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CS

versão impressa ISSN 2011-0324

CS  no.spe1 Cali dez. 2022  Epub 29-Jul-2022

https://doi.org/10.18046/recs.iespecial.5211 

Artigos

Neoliberalismo, ampliação das desigualdades e desconstrução da democracia *

Neoliberalismo, expansión de las desigualdades y deconstrucción de la democracia

Neoliberalism, Expansion of Inequalities and Deconstruction of Democracy

Fernando Augusto Mansor-De Mattos** 
http://orcid.org/0000-0002-1196-3246

Marcus Ianoni*** 
http://orcid.org/0000-0001-6072-0518

Paulo Roberto Mello-Cunha**** 
http://orcid.org/0000-0001-7886-5408

** Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Economia e do Programa de Pós-graduação em Ciência Política, ambos da Universidade Federal Fluminense UFF (Brasil). Foi Visiting Scholar no Institute of Latin American Studies, na Universidade de Columbia (Estados Unidos) (2017-2018). Faz pesquisas sobre Desigualdade Econômica e Distribuição de Renda. Correio eletrônico: fermatt1@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1196-3246

*** Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFF. Entre 2015 e 2016, foi Academic Visitor na Universidade de Oxford (Latin American Centre) (Reino Unido). Investiga teorias do Estado, regimes políticos, economia política e políticas públicas, especialmente as relações entre Estado, regimes, interesses e economia. Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil). Correio eletrônico: marcusianoni@id.uff.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6072-0518

**** Mestre em Ciência Política pela UFF e doutorando na mesma instituição. Tem experiência no Direito, com ênfase na área criminal e segurança pública. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). Titular da 2ª Promotoria de Justiça na Auditoria Militar do Estado do Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense (Niterói, Brasil). Correio eletrônico: paulomc@mprj.mp.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7886-5408


Resumo

Nas democracias, a financeirização da acumulação capitalista tem implicado em baixo crescimento econômico e no aumento das desigualdades políticas, de renda e riqueza. No plano do Estado, tem implicado na redução das políticas de bem-estar social. Esses processos alimentam a crise de legitimidade da democracia. Considerando o capitalismo neoliberal, os atores e os interesses, o objetivo do artigo é descrever e interpretar as tensões entre três variáveis: democracia, desigualdade e padrão de capitalismo. A hipótese é que o compromisso democrático depende de certa igualdade política e socioeconômica. Argumenta-se que o expressivo aumento da desigualdade, no capitalismo neoliberal, enfraquece a legitimidade da democracia e, em alguns países, tem estimulado a emergência de lideranças autoritárias. A principal base empírica são os EUA e o Brasil. A metodologia é qualitativa, o processs tracing: descrevemos o comportamento temporal das variáveis qualitativas para explorar inferências causais. Os dados quantitativos apresentados subordinam-se à análise qualitativa.

PALAVRAS-CHAVE: neoliberalismo; desigualdades; democracia; Brasil; Estados Unidos

Resumen

En las democracias, la acumulación capitalista financiarizada ha implicado un bajo crecimiento económico y mayores desigualdades políticas, de ingresos y de riqueza. A nivel estatal, ha implicado la reducción de las políticas de bienestar social. Estos procesos alimentan la crisis de la legitimidad democrática. Considerando el capitalismo neoliberal, sus actores e intereses, el artículo pretende describir e interpretar las tensiones entre tres variables: la democracia, la desigualdad y el patrón del capitalismo. La hipótesis es que la democracia depende de una cierta igualdad política y socioeconómica. Se argumenta que el aumento significativo de la desigualdad, en el capitalismo neoliberal, debilita la legitimidad democrática y, en algunos países, ha estimulado el surgimiento de liderazgos autoritarios. La principal base empírica es Estados Unidos y Brasil. La metodología es cualitativa, de seguimiento de procesos: describimos el comportamiento temporal de variables cualitativas para explorar inferencias causales. Los datos cuantitativos están subordinados al análisis cualitativo.

PALABRAS CLAVE: neoliberalismo; desigualdades; democracia; Brasil; Estados Unidos

Abstract

In democracies, the financialization of capital accumulation has implied low economic growth and increased political, income, and wealth inequalities. At the State level, it has led to the reduction of social welfare policies. These processes feed the crisis of democratic legitimacy. Considering neoliberal capitalism’s actors and interests, the paper aims to describe and interpret the tensions among three variables: democracy, inequality, and the pattern of capitalism. The hypothesis is that democratic commitment depends, to some extent, on political and socioeconomic equality. It is stated that the significant increase in inequality in neoliberal capitalism weakens the legitimacy of democracy and, in some countries, has stimulated the emergence of authoritarian leaderships. The main empirical basis are the United States and Brazil. A qualitative methodology with process tracing was used to describe the temporal behavior of qualitative variables aiming to explore causal inferences. The quantitative data are subordinated to the qualitative analysis.

KEYWORDS: Neoliberalism; Inequality; Democracy; Brazil; United States

Introdução

A pletora de trabalhos publicados nos últimos anos, por autores de diversas áreas das ciências humanas e sociais, tratando da crise da democracia liberal - todos com títulos pessimistas e alarmantes - é um dos indicadores, entre outros, de que estamos diante de um problema político central e de envergadura internacional. Para destacar apenas quatro obras com títulos alarmantes, mencionamos as seguintes: Buying Time: The Delayed Crisis of Democratic Capitalism (Streeck, 2017); Rupture: the crisis of liberal democracy (Castells, 2018); The People vs. Democracy: Why Our Freedom Is in Danger and How to Save It (Mounk, 2018); Como a democracia chega ao fim (Runciman, 2018). Mas também, nesse período, surgiram vários trabalhos sobre a crise do capitalismo, vários deles abordando sua interrelação com a questão democrática, por exemplo: Streeck (2016), Fraser (2017a; 2017b) e Saad-Filho (2020).

Vários fatos da história recente induzem à percepção de que a democracia e o capitalismo neoliberal estão em crise. Por um lado, observamos a ascensão de governantes autoritários, até nos EUA; o ressurgimento de um nacionalismo de direita e apoiado em massas mobilizadas; os sobressaltos institucionais de constitucionalidade duvidosa - como foi a deposição da ex-presidente Dilma Rousseff, no Brasil; a desconfiança nos partidos, nas eleições, nos parlamentos, nos representantes eleitos etc. Por outro lado, em 2007-2008, desencadeou-se a crise financeira internacional, que, até a atual crise provocada pela pandemia de covid-19, era considerada a maior crise do capitalismo após a Grande Depressão.

A crise da democracia é nosso tema de pesquisa, mas, como ela será examinada em sua conexão com a desigualdade socioeconômica e política, abordaremos também sua relação com as características do capitalismo neoliberal. Sendo assim, três variáveis se destacam nesta pesquisa: a democracia, a igualdade-desigualdade e o capitalismo, pois esses conceitos e estruturas se relacionam. A hipótese é que o compromisso democrático depende de certa igualdade política e socioeconômica. Se a igualdade não cumpre esse papel mínimo, a democracia pode entrar em crise. Se tomarmos a igualdade-desigualdade como variável independente, a variável dependente é a legitimidade da democracia. Mas o capitalismo neoliberal é outra variável importante nesta pesquisa, que tanto pode ser vista como variável independente que explica a desigualdade, como também pode ser vista como uma variável interveniente, situada entre a desigualdade e a legitimidade democrática.

A bibliografia de referência deste artigo contribui para construir a interrelação entre a crise democrática, o agravamento das desigualdades socioeconômica e política e o capitalismo neoliberal. Consideramos que a crise da democracia, o aumento das desigualdades e o padrão de capitalismo neoliberal têm íntima conexão, são elementos articulados em uma totalidade. Esse tipo de capitalismo neoliberal foi se construindo e se tornando hegemônico nas Américas, na Europa e em alguns países da Ásia desde a aurora dos anos 1980, porém, sob ele, tem aumentado a percepção dos cidadãos de que a democracia liberal não está entregando o bem-estar prometido por seus defensores.

Nosso método de abordagem é qualitativo, baseia-se no process tracing (Collier, 2011). Descreveremos características-chave do problema de pesquisa, considerando, principalmente, as consequências da mudança de trajetória decorrente do capitalismo neoliberal, que resultou no abandono do padrão de capitalismo regulado do pós-guerra. Para a descrição, usaremos as fontes mencionadas acima, além de outras, assim como dados quantitativos sobre a crise da democracia em geral e, especialmente, seu comportamento nos EUA e no Brasil. Estes países são duas grandes democracias das Américas e, nos últimos anos, passaram e ainda vêm passando, como é o caso do Brasil, por experiências de governos com perspectiva político-ideológica autoritária. Os dados quantitativos serão usados a serviço da estratégia metodológica qualitativa. Além disso, recorreremos ao que a teoria política tem a dizer sobre a democracia e sobre suas relações com a igualdade e com o capitalismo.

Nosso argumento apoia-se na identificação das duas diferentes estruturas de relação entre Estado (política) e mercado (economia) vigentes, por um lado, na Golden Age (1945-1975) e, por outro lado, no capitalismo neoliberal. Na Golden Age, o padrão de relação entre o Estado e o mercado nos países desenvolvidos, que alavancava a economia mista, expressava um equilíbrio de forças favorável a que a representação democrática e a gestão parlamentar cumprissem a função política de serem um contrapeso à desigualdade decorrente do desenvolvimento econômico (Stone; Trisi; Sherman; Beltrán, 2020); além disso, o desempenho do padrão de capitalismo então existente era melhor em termos de geração de empregos e de diretos trabalhistas, inclusive, em vários países, o pleno emprego era um objetivo central da política econômica (Shonfield, 1965). Por outro lado, a estrutura de relação entre Estado e mercado, desde o final dos anos 1970, evoluiu no sentido de os governos privilegiarem a desregulamentação das atividades econômicas e diminuírem os gastos com políticas de bem-estar social e seu arcabouço institucional. Além disso, o desempenho dos mercados no capitalismo neoliberal, resultante do desmonte da economia mista, passou a ser inferior ao da Golden Age, tanto em matéria de crescimento econômico, quanto em termos da geração e da qualidade de empregos. Nesse sentido, o capitalismo neoliberal é muito mais propenso a promover a exclusão social, tanto pelo mercado quanto pelo Estado. Essa dinâmica duplamente excludente tem enfraquecido os fundamentos do regime da soberania popular, pois ele se enraíza no princípio da igualdade política (Aristotle, 1887; Dahl, 2006). Apesar de sermos críticos em relação ao capitalismo neoliberal, não faz parte de nosso objetivo defender e nem prever que ele seja superado, ou que a economia internacional deva retornar ao paradigma keynesiano. Nosso propósito é compreender a relação atual entre democracia e desigualdade, e não prever o futuro ou prescrever como ele deve ser. Também não queremos propor como os atores devem se comportar para mudar a realidade.

O artigo possui três seções. Primeiramente, descreveremos a crise internacional da democracia liberal, inclusive fornecendo algumas informações quantitativas. Em segundo lugar, faremos a conexão entre as mudanças no padrão de capitalismo regulado, predominante no pós-guerra (economia mista), e a referida crise da democracia liberal. Na terceira seção, recorreremos a alguns dados empíricos da concentração de renda e riqueza nos EUA e no Brasil, para dar sustentação ao argumento teórico de que, no capitalismo neoliberal, as mudanças no mercado e no Estado e nas relações entre um e outro têm alimentado a crise de legitimidade da democracia. Como estrutura de poder, o Estado lastreia-se, com mais intensidade que outrora, nos ricos e muito ricos. Como produtor de políticas públicas, suas decisões são muito voltadas aos interesses dos agentes de mercado. E, como regime, o Estado democrático se enfraquece, devido à ampliação das desigualdades, especialmente nas esferas da política, da renda e da riqueza, embora não só. Esses processos esvaziam o conteúdo normativo da democracia como regime do poder popular e como regime do poder da maioria. Nas conclusões, formularemos uma síntese do artigo.

Evidências da crise da democracia liberal

Como a crise da democracia liberal se manifesta? Castells (2018) afirma que dois terços da população mundial são se sentem representados pelos governos, políticos, partidos e parlamentos. Essas pessoas consideram-se prejudicadas pela corrupção, pela opressão e pela ineficácia dos sistemas políticos de seus países. Reunindo dados de várias pesquisas, Mounk (2018) avalia que está em curso a recessão democrática, cuja principal característica é o forte abalo na confiança depositada nas instituições. Ele analisou a confiança na democracia nos EUA desde a década de 1970. Concluiu que, naquele país, caíram rapidamente tanto a confiança dos norte-americanos nos políticos quanto sua confiança nas instituições políticas, tendo ambas alcançado níveis muito baixos. Ou seja, não se trata apenas de descrença nos políticos, mas no próprio regime democrático-representativo.

Em relação às gerações mais jovens, nascidas após a década de 1980, Mounk afirma que, nos Estados Unidos, em torno de 25% dos millenials avalia que o governo democrático não é adequado. Esse percentual é mais do que 100% maior que o mensurado nas pessoas mais velhas da amostra. Também no Reino Unido, na Holanda, na Suécia e na Nova Zelândia, ele observa o fenômeno da decepção com a democracia. Afirma ainda que, no Canadá, Alemanha e Suécia, que são vistos como democracias consolidadas, os jovens estão muito mais insatisfeitos com esse regime político que seus pais e avós.

A disponibilidade de parte do público para alternativas autoritárias à democracia também teve um aumento expressivo nos EUA e em outros países. Ainda segundo Mounk (2018), de 1995 a 2011, aumentou de 34% para 44% a quantidade de jovens entre 18 e 24 anos que avaliavam como bom ou muito bom um sistema político que admitisse um líder autoritário, para que o governo não fosse prejudicado pelas eleições e pela política parlamentar. No conjunto das faixas etárias e no mesmo período, essa mesma avaliação subiu de 24% para 32%. Tendências crescentes de apoio a regimes e a políticos autoritários foram identificadas também nas principais democracias europeias, como Alemanha, França e Reino Unido. Referindo-se à Espanha e apoiado em pesquisas do Eurobarômetro e do CIS, Castells (2018) afirma que, de 2000 a 2016, a desconfiança dos cidadãos nos partidos políticos aumentou de 65% para 88%, e a desconfiança no parlamento e no governo elevou-se de 39% para 77%.

Segundo o relatório do Latinobarómetro (2018), apenas cerca de 20% dos latino-americanos acreditavam que seus países estavam progredindo. Dos mais de 20 mil entrevistados em 18 países da região, somente 5% avaliavam que existia democracia plena no país em que viviam. Cerca de 25% das pessoas apontavam pequenos problemas e, para quase 50%, havia sérias deficiências no regime político. Além disso, 14% avaliavam que seus governos não podiam ser considerados democráticos. Marta Lagos, diretora do Latinobarômetro, considerou que 2018 foi o annus horribilis da democracia na América Latina. Disse também que uma diabete democrática se espalhava pela região e que era necessário compreender essa situação1. Ao contextualizar historicamente a avaliação popular da democracia, os dados do Latinobarómetro indicavam que, desde a segunda metade dos anos 1990, quando essa agência começou a realizar pesquisas em todos os países da América Latina, o ponto mais alto de apoio ao regime democrático foi alcançado em 1997, quando atingiu 63%. Nos anos mais recentes (antes da crise da covid-19), a avaliação positiva da democracia caiu para 48%, o ponto mais baixo desde 2001.

Os fatos políticos confirmam as pesquisas de opinião. Nos últimos anos, ascenderam líderes e movimentos que questionam a democracia liberal, tanto de direita como, em menor medida, de esquerda. A direita ideológica tem feito uma crítica radical à institucionalidade democrática, propondo mudanças urgentes para combater a corrupção (que considera ser decorrente do crescimento da máquina pública) e para proteger a identidade nacional ou religiosa da nação. Sabemos que Donald Trump e Jair Bolsonaro incluem-se no extremo dessa perspectiva ideológica, que, inclusive, põe em xeque o regime democrático. A esquerda, por sua vez, denuncia a captura das instituições políticas pelas elites e propõe reformas que democratizem a democracia. Bernie Sanders, do Partido Democrata dos EUA, e o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, são exemplos desse tipo de crítica. Enfim, esses fatos evidenciam a crise de legitimidade das instituições da democracia liberal, que mina um princípio moderno desse regime político: a representação política. Está posta em questão a pretensão - e presunção - representativa da democracia moderna de poder ser ou de ser uma imagem fiel das vontades e interesses de seus constituintes.

Instituições políticas corporificam ideias e valores no mundo político real. O entendimento de que o parlamento e o governo agem, primordialmente, norteados pela vontade popular dos eleitores fornece, em tese, a crença-chave para a legitimidade da democracia representativa, não apenas para a credibilidade dos políticos eleitos, mas para a própria convicção de que o sistema representativo em si, a despeito das falhas ocasionais e corrigíveis, é, efetivamente, o melhor arranjo político-institucional para garantir o poder soberano do povo. Mas o que ocorre se essa crença vital é abalada?

A eleição de Trump, nos EUA, e a vitória do Brexit, no referendo do Reino Unido, ambos em 2016; a eleição de Bolsonaro, em 2018; os votos recebidos, em vários outros países, por candidatos a chefes de governo inclinados ao extremismo político de direita; a invasão do Capitólio pelo trumpismo, em janeiro de 2021, enfim, esses fatos iluminam a percepção empírica da desconfiança na democracia e na globalização. Prever tendências futuras é arriscado. Será que a virada autoritária ocorrida na década passada está se esvanecendo, sobretudo devido à vitória do Partido Democrata nas eleições de 2020? Mas em que medida a crise da democracia poderá ser superada sem que o modelo econômico que fornece a base material do desencanto com o regime popular sofra alteração?

Um relatório publicado em 2004 pela American Political Science Association (APSA) foi premonitório. Concluiu que a ínfima minoria do 1% mais rico se distanciou não apenas dos pobres, mas também da classe média; que a participação popular nas eleições era decrescente, mas bastante desigual, pois se concentrava especialmente nos mais pobres, distorcendo a representação popular no sistema político; e que as doações para as campanhas eleitorais provinham cada vez mais, e em quantias volumosas e crescentes, dos ricos e muito ricos. Como resultado, a atuação parlamentar dos políticos eleitos passa crescentemente a ser exercida, visando atender às demandas dos que financiam as eleições.

Além disso, há outras mudanças sociais e institucionais originadas neste contexto econômico e político, que contribuem para distorcer adicionalmente a representação popular e as motivações dos representantes políticos, como a crescente concentração de renda e riqueza, a queda da taxa de sindicalização, a deterioração dos mercados de trabalho e da vinculação profissional das pessoas e a legalização e ampliação das empresas de lobby. Essas mudanças, por um lado, enfraquecem as relações dos trabalhadores e mais pobres com o sistema representativo e, ao mesmo tempo, promovem a mercantilização crescente da política e das decisões do Estado, que ficam, por assim dizer, à imagem e semelhança do Deus Capital.

Ademais, em um mundo de emergência de tecnologias disruptivas, a exclusão digital de parcelas da população é outro fator de geração da desigualdade social e política (Eubanks, 2017). As novas tecnologias de informação e comunicação tornaram-se um recurso político fundamental, mas elas vêm sendo incorporadas de modo crescentemente desigual pelos distintos grupos sociais. Algumas organizações já atuantes e enraizadas, como é o caso do Political Action Committee (PAC) nos EUA, aprofundam sua imersão na política, acentuando ainda mais as desigualdades de todos os tipos (APSA, 2004).

A democracia liberal tem sido contestada e pressionada regressivamente tanto na questão dos direitos individuais fundamentais como na questão da soberania popular, que se expressa institucionalmente no princípio majoritário. Essa regressão democrática não ocorre por meio de tanques nas ruas, parlamentos fechados e nem pela suspensão de eleições, como se deu no século XX, nas ondas reversas da democracia, que resultaram em ditaduras fascistas na Europa, em ditaduras militares na América Latina e assim por diante. Pelo contrário, os ataques atuais à democracia liberal têm sido feitos em seu nome e em nome da liberdade. Em alguns casos, esses ataques vêm dos próprios representantes de corpos legislativos, mas também de forças da sociedade civil, como a grande mídia e os movimentos conservadores enraizados em igrejas neopentecostais e em ideologias de direita e extrema-direita. Na América Latina, por exemplo, discute-se sobre os novos golpes de Estado (Cruz; Kaysel; Codas, 2015).

David Runciman (2018) discorre sobre alguns políticos eleitos que usam a democracia como porta de entrada para combatê-la. Uma explicação para essa estratégia argumenta que as instituições democráticas se firmaram como ordem político-normativa, tornando-se mais resistentes aos golpes armados e às fraudes eleitorais. Esse combate à democracia a partir de dentro remete aos golpes graduais, colocados em prática por meio de uma luta política ambígua e disfarçada, que pode durar anos, dificultando seu enfrentamento, devido à sua feição dissimulada e à astúcia de sua condução. A passividade participativa da cidadania, que vem caracterizando alguns regimes democráticos e tem relação com os resultados ruins do mercado e da política representativa, é uma expressão da perda de qualidade da democracia, que pode beneficiar os golpes graduais ou novos golpes.

Cabe uma referência empírica mais abrangente sobre o que se passa com a democracia em 167 países, nos últimos 15 anos. Ela é fornecida pela The Economist Intelligente Unit´s Index of Democracy (EIU) (Tabela 1). A despeito de possíveis críticas a seus pressupostos ideológicos e critérios metodológicos, seus relatórios anuais não deixam de ser uma referência para avaliar os tipos de regime e a qualidade da democracia.

TABELA 1 Índice de Democracia por Tipo de Regime (2006-2021) 

Democracias plenas Democracias falhas Regimenes hídridos Regimenes autoritários
2006 28 54 30 55
2008 30 50 36 51
2010 26 53 33 55
2011 25 53 36 53
2012 25 54 37 51
2013 25 54 36 52
2014 24 52 39 52
2015 20 59 37 51
2016 19 57 40 51
2017 19 57 39 52
2018 20 59 37 51
2019 22 54 37 54
2020 23 52 35 57
2021 21 53 34 59

Fonte: Economist Intelligence Unit (EIU) - https://www.eiu.com/n/

A Tabela 1 evidencia que caiu o número de democracia plenas de 2008 a 2021 (de 30 para 21); que aumentou o número de democracias falhas de 2014 a 2018 (de 52 para 59); e que, de 2018 a 2021 aumentou o número de regimes autoritários (de 51 para 59).

Antes da próxima seção, precisamos esclarecer dois pontos teóricos fundamentais sobre a democracia, que são úteis para compreender a crise da democracia acima descrita. Em primeiro lugar, a democracia funda-se no princípio da igualdade política, formulado pioneiramente por Aristóteles (Aristotle, 1887). Ao abordar essa tese clássica, Dahl (2006: 6) diz que “the only political system for governing a state that derives its legitimacy and its political institutions from the idea of political equality is a democracy2. Na filosofia política clássica, a principal característica do cidadão era a participação nas magistraturas, direito que se aplicava, principalmente, ao cidadão da democracia, sobretudo em seu tipo mais perfeito, que se fundava na igualdade definida pela lei.

Além disso, a democracia clássica era direta. O critério de escolha das magistraturas era o sorteio, e não a representação política. Todos os cidadãos devem ser eleitores e eleitos, de modo que, por alternância, todos comandam cada um e cada um comanda todos. Os cidadãos são iguais e participam nas decisões políticas, que são tomadas conforme a escolha da maioria, que é formada pelos pobres. Em consequência, a democracia se defronta com o difícil dilema de convivência da maioria pobre com a minoria rica, ou seja, com a oligarquia. Na reflexão aristotélica da democracia, a tendência de oposição entre a maioria pobre e a minoria rica é uma preocupação central. Ele menciona, por exemplo, a opinião dos ricos, que consideram injusta a igualdade política entre quem tem e quem não tem bens. Esta discussão nos remete à tendência de oligarquização da representação democrática, induzida, mais intensamente que outrora, pelo capitalismo neoliberal, cujas práticas de mercado e influência nas políticas públicas alteram, em prol dos ricos, a relação de forças entre capital e trabalho.

Capitalismo neoliberal e seu impacto na democracia

A crise da democracia liberal tem relação com as mudanças sociais e políticas produzidas pela metamorfose do capitalismo no pós-guerra. De modo desigual e combinado, conforme cada país, uma economia política internacional de perfil keynesiano transformou-se em um modelo de corte neoliberal-hayekiano. O esgotamento do ciclo econômico de expansão do pós-guerra e do modelo keynesiano que lhe sustentou começou a se manifestar na recessão internacional de 1973-75, que foi caracterizada como uma crise de estagflação. Essa crise ensejou a oportunidade histórica para que os insatisfeitos com o padrão regulado de capitalismo pressionassem pela liberalização dos mercados. Abordando esta transição, Streeck (2017) destaca o impacto negativo nos empregadores e em alguns governos causado pela onda de greves e protestos de 1968 e 1969, em vários países. Essa turbulência política foi atribuída à longa fase de crescimento e pleno emprego aberta no pós-guerra, acompanhada também da expansão do Estado de bem-estar social. Em reação, o grande capital teria iniciado seus preparativos para se livrar do contrato social da Golden Age e da economia mista. Nesse sentido, o neoliberalismo é visto como uma reação do capital para alterar, a seu favor, a relação de forças com os trabalhadores, reagir à democracia social e, assim, melhorar sua posição no conflito distributivo.

Vários autores destacam a desregulação financeira e o modelo financeirizado de acumulação de capital como uma das principais características econômicas do neoliberalismo (e.g. Guttmann, 2008; Stiglitz, 2003; Stiglitz; Ocampo; Spiegel; Ffrench-Davis; Nayyar, 2006). Saad-Filho (2020) identifica cinco características no sistema de acumulação do capitalismo neoliberal: (1) a financeirização da produção, das relações de troca e da reprodução social; (2) a globalização da produção e dos circuitos de acumulação; (3) a função-chave da transnacionalização e financeirização do capital na acumulação e na estabilidade da balança de pagamentos, favorecendo, em escala internacional, a incorporação de novas tecnologias, modos de produção e especialização, que mudaram os sistemas econômicos e sociais e viabilizaram taxas de exploração mais elevadas que as possíveis de serem alcançadas em sistemas de acumulação anteriores, como o liberalismo do século XIX, o keynesianismo e o desenvolvimentismo; (4) amplas privatizações, adoção generalizada de regulações pró-capital e um padrão específico de gestão das corporações e do Estado; e (5) a exigência de políticas fiscais e monetárias contracionistas e de bancos centrais independentes, enfim, de padronização da política macroeconômica. Essas características identificam o caráter intensamente market-oriented do neoliberalismo, embora ele não seja um processo apenas econômico, mas também social, político e ideológico, que configura um modelo de sociedade e de sistema capitalista.

A crise de 2008 ensejou uma oportunidade ímpar para os críticos do capitalismo neoliberal, mesmo os mais moderados politicamente, avaliá-lo. Delfim Netto (2018: 280), ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura no Brasil, considera que sua origem estava na “maléfica autonomização do sistema financeiro”, que, segundo (Stiglitz, 2003), foi impulsionada pela política de desregulamentação desenfreada, iniciada nos EUA e expandida pelo resto do mundo. Essa intensa liberalização diminuiu a proteção aos consumidores dos serviços bancários e financeiros, enfraqueceu as regras de higidez contábil e incentivou a criação de bolhas especulativas. Além disso, foram cortados impostos sobre ganhos de capital, ou seja, sobre a valorização de ativos, como ações. Houve um culto explícito e interessado ao acionista, que, por ser visto como um herói, deveria ser taxado com menos ênfase que os trabalhadores, que ganham o pão com o suor do rosto.

As transformações neoliberais são amplas e profundas, não foram restritas à esfera econômica e à modalidade de acumulação de capital que elas promoveram. As mudanças alcançaram o campo das ideias, a disputa das narrativas. Mudou a reflexão sobre os efeitos da economia na esfera social. Palma (2009) aborda a explicação que os ideólogos do neoliberalismo dão para o fracasso de algumas pessoas e grupos sociais. Ele seria decorrente de causas como pouca sorte, falta de habilidades úteis e específicas, experiência anterior circunscrita a ambientes com barreiras ao funcionamento do livre mercado, ou, enfim, por resistência deliberada dos fracassados aos supostos efeitos harmonizadores da mão invisível. Suas palavras tocam no ponto central do pensamento social e político do neoliberalismo:

In sum, within this framework [free market of neoliberalism] it cannot be said that in capitalism there are systematic inequalities or injustices, only anonymous market forces that produce an efficient distributive outcome (given certain conditions). Furthermore, the story of anonymous free market forces and optimum equilibria allows one to blame the state (and those who do not respect the rules of the game) rather than capitalism or unregulated markets for anything that goes wrong3. (Palma, 2009: 838)

Não ignoramos que os atores políticos preocupados com a superação das desigualdades podem tirar proveito de janelas de oportunidade para se oporem ou pelo menos para amenizarem a forte tendência estrutural no sentido da padronização neoliberal das relações econômicas e sociais e das políticas públicas governamentais. A ideologia que propõe o casamento entre o Estado mínimo e os mercados desregulados tende a gerar precarização do trabalho, crescimento baixo, maior vulnerabilidade a crises e a diminuir os gastos públicos em novos investimentos produtivos e nas políticas sociais. Obviamente, não consideramos que o Estado seja mínimo para todas as pessoas. Sabemos, por exemplo, o quanto a minoria rica captura o orçamento público, seja pelo rentismo com os títulos públicos, com a privatização das empresas estatais, com as reformas da seguridade social etc.

A chamada Onda Rosa latino-americana, sobretudo na primeira década deste século, configurou um contexto no qual governos de centro-esquerda e esquerda, na Venezuela, Brasil, Uruguai, Equador, Bolívia, Chile, Honduras, México e Nicarágua procuraram construir uma alternativa progressista para responder à insatisfação popular com os resultados das políticas orientadas para o mercado nos anos 1990. Entre 2003 e 2013, a desigualdade foi reduzida, apesar do ambiente institucional hostil. Vários programas de transferência condicional de renda foram executados. Em alguma medida, tentou-se flexibilizar a disciplina dos mercados, conciliando neoliberalismo, desenvolvimentismo e políticas de bem-estar social (Campello, 2015). Porém, em todos esses países, houve e ainda há profunda dificuldade para se alterar os fundamentos da política macroeconômica (áreas monetária, fiscal e cambial). Devido à globalização, os investidores possuem o direito à mobilidade de capital, o que torna os governos vulneráveis às suas exigências. A experiência internacional recente na América Latina mostrou que a tentativa de flexibilizar as exigências dos investidores globais e de introduzir políticas sociais compensatórias, quando são bem feitas, tendem a produzir resultados positivos mais relevantes apenas nas fases expansivas do ciclo da economia global, como ocorreu no boom das commodities (2000-2014). Porém, mesmo nesse período, os investidores admitiram, no máximo, a flexibilização nas políticas microeconômicas, mas não na ordodoxia macroeconômica. Não queremos dizer que essa tendência estrutural de manter a política macroeconômica moldada pela ideologia dos mercados livres seja uma lei natural irrevogável, mas que é difícil enfrentá-la. Nosso argumento é que a combinação entre as relações desreguladas nos mercados e o constrangimento estrutural do Estado para não alterar essa situação acaba por promover a desigualdade pela porta de entrada da economia e pela porta de entrada da política, de modo que essa dupla tendência restritiva impacta negativamente na democracia.

Na ciência política, as consequências do capitalismo neoliberal colocaram em xeque o conceito de median-voter (que revela semelhanças com a crença nos mercados livres e equilibrados presente na economia neoclássica). Hacker e Pierson (2010: 164) questionam esse conceito nos seguintes termos:

In a competitive system, after all, rising inequality-especially rising inequality that makes most citizens relatively worse off-should create pressures for a government response, as politicians vie to attract majority support. The lack of such a response is thus deeply puzzling in standard median-voter models of redistribution, which argue that greater inequality in the distribution of market income (typically operationalized as the ratio of median income to mean income) should lead to greater median-voter support for redistribution and, thereby, more redistributive public policy4.

Tomando como exemplo os EUA, esses autores avaliam que diminuíram bastante as políticas governamentais (impostos e benefícios) redutoras da desigualdade. As decisões políticas têm favorecido o aumento da desigualdade de renda, devido à queda tanto do salário direto, com as leis que flexibilizam o mercado de trabalho, como no salário indireto, devido à política tributária favorável aos ricos e à redução das políticas de bem-estar social.

O conceito de median-voter vem sendo colocado em questão desde os anos 1980, devido especialmente à conjunção de dois processos complementares: (a) o eleitorado tem se eximido de participar do processo político, a começar pela esfera eleitoral; (b) ao contrário do que ocorreu na Golden Age, as eleições e os mandatos dos representantes, enfim, a democracia, tem sido crescentemente capturada pelos muito ricos e pelos milionários, pois a função parlamentar vem se caracterizando, tendencialmente, por responder aos interesses dos que não apenas votam, mas financiam as campanhas eleitorais. cada vez mais, a concentração da riqueza e do poder político se associam.

Ademais, o atual ambiente político é repleto de mecanismos de construção de um pensamento único, de uma ideologia hegemônica, que propala ideias como meritocracia, livres mercados, Estado mínimo, individualismo, empreendedorismo, austeridade fiscal e assim por diante, mobilizadas para legitimar e dar racionalidade ao capitalismo desregulado. O principal instrumento dessa nova tecnologia do poder (Palma, 2009) é o Estado, que se vê induzido, pelas pressões de agentes econômicos oligopolizados e globalizados, a facilitar o caráter financeirizado e rentista da acumulação de capital. Entre os arquitetos dessa obra política, pode-se incluir alguns setores de atividade como as instituições financeiras, as gigantes do petróleo (corporações produtivas mais poluentes do antigo padrão de acumulação), as big techs, partidos políticos e redes de intelectuais, destacando-se economistas vinculados à ortodoxia neoclássica. Esta formulação de Palma (2009) dialoga com o conceito de income defense industry, cunhado por Winters (2011), que inclui também os profissionais de diversas áreas, que têm espaço na mídia, como, entre outros, advogados, administradores de empresas, advogados, cientistas políticos, além, obviamente, dos economistas. Os meios de comunicação, por sua vez, são cada vez mais controlados (inclusive na propriedade do seu capital) por empresas das finanças, de modo que promovem concepções ultraliberais da economia e do Estado, como se não houvesse alternativa a elas. Winters cunhou o referido conceito para destacar como se conjugam, atualmente, as relações entre a política democrática e os negócios do setor privado. Os profissionais que atuam na indústria de defesa da renda dedicam-se a influenciar a produção legislativa dos parlamentos em inúmeros países. Articulando-se com o poder político, os ideólogos e os agentes econômicos do grande capital concentrado nutrem-se com vantagens e rendas. Ao influenciar a formação da opinião pública, a mídia produz e reproduz valores ideológicos favoráveis à acumulação financeirizada do capital e à precarização do trabalho, participando, assim, do mecanismo que opera para esvaziar a capacidade da democracia divergir do mainstream (Streeck, 2017).

Novamente, enfatizamos que há contradições. Polanyi (1957), por exemplo, abordou o duplo movimento, uma dinâmica que, por um lado, pressiona no sentido do mercado e, por outro lado, resiste a ele, seja para corrigir seus excessos ou mesmo colocar em questão sua própria existência. Mas, diante do atual impasse do capitalismo neoliberal, há até quem avalie que esse sistema econômico está morrendo por autodestruição. Tendo perdido a capacidade de restauração, o capitalismo estaria em estado de entropia (Streeck, 2016).

Para entender o que se passa, os velhos ensinamentos da Teoria Geral de Keynes (1936) são atuais. Ao referir-se à eutanásia do rentista, esse autor pensava em reduzir o poder do sistema financeiro na economia. Nesse sentido, na Conferência de Breton Woods, em 1945, Keynes posicionou-se favoravelmente à regulação internacional das finanças, para que as autoridades de política econômica dos Estados nacionais pudessem formular políticas que estivessem, ao menos parcialmente, protegidas contra eventuais instabilidades na ordem financeira mundial, como havia ocorrido na Grande Depressão. Não por acaso, as crises financeiras foram bem menos comuns nas décadas de 1950 e 1960 do que vêm sendo desde os anos 1980. O objetivo normativo de Keynes era alcançar o pleno emprego nos diversos países. Com a regulação financeira do pós-guerra e com a expansão da democracia nos países desenvolvidos, as políticas econômicas puderam promover crescimento em níveis mais elevados, propiciando uma expansão mais igualitária da renda (Stone et al., 2020; Shonfield, 1965). Naquela fase do capitalismo, o crescimento também se deu sob estruturas institucionais reguladas de mercados de trabalho nacionais, com proteções aos que recebiam rendas menores.

Além de preconizar a eutanásia do rentista, ou seja, o investidor sem função, Keynes também defendeu políticas fiscal e tributária progressivas, visando que a renda fluísse em proporções maiores para as mãos dos mais pobres, que têm maior propensão marginal a consumir. Sua principal preocupação era expandir a demanda efetiva, para avançar em direção ao pleno emprego. Nesse sentido, as políticas de gastos públicos e de arrecadação de impostos indutoras do aumento do consumo articulam-se com sua proposta de uma taxa de juros adequada ao aumento dos investimentos diretos.

Após estas considerações sobre como as transformações no padrão de capitalismo regulado do pós-guerra têm impactado no Estado, na democracia e nas ideias (economia política, ciência política, meios de comunicação etc.), vamos agora recorrer a alguns dados empíricos sobre a desigualdade, sobretudo nos EUA e no Brasil, e sobre a distribuição dos regimes políticos no mundo. Pensamos que eles contribuem para o argumento central deste trabalho sobre os nexos atuais entre democracia, desigualdades e capitalismo neoliberal: o regime da soberania popular vem sendo enfraquecido pelo modelo de capitalismo ultraliberal, pelo fato dele elevar as desigualdades nas esferas socioeconômica e política em níveis que deterioram pressupostos básicos da legitimidade democrática. Por outro lado, não ignoramos que há também inúmeras outras desigualdades, tais como de gênero, racial, de opção sexual, de expressão religiosa etc.

Democracia e Desigualdade: no mundo, nos EUA e no Brasil

A compreensão do processo mais ou menos simultâneo de ampliação das desigualdades e de erosão do papel progressista que a democracia desempenhou no pós-guerra, sobretudo nos países do hemisfério Norte, onde se garantia melhor distribuição da renda e da riqueza, requer descrever e diagnosticar linhas gerais da relação entre capitalismo e democracia nos últimos 40 anos.

Nosso argumento é que a relação entre capitalismo e democracia na globalização neoliberal tem sido uma espécie de círculo vicioso, distinto da tendência relativamente mais satisfatória da Golden Age, quando um e outro se fortaleceram mutuamente, ao menos nos países desenvolvidos. Dizer isso não significa mitificar o capitalismo regulado do pós-guerra e nem sonhar com seu retorno, tampouco significa ignorar as desigualdades entre os países e as relações de poder no sistema internacional, tanto no pós-guerra como ainda hoje. Significa apenas comparar características gerais daquele padrão de capitalismo com o padrão atual.

A relação entre capitalismo e democracia é controversa na teoria política, havendo pontos de vista otimistas e pessimistas. Abordando esse problema, Almond (1991) lembra que, entre os liberais, há desde os otimistas, que consideram que o mercado e o comércio incentivam as liberdades, os direitos civis e a paz, até os pessimistas, como Schumpeter, que previu a decadência do capitalismo. No campo do pessimismo, com a democracia burguesa, estão também os socialistas, a começar por Marx. Dahl (1971) avalia que as democracias (poliarquias) enfrentam problemas quando há desigualdades extremas, pois isso equivale a uma distribuição desigual dos recursos políticos fundamentais para a competição política, gerando ressentimentos e frustrações, que prejudicam o compromisso democrático. Ou seja, a igualdade política depende também da igualdade socioeconômica.

Entre outros conteúdos, esta seção apresenta, como referência empírica, as seguintes informações e dados: a) sobre a concentração de renda e riqueza no capitalismo globalizado neoliberal, com ênfase nos EUA e do Brasil; b) sobre o comportamento desses dois países na classificação dos regimes políticos da já mencionada Economist Intelligence Unit; c) sobre reações sociais, políticas e intelectuais contra a globalização e a desigualdade.

Hacker e Pierson (2010) argumentam que a análise política dos EUA, país crescentemente desigual, padece de fraquezas, pois não foca nas políticas públicas que provocam aumento da desigualdade e nem nos grupos organizados que as defendem, por meio de ações de lobby. Avaliam que a análise política naquele país adota um foco individualista, seja em pessoas ou personalidades, ou seja na relação entre o eleitor e o político. Consideram que essa abordagem perde de vista a real natureza do funcionamento da política que, desde o final dos anos 1970, caracteriza-se, segundo eles, pela interação entre a winner-take-all economy e a winner-take-all politics. A ideia de winner-take-all economy remete ao conceito de winner-take-all market, um mercado em que, mesmo que um produto ou serviço seja somente um pouco melhor que os ofertados pelos concorrentes (1% melhor, por exemplo), ele acaba tendo uma participação desproporcionalmente elevada (90% a 100%) nas receitas totais das vendas. Assim, o principal fornecedor ganha muito mais que os concorrentes. Criticando a ideia de que a economia atual é um resultado das leis do mercado, da globalização, da competição e das mudanças tecnológicas, esses autores argumentam que ela tem íntima relação com as decisões políticas que lhe dão suporte, denominadas pelos autores de winner-take-all politics.

Essa economia política é caracterizada pela hiperconcentração de renda, que opera por mecanismos sustentáveis no tempo, ao passo que os não ricos (pobres e classe média) usufruem apenas de benefícios distributivos limitados. Resulta daí o que eles chamam de winner-take-all inequality. As políticas públicas que sustentam a winner-take-all economy não são apenas as das áreas tributária, fiscal e de rendas, mas também as que definem a estrutura e remuneração das empresas, o funcionamento dos mercados financeiros e as relações industriais. Em 1996, Frank e Cook publicaram o livro Winner-Take-All Society. Why the Few at the Top Get So Much More Than the Rest of Us, no qual argumentaram que os winner-take-all markets aumentaram as disparidades entre ricos e pobres. Em relação à winner-take-all politics, destacam-se a ascensão de novos grandes grupos empresariais, com redobrada capacidade de delimitar o processo decisório público, a aliança entre o movimento evangélico politicamente mobilizado e as megacorporações, o fortalecimento do espectro político-ideológico de direita no Partido Republicano, a profunda influência dos financiadores eleitorais nos resultados das eleições, os regimentos internos dos parlamentos, o funcionamento do Poder Judiciário etc. A winner-take-all politics diz respeito também às mudanças nas instituições democráticas e no Estado como um todo, que impactam no sistema representativo, no mercado e nos diversos tipos de desigualdade.

Adotando essas metáforas para comparar o capitalismo regulado com o capitalismo neoliberal, pode-se dizer que, nas últimas décadas, o casamento entre capitalismo e democracia tem cada vez mais se processado no sentido de minimizar a chance de induzir a que, em certa medida, os regimes democráticos possam avançar em relações socioeconômicas do tipo win-win. Ao contrário, a tendência predominante nas democracias é no sentido lose-lose. Avaliamos que a interação entre a winner-take-all economy e a winner-take-all politics tem desencadeado uma tendência no sentido da sociedade em que tanto a maioria quanto o regime de governo da maioria perdem.

Dois fatos históricos podem ser destacados como demarcadores do fortalecimento do debate atual sobre a interligação dos temas da desigualdade, da democracia e do capitalismo neoliberal: a crise financeira internacional de 2007-2008, desencadeada nos EUA, onde ficou conhecida como Great Recession, e o protesto Occupy Wall Street, ocorrido em Nova York, em 2011, que, em seguida, se desdobrou no Occupy Movement, envolvendo manifestações em cerca de 30 países, em vários continentes. O slogan do protesto foi We are the 99%, que criticava diretamente a concentração da renda e da riqueza nas mãos do 1% mais rico dos EUA, em prejuízo da imensa maioria. Esse movimento foi, na ocasião, o segundo mais importante da história da globalização, desde a queda do Muro de Berlin, em 1990. O primeiro havia sido a Battle of Seattle, ocorrida em Washington, em 1999, durante um encontro da Organização Mundial do Comércio. Nesse evento, os manifestantes, cuja maioria eram jovens, afirmaram, em alto-falantes, que sua proposta era formar uma cidadania global a serviço de uma economia democrática global. Por outro lado, a Great Recession alavancou o debate sobre a crise do capitalismo neoliberal, até hoje em pé.

Uma das consequências da conjunção entre esses fatos e processos - a crise de 2007-2008, a globalização neoliberal e o aumento da preocupação com as desigualdades, nas universidades, movimentos sociais, ONGs, enfim - foi a ênfase sobre o que se passa não apenas nos 10% mais ricos como um todo, mas também no segmento específico do 1% mais rico. Uma especificidade da concentração da renda e da riqueza em curso nas últimas décadas, em praticamente todos os países, é sua crescente acentuação nesse 1%, ou seja, no ápice da pirâmide distributiva. O entendimento desse fenômeno de extrema concentração de renda e riqueza tem aproximado pesquisadores do temário das desigualdades situados na economia política, na ciência política e na sociologia, com o objetivo de compreender a relação entre as esferas de poder econômico e de poder político, sendo cada vez mais difícil identificar onde começa uma e termina a outra (Griffin; Hajnal; Newman; Searle, 2016).

Facundo, Chancel, Piketty, Saez y Zucman (2018) publicaram o World Inequality Report, baseado em dados de países de todos os continentes, referentes ao ano de 2016, do World Inequality Database (s.f.a), organizado por pesquisadores liderados pelo economista francês Thomas Piketty. Pelos dados dessa fonte, em 1978, o Top 1% fiscal income share nos EUA era 10.4%. Desde então, percorreu uma trajetória de aumento. Em 2007, no início da crise financeira internacional, esse indicador estava em 18.5%. Em 2019, era 18.8% (Tabela 2). Note-se que, no mesmo período, enquanto a participação do 1% mais rico na renda e na riqueza crescia, respectivamente, 80% e 62%, ocorria o inverso com a renda dos 50% da base da pirâmide social e com a riqueza dos Middle 40% share, que caíram, respectivamente, 30% e 20%.

TABELA 2 Desigualdade Socioeconômica EUA 

1978 2019
Desigualdade de renda 1% Topo 10.4% 18.8%
50% De baixo 19.1% 13.3%
Desigualdade de riqueza 1% Topo 21.5% 34.9%
40% Do meio 34.8% 27.8%

Fonte: World Inequality Database (s.f.b).

Segundo Piketty (2014; 2020) essas tendências têm produzido os novos bilionários, cujo número não cessa de crescer desde 1990. Ele argumenta que, diferentemente da crença comum, esses bilionários não criam empregos e nem impulsionam o crescimento econômico. Além disso, toda essa concentração de renda e riqueza nos EUA tem ocorrido ao mesmo tempo em que a taxa de crescimento da renda per capita nesse país, onde mais há bilionários, caiu de 2.2%, entre 1950 e 1990, para 1.1% atualmente. Ademais, a dinâmica econômica de acumulação de capital que alavanca essas concentrações é mais propensa a crises financeiras. Por tudo isso, Piketty tem defendido um imposto gradativo sobre o patrimônio, visando redistribuição de renda. Para os que possuem riqueza superior a dois bilhões de euros ou dólares, o imposto proposto chega a 90%5.

No referido relatório, o Brasil destaca-se negativamente por ser o país onde o 1% mais rico da população (cerca de 2,1 milhões de pessoas) detém a maior fatia proporcional de renda nacional no mundo: 28% (antes dos impostos). Ou seja, mais que qualquer outra nação, o Brasil é o país do 1%. Como a equipe do relatório ainda não possuía dados consolidados para o conjunto da América Latina, eles se limitaram a indicar que, na Argentina e Colômbia, o 1% mais rico é maior que 16%. Em relação aos 10% mais ricos, a renda por eles concentrada, em 2016, era 61% no Oriente Médio, 55% no Brasil e na Índia e 54% na África Subsaariana. A região menos desigual do planeta é a Europa, onde os 10% mais ricos compartilham 37% da renda produzida.

Tanto os EUA quanto o Brasil seguiram, cada qual à sua maneira e ao seu ritmo, trajetórias de implementação de políticas neoliberais. Nos EUA, a economia orientada para o mercado inaugurou-se com o governo Ronald Reagan, empossado em 1981; no Brasil, em 1990, com a posse do presidente Fernando Collor. Em ambos os países, desde então, observamos tendências estruturais restritivas à expansão da democracia e da igualdade. Ou seja, essas tendências estruturais do mercado, no sentido da concentração de renda e riqueza, assim como as decisões do Estado que favorecem especialmente os 10% mais ricos, em prejuízo do conjunto da população, têm enfraquecido a democracia e promovido aumento das desigualdades socioeconômica e política, entre outras. Há uma relação viciosa entre mercado e Estado, que enfraquece o bem-estar social e o regime político do poder do povo. Sabemos que esses dois países experimentaram, nos últimos anos, a vitória de candidatos de extrema-direita nas eleições presidenciais: Donald Trump, em 2016, e Jair Bolsonaro, em 2018. Vejamos como tem se comportado o Índice de Democracia nos EUA e no Brasil.

A tabela 3 mostra algo muito interessante em relação aos EUA: desde 2016 até hoje, essa potência do capitalismo, que tem também uma trajetória discursiva e ideológica no sentido de se colocar como autoridade democrática internacional, enfim, este país ingressou na categoria de democracia falha, segundo o respeitado ranking da EIU. No mesmo período, a pontuação do Brasil, que nunca saiu da condição de democracia falha, caiu 7%, ou seja, de 7.38 em 2014, para 6.86 em 2021. A democracia não vai bem nesses dois países das Américas.¿

TABELA 3 Índice de Democracia e Tipo de Regime - EUA e Brasil (2006-2021) 

EUA
Classificação Pontuação Tipo de Regime
2006 17 8.22 Democracia plena
2008 18 8.22 Democracia plena
2010 17 8.18 Democracia plena
2011 19 8.11 Democracia plena
2012 21 8.11 Democracia plena
2013 19 8.11 Democracia plena
2014 19 8.11 Democracia plena
2015 20 8.05 Democracia plena
2016 21 7.98 Democracia falha
2017 21 7.98 Democracia falha
2018 25 7.96 Democracia falha
2019 25 7.96 Democracia falha
2020 25 7.92 Democracia falha
2021 26 7.85 Democracia falha
BRASIL
Classificação Pontuação Tipo de Regime
2006 42 7.32 Democracia falha
2008 41 7.38 Democracia falha
2010 47 7.12 Democracia falha
2011 45 7.12 Democracia falha
2012 44 7.12 Democracia falha
2013 44 7.12 Democracia falha
2014 44 7.38 Democracia falha
2015 51 6.96 Democracia falha
2016 51 6.90 Democracia falha
2017 49 6.86 Democracia falha
2018 50 6.97 Democracia falha
2019 52 6.86 Democracia falha
2020 49 6.92 Democracia falha
2021 47 6.86 Democracia falha

Fonte: Economist Intelligence Unit (EIU) - https://www.eiu.com/n/

Na verdade, em meados dos anos 1970, já se debatia a crise da democracia representativa nos países desenvolvidos, na Europa e América do Norte, que se expressava, desde então, na queda da confiança dos cidadãos nas instituições eleitorais e partidárias, no absenteísmo, na não filiação a partidos políticos e na insatisfação com a ação governamental em geral. Uma obra importante sobre esse tema é a de Crozier, Huntington e Watanuki (1975), livro em que se publicou o relatório da Comissão Trilateral, um grupo de discussão internacional de iniciativa privada, criado por David Rockefeller em 1973, e liderado por intelectuais dos EUA, da França e do Japão, para debater a situação mundial e reforçar laços entre os países desenvolvidos. Em relação à democracia, a obra considerou que seus problemas estavam no excesso de demandas sobre os governos, que estariam causando crise de governabilidade e desgastando o regime político. Ou seja, o diagnóstico era que a crise da democracia decorria do excesso de participação e de demandas, tendências que estariam alimentando a crise fiscal do Estado, de modo que a solução proposta pelos autores foi amenizar essas pressões por meio da redução do welfare state. Além da contenção de gastos considerados excessivos, avaliaram que a apatia política seria positiva, pois evitaria o excesso de demandas. Pouco depois, como sabemos, Margaret Thatcher, do Partido Conservador, venceu as eleições no Reino Unido, abrindo espaço político para a new right, uma direita que surgiu se opondo ao social-liberalismo.

As transformações no sentido do capitalismo neoliberal possuem trajetórias nacionais e históricas distintas, que têm configurado variedades. Ao analisar o cenário político norte-americano em 2017, a filósofa Nancy Fraser (2017a; 2017b) identificou três tipos políticos na ideologia do neoliberalismo: o progressivo, o reacionário e o hiper-reacionário. Ela avalia que todos eles contêm uma economia política regressiva em relação ao capital produtivo, por se apoiarem na financeirização. Mas o neoliberalismo progressivo, dos Democratas, tenta dourar a pílula com a agenda do reconhecimento, mas com uma concepção meritocrática de redução da desigualdade. O neoliberalismo reacionário manifestou-se de Reagan a Bush pai, depois novamente com Bush filho. Nele, a política de reconhecimento foi conservadora, porém, um conservadorismo elegante, de salão. Já a versão hiper-reacionária surgiu com Trump, que reforçou muito as posições racistas, misóginas, homofóbicas, xenofóbicas, islamofóbicas etc. Ademais, Trump acrescentou também nacionalismo e certo protecionismo. Um pano de fundo do trumpismo é a desindustrialização e a deterioração das condições de vida dos trabalhadores e da classe média. Enquanto a China, seguindo outra economia política, afirma-se cada vez mais no cenário internacional, o capitalismo neoliberal, além de regredir na industrialização e na qualidade dos empregos, ameaçou também, com Trump, a própria democracia nos EUA, algo inédito na história do país.

O cenário geral é a crise deste capitalismo neoliberal desde a Grande Recessão, deflagrada nos EUA. Lá, ela se manifestou de 2007 a 2009, mas, ao contagiar a Europa, durou no Velho Mundo até o início de 2013. Se, em um primeiro momento, a América Latina escapou do pior, em 2011 começaram a aparecer os primeiros sinais do fim do boom das commodities, que alimentava os avanços sociais dos governos da Onda Rosa. O vale dos preços desses bens de exportação configurou-se em 2014. Já mencionamos que muito do que foi alcançado em matéria de crescimento e redução da pobreza no Brasil e na América Latina em geral deveu-se à janela de oportunidades propiciada pela elevação dos preços internacionais das commodities. Mas não devemos ignorar que o leque de políticas públicas que cada país da região implementou implicou em obter maior ou menor sucesso a partir dessa maré favorável.

À semelhança de Donald Trump, cremos que Jair Bolsonaro pode ser visto como o exemplar brasileiro da crise internacional do capitalismo neoliberal, um portador do neoliberalismo hiper-reacionário. Porém, os demais governos desses dois países, no caso dos EUA, desde 1981, com Reagan, e no caso do Brasil, desde 1990, com Collor, também estiveram inseridos nesse ambiente estrutural de economia política do capitalismo neoliberal, que pressiona contra a igualdade socioeconômica e contra a igualdade política. De diferentes maneiras, essas pressões prejudicam a democracia, seja gerando crise de legitimidade - quando o eleitor fica insatisfeito com a política e distante dela -, seja se desdobrando em tendências de deformação autoritária do regime político - destacando-se, nos anos recentes, tanto nos EUA como no Brasil, aquelas lideradas pela extrema-direita populista -, buscando reconstruir um padrão de legitimidade com perfil neofascista.

Em relação à desigualdade política nos EUA, Griffin et al. (2016: 16), avalia o seguinte:

On one level the results that we have presented here reaffirm existing studies of inequality in responsiveness. Using a new method that focuses on individuals and incorporates a range of demographic and political groups, we find that there are real imbalances in the policy world. The government responds much more to advantaged interests than it does to disadvantaged preferences. Both race and class shape policy responsiveness6.

Em relação à desigualdade política no Brasil, podemos formular a seguinte questão: por que motivo, por muito pouco ou quase nada, houve deposição presidencial em 2016, ou seja, por que, mesmo diante de fatos no mínimo altamente controversos, emergiu uma ampla e substantiva frente única empresarial contra a presidente Dilma Rousseff, mas, agora, diante de uma avalanche de crimes de responsabilidade do atual presidente da República, as lideranças institucionais no Poder Judiciário e no Poder Legislativo, no máximo, prendem ativistas bolsonaristas e fazem discursos moderadamente contrários, mas, na prática, poupam Bolsonaro de responsabilização? O contexto da pandemia evidenciou publicamente o contraste entre, por um lado, a rápida deposição de Dilma Rousseff, no início de seu segundo mandato, por um motivo fiscal duvidoso, e, por outro lado, a tolerância das elites políticas e econômicas em relação ao presidente Bolsonaro, que vem cometendo crimes de modo contumaz, a começar pelos relacionados à saúde pública, e, por esse motivo, é objeto de cerca de 130 pedidos de impeachment, mas todos eles têm sido engavetados pela presidência da Câmara dos Deputados, casa legislativa que, em seu governo, aprovou medidas caras aos interesses financeiros, como a reforma da previdência social e a formalização da autonomia do Banco Central.

Temos visto no Brasil e em vários países que, entre o risco à democracia e à economia, os interesses neoliberais se inclinam muito mais a sacrificar o regime político fundado na igualdade política dos cidadãos que o interesse material erguido nas relações desiguais de propriedade. Isso expressa a referida simbiose entre a winner-take-all economy e a winner-take-all politics, que gera o processo de produção da dupla desigualdade, a socioeconômica e a política. O poder de influência dos cidadãos sobre o Estado se revela bastante desigual, tão desigual quanto a desigualdade de renda e riqueza. Se, por um lado, Bolsonaro atenta contra a vida humana, por outro lado, sua política econômica é fortemente pró-mercado e pró-Estado mínimo. Ou o grande capital e a maioria dos políticos eleitos são aliados ao programa neoliberal do presidente da República e de seu ministro da Economia ou, ao menos, não querem romper com ele, ao passo que, em 2016, por um motivo muito duvidoso, romperam com a presidente Dilma Rousseff. Naquela ocasião, houve uma frente única deposicionista no Brasil, mas agora ela não se configura (Ianoni, 2018). Um pacto neoliberal está vetando o impeachment de Bolsonaro.

No capitalismo neoliberal, como a contradição entre economia de mercado e democracia vem se exacerbando de modo estrutural, a igualdade política e a igualdade socioeconômica passam, cada vez mais, a serem reguladas pela luta de classes, tanto na sociedade civil quanto no âmbito das instituições do Estado. A correlação de forças explica as desigualdades. Durante os governos encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores, entre 2003 e 2016, tentou-se flexibilizar as políticas neoliberais com políticas sociais e políticas de crescimento econômico, mas essa estratégia sempre enfrentou forte resistência contra qualquer alteração nos fundamentos market-oriented da política macroeconômica.

Conclusões

Este trabalho procurou articular, com uma abordagem interdisciplinar, três variáveis: desigualdades (sobretudo a socioeconômica e a política), democracia e capitalismo neoliberal. Nossa hipótese é que a democracia depende do nível da igualdade política e socioeconômica, uma vez que ambas são interdependentes. Em termos empíricos, mencionou algumas informações e dados sobre a democracia no mundo, com foco nos EUA e no Brasil, mas subordinando-os a uma metodologia qualitativa, estruturada em torno de um procedimento descritivo, com o objetivo de investigar inferências causais entre as variáveis mencionadas.

Atualmente, a combinação dessas três variáveis configura uma moeda de dupla face, que forma um conjunto articulado. Por um lado, ocorre o declínio da democracia liberal, devido à sua crise de legitimidade; uma das decorrências, como é o caso dos EUA e do Brasil, tem sido a emergência de lideranças populares de extrema-direita, que buscam uma modalidade de legitimação política de massas distinta da representação democrática, caracterizada por alguns autores como populismo e por outros como tendências neofascistas. Por outro lado, há a percepção geral de que as desigualdades de renda e riqueza são elevadas e persistentes. Essa situação induz a ressentimentos e frustrações e que implica em desigualdade política, condição que, por sua vez, favorece a emergência do populismo de extrema-direita. Em outros casos, cai a qualidade da democracia sem que surjam governantes extremistas. A queda no número de democracias plenas, mostrada na Tabela 1 é um indicador dessa tendência.

Em termos gerais, como vimos na primeira seção, o fraco desempenho do capitalismo neoliberal nos países democráticos, tanto no plano do mercado quanto na esfera do Estado, estimula o aumento da descrença na democracia, nas eleições, na participação nas instituições políticas e em organizações da sociedade civil, como os sindicatos, que vêm sendo esvaziados pelas políticas contra os direitos trabalhistas e contra as organizações de representação de classe dos trabalhadores. As mudanças nos mercados de trabalho têm tido um papel decisivo na descrença na democracia e no avanço do individualismo como estratégia de sobrevivência. Em vários países, a flexibilização das relações trabalhistas, a instabilidade dos empregos, o desemprego, a uberização e a desindustrialização esvaziam a percepção de pertencimento a uma categoria profissional e a percepção de que a política democrática é eficaz.

Sabemos que o neoliberalismo, como modelo de capitalismo, não surgiu hoje. Ele vem sendo colocado em prática há mais de 40 anos. Mencionamos a tipologia proposta por Fraser para analisar fases do neoliberalismo. Vimos também que, ainda em meados dos anos 1970, quando se desenrolava a crise de estagflação, cujo desfecho abriu caminho para a virada política neoliberal, já se falava em crise da democracia, mas, principalmente, a partir de uma perspectiva conservadora, que acabou por contribuir para a retração das políticas de bem-estar social e para a apatia política. Nos anos 1990, alguns interpretaram a queda do Muro de Berlim como expressão do fim da história e como demonstração de que o reino da democracia havia vencido a Guerra Fria. Na década seguinte, vimos, pelo relatório da APSA (2004), que a insatisfação com a democracia persistia e reproduzia sintomas já detectados no relatório da Comissão Trilateral, escrito nos anos 1970. Mas, no atual milênio, tem crescido, sobretudo nos países desenvolvidos, a percepção da desigualdade política, sendo uma de suas expressões a consciência de que o regime da maioria vem favorecendo muito mais o 1% composto pela minoria rica do que os 99% da população.

Embora desde os anos 1960 e 1970, observavam-se sintomas críticos nas interações entre as três variáveis aqui consideradas, o regime da maioria, as desigualdades e o capitalismo, o modelo neoliberal de sociedade e economia está fazendo soar um alarme de incêndio. A hipótese de que a democracia depende da igualdade e que esta última, para não alcançar níveis extremados, depende de um adequado sistema de relações entre a economia e o Estado é plausível.

Mas permanecem uma série de questões. Nos EUA, com a derrota de Trump, embora não do trumpismo, o neoliberalismo hiper-reacionário ensejará o retorno à variedade do neoliberalismo progressivo, que não foi capaz de reverter a crise da democracia, pelo contrário? Interessado em enfrentar a ascensão produtiva da China e o próprio trumpismo, Biden vai enfraquecer o neoliberalismo e avançar no sentido de um desenvolvimentismo de inclinação social-democrata, capaz de reverter a trajetória de produção de desigualdade pelo mercado e pelas políticas públicas pró-ricos? No Brasil, que se encontra isolado do mundo devido à desastrosa presidência de Bolsonaro, uma eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022, candidato hoje amplamente favorito, ensejará ao menos uma tentativa de amenizar os efeitos negativos do neoliberalismo com algumas ações social-desenvolvimentistas, que recuperem a atividade econômica produtiva, combatam a pobreza e as desigualdades e retomem o processo de fortalecimento da democracia, hoje estancado? Enfim, o fato é que imensos desafios estão colocados para que se possa superar o atual padrão de lose-lose society, em que a maioria e o regime de governo da maioria perdem. A entropia será revertida?

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1 Consultar Molina (2018).

2“o único sistema político para governar um Estado que deriva sua legitimidade e suas instituições políticas da ideia de igualdade política é a democracia” (tradução própria).

3Em suma, dentro desse quadro [livre mercado do neoliberalismo] não se pode dizer que no capitalismo existam desigualdades ou injustiças sistemáticas, apenas forças de mercado anônimas que produzem um resultado distributivo eficiente (dadas certas condições). Além disso, a história das forças anônimas do livre mercado e do equilíbrio ótimo permite culpar o Estado (e aqueles que não respeitam as regras do jogo) em vez do capitalismo ou mercados não regulamentados por qualquer coisa que dê errado. (Palma, 2009: 838, tradução própria)

4Em um sistema competitivo, afinal, o aumento da desigualdade - especialmente o aumento da desigualdade que torna a maioria dos cidadãos relativamente pior - deve criar pressões por uma resposta do governo, à medida que os políticos competem para atrair o apoio da maioria. A falta de tal resposta é, portanto, profundamente intrigante nos modelos padrão de redistribuição do eleitor mediano, que argumentam que uma maior desigualdade na distribuição da renda do mercado (normalmente operacionalizada como a razão entre a renda mediana e a renda média) deve levar a um maior apoio dos eleitores medianos à redistribuição e, portanto, a uma política pública mais redistributiva. (tradução própria)

5Consultar também: Frank (2019) e Dolan (2021).

6Em um nível, os resultados que apresentamos aqui reafirmam os estudos existentes sobre a desigualdade na capacidade de resposta. Usando um novo método que se concentra em indivíduos e incorpora uma série de grupos demográficos e políticos, descobrimos que existem desequilíbrios reais no mundo das políticas públicas. O governo responde muito mais aos interesses privilegiados do que às preferências dos desfavorecidos. Tanto a raça quanto a classe moldam a capacidade de resposta da política pública. (tradução própria)

* Este artigo resulta de uma linha de pesquisa compartilhada pelos autores. Financiado com recursos próprios.

Cómo citar/How to cite Mansor-de Mattos, Fernando Augusto; Ianoni, Marcus; Mello-Cunha, Paulo Roberto (2022). Neoliberalismo, ampliação das desigualdades e desconstrução da democracia. Revista CS, núm. especial, 19-49. https://doi.org/10.18046/recs.iEspecial.5211

Recebido: 14 de Setembro de 2021; Aceito: 07 de Fevereiro de 2022

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