutralizar a influência exercida pela Turquia (considerada um 'lacaio' do Ocidente) e pelo Paquistão (um adversário tradicional do Irão) na Ásia Central.

À exceção das restantes Repúblicas centro-asiáticas, Tajiquistão e Irão comungam de raízes culturais, históricas e linguísticas comuns. Como refere Monica Witt, "os tajiques possuem um bom relacionamento com os iranianos, em grande parte devido a cerca de 2500 anos marcados por uma história comum" (2012, p.4). Ambos falam a mesma língua, embora os alfabetos difiram (Witt, 2012). A cultura, cinema e meios de comunicação iranianos são bastante populares no Tajiquistão (Witt, 2012). O "Norooz, ou celebração do Ano Novo iraniano", é outra característica cultural partilhada por ambos os países (Witt, 2012). O problema no relacionamento entre o Irão e o Tajiquistão é que, "embora ambos possuam a mesma língua, cultura e tradições, eles são bastante diferentes no que respeita à religião: os tajiques são, na sua grande maioria, sunitas, enquanto os iranianos, fundamentalmente, xiitas" (Saifutdinov, 2012). Almaz Saifutdinov (2012) explica que não existe um ambiente propício ao florescimento do Islão xiita no Tajiquistão. No entendimento de um especialista5 local (que solicitou o anonimato), "os quirguizes, os cazaques e os uzbeques não concebem a antiga Pérsia como uma fonte de civilização cultural; os tajiques e os turquemenos também não" (entrevista pessoal, 2012). Por conseguinte, por muito que os iranianos se esforcem, não conseguirão ser um jogador (muito) influente na região. Zehra Akbar comunga deste ponto de vista, apresentando os seguintes argumentos:

    a rejeição, por parte das Repúblicas centro-asiáticas, do modelo económico iraniano, e a preferência, ao invés, por modelos ocidentais de desenvolvimento; a aversão das Repúblicas centro-asiáticas ao surgimento de 'guias' e 'mentores' na região, no período que se seguiu à sua independência face à Rússia, e as tentativas que se sucederam em impedir um regresso a uma situação de dominação russa; e a incapacidade financeira do Irão para aproveitar o seu potencial estratégico na região (2012, p.8).

Outro aspeto importante é que "o Irão está, atualmente, sob uma intensa pressão por parte dos Estados Unidos, [e em sentido lato] por parte da Comunidade Internacional, por causa do seu programa nuclear", sendo que o autor estima que "[os iranianos] não dispõem de tantas ferramentas [económicas] para operar no Tajiquistão como outros jogadores envolvidos no país" (Saifutdinov, 2012). Além do envolvimento na "construção de túneis e centrais hidroelétricas no Tajiquistão", é de mencionar que "Teerã presta auxílio humanitário aos tajiques, através, por exemplo, da Fundação Khomeini" (Saifutdinov, 2012). De acordo com o Iran Daily Brief, "desde que está presente no Tajiquistão, a Fundação Khomeini tem auxiliado dezenas de milhares de famílias pobres por meio do fornecimento regular de serviços e produtos" (2013). Além disso, "a Fundação prestou uma assistência inicial a 5000 casais jovens, e instituiu ações de formação em várias áreas técnicas, forneceu medicamentos a milhares de famílias carenciadas, bem como assistência a mais de 170 000 estudantes com necessidades" (Iran Daily Brief, 2013).

No que diz respeito à cooperação económica, "o Irão tem procurado expandir a infraestrutura de transporte na região, com o objetivo de controlar o trânsito de mercadorias de e para esta" (Suvankulov & Guc, 2012, p.27). Por outro lado, "o Irão patrocinou o corredor Sarakhs- Bandar Abbas, que liga o Turquemenistao e outras Repúblicas centro-asiáticas às vias marítimas internacionais mais próximas" (Suvankulov & Guc, 2012, p.27). Os iranianos construíram o Túnel de Anzab no Tajiquistão. Além disso, em 2009, os Presidentes Ahmadinejad, Karzai e Rakhmon acordaram a construção de uma nova estrada entre o Irão e o Tajiquistão, através do norte do Afeganistão (Suvankulov & Guc, 2012). Acrescente-se que o Irão pretende participar numa série de projetos de exploração de petróleo e gás natural no Cáspio. Teerã estabeleceu "várias de zonas de livre comércio perto das fronteiras com a Ásia Central, das quais se destacam Sarakhs e Bandar Anzali, por serem as maiores" (Suvankulov & Guc, 2012, p.27).

Segundo Zehra Akbar, "ao longo dos últimos 15 anos, o enfoque tradicional do Irão no Golfo Pérsico tem vindo a ser gradualmente deslocalizado para as Repúblicas centro-asiáticas" (2012, p.7). Em resultado da natureza interior desta região, o Irão dispõe de um potencial económico extraordinário a oferecer às Repúblicas centro-asiáticas, através de rotas que conduzem não só ao subcontinente indiano, mas também a infraestruturas portuárias no Irão.

O Irão tem realizado incursões nas Repúblicas centro-asiáticas, privilegiando o comércio e o investimento em infraestruturas, com especial atenção para o caso do Tajiquistão, Afeganistão, Uzbequistão e Arménia. O objetivo de Teerã é o de criar uma ampla rede de laços regionais e instituições que possam servir de contrapeso à pressão geopolítica dos Estados Unidos. Em 2005, "o Irão completou um troço rodoviário, de 125 km, no valor de 43 milhões de dólares, que liga a região iraniana de Dougharoun a Herat" e anunciou que irá construir "uma viaférrea de 176 km desde o Irão a Herat" (Akbar, 2012, p.7). Em 2004, o Irão concluiu os 1000 km da via-férrea Bafq-Mashhad, que encurta em dois dias a ligação ferroviária desde a Ásia Central até ao Golfo Pérsico (Akbar, 2012). Teerã tem vindo a apostar, nos últimos anos, nas trocas comerciais com os seus vizinhos regionais, em especial, com o Turquemenistão e o Uzbequistão (Akbar, 2012).

De acordo com Clément Therme, "os especialistas iranianos destacam, com frequência, a proximidade cultural do Irão face à Ásia Central [e, portanto, tendem a conceber a região como] uma entidade cultural, económica e geopolítica" (2012, p.6). Por outro lado, eles caraterizam a política do Irão relativamente à Ásia Central como "favorecendo a autossuficiência entre os Estados regionais e a exclusão das potências extrarregionais (referindo-se aos Estados Unidos)" (Herzig, 2004, p.505,506). O Irão necessita de um mercado regional. Neste sentido, Teerã procura "desenvolver ainda mais as suas relações com as Repúblicas centro-asiáticas e com os países do Cáucaso" (Islamic Invitation Turkey, 2013). Com efeito, "a Administração do ex- Presidente Ahmadinejad dedicou, nos últimos anos, especial atenção à cooperação económica, cultural e política com o Cazaquistão, o Tajiquistão, o Turquemenistão, o Uzbequistão e o Quirguistão" (Islamic Invitation Turkey, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES ESTRATÉGICAS

Procurou-se descrever os interesses do Irão à Ásia Central como estando impregnados de certo realismo e pragmatismo. Na verdade, quisemos explicar que o desejo de reforço das relações com as cinco Repúblicas centro-asiáticas gravita essencialmente em torno de uma busca de poder e influência, cara ao realismo. Todavia, o poder é aqui entendido como um poder 'energético', mas também cultural, já que Teerã dispõe de fortes ligações históricas à região.

Sugere-se aqui que o Irão aprofunde os esforços diplomáticos que tem vindo, e bem, a desenvolver face aos Estados centro-asiáticos. Não é descabido propor, numa altura em que o Irão é alvo de sanções de vária ordem por parte da Comunidade Internacional - sendo em particular, marginalizado pelos Estados Unidos, cuja prioridade na Eurásia é a de impedir a emergência de qualquer hegemon ou pivot regional, seja ele chinês, russo (afinal a Ásia Central é o 'near abroad' da Rússia) ou iraniano - que Teerã faça da Ásia Central uma espécie de 'laboratório de soft power'. Através de investimentos, de trocas comerciais, de cooperação regional em várias matérias, o Irão pode apresentar-se como um vizinho responsável e maduro face aos países da região que, por sua vez, querem maximizar os seus interesses, sem se tornarem demasiado dependentes de nenhuma grande potência. Neste Novo Grande Jogo centro-asiático - em que o Irão, potência regional, é muitas vezes esquecido ou subestimado pelos politólogos - Teerã pode propor-se como alternativa viável, como ensina a lógica da geografia, ajudando a que os países centro-asiáticos possam facilmente aceder aos mercados internacionais, favorecendo, por exemplo, o acesso ao Índico a esses Estados ditos 'landlocked'.

Mas se Teerã poderá ser um parceiro importante para os centro-asiáticos, também a Ásia Central é fundamental para a projeção do Irão à esfera regional, assim como enquanto mercado regional para os produtos iranianos. Desenvolver as pontes terrestres e aéreas que o ligam aos seus vizinhos centro-asiáticos deve ser uma preocupação que Teerã não pode descurar. A este respeito, sugere-se que o Irão se inspire na política chinesa face à Ásia Central, que tem demonstrado uma vigor extraordinária nos últimos anos. Embora Washington disponha da sua própria versão da Nova Rota da Seda - que exclui o Irão de qualquer iniciativa, colocando, ao invés, o Afeganistão no centro da revitalização económica da antiga Rota da Seda - defendemos aqui que Teerã pode e deve cativar a atenção de Pequim para 'escapar' à marginalização de Washington. Por outras palavras, a China está a promover a sua própria versão daquilo que considera ser a Nova Rota da Seda, diferente da que é idealizada pelos Estados Unidos.

Na conceção chinesa da Nova Rota da Seda não há lugar para exclusão de países, muito menos o Irão, que Pequim considera desempenhar um papel fundamental no seio dos corredores terrestres (rodo e ferroviários) que os chineses têm vindo a construir e a financiar na região para facilitar o escoamento dos produtos chineses e, acima de tudo, para evitar mitigar as consequências de um possível bloqueio do estreito de Malaca, extremamente nefasto à segurança energética chinesa, em caso de hostilidade militar entre Pequim e Washington. Neste contexto, o Irão, mas também o Paquistão (onde a China está a investir na modernização e ampliação do porto de Gwadar) são duas peças vitais na Nova Rota da Seda chinesa.

Cabe, portanto, a Teerã saber negociar com os chineses, aproximar-se deles, para melhor tirar proveito das vantagens desta Nova Rota da Seda chinesa que, ao contrário da de Washington, não exclui ideologias, regimes ou credos... os chineses só querem fazer business. Afinal, é disso mesmo que o chamado Consenso de Pequim trata. Teerã deve propor-se como um parceiro útil e duradouro, capaz de ajudar a China, e acima de tudo, como preconiza o realismo, ajudarse a si mesmo a (so)breviver na luta realista pelo poder, num contexto em que a Comunidade Internacional o procura excluir de várias iniciativas.

Defendemos aqui que a Turquia pode e deve cooperar com Teerã, ao invés de agravar a marginalização e isolamento a que a Comunidade Internacional (e os Estados Unidos em particular) condenou o país. Note-se que após os sinais de aproximação entre Washington e Teerã, tem vindo a desenvolver-se uma nova parceria turco-iraniana. De um ponto de vista pragmático e realista, ela faz todo o sentido, quanto mais não seja porque o Irão é o terceiro maior mercado de exportação da Turquia, sendo ambas as economias altamente interdependentes, por conseguinte.

Não queremos terminar sem lançar um desafio a futuros trabalhos. Encoraja-se qui outros investigadores a explorarem melhor qual o contributo exato que o eixo Ancara-Teerã-Ásia Central-Pequim poderá proporcionar no contexto da Nova Rota da Seda chinesa e de que forma a Turquia e o Irão poderão lucrar com tal iniciativa, de modo a escoar os seus produtos e a projetar o seu poder na esfera regional.


NOTAS

1 Doris Bradbury exercia, à data da entrevista, o cargo de Diretora da American Chamber of Commerce no Cazaquistão. Volver

2 Pedro Fonseca é Professor de Relações Internacionais no ISCSP-ULisboa. Volver

3 Mbd: Milhões de barris diários. Volver

4 Almaz Saifutdinov é investigador na Embaixada dos Estados Unidos da América em Dushanbe. Volver

5 Especialista ligado à diplomacia norte-americana no Quirguistão. Volver


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