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Revista de Relaciones Internacionales, Estrategia y Seguridad

versão impressa ISSN 1909-3063

rev.relac.int.estrateg.segur. vol.16 no.2 Bogotá jul./dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.18359/ries.5602 

Artículos

Os documentos de defesa do Brasil: aproximações sucessivas à Doutrina de Segurança Nacional*

Brazil’s Defense Documents: Successive Approaches to the National Security Doctrine?

Los documentos de defensa de Brasil: ¿aproximaciones sucesivas a la Doctrina de Seguridad Nacional?

Laura Meneghim Donadellia 

Héctor Luis Saint-Pierreb 

Marina Gisela Vitellic 

a Doutoranda em Relações Internacionais (Programa de Pós-graduação “San Tiago Dantas”, Universidade Estadual Paulista, Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Universidade de Campinas, Brasil). Pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, São Paulo, Brasil. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), código de financiamento 001. Correio eletrônico: laura.donadelli@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2468-2221

b Doutor em Filosofia (Universidade Estadual de Campinas). Professor titular da Universidade Estadual Paulista, professor do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas”, Universidade Estadual Paulista, Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Universidade de Campinas, Brasil), líder do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional e coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, São Paulo, Brasil. Pesquisador vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Processo 2017/21557-4). Correio eletrônico: saint.pierre@unesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8307-8927

c Doutora em Relações Internacionais (Universidade Nacional de Rosario). Professora visitante da Universidade Federal de São Paulo e do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (Universidade Estadual Paulista, Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Universidade de Campinas, Brasil), pesquisadora do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional, São Paulo, Brasil. Correio eletrônico: marina.vitelli@unifesp.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8827-6279


Resumo:

no Brasil, cabe ao governo federal divulgar, a cada quatro anos, versões atualizadas de três documentos orientadores da defesa: a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Entre diversas normativas, as autoridades orientam as forças armadas brasileiras sobre seu emprego nesses documentos. Nesse sentido, o propósito do presente trabalho descritivo é contribuir com os estudos existentes sobre a política de defesa brasileira a partir do levantamento e da leitura dos documentos oficiais, publicados pelo governo brasileiro de 1996 a 2020, com foco nas concepções de segurança e defesa. Para além da pesquisa documental, a revisão da literatura corrente sobre o tema nos auxilia a compreer os impactos das normas e de suas atualizações no emprego das forças armadas. Nosso argumento central é que, apesar dos percalços nas atualizações, os sucessivos governos mantiveram certa inércia no esforço de modernizar a política de defesa do país. No entanto, ainda que atualizados, os documentos conservaram antigos conceitos que possibilitam o emprego intensivo das forças armadas em missões internas. O trabalho desenvolvido nos levou a concluir que, desde a primeira Política de Defesa Nacional, sucessivas concessões aos militares foram registradas nos documentos de modo a possibilitar intervenções em assuntos internos, entre eles missões militares relacionadas à segurança pública. Em suma, destacamos, neste artigo, a manutenção do obsoleto conceito da segurança nacional, a referência a documentos militares, como o ssário das Forças Armadas e a Garantia da Lei e da Ordem, e uma descuidada ampliação do escopo da segurança para ameaças de qualquer natureza.

Palavras-chave: segurança; forças armadas; Brasil; defesa; documentos oficiais; segurança pública

Abstract:

In Brazil, the federal government is responsible for disseminating every four years updated versions of three defense guidance documents: the National Defense Policy, the National Defense Strategy, and the White Paper on National Defense. The authorities guide the Brazilian armed forces on these documents among various regulations. This descriptive work contributes to existing studies on Brazilian defense policy from the search and reading of official documents published by the Brazilian government between 1996 and 2020, focused on the conceptions of security and defense. Beyond documentary research, the review of the current literature on the subject helps us understand the impacts of regulations and their updates on the use of armed forces. It is argued that, despite the difficulties in updating, successive governments maintained certain inertia in modernizing the country’s defense policy. Although updated, the documents preserve old concepts that allow the intensive use of the armed forces in internal missions. The paper concludes that, since the first National Defense Policy, successive concessions to the military were recorded in the documents to enable interventions in internal affairs, including military missions related to public security. In brief, it highlights the maintenance of the obsolete concept of national security, the reference to military documents (e.g., the glossary of the Armed Forces and the Guarantee of Law and Order), and a careless expansion of the scope of security to any threats.

Keywords: Security; armed forces; Brazil; defense; official documents; public security

Resumen:

En Brasil, cabe al gobierno federal divulgar, a cada cuatro años, versiones actualizadas de tres documentos orientadores de defensa: la Política Nacional de Defensa, la Estrategia Nacional de Defensa y el Libro Blanco de Defensa Nacional. Entre diversas normativas, las autoridades orientan las fuerzas armadas brasileñas sobre su empleo en estos documentos. En tal sentido, el propósito de este trabajo descriptivo es aportar a los estudios existentes sobre la política de defensa brasileña desde la búsqueda y lectura de los documentos oficiales, publicados por el gobierno brasileño de 1996 a 2020, con enfoque en las concepciones de seguridad y defensa. Para allá de la investigación documental, la revisión de la literatura actual sobre el tema nos auxilia a comprender los impactos de las normas y sus actualizaciones en el uso de las fuerzas armadas. Se argumenta que, pese a las dificultades em las actualizaciones, los sucesivos gobiernos mantuvieron cierta inercia en el esfuerzo de modernizar la política de defensa en el país. Sin embargo, aunque actualizados, los documentos conservan antiguos conceptos que posibilitan el empleo intensivo de las fuerzas armadas en misiones internas. El trabajo desarrollado nos llevó a concluir que, desde la primera Política de Defensa Nacional, sucesivas concesiones a los militares se registraron en los documentos de modo a posibilitar intervenciones en asuntos internos, entre ellos misiones militares relacionadas con la seguridad pública. En resumen, destacamos en el artículo el mantenimiento del obsoleto concepto de seguridad nacional, la referencia a documentos militares, como el glosario de Las Fuerzas Armadas y la Garantía de la Ley y el Orden, y una descuidada ampliación del alcance de la seguridad para amenazas de cualquier naturaleza.

Palabras clave: seguridad; fuerzas armadas; Brasil; defensa; documentos oficiales; seguridad pública

Introdução

Nos regimes democráticos, em tese, a política de defesa é uma política pública como qualquer outra. Apesar de permitir maior grau de confidencialidade com relação a determinados dados, como toda política pública, ela deveria ser orientada pelas decisões das autoridades com legitimidade democrática, as quais devem identificar princípios orientadores, interesses nacionais a serem protegidos, objetivos políticos e estratégias para atingi-los. No caso da defesa, o marco normativo de cada país estabelece um elemento central da política: o leque de missões nas quais as forças armadas podem ser empregadas. Nesse marco, cada governo - de preferência em acordo com o congresso e to ouvido a sociedade civil - estabelece com mais precisão sua concepção sobre a segurança e a defesa nacionais, identifica ameaças atuais e potenciais contra os interesses nacionais e formula a estratégia nacional para articular todas as potencialidades do país para protegê-los. Considerando o requerimento de publicidade dos atos públicos próprio das repúblicas, os regimes democráticos costumam editar, com certa periodicidade, documentos que enunciam os elementos fundamentais da política de defesa.

No caso do Brasil, embora existam experiências prévias, a partir de 2008, iniciou-se um processo mais sistemático de elaboração e publicação dos chamados “Documentos de Defesa”. Em 2010, uma importante normativa da defesa estabeleceu que o país deveria divulgar a cada quatro anos versões atualizadas de três documentos que constituiriam os Documentos de Defesa: a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN).

Nos meses de junho e julho de 2020, os Documentos de Defesa estiveram na pauta da imprensa e no debate público de diversas organizações da sociedade civil e da academia a partir da divulgação de suas versões preliminares com vistas à atualização quadrienal que deveria acontecer naquele ano (Donadelli & Donegá, 2021). O tema provocou certo debate, entre outros motivos, devido ao fato de que a versão anterior, de 2016, tinha sofrido uma tramitação demasiadamente lenta e que, embora muito esperada, nunca tinha chegado a ser promulgada pelo então presidente da República, Michel Temer. Por sua vez, a relevância dos documentos é também intrínseca: é neles que as autoridades orientam as forças armadas sobre elementos centrais para seu emprego. Para os fins deste trabalho, destacamos um desses elementos: o que o país ente por segurança e defesa, e os desdobramentos dessa escolha sobre o emprego das forças armadas.

Nesse contexto, o trabalho oferece uma contribuição aos estudos existentes sobre a política de defesa brasileira a partir do levantamento e da leitura dos documentos oficiais, publicados pelo governo brasileiro no período de 1996 a 2020, com foco nas concepções de segurança e defesa1. Para além da pesquisa documental, a revisão da literatura corrente sobre o tema nos auxilia a compreer os impactos das normas e de suas atualizações no emprego das forças armadas. Argumentamos que, apesar dos percalços na atualização dos documentos, o país manteve certa inércia no esforço para atualizar a política de defesa, representado pela publicação periódica de tais documentos. No entanto, argumentamos que o Brasil publica novos documentos conservando velhos conceitos de segurança e defesa, que levam ao emprego intensivo das forças armadas em missões internas orientadas para a manutenção de determinada ordem social - fato que encontra antecedentes na Doutrina de Segurança Nacional (DSN) do período autoritário.

Dessa forma, a ausência de documentos estratégicos orientadores não significou uma diminuição no emprego interno da violência letal do Estado, como evidenciado pela constância do número de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e a intervenção federal no Rio de Janeiro, assim como inúmeras ações cívico-sociais. O uso intensivo das forças armadas brasileiras nesse tipo de missões internas torna evidente a necessidade de refletir sobre os mecanismos jurídicos que permitem e embasam a recorrente atuação interna dos militares em decorrência de uma sistemática militarização das respostas a problemas estruturais. Nessa lógica, amplia-se o escopo do que pode ser considerado uma ameaça, inclusive interna, a um conceito difuso e ambíguo de “segurança”. Das rebeliões separatistas e contestatórias do passado aos movimentos sociais da contemporaneidade, o conceito de “inimigo interno”, central na DSN, mantém-se como uma hipótese atual e recorrente no Brasil.

Nesse sentido, buscamos identificar no presente trabalho, entre os conceitos empregados nos textos dos documentos orientadores da defesa no Brasil, aqueles que mantiveram a possibilidade de emprego interno da força letal. Ao analisar a série histórica das publicações, podemos constatar a evolução desses mecanismos, mas, ao mesmo tempo, a manutenção de associações a perspectivas da DSN próprias do período da Ditatura Militar no país. Com esse objetivo, dividimos o presente texto em três seções: a primeira delas apresenta um retrospecto da concepção de segurança nacional consolidada no país à época do regime autoritário. Em seguida, listamos os sucessivos documentos orientadores da defesa já publicados no Brasil, destacando elementos da política interna e do entorno estratégico que influenciaram seu conteúdo. Por fim, analisamos comparativamente os conceitos de segurança empregados nos documentos de modo a avaliar suas modificações nas últimas décadas, a partir da leitura dos textos publicados pelo Ministério da Defesa.

A “segurança” e as forças armadas: a histórica manutenção da ordem interna

Como argumentam os estudos críticos da área, distintas sociedades têm diferentes concepções sobre o que significa “estar seguro”. A perspectiva sobre a segurança também varia ao longo do tempo em função dos entimentos sobre as circunstâncias, inclusive recebe influências dos modos dominantes de pensamento (Krause & Williams, 1997). Mas a política de defesa será relativa à compreensão que se tenha de “segurança”: assim, se “estar seguro” significa estar preparado para desvar uma ameaça que provém das forças armadas de um outro país contra a soberania e integridade territorial, a política de defesa, em adequação a essa ameaça, definirá a doutrina estratégica e de emprego, a formação específica do militar e seu treinamento, o armamento específico, o desenho operacional etc. Todavia, as caraterísticas dessa política poderão mudar se a ameaça se configura como um perigo originado por atores não estatais de outra nação ou se os meios não são estritamente militares; a política será ainda mais diferente se “estar seguro” significa garantir um determinado projeto político-econômico, uma ideologia política, certos privilégios de classe ou uma determinada religião. Por fim, há países que, em determinado momento da sua história, entem que “estar seguro” envolve todas essas questões ao mesmo tempo, tornando a noção de “segurança nacional” um conceito radicalmente abrangente, tal como aconteceu com a DSN durante a Guerra Fria em países da América do Sul.

Entre as décadas de 1960 e 1970, vários países da região sofreram interrupções no seu regime democrático por intervenções armadas que instauraram ditaduras militares, num cenário internacional marcado pelo acirramento do conflito entre as superpotências. A divisão do mundo em dois blocos antagônicos, assinalando a tensão bipolar entre a União Soviética (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA), integrou, por motivos geopolíticos, a América Latina em um desses blocos (Comblin, 1979). Naquele cenário de conflito total entre o mundo capitalista e o comunista, foi surgindo o que se conheceu como a DSN, um conjunto de premissas sobre como garantir a segurança contra a ameaça comunista em um contexto de Guerra Fria. Como parte da política estadunidense de contenção à ameaça soviética no continente americano, na prática, a DSN funcionava delegando às forças armadas dos países da região a luta anticomunista no interior dos seus territórios, isto é, reservando para as forças armadas latino-americanas um papel principal no cenário secundário.

Enquanto isso, o sistema hemisférico de segurança coletiva, por meio do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca e demais mecanismos interamericanos, assegurava a proteção da soberania e da integridade territorial do continente ante ataques externos, manto a missão de defesa externa nas mãos dos EUA. O objeto da segurança, aquilo que deveria ser defido, era definido como “o ocidente” - cristão e capitalista - ameaçado pela coordenação do movimento comunista internacional que se representava por um inimigo interno - as vanguardas comunistas. Esse inimigo universal dissolvia as fronteiras nacionais, que já não eram mais físicas, mas ideológicas. Desse modo, as forças armadas da região recuperaram suas origens fundacionais repressivas e reforçaram suas características próprias de “guardas nacionais” (Rouquié, 1984), em detrimento daquelas de forças armadas dedicadas à defesa externa.

Impossibilitados de expor a complexidade dessa formulação no espaço deste trabalho, apenas apontamos duas questões relevantes. Em primeiro lugar, embora boa parte do treinamento e do financiamento necessário para a difusão da doutrina provinha dos EUA, ela não foi simplesmente imposta sobre os países da região. Pelo contrário, a DSN encontrou um terreno fértil nos conflitos políticos e de classe particulares que se desenvolviam em cada país, assim como no pensamento militar existente no momento. Em segundo lugar e em decorrência disso, a doutrina adquiriu nuances de acordo com as influências nacionais, so possível encontrar linhas mais duras e outras menos autoritárias (Pion-Berlin, 1989). Tanto pela escala de difusão quanto pela duração da formulação, destaca-se a versão da DSN desenvolvida pela Escola Superior de Guerra (ESG) no Brasil.

No início da década de 1950, entia-se que o Brasil precisava se desenvolver e garantir sua segurança no contexto do conflito Leste-Oeste, no marco do qual um enfrentamento total entre as superpotências parecia inevitável. Desde o olhar de um setor das forças armadas, essas necessidades essenciais não podiam ser atidas pelas instituições do Estado brasileiro, comandadas por uma elite civil incompetente, em um contexto de fortes conflitos sociais que ameaçavam a continuidade do capitalismo. De acordo com esse pensamento, a ameaça provinha tanto do movimento comunista internacional que infiltrava os atores de esquerda como do despreparo da elite brasileira. Naquele contexto, a ESG tinha a missão de formar uma elite militar-civil que, ocupando o Estado, interpretaria os interesses da nação, para além de partidarismos e corporativismos (Stepan, 1975).

De fato, um dos conceitos centrais do pensamento ESGuiano, os Objetivos Nacionais Permanentes, expressa esta premissa: “são objetivos políticos que resultam da interpretação dos interesses e aspirações nacionais, pilares sobre os quais se define a segurança nacional” (Oliveira, 1988). Na medida em que a origem da formulação dos objetivos era a suposta clarividência moral de um setor social e não o debate público plural e aberto, existia uma incompatibilidade fundamental com a ordem democrática. Nesse sentido, a DSN adaptou à lógica do conflito Leste-Oeste as military role-beliefs preexistentes que estabeleciam para as forças armadas um papel de garantidores da ordem social (Fitch, 1998).

O espírito da DSN, em particular, a noção de que o inimigo não necessariamente é estrangeiro nem atua fora das fronteiras nacionais, ficou expresso na normativa do governo militar brasileiro. Tanto a Constituição de 1967 quanto a Lei de Segurança Nacional, do mesmo ano, incluem a concepção abrangente de segurança própria dessa doutrina. Da mesma forma, a Ema Constitucional 1 de 1969 à Carta Magna de 1967, no seu artigo de número 89, inciso I, pontuou que é competência do Conselho de Segurança Nacional “estabelecer os objetivos nacionais permanentes e as bases para a política nacional” (Brasil, 1969). De acordo com Mathias e Guzzi (2010, p. 49), “esse trecho repete literalmente os manuais editados pela Escola Superior de Guerra”, por meio da qual foi irradiada a DSN no Brasil.

A Lei de Segurança Nacional, por sua vez, no seu capítulo 2, artigo 2°, definiu a segurança nacional como so “a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos” (Brasil, 1967), e que ainda, no capítulo 1, artigo 3°, “compree, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva” (Brasil, 1967). A segurança interna, integrada à segurança nacional, referia-se às “ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país” (Brasil, 1967, capítulo 1, parágrafo 1°). Os trechos acima deixam clara a fusão entre a segurança pública e a chamada “segurança externa” a partir da radical abrangência do conceito de segurança nacional, definido por um órgão de governo de um regime autoritário.

É preciso apontar que o Brasil e os outros países sul-americanos com regimes militares não eram os únicos que tinham conceitos compreensivos de segurança nacional. Na realidade, era o modo predominante de pensar na maioria dos países. No entanto, não todos eles estabeleciam que as forças armadas seriam o principal ator encarregado de garantir a segurança. Em outras palavras, um conceito amplo de segurança não necessariamente determina o instrumento do Estado a ser empregado nem a militarização das estratégias para atingi-la.

De um modo geral, o conceito de segurança vigente naquele período tinha como foco o Estado - considerado como único árbitro entre os interesses das classes - em que a segurança era vista, no âmbito externo, a partir da possibilidade de confronto bélico pela polaridade ideológica entre grupos de países e, no âmbito interno, pela neutralização de indivíduos e grupos que comprometeriam a manutenção dos chamados “objetivos nacionais”. Orientados pela ideia de uma “inimizade absoluta” (Schmitt, 1992), os militares no poder confundiram a arena da disputa política interna com o campo de batalha internacional e, o adversário político com o inimigo a ser eliminado. Nesse sentido, a definição de segurança nacional, predominante naquele período, mesclava a segurança interna e a segurança exterior, sem claras diferenciações entre as atividades da segurança pública e da defesa nacional - bem como dos instrumentos destinados a executá-las.

Na medida em que a DSN estava diretamente atrelada à participação das forças armadas na política, após as transições ao regime democrático alguns países enteram que, entre as várias reformas que deveriam ser feitas para eliminar o papel político dos militares, estava a discussão radical do conceito de segurança, de forma que a nova conceitualização não incorresse novamente no erro de colocar dentro do escopo da atuação das forças armadas atores e processos domésticos que pudessem reaproximar os militares de questões políticas. Assim, durante o período de democratização, os novos governos eleitos - ainda que enfrentando resistências e sem clareza sobre qual seria a nova perspectiva - impulsionaram a retirada das atribuições das forças armadas em missões que envolvessem monitoramento de organizações sociais e combate de entidades criminosas, transformando-se, às vezes, numa medida de controle civil. Entretanto, em alguns países, a tentativa de realizar essas modificações que partem de eliminar resquícios do conceito velho de segurança enfrentou sérias limitações.

Os documentos orientadores da defesa do Brasil

Pelas características tanto da transição à democracia quanto pela autonomia própria das forças armadas brasileiras, a criação de institucionalidade civil sobre a defesa neste país demorou alguns anos (Winand & Saint-Pierre, 2007). Entre os passos mais relevantes, encontram-se a criação do Ministério da Defesa2 em 1999 e a formulação de documentos orientadores da política de defesa (Fuccille, 2006; Lima, 2015; Soares, 2006). Desde 1996, os sucessivos governos publicaram três tipos de documentos que são analisados nesta seção com o objetivo de avaliarmos as concepções de segurança neles anunciadas. A seguir, apresentaremos brevemente as três categorias de documentos e as diferenças entre eles, para posteriormente nos debruçarmos na análise do conteúdo publicado ao longo dos últimos anos.

O primeiro documento orientador publicado pelo governo brasileiro foi uma política nacional de defesa. Documentos dessa categoria são caracterizados por um texto com orientações gerais sobre o que o país ente por segurança e defesa, quais as ameaças identificadas, quais as missões principais e subsidiárias de suas forças armadas, quais as regiões a serem priorizadas em matéria de cooperação, entre outras. Em seguida, o Brasil formulou uma estratégia nacional de defesa (END), documento que diagrama as linhas de ação, as etapas e os meios necessários para alcançar os objetivos determinados no documento anterior, articulando o campo da defesa com os demais setores do país.

Os documentos supracitados dialogam entre si na medida em que a política de defesa delineia os objetivos mais gerais e a estratégia de defesa assume uma função mais prática, como um plano de ação, buscando associar os meios necessários aos objetivos previamente estabelecidos. Assim, enquanto a estratégia de defesa é voltada para o âmbito doméstico, um terceiro tipo de documento, o livro branco de defesa, é orientado para o exterior, como uma medida de fomento de confiança com relação aos demais países, esclareco os objetivos e as orientações da política de defesa e provo informações sobre os meios militares destinados a tais fins (Borelli, 2018). Sem se afastar das orientações políticas, o livro branco oferece informações sobre o instrumento militar, suas capacidades, características e operações, com vistas à transparência para a construção de confiança com relação aos países parceiros e aliados.

Nesse sentido, a PND de 1996 foi o primeiro documento orientador publicado no Brasil, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Sua publicação deve ser compreida a partir da tentativa de subordinar os militares ao poder civil e por uma busca pelo equacionamento das questões relativas à defesa, constituindo os primeiros passos para a criação do Ministério da Defesa (Soares, 2006). O intuito inicial da PND era o de instituir um consenso sobre a planificação do tema e centralizar a administração da pasta sob o controle civil (Saint-Pierre & Winand, 2007).

De maneira geral, o documento foi formulado em conformidade com a Constituição de 1988 no que diz respeito à postura não beligerante do Estado brasileiro, compondo-se como um país estrategicamente dissuasório (Soares, 2006). Dessa forma, pontuou-se que a política de defesa brasileira seria orientada para ameaças externas (Brasil, 1996) e que, entre os objetivos da defesa, estão a garantia da soberania, a preservação da integridade territorial e a “contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais” (Brasil, 1996, p. 7). Apesar da diretriz, Soares (2006, p. 155) destacou que a participação dos militares em ações subsidiárias não foi descartada, inclusive em decorrência do ambiente de “consensos artificiais” que marcou a elaboração do documento, no qual predominou a manutenção de visões “não necessariamente coincidentes” entre diplomatas e militares, resultando na falta de clareza das atribuições de cada componente da defesa.

Extrapolando o governo Cardoso, as discussões com relação à reformulação das bases da defesa perpassaram os anos até culminar na “estruturação e vertebração do Ministério da Defesa” nos anos 2000 (Fuccille & Winand, 2018, p. 641). Durante o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), o Decreto 5.484/2005 aprovou a formulação de uma nova PND, a partir da crítica de que o primeiro documento não havia cumprido com os objetivos que orientavam a revisão da defesa (Saint-Pierre; Winand, 2007). Nesse sentido, o novo documento de 2005 buscou alinhar a política de defesa às reformas conceituais características do fim da Guerra Fria, incluindo-se concepções promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), conforme veremos mais detidamente na seção seguinte.

Igualmente durante o governo Lula, o Decreto 6.703/2008 aprovou a elaboração da primeira versão da END, num contexto marcado pela escassez de publicações de caráter político sobre a defesa nacional e de baixos investimentos no setor, concomitantemente a um maior protagonismo do país no cenário internacional3. Se, no contexto regional, a aquisição de armamentos, navios e aviões militares pela Venezuela inquietou os escalões militares brasileiros, no âmbito interno dois acidentes aéreos4 desnudaram a fragilidade do sistema de controle de voos, deflagrando uma crise no setor aéreo que resultou na nomeação de Nelson Jobim para o Ministério da Defesa (Oliveira, 2009).

A resultante desse processo foi expressa no novo documento que sinalizou a importância da reestruturação da defesa por meio do reaparelhamento e modernização das forças armadas. Tais demandas orientaram a END de 2008 por meio de três eixos estruturantes: a reorganização das forças, a reestruturação da indústria de material de defesa e a política de composição dos efetivos - referente à manutenção do serviço militar obrigatório (Brasil, 2008). Apesar da baixa especificidade de como as áreas prioritárias seriam operacionalizadas, evidenciou-se a necessidade de reestruturar a indústria de material de defesa por meio da formação de um complexo militar-universitário-empresarial, apoiado na hipótese da vinculação entre defesa e desenvolvimento (Borelli, 2018).

Dando continuidade às publicações, por meio da Lei Complementar 136/2010, o poder executivo ficou encarregado de encaminhar à apreciação do Congresso as devidas atualizações dos três documentos orientadores a cada quatro anos (Brasil, 2010). Respeitando o rito, o governo da presidenta Dilma Rousseff (2011-2016) publicou em 2012 a primeira versão do LBDN do Brasil e as atualizações da PND e da END. Conforme mencionado há pouco, a relação entre defesa e desenvolvimento esteve igualmente presente na nova versão da END. Entretanto, apesar das ambiciosas propostas apresentadas no sentido de articular a política de defesa com a política econômica e a de desenvolvimento em uma “grande estratégia”5, o que de fato observamos desde então são dificuldades políticas e orçamentárias para sua implementação.

Uma atualização quase imperceptível da PND de 2012 a diferenciou de sua predecessora: o primeiro documento levava o nome de “Política de Defesa Nacional”, enquanto o segundo era denominado “Política Nacional de Defesa”. A alteração na ordem das palavras fez com que o termo “nacional” adjetivasse, na nova versão, o documento da política de defesa, integrando assim todo o país. Diferentemente, no título do documento anterior, o adjetivo se referia à defesa, compondo a clássica fórmula da defesa nacional, que, todavia, remete-nos aos aspectos geopolíticos e militarizados do período da DSN. Nas palavras de Lima (2015), a mudança foi conceitual, com vistas a indicar que a PND era nacional e não uma política referente a apenas um tipo de ação.

Como dissemos, o ano de 2012 foi marcado, ainda, pela publicação da primeira edição do LBDN: sob a gestão de Celso Amorim no Ministério da Defesa (2011-2015), foi organizado um ciclo de debates para gerar insumos à produção do inédito documento, sintetizando interpretações acadêmicas, diplomáticas e militares. Como resultado, foi publicado um documento sem grandes enunciações políticas, mas no qual se salientou a importância da articulação entre as políticas externa e de defesa, o surgimento na América do Sul de uma comunidade de segurança (Brasil, 2012a) e a menção ao Conselho de Defesa Sul-Americano como um ator-chave na construção da nova identidade política sul-americana (Lima, 2015). Para além destas, o primeiro LBDN tornou público, em primeira mão, o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa, projetado para ater às demandas das três forças no horizonte 2012-2031, num montante total estimado em R$ 400 bilhões (Franco et al., 2019).

Novamente respeitando-se a periodicidade das publicações, porém com certo atraso, no ano de 2016, foram elaboradas as minutas de novas versões dos três documentos. Os textos foram disponibilizados para a leitura em março de 2017 por Temer, por meio da Mensagem 2/2017. Em seguida, as versões preliminares foram enviadas para a apreciação do Congresso Nacional e, em outubro de 2017, foram recomadas para a aprovação pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, dando origem ao Projeto de Decreto Legislativo 137/2018. Após vagaroso trâmite, os textos foram aprovados pela Câmara dos Deputados (Decreto Legislativo 179) e pelo Senado Federal, conforme publicado no Diário Oficial da União em 17 de dezembro de 2018. Apesar do quase inexistente trabalho de divulgação e difusão dos documentos, esses documentos entraram em vigor.

Por fim, o último conjunto de documentos que é objeto de nossa análise são os referentes ao quadriênio 2020-2023, novamente aprovados com certo atraso e marcados pela baixa ou nula participação da sociedade civil. O contexto interno estava marcado pelo tensionamento das relações civis-militares, to em vista a crescente presença de militares no governo - entre as quais, destacamos a própria eleição de um capitão reformado do Exército à presidência da República e de seu vice, um general da reserva; os inúmeros ministérios, secretarias e agências encabeçados por militares; e as manifestações públicas clamando pela intervenção militar6. Em 22 de julho de 2020, os novos documentos foram encaminhados para a apreciação do Congresso. Na ocasião, o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, afirmou que não se tratava de uma nova política ou estratégia, configurando os mesmos textos de 2012 e 2016 “com algumas atualizações” (Assessoria de Comunicação Social, 2020). A análise de seu conteúdo é o que realizaremos a seguir.

Segurança nacional: retorno ou sequela?

Para além dos contextos nos quais os documentos orientadores da defesa foram publicados no Brasil, neste trabalho, avaliamos as concepções de segurança neles empregadas, a fim de compreer, em última instância, a aplicação dos instrumentos destinados a executá-la. No texto do primeiro documento de Política de Defesa Nacional, publicado em 1996 - anteriormente à criação do Ministério da Defesa -, é possível identificar que o foco da defesa estava dirigido ao ambiente externo, não se estabeleco no texto uma conexão direta entre a defesa e a segurança interna. Nesse sentido, estabeleceu-se que o objeto da defesa seria as “ameaças externas” e não ficou definida uma ligação direta entre as forças armadas e a manutenção da segurança interna. Apesar dessa diferenciação, o texto foi considerado bastante conservador por alguns analistas por não ter estabelecido a subordinação dos militares ao poder civil e ter mantido brechas à sua participação em assuntos internos. Para Saint-Pierre e Winand (2007), a manutenção dos nebulosos limites entre os conceitos de defesa e segurança, possibilitando a participação das forças armadas em missões internas, certificou o primeiro documento relativo à defesa do Brasil como uma carta de intenções mal fundamentada, vaga e ambígua.

Apesar da fragilidade do primeiro documento, o seguinte, publicado em 2005 durante o primeiro governo Lula, conseguiu superá-lo negativamente, abrindo novas concessões aos militares de modo a possibilitar ainda mais a interferência militar em assuntos internos. Nessa versão da Política de Defesa, o conceito de segurança foi ampliado para outros setores, e enbou, para além do Estado, o indivíduo e a sociedade - seguindo a tência de fins da década de 1980 consolidadas pela ONU: “à medida que as sociedades se desenvolveram, novas exigências foram agregadas, além da ameaça de ataques externos” (Brasil, 2005, p. 1).

Desse modo, pontuou-se que o conceito de segurança abarca, entre outros, os campos político, militar, econômico, social e ambiental, envolvo atividades da defesa civil, segurança pública, políticas econômicas, de saúde, educacionais e ambientais (Brasil, 2005). O conceito de segurança apresentado nesse documento seria reiterado, com modestas alterações de palavras, em todas as Políticas de Defesa subsequentes (2012, 2016 e 2020). To em vista sua importância, citamos a definição na íntegra:

segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais. (Brasil, 2005, p. 2)

Em primeiro lugar, nota-se que a definição não fica restrita a pressões e ameaças de caráter militar e vindas de atores estatais. Conforme adiantamos, de modo a alinhar a concepção adotada aos princípios vigentes naquele contexto, a definição traz as pressões e as ameaças de qualquer natureza, remeto-nos ao conceito da ONU no qual se destacou que, além da probabilidade de ataques militares, configuram a condição de segurança dos países as pressões políticas e as coerções econômicas, de modo que um país se sente seguro quando é capaz de buscar livremente seu desenvolvimento e progresso (United Nations, 1986). Por sua vez, apesar de não ter sido mencionado o conceito de segurança nacional, aspectos da geopolítica clássica - como a preocupação com a soberania e o território - foram mantidos.

Para além da definição de segurança da PND de 2005, convém destacar o conceito de defesa nacional definido na sequência: “o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas” (Brasil, 2005, p. 2, grifo nosso). Para Saint-Pierre e Winand (2008, p. 69), o advérbio destacado deve ser enfatizado, pois é ele quem “abre decididamente as portas para o emprego das forças armadas na contenção de ameaças originadas externa ou internamente, podo ser elas de qualquer natureza”. A atualização de 2012 da política de defesa, como veremos mais adiante, revisará por um breve momento essa escolha de palavras.

Antes disso, vale a menção à primeira END, na qual não foi definido um conceito de segurança, mas nota-se uma passagem na qual se afirmou que “todas as instâncias do Estado deverão contribuir para o incremento do nível de Segurança Nacional” (Brasil, 2008, p. 27), com particular ênfase, entre outros, sobre a prevenção de atos terroristas e atentados aos Direitos Humanos e ações de segurança pública. Nesse sentido, enquanto na PND foram empregados “conceitos da Escola Superior de Guerra com o tempero da ONU” (Oliveira, 2009), na END retomou-se a segurança nacional sem levar em consideração a tência internacional de se proporem novos conceitos.

Conforme dissemos anteriormente, em 2012, foram publicadas a primeira versão do LBDN do Brasil e as atualizações da PND e da END. Destacamos que, enquanto na PND de 2005 pontuou-se que “a defesa nacional é orientada preponderantemente a ameaças externas” (Brasil, 2005, p. 2, grifo nosso), no documento de 2012, o escopo da atividade foi alterado para “voltada essencialmente para ameaças externas” (Brasil, 2012b, p. 1, grifo nosso). De acordo com Lima (2015), a mudança não foi meramente ortográfica, mas ontológica:

O advérbio “preponderantemente” implica que a defesa nacional é uma atividade subdividida entre os níveis doméstico e internacional, na qual o internacional possui mais peso. Tal acepção abre precedentes para que em dado momento haja inflexão no volume de esforços dispidos pelas Forças Armadas no âmbito interno, podo-se inverter a equação. O advérbio “essencialmente”, por sua vez, refere-se à natureza de determinado objeto, seu traço definidor ou a condição intrínseca à sua existência. [...] Com a alteração, define-se apenas o horizonte político internacional como o principal a ser seguido pela defesa e torna-se ação doméstica fora de seu escopo. (Lima, 2015, pp. 87-88)

Apesar do aparente avanço na escolha dos termos, a preponderância externa das ameaças à defesa nacional seria retomada posteriormente, to sido notavelmente empregada nos três tipos de documentos orientadores da defesa publicados nos anos de 2016 e 2020, conforme veremos mais adiante. Para além da mudança de palavras na PND, destacamos ainda sobre o ano de 2012 que, no LBDN de estreia, a despeito da inexistência de inovações conceituais, citou-se pela primeira vez em documentos orientadores a participação de militares em operações de GLO. Apesar da curiosa inserção das operações de GLO no rol de missões das forças armadas brasileiras a serem apresentadas ao exterior, no LBDN, ressaltou-se que esse emprego dos militares é “fundamentalmente diferente, em princípio e doutrina, do tradicional emprego em missões relacionadas à defesa externa, onde o foco é atuar sobre forças inimigas” (Brasil, 2012a, p. 156).

Quanto às publicações de 2016, repetiram-se as definições de segurança de seus documentos predecessores e em alguns trechos, inclusive, é possível encontrar novas brechas à atuação interna das forças armadas e o reforço de alguns retrocessos conceituais. Conforme adiantamos, na PND, daquele ano o conceito de segurança apresentado reproduziu aqueles das versões publicadas em 2005 e 2012. Apesar de repetir a definição prévia, pudemos identificar dois níveis de atualização: 1) a definição de segurança no documento de 2016 é referenciada pelo verbete “segurança nacional” do ssário das Forças Armadas (Brasil, 2015) e 2) as versões de 2016 e de 2020 da Política de Defesa repetem a definição previamente estabelecida no documento homólogo de 2005, mas, referem-se, respectivamente, a uma “percepção de um estado de Segurança Nacional” (Brasil, 2016a, p. 5) e a uma “percepção de Segurança Nacional” (Brasil, 2020a, p. 11) - e não apenas à segurança conforme consta no documento original.

Apesar de não dedicar conteúdo específico à questão da segurança pública e das operações de GLO, na PND de 2016, foi salientada a emergência de novas ameaças no cenário internacional (Brasil, 2016a). De acordo com o documento, assimetrias de poder, tensões e instabilidades características da atualidade contribuíram para o surgimento de grupos insurgentes, organizações terroristas ou criminosas, propiciando o desenvolvimento da “guerra híbrida”7 (Brasil, 2016a, p. 9). Quanto à defesa nacional, a PND, a END e o LBDN de 2016 retomam que a atividade se volta “contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas” (Brasil, 2016a, p. 5; Brasil, 2016b, p. 17; Brasil, 2016c, p. 23, grifo nosso), referenciando novamente um verbete do ssário das Forças Armadas (Brasil, 2015).

Quanto à END, novamente não se encontrou uma definição conceitual explícita, entretanto previu-se “um adequado grau de segurança promovido pelo Estado” (Brasil, 2016b, p. 17, grifo nosso), no qual o termo grifado foi igualmente referenciado ao ssário (Brasil, 2015). A definição conceitual da END de 2016 repete então a seguinte descrição do vocábulo: “a sensação de garantia necessária e indispensável a uma sociedade e a cada um de seus integrantes, contra ameaças de qualquer natureza” (Brasil, 2016b, p. 17; Brasil, 2015, p. 248, grifo nosso), ou seja, manto brechas para o combate às “ameaças” de origem interna. Assim, a menção à atuação interna das forças armadas pode ser identificada nos trechos em que se afirmam que o Exército possui a missão de contribuir para a garantia, entre outros, da lei e da ordem, cooperando com o desenvolvimento nacional e atuando de forma episódica e pontual em operações de GLO, como decorrência de sua estratégia da presença (Brasil, 2016b).

Por sua vez, o LBDN de 2016 repete sua versão anterior no que se refere à responsabilidade do Estado em ser o provedor da segurança e defesa (Brasil, 2016c; Brasil, 2012a) e faz breve menção à segurança nacional (Brasil, 2016d) ao primar pela aproximação e pela confiança entre países na prevenção de contenciosos. Apesar da tradição conceitual, no LBDN de 2016, deu-se ênfase à questão das novas ameaças e dos conflitos de natureza híbrida, que exigem políticas coordenadas entre diferentes órgãos do governo (Brasil, 2016c). De mesmo modo, o LBDN de 2016 repetiu o de 2012 na referência à atuação das forças armadas em operações de GLO - fundamentalmente diferente do tradicional emprego em missões de defesa externa (Brasil, 2016c):

A legislação brasileira atribui às suas Forças Armadas a atuação, quando determinado, na garantia da Lei e da Ordem e em diversas atribuições subsidiárias, comuns ou peculiares a cada uma das Forças Singulares. Nesse contexto, a ação da Defesa contribui para uma melhor percepção, pelos cidadãos, de um sentimento de Segurança, em suas várias vertentes (pública, ambiental, sanitária, defesa civil, dentre outras). (p. 24)

Resumidamente quanto aos documentos de 2016, identificamos que os retrocessos residem: 1) no rESGate da segurança nacional; 2) na referência ao ssário das Forças Armadas e ao documento GLO, e 3) na descuidada ampliação do escopo da segurança para as ameaças de qualquer natureza ou preponderantemente externas.

Em linhas gerais, os últimos documentos atualizados em 2020 seguiram a tência descrita acima no que se refere ao rESGate da segurança nacional (Brasil, 2020b), da menção à GLO e da manutenção do advérbio “preponderantemente” para qualificar as ameaças que são objeto da defesa nacional (Brasil, 2020a; Brasil, 2020b; Brasil, 2020c). As versões preliminares das PND e END publicadas pelo Estado brasileiro em 2020 estão em consonância com o destacado do ano de 2016, mas não referenciam em seu texto o ssário das Forças Armadas conforme observado nas edições anteriores. Apesar disso, em ambos os documentos de 2020, o conceito de segurança nacional empregado (Brasil, 2020a; Brasil, 2020c) é análogo ao texto do ssário e da PND de 2005, cuja importância destacamos no início desta seção.

Quanto aos três documentos de 2020, cabe ressaltar ainda a questão da segurança pública, seja em apoio aos órgãos responsáveis, em atividades de fronteira, seja em ações contra ilícitos transnacionais. Num primeiro momento, a atenuação da menção ao emprego das forças armadas na GLO (que possuía seção exclusiva nos LBDN de 2012 e 2016) pode parecer um avanço no sentido de limitar tais empregos. Contudo, é possível encontrar, ineditamente nos LBDN, a seguinte escolha de palavras:

O Setor de Defesa possui como missão principal o preparo das Forças Armadas para emprego em sua destinação constitucional de defesa da Pátria e de garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem, contudo, a Lei Complementar n° 97/1999 estabelece que as Forças Armadas devem realizar atribuições subsidiárias, a fim de cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil e, também, conferiu outras atribuições particulares, como colaborar com a segurança pública e a segurança na faixa de fronteira, por meio de medidas preventivas e repressivas, em coordenação com outros órgãos governamentais. (Brasil, 2020b, p. 110, grifo nosso)

Apesar do recorrente e histórico envolvimento das forças armadas brasileiras em matéria de atividades internas, seja naquelas relacionadas à segurança pública, seja em desenvolvimento nacional, o tom mais incisivo do trecho acima pode ser identificado quando comparado com o conteúdo do LBDN de 2012, no qual as atribuições subsidiárias estão descritas mais especificamente nas missões particulares de cada Força e, no documento de 2016, no qual: “Sem comprometer sua destinação constitucional, cabe às forças armadas, como atribuições subsidiárias, cooperar com o desenvolvimento nacional, a defesa civil, além de atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira” (Brasil, 2016c, p. 131, grifo nosso).

De maneira geral, ao verificarmos o conceito de segurança utilizado ao longo dos anos, podemos afirmar que a decepção original com a primeira PND viria a ser superada negativamente: nos documentos subsequentes, não é possível encontrar, por exemplo, delimitações nítidas entre defesa e segurança pública e, por consequência, dos instrumentos destinados a seu trato. Por sua vez, as atualizações indicam que o espectro das ameaças foi ampliado, possibilitando a referência a ameaças provenientes inclusive do âmbito interno. Vale ressaltar que as forças armadas brasileiras têm atuado histórica e sistematicamente em assuntos internos no Brasil, sejam naqueles relacionados à segurança, sejam às atividades subsidiárias. Nesse sentido, a tência à ampliação do conceito de segurança, retratada anteriormente, foi incorporada pelos militares brasileiros de modo a justificar a manutenção de tais prerrogativas - mesmo que, nas concepções originais, não tivessem sido previstos tais mecanismos. No Brasil, a resultante desse processo é a permanência de um obsoleto conceito de segurança nacional com um verniz de adequação aos tempos, que em essência apenas legitima, por outras vias, a identificação de inimigos internos e a militarização de respostas a problemas sociais e econômicos.

Conclusões

Ter partido do conceito de segurança e o seu deslizamento semântico como chave analítica dos documentos de defesa brasileiros na sua dimensão diacrônica mostrou-se produtivo. Ele permitiu notar o movimento sociológico-histórico dos militares no seu relacionamento com os governos dentro do Estado brasileiro. Esse movimento mediante o qual a mudança do conceito vai permitindo diferentes graus de participação militar nos assuntos internos pode refletir: 1) uma debilitação do poder político, ante a magnificação das ameaças e desafios, ou 2) um aumento da autonomia e poder político dos militares nos processos decisórios nacionais, ou 3) ambas as coisas, seja por concomitância, seja por estratégia de oportunidades.

Da análise diacrônica dos documentos de defesa brasileiros, pudemos extrair algumas conclusões. A primeira observação é sociológica: a sociedade civil, especialmente os acadêmicos dedicados ao tema, foi paulatinamente so afastada do processo de reflexão, discussão e formulação dos documentos. Se bem é certo que em nenhuma versão a participação foi democraticamente confirmada e que desde as primeiras os militares coordenaram os trabalhos, pode-se notar que nas sucessivas versões os militares foram se apropriando do tema até impor seu monopólio na elaboração dos documentos sem qualquer constrangimento. A segunda observação é sobre o conteúdo desses documentos. Muito embora levem por título “documentos de defesa”, eles se limitam, no melhor dos casos, a documentos militares, restringindo o âmbito semântico da defesa apenas ao seu instrumento específico. Nem sequer houve a preocupação notória na primeira END de manter o propósito de fortalecer a linha de comando centrada no Ministério de Defesa e seu Comando Conjunto, mas limitou-se a compor gramaticalmente as lógicas de cada uma das forças e suas demandas.

Se, nos primeiros documentos, era possível perceber certo intento de mostrar o afastamento dos militares do palco da política, evitando seu envolvimento em assuntos internos, pouco a pouco isso foi so trocado pela preocupação de conseguir uma cobertura jurídica para seu emprego, particularmente com relação à segurança pública. Nesse sentido, consideramos que o retorno da Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (Minustah), por exemplo, coincide com essa mudança na preocupação com o emprego interno. O documento culminante desse giro foi o Manual de Operações de Garantia da Lei e Ordem, que teve sua primeira edição aprovada em 2013 durante a passagem de Amorim no ministério da Defesa. No texto, há referências diretas a “forças oponentes”8 com o que se introduz clara e explicitamente os conceitos de inimigo e ameaças internos, cerne da DSN. O documento prevê ainda a necessidade de antecipar-se aos potenciais problemas, com o qual se confirma a prática republicanamente repulsiva da inteligência política por parte das forças armadas.

As breves, pontuais e significativas mudanças dos documentos no decorrer do tempo vão deixando aberta a porta para o emprego interno das forças armadas e dissolvo a distinção entre defesa e segurança. Problemas políticos, sociais, econômicos e de segurança passam a ser da alçada da preocupação manifesta ou latente dos documentos que propõe como solução à militarização da resposta.

Se a intenção original dos documentos era definir claramente o âmbito da defesa e delimitá-lo institucionalmente, podemos dizer que esse propósito foi deturpado ao longo do tempo. O que deveria ser resultado de um debate democrático da sociedade para discutir a defesa, adequando a esse regime delimitações quanto a funções, missões e emprego do instrumento militar, acabou so a caixa de ressonância dos desejos e das demandas de cada uma das forças, mostrando uma crescente autonomia com relação ao poder político e, obviamente, à sociedade civil, que é vista pelos militares como uma ameaça.

A leitura dos documentos na sua dimensão histórica deixou-nos a impressão da firmeza de projetos das forças armadas de recuperar a posição no palco político nacional da que se afastaram por pouco tempo. Na verdade, parecem querer recuperar sua origem de guardas nacionais voltadas a reprimir manifestações de descontento para manter a lei do mercado e a ordem burguesa. Ver a dissolução dos limites entre defesa e segurança e a preocupação jurídica dos militares para atuar no cenário doméstico nos deixou com a clara impressão de profundo e amargo retrocesso do processo de democratização brasileira da mão amiga dos militares

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1 Não obstante, neste artigo, ao focarmos a análise nos Do cumentos de Defesa, é importante ressaltar que o tema das definições conceituais e suas repercussões no empre go das forças armadas no Brasil também deve ser com preendido a partir do estudo das versões da Constituição Federal e subsequentes leis complementares, portarias e decretos (ver: Mathias & Guzzi, 2010, Mathias et al. 2019).

2A criação do Ministério da Defesa, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, intentou sistematizar e or ganizar a área no Brasil, tendo como início a publicação da primeira Política de Defesa Nacional (PND) em 1996. No ano de 1999, os quatro ministérios militares (Ma rinha, Exército, Aeronáutica e Estado-Maior das Forças Armadas) foram substituídos pelo Ministério da Defesa, além da Casa Militar ser transformada em Gabinete de Segurança Institucional, com o que os antigos ministros militares foram reduzidos a comandantes das Forças Ar madas — apesar de forte resistência. Entre outras atuali zações da pasta, em 2010, foi criado o Estado-Maior Con junto das Forças Armadas, com o objetivo de fortalecer o papel do ministro e centralizar a gestão das três forças. Essas iniciativas foram realizadas no marco das tentati vas de subordinar os militares ao poder civil (Lima, 2015, Fuccille, 2006; Oliveira, 2005).

3“To o Brasil crescido economicamente e ampliado seu perfil internacional, deve agora adotar ‘uma nova postu ra no campo da Defesa’, implicando a reforma do ministé rio da Defesa e a reorganização das Forças Armadas” (EM Interministerial 00437/MD/SAE).

4O primeiro deles ocorreu entre um avião da empresa Gol e um jato executivo em novembro de 2006. Posteriormen te, em junho de 2007, um voo da empresa TAM não conse guiu pousar adequadamente no aeroporto de Congonhas, na cidade de São Paulo, Brasil.

5A expressão de Liddell Hart expressa no texto da END foi discutida por diversos autores, entre eles: Oliveira (2009) e Saint-Pierre (2009).

6A militarização de esferas do governo, que, em 2019, no Brasil, alcançou a marca de 6.500 militares (da ativa e da reserva), levou a recuperar a ideia do Partido Farda do (Ferreira, 2000) reinterpretado como Partido Militar (Penido et al., 2020). Sobre a presença massiva de milita res no governo de Jair Bolsonaro e as recentes ameaças à democracia no país, ver Penido et al., 2021; Vitelli et al., 2021.

7“‘Guerra híbrida’ é um conceito cada vez mais adotado para a definição de novos conflitos do século xxi, frequen temente chamados “conflitos do futuro”, em que ações de combate convencional são aglutinadas, no tempo e no espaço, com operações de natureza irregular, de guerra cibernética e de operações de informação, dentre outras, com atores estatais e não estatais, no ambiente real e informacional, incluindo as redes sociais. Sua natureza realça características dos conflitos contemporâneos e tornam a definição das missões das Forças Armadas muito mais complexa, dinâmica e sofisticada” (Brasil, 2016b, p. 9, grifo nosso). O termo não foi inserido nos documentos de 2020.

8Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou a inco- lumidade das pessoas e do patrimônio, praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população em ge ral” (Brasil, 2013, p. 15).

* Artigo de pesquisa.

Cómo citar: Meneghim Donadelli, L., Saint-Pierre, H. L., & Vitelli, M. G. (2021). Os documentos de defesa do Brasil: aproximações sucessivas à Doutrina de Segurança Nacional. Revista De Relaciones Internacionales, Estrategia Y Seguridad, 16(2), 141-156. https://doi.org/10.18359/ries.5602

Recebido: 29 de Janeiro de 2021; Aceito: 28 de Junho de 2021; Publicado: 31 de Dezembro de 2021

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