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Revista de Relaciones Internacionales, Estrategia y Seguridad

Print version ISSN 1909-3063

rev.relac.int.estrateg.segur. vol.17 no.2 Bogotá July/Dec. 2022  Epub Dec 31, 2022

https://doi.org/10.18359/ries.6168 

Artículos

A intervenção francesa no Mali: estudo de caso sobre a Operação Serval*

The French Intervention in Mali: a case study on Operation Serval

La intervención francesa en Mali: estudio de caso sobre la Operación Serval

Josias Marcos de Resende Silvaa 

Henrique de Oliveira Mendonçab 

Rodrigo Bezerra de Azevedoc 

Rafael Costa Marinhod 

a Mestre em Relações Internacionais e Resolução de Conflitos pela American Military University. Mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Filiação: Escola de Comando e Estado Maior do Exército (Eceme), Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: josias.silva@eb.mil.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3939-7925.

b Mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Filiação: eceme, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: holiveiram@hotmail.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-5807-2662.

c Mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Filiação: ecemeE, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: azevedo.rodrigo@eb.mil.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7778-9914.

d Mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Filiação: eceme, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: caprcostamarinho@hotmail.com ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9034-3194.


Resumo:

aproveitando-se da instabilidade resultante de um golpe de Estado ocorrido em março de 2012, rebeldes tuaregues conquistaram a região historicamente reivindicada do Azawad, localizada no norte do Mali. Nos meses seguintes, grupos armados jihadistas que apoiaram o movimento tuaregue tomaram o poder no território conquistado e impuseram um regime islâmico extremista. Além de desencadear uma crise humanitária de grandes proporções, os jihadistas passaram a constituir uma ameaça ao sul do país e a toda a região do Sahel. Após intensas negociações diplomáticas junto aos organismos internacionais e em decorrência de um pedido de ajuda militar proveniente do presidente interino do Mali, Dioncounda Traoré, a França liderou uma intervenção militar no país entre janeiro de 2013 e julho de 2014 denominada “Operação Serval”. Nesse contexto, este artigo analisa essa operação com o objetivo de avaliar o impacto dessa intervenção militar francesa no Mali. Metodologicamente, foi conduzido um estudo de caso sobre a Operação Serval, de forma a compreender profundamente sua condução, assim como seus antecedentes e suas consequências nos níveis político e militar. Como resultado, foi possível verificar que ela cumpriu satisfatoriamente seus objetivos militares propostos. Contudo, o bom desempenho militar não correspondeu ao sucesso no nível político. Embora a França tenha obtido temporariamente a legitimidade para a intervenção militar, a estabilidade do Mali e o protagonismo na região do Sahel, as causas estruturais do conflito malinês não foram eliminadas. Dessa forma, passada uma década da intervenção militar no Mali, a presença francesa no Sahel encontra-se em xeque.

Palavras-chave: Operação Serval; intervenção militar francesa; Mali; Sahel

Summary:

taking advantage of the instability resulting from a coup d'état in March 2012, Tuareg rebels conquered the historically claimed region of Azawad, located in northern Mali. In the following months, armed jihadist groups that supported the Tuareg movement seized power.

Movement seized power in the conquered territory and imposed an extremist Islamic regime. In addition to triggering a humanitarian crisis of major proportions, the jihadists became a threat to the south of the country and the entire Sahel region. After intense diplomatic negotiations with international organizations and following a request for military assistance from Mali's interim president, Dioncounda Traoré, France led a military intervention between January 2013 and July 2014 called "Operation Serval." In this context, the article analyzes Operation Serval to assess the impact of this French military intervention in Mali. Methodologically, a case study on Operation Serval was conducted to deeply understand its conduct, background, and consequences at the political and military levels. As a result, it is possible to verify that Operation Serval successfully fulfilled its proposed military objectives.

Objectives. However, good military development did not correspond to success at the political level. Although France temporarily obtained legitimacy for military intervention, stability in Mali, and a leading role in the Sahel region, the structural causes of the Malian conflict were not eliminated.

Of the Malian conflict were not eliminated. Thus, a decade after the military intervention in Mali, France intervention in Mali, the French presence in the Sahel is in check.

Keywords: Operation Serval; French military intervention; Mali; Sahel

Resumen:

utilizándose de la instabilidad resultante de un golpe de Estado ocurrido en marzo de 2012, rebeldes tuaregues conquistaron la región históricamente reivindicada del Azawad, ubicada en el norte de Mali. En los meses siguientes, grupos armados yihadistas que sostuvieron el movimiento tuaregue tomaron el poder en el territorio conquistado e impusieron un régimen islámico extremista. Además de desencadenar una crisis humanitaria de grandes proporciones, los yihadistas pasaron a constituir una amenaza al sur del país y a toda la región del Sahel. Luego de intensas negociaciones diplomáticas junto a los organismos internacionales y a la raíz de un pedido de ayuda militar proveniente del presidente interino de Mali, Dioncounda Traoré, Francia lideró una intervención militar en el país entre enero de 2013 y julio de 2014 denominada “Operación Serval”. En este contexto, el artículo analiza la Operación Serval con el propósito de evaluar el impacto de esta intervención militar francesa en Mali. Metodológicamente, se condujo un estudio de caso sobre la Operación Serval, con el fin de comprender profundamente su conducción y sus antecedentes y sus consecuencias en los niveles político y militar. Como resultado, es posible verificar que la Operación Serval cumplió satisfactoriamente sus objetivos militares propuestos. Sin embargo, el buen desarrollo militar no correspondió al éxito en el nivel político. Si bien Francia obtuvo temporariamente la legitimidad para la intervención militar, la estabilidad de Mali y el protagonismo en la región del Sahel, las causas estructurales del conflicto maliense no se eliminaron. De esta forma, pasada una década de la intervención militar en Mali, la presencia francesa en el Sahel se encuentra en jaque.

Palabras clave: Operación Serval; intervención militar francesa; Mali; Sahel

Introdução

Em março de 2012, o presidente Amadou Tomani Touré sofreu um golpe de Estado, o que correspondeu à quebra de um regime democrático relativamente duradouro no Mali. Aproveitando-se da instabilidade, rebeldes tuaregues do Movimento Nacional para a Libertação do Azawad (MNLA) tomaram o norte do país, porção historicamente reivindicada por essa minoria étnica malinesa. Entretanto, nos meses seguintes, extremistas da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQMI), do Ansar Dine e do Movimento para a Unidade e para o Jihad na África Ocidental (Mujao) usurparam o território previamente conquistado pelo secular MNLA, impondo de forma violenta a lei da sharia1 na região (Hicks, 2016, p. 193; Tramond e Seigneur, 2013, p. 41; Charbonneau, 2017, p. 417).

O regime imposto pelos extremistas islâmicos no norte do Mali resultou em uma crise humanitária de imensas proporções. Além do deslocamento forçado de centenas de milhares de habitantes para o sul do país, cerca de 150.000 civis tornaram-se refugiados ao buscarem abrigo nos Estados vizinhos (Axe, 2013). Juntamente com os civis, o combalido exército malinês também fugiu em direção a Bamako, abandonando a população local à própria sorte. Nesse momento, ao perceber que não seria possível resistir ao avanço dos extremistas islâmicos, o presidente interino Dioncounda Traoré fez um apelo à França para que interviesse no país, de forma a neutralizar os grupos rebeldes e recuperar a integridade territorial do Mali (Hicks, 2016, p. 193; Tramond e Seigneur, 2013, p. 42). Dessa forma, em janeiro de 2013, foi lançada a Operação Serval, liderada pelas forças armadas francesas e apoiada por tropas de países da região do Sahel2 , com destaque para o Chade.

Em uma questão de dias, o esforço combinado da força aérea e de Forças de Operações Especiais francesas foi capaz de barrar o avanço dos extremistas. Em seguida, as tropas da Operação Serval reconquistaram as principais cidades no norte do país, obrigando os jihadistas a buscarem refúgio em seu santuário, localizado nas montanhas inóspitas ao longo das fronteiras do Mali com a Argélia e o Níger. Nos três meses e meio seguintes, franceses e seus aliados africanos focaram seu emprego na localização e engajamento dos rebeldes islamitas restantes, reduzindo-os a números insignificantes. Nesse período, cerca de 2.000 extremistas foram mortos e 430 capturados, representando um resultado expressivo (Boeke e Shuurman, 2015, p. 1).

A reação inicial da população malinesa à intervenção francesa foi de alívio e alegria, o que pôde ser comprovado pelo hasteamento de inúmeras bandeiras da antiga metrópole pelas ruas de Bamako (Hicks, 2016, p. 194). Por sua vez, críticos internacionais consideraram a ação francesa no Mali como mais uma intervenção militar contestável da potência europeia em busca de seus interesses nacionais (Keenan, 2014, p. 26). De fato, em agosto de 2014, ao invés de se retirar do Mali, a França transformou a Operação Serval em Operação Barkhane, uma ampla operação de contraterrorismo em cooperação com os cinco países do Sahel (Charbonneau, 2017, p. 417). Assim, os europeus parecem ter aproveitado o pretexto da operação Serval para assegurar sua projeção geopolítica na região.

Apesar do aparente êxito militar da Operação Serval, a situação no Mali continua instável e turbulenta. Entre os principais problemas, encontram-se a corrupção generalizada do governo, o ressurgimento dos grupos extremistas e a divisão de facto do Mali, com os rebeldes controlando regiões no norte do país (Charbonneau, 2017). Nesse contexto, levando-se em consideração a conjuntura posterior à intervenção francesa no Mali, é possível afirmar que a Operação Serval tenha cumprido seus objetivos propostos?

Portanto, o objetivo deste artigo é analisar detalhadamente a Operação Serval, bem como seus antecedentes e suas consequências, buscando concluir sobre o real impacto dessa intervenção militar francesa no Mali. Para possibilitar essa análise, este estudo aborda inicialmente os antecedentes e os principais atores relacionados ao conflito malinês. Em seguida, a Operação Serval é examinada em suas diversas fases, de forma compreender pormenorizadamente o engajamento das forças armadas francesas. Por fim, este trabalho enumera as principais consequências da intervenção francesa no Mali, concluindo sobre seus resultados mais marcantes.

Assim, o presente artigo se faz relevante na medida em que se propõe a analisar a Operação Serval, a qual representou um marco na história recente das intervenções militares no continente africano. Ademais, a Operação Serval merece destaque por ter sido conduzida fora do eixo Estados Unidos da América-Rússia-China, maiores potências militares da atualidade. Nesse sentido, com meios e recursos limitados, a França obteve um resultado militar aparentemente expressivo no Mali, mesmo que controverso, trazendo uma série de ensinamentos sobre a condução de operações militares no contexto dos conflitos contemporâneos.

Metodologia

Metodologicamente, este artigo é constituído por um estudo de caso sobre a Operação Serval, desdobrada no Mali entre 2013 e 2014. Com vistas à construção do estudo de caso em questão, esta pesquisa adotou a abordagem qualitativa. Segundo Bui (2014, p. 15), essa abordagem permite a investigação dos tópicos e informações disponíveis com profundidade, facilitando a criação de um retrato mais abrangente da situação. Dessa forma, buscouse analisar de forma holística os antecedentes, o conflito armado propriamente dito e suas consequências para os principais países participantes.

Nas últimas décadas, os conflitos armados vêm sendo travados em ambientes de crescente complexidade, apresentando características como a dificuldade de distinguir combatentes e não combatentes; a indefinição do campo de batalha, o qual transcende o ambiente físico e adentra nos ambientes humano e informacional; o uso de alta tecnologia e o considerável aumento da violência contra a população civil (Silva, 2021, p. 41). Tendo em vista esse novo contexto nos quais são travados os conflitos armados e com o objetivo de compreender melhor o ambiente que propiciou a intervenção francesa no Mali, este artigo utilizou o diagrama de relações referente a janeiro de 2013. Essa ferramenta largamente utilizada no planejamento de operações militares contemporâneas oferece uma análise gráfica das interações estabelecidas entre os diversos atores envolvidos no conflito, facilitando a identificação de suas causas estruturais e os principais óbices à sua resolução.

Além disso, a complexidade inerente aos conflitos armados atuais resulta em operações militares cada vez mais imprevisíveis e contestáveis. Nesse escopo, Silva e Dias (2021, p. 31) argumentam que a análise de conflitos reflete apenas uma perspectiva conjuntural, capaz de expressar a realidade momentânea daquele ambiente operacional. Por essa razão, pode-se esperar que a percepção de sucesso de uma intervenção militar sofra mudanças ao longo do tempo.

Particularmente no que se refere aos resultados obtidos pela França por meio da Operação Serval, foram elencados alguns parâmetros que permitiram avaliar o desempenho desse esforço político-militar francês no Mali. No nível político, os parâmetros avaliados foram legitimidade da intervenção francesa, estabilização do Mali e protagonismo geopolítico da França na região do Sahel. Por sua vez, no nível operacional (militar), os parâmetros elencados relacionaram-se ao estado final desejado inferido deste estudo de caso: integridade territorial do Mali restabelecida; grupos armados jihadistas neutralizados; população malinesa e residentes franceses no Mali protegidos.

Por fim, os métodos de coleta de dados selecionados para esta pesquisa foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Nesse sentido, as principais fontes utilizadas foram artigos científicos revisados pelos pares, artigos técnicos de militares que participaram da Operação Serval, livros e documentos militares doutrinários. No que se refere ao recorte temporal, esta pesquisa priorizou o período de 2013 a 2014, quando se desenvolveu a operação. Entretanto, fontes anteriores e Posteriores a esse período também foram utilizadas para a melhor compreensão dos antecedentes e consequências dessa intervenção francesa no Mali.

Antecedentes e atores

Incrustado na África Ocidental, o território malinês engloba desde uma savana populosa no sul ao norte desertificado. No início da Operação Serval, a população do Mali se aproximava de 16 milhões de habitantes, sendo que cerca da metade vivia abaixo da linha da pobreza (Banco Mundial, 2021). A crise recente do Mali se contrasta com sua pujança regional no passado. Importante rota no comércio do ouro e do sal, o Império do Mali perdeu gradativamente sua relevância com o incremento da logística comercial marítima, a partir do século 16. Ao final do século 19, o território malinês foi incorporado ao domínio colonial francês, e só conquistou sua independência definitiva em 1960. Entretanto, a fragilidade da economia e a instabilidade política não permitiram uma separação profunda com a antiga metrópole, cuja representação em Bamako permaneceu com vigorosa influência. Ao longo da segunda metade do século 20, uma ditadura socialista se instalou e conflitos eclodiram tanto com sua vizinhança, como com minorias étnicas internas, notadamente os tuaregues - nômades muçulmanos do Norte, de pele clara e língua berbere (Notin, 2017, p. 34).

O século 21 se iniciou com uma esperança democrática no Mali. A eleição em 2002 de Amadou Toumani Touré - ex-militar e líder da revolução que derrubara o presidente Moussa Traoré em 1992 e instituíra uma nova constituição - suscitou uma ampla coalizão de apoio. Sua reeleição em 2007 com ampla maioria dos votos e reconhecimento internacional aparentavam que, enfim, a estabilidade política não era efêmera. No entanto, a narrativa de êxito do liberalismo econômico não alcançava além das elites do sul malinês. A ausência estatal no Norte desencadeou uma crescente erosão da autoridade e legitimidade do poder oficial de Bamako sobre os grupos daquela região (Chafer, 2016, p. 123; Charbonneau, 2017, p. 417). O vácuo de governança foi preenchido pela presença de organizações não governamentais, mas sobretudo pelo crime transnacional - particularmente o tráfico de drogas - e pela expansão do jihadismo saheliano (Epstein, 2013, p. 38).

A despeito da maioria muçulmana desde sua independência, a islamização que até a última década do século 20 tinha raízes argelinas, passou a ter origem saheliana no início deste século e a alterar a identidade nacional no Mali (Utley, 2016, p. 151). Assim, em meio à efervescência terrorista, nasceu uma franquia da Al-Qaeda no Magreb Islâmico, a partir da vinculação do Grupo Salafista pela Pregação e pelo Combate à matriz da rede de Bin Laden. Sob uma liderança descentralizada entre Abou Zeid, Belmokhtar e Droukdel, a AQMI encontrou no abandonado norte do Mali um terreno fértil para sua Jihad3 e empregava o sequestro de reféns como sua fonte de recursos e canal de mensagem com o Ocidente. Os ganhos políticos eram, sem dúvidas, maiores que a compensação financeira dos resgates, e o desgaste na relação entre Amadou Touré e a França evidenciam esse sucesso. Ademais, como adeptos do ascetismo, os extremistas da AQMI se diferenciavam dos narcotraficantes que exploravam a região e, em vez de ostentação, optavam pela conquista da população local por meio do que Grynkewich (2008) alcunha de welfare as warfare, ou seja, uma provisão alternativa de bens em substituição ao Estado malinês.

Outros dois grupos islâmicos tiveram papel decisivo na desestabilização do Mali. O Ansar Dine - traduzido como “soldados da fé” - foi fundado em 2012 por Iyad Ag Ghali, um experiente rebelde que liderou a rebelião tuaregue em 1990 e em 2006, mas que vinha se radicalizando desde então e havia sido preterido para liderança do movimento no norte do Mali. Ag Ghali tinha reconhecida influência na região e servia de interlocutor com a Argélia para resolução de sequestros, assim como com a população tuaregue para interesses da AQMI (Notin, 2017, p. 50). A outra entidade salafista surgiu de uma dissidência da AQMI no fim de 2011. Criado pelo mauritano Kheirou, o Mujao atraiu grande parte das tribos negras oprimidas pelos tuaregues no Norte, como os songais e peuls, particularmente na populosa região de Gao (Tramond e Seigneur, 2014, p. 77).

O contexto geopolítico regional também foi determinante para o desencadeamento da crise malinesa. A criação do Sudão do Sul e, em especial, a intervenção militar internacional na Líbia em 2011 catalisaram as históricas demandas independentistas dos tuaregues, que se materializaram com a fundação do MNLA. Sob forte influência da etnia ifoghas, o MNLA se diferenciava pelo seu caráter identitário de representante dos povos do Norte e pela sua rejeição às radicalizações emergentes na região (Notin, 2017, p. 79). A disponibilidade de armamentos após a queda de Khadafi e a expertise adquirida por mercenários tuaregues que combateram na Líbia levaram a um desequilíbrio na balança bélica em prol do Norte (Boeke e Shuurman, 2015, p. 5). O encorajamento resultou numa ofensiva do MNLA sobre importantes cidades como Menaka, Gao, Kidal e Timbuktu, ainda no início de 2012.

A ineficiência do governo e a desmoralizante retirada do exército malinês rumo ao Sul expuseram a fragilidade endêmica vigente em todo o Mali e geraram manifestações nas ruas de Bamako. Aliás, a corrupção e o nepotismo não impediram um golpe oriundo da jovem oficialidade das forças armadas e, em março de 2012, a sede do executivo malinês foi invadida, o presidente se refugiou na embaixada do Senegal e o poder foi assumido por uma junta liderada pelo capitão Sanogo. O apoio inicial da população sulista contrastou com a condenação internacional do golpe. A França, a União Africana e, principalmente, a Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental (Cedeao) exigiram eleições e ameaçaram os líderes da junta com sanções. No início de abril, a junta recuou e o presidente da Assembleia Nacional, Dioncounda Traoré, assumiu a presidência interina do Mali (Notin, 2017).

Simultaneamente à vacância de poder central em Bamako, ocorria uma intrincada rede de alianças entre os grupos no Norte. A imaturidade política do MNLA e seu desgaste na ofensiva inicial o levaram a uma aproximação oportunista com os extremistas da AQMI, do Ansar Dine e do Mujao, a fim de assegurar a independência do Azawad, a qual haviam proclamado em abril. No entanto, apesar da curta duração, esse pacto se revelou um erro estratégico para o MNLA, pois destruía o seu diferencial laico e os igualava aos jihadistas perante a opinião pública internacional. Em junho, o MNLA já não possuía o status de interlocutor da comunidade tuaregue e sofria perdas territoriais para os três grupos armados jihadistas. O precursor da ofensiva havia sido neutralizado pelos próprios parceiros e os ideais da rebelião já tinham mudado.

O segundo semestre de 2012 foi marcado pelas negociações por uma resposta internacional. Inegavelmente, a França era o principal ator no tabuleiro, devido ao seu histórico conhecimento da região obtido graças à capilaridade de sua Direção-Geral de Segurança Externa (DGSE). Contudo, dois fatores limitavam a proposição de soluções mais incisivas: a aversão às ingerências pelos africanos e a incoerência com a pauta pacifista do partido socialista que havia assumido recentemente o governo francês. Tratativas para que os “africanos resolvessem seus próprios problemas” foram recorrentes, porém a reduzida capacidade militar dos países da região recaía numa falta de confiabilidade e exigia uma participação efetiva de uma potência externa. A despeito do discurso de François Hollande, contrário ao emprego de qualquer soldado francês em território malinês, o Ministério da Defesa francês se dedicava à atualização de planos operacionais para atuar em sua antiga colônia, enquanto a diplomacia trabalhava por respaldo ao uso da força (Notin, 2017, p. 147). A vitória diplomática se concretizou em 20 de dezembro de 2012, com a Resolução 2.085, do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), que autorizou o desdobramento da Missão Internacional de Apoio ao Mali (Misma), sob comando africano.

O êxito diplomático levou a uma acomodação política, já que a intervenção era imaginada para, no mínimo, nove meses mais tarde (Prodi, 2012). O foco internacional se transferiu para a República Centro-Africana e, não fosse o monitoramento feito pelas Forças de Operações Especiais pré-posicionadas no Sahel (Sabre) - e pela DGSE, as colunas de picapes na cidade malinesa de Konna passariam despercebidas. No início de janeiro de 2013, a ofensiva jihadista marchou para o sul e atingiu Mopti, cidade estratégica na divisa entre o norte e o sul malinês, levando a um apelo oficial do presidente interino Traoré por uma intervenção, o que comoveu a comunidade internacional e levou a uma deliberação emergencial do CSNU em favor do emprego da força.

Estava, portanto, configurado o cenário imediatamente anterior ao desencadeamento da Operação Serval, com uma intricada teia de relacionamentos (figura 1) na qual se sobressaem três atores fundamentais: a) o Mali, com sua histórica disputa étnico-política interna e um exército despreparado; b) a França, em uma dicotomia entre o discurso diplomático anti-intervencionista e os interesses geopolíticos e c) os Grupos Armados Jihadistas (GAJ), cuja retórica expansionista ecoava rumo ao sul do Mali e ameaçava importantes fontes energéticas francesas. Outros atores regionais e extrarregionais alternavam entre o apoio velado e o suporte bélico direto. Organismos internacionais, em geral, rejeitavam soluções conflituosas, enquanto a mídia tinha papel decisivo influenciando a opinião pública em oposição às ações terroristas dos GAJ, e organizações não governamentais tentavam manter a imparcialidade, mas muitas vezes seus resultados eram explorados por jihadistas.

Fonte: elaboração própria.

Figura 1. Diagrama de rRelações iInicial (janeiro de 2013) 

Em meio à “guerra ao terror”, a França se viu obrigada a assumir o protagonismo na África Ocidental e o Mali passou a ser crucial. Entre as motivações para essa iniciativa, o receio de que os sequestros e os atentados se proliferassem e atravessassem o Mediterrâneo parece fazer mais sentido que insinuações econômicas. A preservação de interesses comerciais com o Mali não encontra robustez como argumento, haja vista a baixa representatividade das trocas com aquele país. O ouro, que poderia ser compensatório, perderia qualquer sentido a partir do montante dispendido com uma ação militar da estatura da Operação Serval. Assim, a influência na geopolítica regional - e aí se destaca a relevância do urânio do Níger para a segurança energética francesa - e a segurança de empresas e dos quase cinco mil cidadãos franceses no Mali, aparentam maior coerência quando se investigam as razões para a dinâmica francesa (Notin, 2017, p. 33).

Nesse sentido, o protagonismo numa operação militar bem-sucedida no papel de defesa da democracia e da estabilidade de regimes legítimos poderia contrapor à narrativa neocolonialista, reforçar o alinhamento com a pauta antiterrorista da potência mundial, além de elevar sua influência política no cenário regional. Assim, a condução no nível operacional deveria ser pautada pela legalidade, pela legitimidade, pela rapidez e pelo mínimo de danos colaterais.

Para tanto, Utley (2016) argumenta que os objetivos das forças armadas francesas eram, num primeiro momento, assistir as tropas malinesas na contenção do avanço jihadista e, posteriormente, forçar seu recuo, sempre com a preocupação de proteger a população civil. Na segunda fase, apoiariam a recuperação da integridade territorial e da soberania malinesa e, por fim, criariam condições que permitissem a implementação da Misma e o estabelecimento da Missão de Treinamento da União Europeia para o Mali, a EUTM. O subchefe de operações das forças armadas francesas - general Didier Castres, em entrevista a Notin (2017, p. 223) - especifica ainda a intenção do presidente Hollande de expulsar os jihadistas do Mali e desorganizar profundamente suas estruturas de comando e logísticas, além de localizar reféns.

Dessa forma, infere-se que o efeito final desejado com o desencadeamento da Operação Serval consistia a) na integridade territorial do Mali restabelecida, b) em grupos jihadistas neutralizados e c) na população malinesa e residentes franceses no Mali protegidos. Com esses propósitos, as relações do diagrama inicial precisavam ser modificadas pela arte da guerra.

Operação Serval

Em uma campanha militar, é fundamental identificar o centro de gravidade do inimigo para atacá-lo e obter uma vantagem decisiva. Segundo Eikmeier (2004), centro de gravidade é a fonte de poder que cria uma força ou uma capacidade crítica que permite a uma entidade agir ou realizar uma tarefa ou propósito. Nesse sentido, os franceses apontaram como centro de gravidade os grupos armados jihadistas, compostos pela AQMI, pelo Mujao e pelo Ansar Dine (Notin, 2014, p. 186). Entre eles, a AQMI merecia uma atenção especial por possuir a possibilidade de conduzir atentados terroristas e promover sequestros de reféns internacionais e tráfico de drogas, o que era visto como uma ameaça à segurança da Europa (Keenan, 2014, p. 29; Notin, 2014; Chafer, 2016). Além disso, os GAJ eram capazes de tomar territórios e exercer efetivamente seu controle (Utley, 2016; Boeke e Schuurman, 2015).

No que diz respeito à condução das atividades militares, a Operação Serval pode ser dividida em três fases principais: bloqueio, tomada da curva do Níger e limpeza do norte do Mali, conforme pode ser visto na figura 2. A primeira delas, também intitulada por Tramond e Seigneur (2014, p. 79) como “reação inicial, concentração de forças e bloqueio”, foi desenvolvida entre os dias 11 e 21 de janeiro de 2013 e englobou as ações desencadeadas para barrar o avanço dos insurgentes em direção ao sul do Mali e a mobilização de forças francesas localizadas na África e na França metropolita, visando a seu envio para a região do conflito.

Fonte: elaboração própria.

Figura 2. Mapa da Operação Serval 

No contexto da primeira fase, a pronta resposta francesa partiu do destacamento Sabre 2, constituído por Forças de Operações Especiais e seus elementos do 4º Regimento de Helicópteros, estacionado em Burkina Faso (Sheehan e Siegel, 2021). Desdobrado originalmente em Ouagadougou, Burkina Faso, o Sabre 2 realizou um deslocamento aéreo até a cidade de Sévaré, na porção central do Mali, onde deteve o avanço dos jihadistas que seguiam naquele eixo em direção a Bamako (Tramond e Seigneur, 2014, p. 79).

Em seguida, forças francesas baseadas no Chade (Operação Épervier), na Costa do Marfim (Operação Licorne) e no Senegal também seguiram para o Mali com o objetivo de constituir o primeiro Grupamento Tático Interarmas (GTIA-1 [Tramond e Seigneur, 2014]). Inicialmente, o GTIA-1 garantiu a segurança do aeroporto de Bamako, objetivo estratégico para a condução das operações. Em um segundo momento, apoiado por aeronaves francesas e com o intuito de bloquear o avanço dos GAJ, o GTIA-1 moveu-se em dois eixos distintos para o norte e para o leste do país. Enquanto isso, outros três GTIA eram mobilizados para formar a Brigada Serval. Além da tropa terrestre, meios da força aérea e da aviação naval também foram enviados para o teatro de operações em apoio ao esforço de guerra francês. Ao término de dez dias, as forças armadas francesas haviam detido totalmente o avanço dos jihadistas (Guichaoua, 2020), tendo obtido o controle de importantes cidades como Konna, Diabely, Sévaré e Markala, onde havia uma importante ponte sobre o rio Níger (Notin, 2014, p. 309).

A posse dessas localidades malinesas marcou a transição para a segunda fase, denominada por Tramond e Seigneur (2014, p. 81) “tomada da curva do Níger”. Nessa fase, a Operação Serval passou a contar com quatro GTIA e tinha como objetivo principal a conquista da cidade de Gao. Mais tarde, pelo apelo midiático que a retomada de outro grande núcleo populacional no Norte poderia proporcionar, Paris determinou que as forças francesas também conquistassem Timbuktu nessa mesma fase da operação (Notin, 2014, p. 316). Assim, planejou-se a retomada de Timbuktu com uma ação simultânea do GTIA-1, o qual seguiu por estradas, e de tropas paraquedistas do GTIA-4, lançadas ao norte da cidade (Notin, 2014, p. 324).

Conquistada Timbuktu, o esforço principal da Operação Serval voltou-se para a região de Gao, identificada como o centro do dispositivo inimigo (Notin, 2014, p. 409). Apesar da resistência oferecida por integrantes do Mujao, Forças de Operações Especiais da França conquistaram Gao após a realização de um pouso de assalto noturno no aeroporto local (Notin, 2014, p. 350). Dessa forma, a conquista das cidades de Gao e Timbuktu asseguraram a tomada da alça do Níger, consolidando os objetivos operacionais dessa fase da operação.

A terceira fase de Serval foi conduzida entre fevereiro e maio de 2013. Definida por Tramond e Seigneur (2014) como “limpeza de Gao e do Adrar dos Ifoghas”, essa fase buscou a total integração territorial malinesa (Notin, 2014, p. 432). Embora tenha ocorrido cronologicamente ao término da segunda fase da operação, a conquista de Kidal, no sopé da cordilheira dos Ifoghas, pode ser considerada a primeira ação francesa relativa à terceira fase da operação. Assim como em Gao, essa localidade também foi tomada por meio de um pouso de assalto, o qual reuniu Forças de Operações Especiais e unidades aerotransportadas. Posteriormente, após haverem retomado a cidade de Ménaka, um contingente de aproximadamente 1.800 militares chadianos realizou a junção com as forças francesas em Kidal (Tramond e Seigneur, 2014, p. 82; Shurkin, 2014, p. 21).

Em seguida, os franceses conquistaram a cidade de Tessalit, próxima à fronteira com a Argélia. Nessa ocasião, Forças de Operações Especiais saltaram de paraquedas no aeroporto da cidade e mantiveram sua posse até a chegada de reforços vindos de Gao (elementos do GTIA-3), de Kidal (tropas do Chade) e de Sévaré (força de helicópteros [Tramond e Seigneur, 2014, p. 82; Axe, 2013]).

Após a conquista de Tessalit, foram desencadeadas ações em duas regiões principais: em Gao e na Cordilheira dos Ifoghas (também chamada “Adrar dos Ifoghas” ou “Adrar Tigharghar”). Em Gao e seus arredores, o recém-chegado GTIA-2 combatia o Mujao, que continuava a realizar ataques contra as forças francesas que ocupavam a cidade utilizando armas leves e homens-bomba. Enquanto isso, na Cordilheira dos Ifoghas, os GTIA-3 e GTIA-4 tinham a missão de limpar o santuário jihadista da AQMI a leste da cidade de Aguelhok (Tramond e Seigneur, 2014, p. 82). Para isso, os GTIA receberam apoio de tropas do Chade e de unidades aéreas e blindadas da França no que ficou conhecido como Operação Phantère (Tramond e Seigneur, 2013, p. 42; Notin, 2014, p. 472).

Terminada a “limpeza” do Adrar, a Operação Serval entrou em sua fase de transição, a qual contou com o envolvimento da ONU, da União Africana, da União Europeia, da Organização da Cooperação Islâmica (OCI) e principalmente da França (Notin, 2014, p. 638). Para François Hollande, os principais objetivos da fase de transição eram garantir a segurança no Mali, realizar o processo eleitoral com líderes malineses considerados legítimos e assegurar o entendimento entre o norte e o sul do país, reduzindo a ameaça jihadista (Axe, 2013). Segundo o plano francês, a segurança do Mali seria garantida pela renovação de seu exército nacional, condição considerada indispensável por Paris para a restauração do Estado saheliano (Notin, 2014, p. 159). Para alcançar essa meta, houve o importante envolvimento de uma vertente europeia por intermédio da Missão de Treinamento da União Europeia, a qual já havia sido aprovada desde dezembro de 2012 (Notin, 2014, p. 158). Essa missão, juntamente com o envio dos capacetes azuis, fazia parte da estratégia francesa de internacionalizar o conflito.

No que se refere às tropas da ONU, desde 20 de dezembro de 2012, o CSNU já havia adotado a Resolução 2.085, a qual previa o desdobramento da Misma (Chafer, 2016, p. 124; Notin, 2014, p. 161). Em 25 de abril de 2013, a Resolução 2.100 da ONU ratificou o envio de 12.600 capacetes-azuis pelo prazo inicial de um ano, sob o comando do ruandês Jean Bosco Kazura. A resolução previa a transferência de autoridade da Misma, liderada pela Cedeao, para a Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali (Minusma), e autorizava as forças francesas a usarem todos os meios necessários para apoiarem a missão (ONU, 2013, p. 9). Além disso, a nova resolução previa que a Minusma colaboraria com as organizações regionais africanas, em particular a União Africana e a Cedeao, e coordenaria sua ação com a da EUTM (Guilloteau e Nauche, 2013) com a finalidade de apoiar o processo político, a preparação das eleições, realizar tarefas de estabilização relacionadas à segurança, a proteção de civis e dos direitos humanos (ONU, 2013).

Outro importante objetivo de transição era a condução das eleições no país, para as quais Hollande impunha a data de julho de 2013 e assegurava que seria inflexível sobre possíveis prorrogações (Le Point, 2013). Logo, baseando-se na intenção do chefe de Estado francês, a principal missão da 6ª Brigada Blindada Leve, que assumira os encargos da Brigada Serval em maio de 2013, era permitir as condições para a realização de eleições amplas e livres (Notin, 2014, p. 629)

Entretanto, visando a uma estabilidade duradoura no Mali, ainda se fazia necessário o entendimento entre o norte e o sul do país, uma vez que ambos possuíam interesses historicamente divergentes. Enquanto Bamako queria retomar o controle de todo seu território, os tuaregues estavam mais interessados em discutir o status político da região do Azawad. Nesse sentido, em 18 de junho de 2013, foi assinado um acordo inicial entre as partes, no qual os tuaregues concordaram em desarmar-se após a assinatura de um novo acordo “global e definitivo de paz”, cujas discussões deveriam iniciar 60 dias após as eleições presidenciais (Notin, 2014, p. 639). Dessa maneira, em julho de 2013, a Operação Serval havia feito relevantes progressos para garantir a segurança do norte do Mali e para permitir a realização de eleições presidenciais nacionais, as quais seriam vencidas por Ibrahim Boubacar Keita (Hicks, 2016, p. 194), em agosto de 2013.

Consequências da intervenção francesa no Mali

A presente seção tem como objetivo apresentar os resultados e consequências da Operação Serval sob a ótica dos seguintes parâmetros militares e políticos: integridade territorial do Mali restabelecida; grupos armados jihadistas neutralizados; população malinesa e residentes franceses no Mali protegidos; legitimidade da intervenção francesa; estabilização do Mali; e protagonismo geopolítico da França na região do Sahel.

Restabelecimento da integridade territorial do Mali

No que tange ao restabelecimento da integridade territorial do Mali, as ações da Serval foram exitosas ao retomar o controle sobre as principais cidades malinesas já na primeira fase da Serval, o que foi possível logo após as ações das Forças de Operações Especiais francesas que se encontravam estacionadas em Burkina Faso. Em 22 de janeiro de 2013, a região ao sul da curva do rio Níger já havia sido retomada. A velocidade da investida francesa demandou uma extensa linha de comunicação e um forte suporte logístico possibilitando que, logo em seguida, os franceses prosseguissem na perseguição aos jihadistas na direção norte (Brinton, 2021).

Em seguida, durante sua perseguição aos GAJ em direção ao norte do Mali, os franceses reconquistaram as principais cidades como Gao, Timbuktu, Kidal, Tessalit e a região conhecida como Adrar dos Ifhogas, devolvendo o controle dessas localidades ao governo central malinês. Dessa forma, pode-se considerar que a integridade territorial do Mali foi restabelecida (Guichaoua, 2020, p. 898). Portanto, esse objetivo militar foi atingido pela Operação Serval.

Entretanto, como parte da Operação Serval em 2013, a França permitiu que rebeldes tuaregues retornassem à cidade de Kidal após sua reconquista para auxiliar no combate aos GAJ na região do Adrar dos Ifhogas. Essa atitude considerada intervencionista por Bamako desagradou a elite malinesa e gerou um forte ressentimento contra os franceses, dificultando a consolidação dos objetivos políticos da França no país (Guichaoua, 2020, p. 910).

Neutralização dos grupos armados jihadistas

Os GAJ foram definidos pela França como o centro de gravidade da Serval e a neutralização destes foi iniciada desde o início das operações (Notin, 2014, p. 186). Segundo Tramond e Seigneur (2014, p. 42), a neutralização dos grupos jihadistas foi facilitada pelo fato de que, a partir de janeiro de 2013, o aparato de inteligência francês e de seus aliados havia intensificado o acompanhamento dos principais movimentos insurgentes no Sahel. Com forte apoio dos Estados Unidos da América, a inteligência proveniente de satélites navais, aeronaves de patrulha marítima, veículos aéreos não tripulados e unidades de inteligência de sinais foi essencial para a seleção dos alvos iniciais da Serval. A assertiva identificação desses alvos, materializados principalmente por comboios com armamento sobre picapes na direção de Bamako, foi preponderante para negar o acesso à capital malinesa por parte dos jihadistas e para a conquista de Konna, Diabely, Sévaré e Markala (Notin, 2014, p. 309).

Outro fator de grande importância no combate aos GAJ durante a Serval foi o êxito no campo informacional. Os sequestros e atentados realizados por rebeldes em países vizinhos reforçaram o apoio da comunidade internacional ao enfrentamento da ameaça extremista no Mali (Boeke e Shuurman, 2015, p. 17). Além disso, o aumento da segurança para a população no decorrer das operações possibilitou um valioso retorno às tropas francesas. A ajuda da população malinesa se deu por meio do fornecimento de informações sobre o esconderijo dos insurgentes que tentavam se infiltrar no meio das comunidades locais. Assim, o avanço francês sobre o norte do Mali e as ações nas montanhas do Adrar teriam resultado na morte de centenas de terroristas.

Dessa forma, na busca do objetivo militar de neutralização dos GAJ, sem dúvida a Serval foi bem-sucedida durante sua implementação. No entanto, conforme salienta Keenan (2014, p. 28), cerca de 50% a 60% dos terroristas não foram detidos ou mortos e teriam se escondido no meio da população malinesa ou estariam se reagrupando ao norte do Mali, sugerindo que a neutralização dos GAJ tivesse sido apenas temporária. Nesse mesmo sentido, Guichaoua (2020, p. 899) enfatiza que esses grupos armados não haviam sido completamente dizimados. Apesar de terem sofrido pesados golpes, os jihadistas se reagruparam em áreas rurais do Mali e, posteriormente, em países vizinhos como Burkina Faso e Níger. Em 2019, os GAJ já ocupavam uma área geográfica mais ampla do que em 2013 (Guichaoua, 2020, p. 895).

Proteção da população malinesa e dos residentes franceses no Mali

A proteção da população malinesa e dos residentes franceses no Mali foi também um objetivo militar elencado para a Serval. Com a incapacidade do governo malinês em proteger seus cidadãos, milhares de civis e residentes franceses estavam à mercê dos grupos jihadistas e sob suas consequentes imposições. Muitos haviam migrado para o sul do Mali e outros haviam se refugiado nos países vizinhos (Axe, 2013). Dessa maneira, à medida que a tropa francesa foi reconquistando as principais cidades malinesas em direção ao Norte, a população festejava o avanço com a exposição de bandeiras da França pelo país (Hicks, 2016, p. 194). Os franceses eram vistos como libertadores por parte dos malineses. Da mesma forma, os residentes franceses também passaram a usufruir da mesma proteção contra os constantes sequestros de outrora.

Assim, o objetivo proposto de proteção da população malinesa e dos residentes franceses no Mali foi se tornando perceptível e a imposição da lei da sharia que tanto assolava a população malinesa se tornando algo distante. A segurança de forma geral estava assegurada novamente aos malineses e aos franceses que ali residiam (Faleg e Mustasilta, 2021, p. 3). Contudo, cerca de uma década após o início da intervenção francesa no Mali, a violência tem atingido índices extremamente nocivos com o aumento expressivo de disputa grupos étnicos (French, 2022). Nesse sentido, entre 2013 e 2022, cerca de 7.000 pessoas perderam suas vidas na chamada “Guerra Eterna da França” (Gin, 2022). Portanto, verifica-se que a Serval foi exitosa no que tange à proteção aos cidadãos do Mali e residentes franceses no país por um curto período. Com o passar do tempo, como a intervenção francesa não solucionou as causas estruturais do conflito malinês, a segurança dos civis encontra-se em uma situação crítica novamente.

Legitimidade da intervenção francesa

No que tange à legitimidade da intervenção, a França não queria reforçar o coro daqueles que pregavam que a sua presença no continente africano representava nada mais que a defesa de seus interesses na África francofônica. Decerto, tudo que o partido socialista de François Hollande não queria, em particular naquele momento de retorno ao topo do governo na França, era se envolver em um conflito armado (Notin, 2017, p. 147).

Nesse sentido, o governo francês já vinha trabalhando há meses para que a ONU autorizasse o envio de uma missão composta por países africanos para solucionar o problema malinês, o que finalmente ocorrera em 20 de dezembro de 2012, com a Resolução 2.085, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Tal resolução por si só pode ser considerada uma vitória diplomática da França. Entretanto, em termos práticos, a força composta de países africanos se mostrara incapaz de agir antes de setembro de 2013 (Chafer, 2016, p. 120). Segundo Chafer (2016, p. 125), após o avanço jihadista em janeiro de 2013, o general Puga, chefe de Estado-Maior do Exército francês, sugeriu ao presidente Hollande que a legitimidade plena para uma intervenção francesa dependeria de um pedido expresso por parte do presidente interino Dioncounda Traoré. Assim, após tratativas diretas e orientação de autoridades francesas sobre seu conteúdo, Traoré finalmente escreveu uma carta a Paris solicitando a ajuda militar francesa (Charbonneau e Sears, 2014, p. 603), chancelando então o início das operações. Estava cumprida com éxito a missão da diplomacia francesa em legitimar a intervenção militar no Ma.

Contribuindo para a legitimidade da intervenção, a França buscou a participação efetiva de outros países por intermédio da Missão de Treinamento da União Europeia. Tal missão era composta de instrutores de 23 nações europeias e tinha como meta formar 2.500 soldados malineses em 15 meses, além de fornecer rapidamente às tropas do Mali a capacidade de manter sua integridade territorial (Tramond e Seigneur 2014, p. 84). A EUTM foi originada a partir de uma carta enviada pelo presidente malinês à União Europeia, em 24 de dezembro de 2012, na qual ele solicitava o envio de uma missão de treino militar da União Europeia ao Mali. Dessa forma, a EUTM pode também ser considerada como mais um importante instrumento na busca pelo multilateralismo na legitimação da Operação Serval (EUTM, 2021).

Contudo, embora a intervenção francesa tenha sido bem recebida pelas autoridades malinesas, o fato de a presença militar ter durado mais de nove anos resultou em um crescente ressentimento com relação à França (Noé, 2022). Segundo Gin (2022), o prolongamento de uma intervenção militar tem como consequência a gradual associação do interventor a toda variedade de problemas existentes. Por essa razão, a imagem da França no Mali sofreu grande desgaste ao longo do tempo (French, 2022), passando a ser contestada pelos dirigentes malineses. Como resultado dos desentendimentos crescentes entre a França e o Mali, em 15 de agosto de 2022, por meio de uma série de comboios aéreos e terrestres entre a cidade de Gao e o Níger; os franceses finalizaram a retirada de suas tropas do Mali após quase uma década de intervenção militar no país (Le Point, 2022).

Estabilização do Mali

Quanto ao objetivo político de estabilização do Mali, este visava, prioritariamente, assegurar um ambiente seguro e estável que possibilitasse a realização de eleições presidenciais. Tal objetivo se consolidou entre julho e agosto de 2013 com a eleição de Ibrahim Boubacar Keïta. Como consequência desse pleito eleitoral, o Mali pôde receber, ainda em 2013, uma ajuda financeira de cerca de três bilhões de dólares da comunidade internacional. O retorno ao ambiente democrático no país propiciou ainda a antecipação do envio da Minusma a partir de abril de 2013 e estimulou o recebimento de novas doações internacionais (Boeke e Shuurman, 2015, p. 19).

A Serval foi exitosa em amenizar sintomas e garantir sobrevida a frágil integridade estatal, mas não eliminou as raízes do problema. O mandato de Keïta conviveu com constantes escândalos de corrupção governamental e a divisão entre Norte e Sul se manteve acentuada. Para o governo malinês, não havia muita diferença entre jihadistas e rebeldes tuaregues. Assim, o único objetivo que interessava ao governo do Mali era que o Azawad jamais se tornasse uma região autônoma (Charbonneau, 2017, p. 418).

Além disso, o histórico da relação conflituosa entre os tuaregues e o governo central dificultava um possível acordo de paz que levasse a uma consistente estabilidade do Mali, ao passo que relatos de que rebeldes remanescentes da AQMI e Mujao estavam se reagrupando na parte meridional da Líbia foram se tornando frequentes (Boeke e Shuurman, 2015, p. 19). De fato, uma estabilização duradoura no Mali necessitaria de um grande pacto político, envolvendo grupos étnicos de norte a sul do país, além do fortalecimento da coesão interna do exército malinês, o que não ocorreu. Somente dessa maneira a população se sentiria segura para resistir à novas investidas dos insurgentes (Tramond e Seigneur, 2014, p. 84).

O acordo de paz entre as autoridades do Mali e os separatistas tuaregues foi finalmente assinado em 2015 sob a mediação da Argélia. Entre outras medidas, os “Acordos de Argel” previam a reforma da administração territorial de regiões do Mali, bem como a integração dos rebeldes nas forças armadas malinesas (Guichaoua, 2020, p. 898). No entanto, os Acordos de Argel falharam. Entre as principais causas para seu fracasso, destacam-se a não participação dos grupos jihadistas nas negociações e o fato de que a maioria dos dirigentes e da população do Mali nunca aceitou as condições do acordo (Devenport e Harris, 2020). Em uma demonstração concreta da instabilidade no país, o Mali sofreu dois golpes de estado recentes, em 2020 e 2021, tendo Assimi Goita como a principal liderança em ambos os casos (French, 2022).

Protagonismo geopolítico da França na região do Sahel

Por sua vez, a intervenção no Mali representou uma mudança no protagonismo geopolítico da França na região do Sahel. Após a ampla crítica da opinião pública doméstica e internacional sobre seu papel no episódio de Ruanda no final da década de 1990, a França parecia ter abandonado o unilateralismo em suas ações no continente africano. Entretanto, a luta contra o terrorismo trouxe uma nova legitimidade para que os franceses interferissem militarmente no Sahel. Nesse sentido, ainda que a Serval tenha tido o aval da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental, a participação expressiva do Chade, país não integrante da Cedeao, reforçava o papel marginal daquela organização nas decisões francesas sobre as operações no território malinês (Chafer, 2016, p. 136).

O lançamento da Operação Barkhane como sucedânea à Operação Serval pareceu reafirmar o interesse da França em fortalecer o seu protagonismo no Sahel. Apenas um ano antes da Barkhane, os pronunciamentos oficiais do governo francês indicavam que as tropas francesas ficariam no Mali apenas por mais alguns meses. Essa contrariedade por parte da França, segundo Hicks (2016, p. 202), fez surgir no Mali o sentimento de que o país europeu tinha outras intenções além da notória necessidade de contenção do avanço terrorista. Intenções essas que se expressavam na permanente presença militar francesa na África, nos interesses protecionistas comerciais relacionados às minas de urânio no Níger, e ainda, no fortalecimento da imagem da França como potência militar em uma região onde os norte-americanos historicamente não possuem hegemonia geopolítica. Dessa maneira, por meio da Operação Serval, a França demonstrou que seus formuladores de políticas, apesar de comprometidos com o multilateralismo na África, não fogem do unilateralismo operacional se as condições exigirem uma ação militar rápida e robusta, desde que possam contar com o apoio político de parceiros internacionais (Erforth, 2020).

Como resultado da Serval, a França estabeleceu várias bases militares no Sahel, como em Tessalit, no Mali, em Agades e Diffa, no Níger, e em Faya-Largeau e Zouar, no norte do Chade. Além disso, os franceses mantiveram as bases já existentes em Gao, no Mali, em Niamey, no Níger, e N’Djamena, no Chade. Inegavelmente, a França havia expandido a presença em sua área interesse na África, delimitada pelos países francófonos da região (Tramond e Seigneur, 2014, p. 84; Keenan, 2014, p. 26).

Dessa forma, ao longo da última década, Cold-Ravnkilde e Jacobsen (2020, p. 856) constatam que o Sahel se tornou um teatro de operações no qual as intervenções militares lideradas pelos franceses abriram caminho para o estabelecimento de novas parceiras de segurança entre os países europeus, tendo a França como maior protagonista. Ademais, no campo econômico, a Operação Serval atraiu os holofotes para os produtos de defesa franceses, alavancando as vendas internacionais de equipamentos como o avião de caça “Rafale”. De forma similar, desde 2013, companhias francesas multiplicaram seus contratos na região do Sahel, tornando-se as principais fornecedoras de produtos de defesa para a Minusma, governos nacionais, o bloco G5 Sahel e a EUTM (Guichaoua, 2020, p. 903).

Entretanto, após os dois golpes de Estado ocorridos no Mali desde o término da Operação Serval, as relações entre Paris e a nova junta de governo malinesa deteriorou drasticamente. De acordo com ICG (2022), o desdobramento de mercenários russos no país a pedido do Mali, com o objetivo de neutralizar a nova ameaça jihadista, foi a principal razão da divergência entre ambos os governos. Essa guinada no comportamento dos dirigentes malineses, buscando parcerias com otras potências mundiais, demonstra uma atual tendência de perda do protagonismo francês no Sahel

Conclusões

Tendo concluído a presente pesquisa, foi possível verificar que o estudo de caso conduzido permitiu a compreensão aprofundada dos atores e suas interações, bem como das principais causas estruturais do conflito malinês. Nesse sentido, a ferramenta utilizada do diagrama de relações mostrou-se relevante ao fornecer uma visão gráfica e sintética das relações e interesses relacionados ao conflito em janeiro de 2013, momento que correspondeu ao lançamento da Operação Serval. O estudo de caso também proporcionou uma análise da condução das operações militares por parte da França, bem como o entendimento amplo das consequências associadas à intervenção francesa nos campos militar e político.

No que se refere ao aspecto militar, é possível afirmar que a Operação Serval cumpriu satisfatoriamente seus objetivos propostos, uma vez que atingiu o estado final desejado estipulado em sua concepção: integridade territorial do Mali restabelecida; grupos jihadistas neutralizados; e população malinesa e residentes franceses no Mali protegidos. Nesse sentido, em cerca de um ano e meio, as forças francesas retomaram a posse das cidades previamente ocupadas por grupos jihadistas em todo o norte do Mali, reintegrando essa porção do território ao Estado malinês. Simultaneamente, as tropas francesas e seus aliados do Sahel, especialmente o Chade, aplicaram sucessivas derrotas à AQMI, Mujao e Ansar Dine. Inicialmente, os GAJ perderam a capacidade de conduzir operações militares, buscando refúgio na Cordilheira dos Ifoghas. Em um segundo momento, esses grupos foram desarticulados durante a limpeza dessa região inóspita, a qual servia de santuário aos jihadistas. A população malinesa também foi protegida na medida em que os GAJ deixaram de aplicar a violência nas áreas que anteriormente estavam sob sua posse, o que havia resultado em centenas de milhares de refugiados e deslocados internos. Além disso, a comunidade francesa concentrada em Bamako permaneceu segura com a redução da ameaça jihadista no país.

Contudo, os resultados positivos da intervenção militar francesa não corresponderam a um sucesso no nível político. Essa situação pode ser explicada pela complexidade inerente aos conflitos contemporâneos, nos quais a percepção de sucesso pode oscilar ao longo do tempo. Dessa forma, como as ações no nível político não foram capazes de eliminar as causas estruturais do conflito malinês, o êxito da campanha militar acabou se dissipando com o passar dos anos. Nesse sentido, no que diz respeito à estabilização do Mali, embora a Operação Serval tenha assegurado eleições democráticas no país, o que representou um triunfo político para a França, o governo malinês não conseguiu integrar os tuaregues do Azawad, os quais continuam reivindicando autonomia. Ademais, os grupos jihadistas vêm se reagrupando ao longo do tempo e representam novamente uma ameaça ao Estado malinês. Ainda, dois golpes de Estado ocorridos em 2020 e 2021 comprovam a atual instabilidade do país sahelian.

No que concerne à projeção geopolítica francesa no Sahel, a Operação Serval demonstrou a capacidade da França de projetar poder militar além do continente europeu, aumentando seu poder dissuasório no âmbito internacional. Além disso, a transformação da Operação Serval em Operação Barkhane incrementou a presença geopolítica da França em todo o Sahel e assegurou sua influência sobre essa ampla região africana durante a década pós-Serval. Entretanto, a recente retirada das tropas francesas do país após divergências com o atual governo malinês e a presença crescente de mercenários russos no Mali demonstram a gradual perda do protagonismo francês na região do Sahel.

É importante ainda destacar que houve uma busca constante pela legitimidade desde o período que antecedeu até o período que sucedeu a Operação Serval, seja no plano internacional, seja no âmbito local. Em um primeiro momento, a aprovação da Resolução 2.085/2012 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas foi um marco para a diplomacia francesa ao conseguir o apoio de norte-americanos, russos e chineses para o envio de uma força africana ao Mali. Nesse momento, a comunidade internacional reconheceu a necessidade de se realizar uma intervenção internacional nesse país africano. Ao mesmo tempo, a criação da Missão de Treinamento da União Europeia destinada a organizar e capacitar as forças armadas do Mali demonstrou o apoio regional às pretensões francesas no Mali. No plano interno, o pedido de ajuda militar por parte do presidente interino malinês Dioncounda Traoré e a própria opinião pública local favorável aos franceses representaram relevantes fatores que contribuíram para a legitimação da intervenção francesa no Mali. Em contrapartida, cerca de uma década após o início da Operação Serval, a legitimidade francesa no Mali, que permitiu que os europeus mantivessem uma intervenção militar no país entre 2013 e 2022, passou a ser alvo constante de críticas e questionamentos por não haver criado a desejada paz duradoura. Como consequência da perda da legitimidade, em agosto de 2022, a França encerrou a Operação Barkhane no Mali após a retirada de suas últimas tropas do país saheliano.

Por fim, este estudo não esgota os conhecimentos sobre a intervenção francesa no Mali, visto que ele se concentra na Operação Serval, abrangendo também suas causas e consequências diretamente relacionadas. Dessa forma, novos estudos mais aprofundados sobre a Operação Barkhane, bem como sobre a influência francesa junto às forças da ONU desdobradas atualmente no país, poderão vir a complementar este artigo.

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*Artigo de pesquisa. Filiação: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

1Corpo de leis baseadas no fundamentalismo islâmico.

2Faixa de 500 km a 700 km que separa o deserto do Sahara e a savana africana. Refere-se também ao G5 Sahel (Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia, Níger).

3Guerra Santa travada contra “inimigos” da religião muçulmana.

Cómo citar: Silva, J. M. de R., Mendonça, H. ., Azevedo, R. ., & Costa Marinho, R. (2022). A intervenção francesa no Mali: estudo de caso sobre a Operação Serval: A intervenção francesa no Mali: estudo de caso sobre a Operação Serval. Revista De Relaciones Internacionales, Estrategia Y Seguridad, 17(2), 155-172. https://doi.org/10.18359/ries.6168

Recebido: 26 de Fevereiro de 2022; Aceito: 04 de Outubro de 2022; Publicado: 31 de Dezembro de 2022

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