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CES Psicología

On-line version ISSN 2011-3080

CES Psicol vol.9 no.2 Medellín July/Dec. 2016

https://doi.org/10.21615/cesp.9.2.2 

Artículos originales

Eventos Privados e Privacidade no Behaviorismo Radical: A questão da observabilidade circunstancialmente restrita

Private Events and Privacy in Radical Behaviorism: A circumstantially restricted observability issue

Eventos privados y privacidad en el Conductismo Radical: El tema de la observabilidad circunstancialmente restringida

Henrique Mesquita-Pompermaier1 

Naiene dos Santos-Pimentel2 

Camila Muchon de Melo3 

1 Universidade Federal de São Carlos, Brasil

2 Universidade Estadual de Londrina, Brasil

3 Universidade Estadual de Londrina, Brasil


Resumo

A teoria de eventos privados tem sido alvo de intensos debates e controvérsias, apesar de configurar-se como o modo mais comum de abordagem e explicação de fenômenos subjetivos no Behaviorismo Radical. O presente trabalho insere-se nessa discussão, buscando deslindar o conceito de evento privado e a noção de privacidade nele implicado. A partir das definições e usos do termo encontrados na literatura da área, propõe-se a consideração do termo evento privado como evento comportamental de observabilidade circunstancialmente restrita. Nesse sentido, afastando-se de acepções como "interno", "único", ou ainda, "inobservável em princípio", a noção de privacidade é compreendida como observabilidade circunstancialmente restrita. Destaca-se que o conceito de eventos privados pode ser utilizado na explicação do comportamento desde que tomado em uma compreensão relacional e contextual.

Palavras-chave: Eventos Privados; Privacidade; Behaviorismo Radical

Abstract

The private event theory has been subject of intense debates and controversies, although it is accepted as the most common way to approach and explain subjective phenomena in Radical Behaviorism. This work is part of this discussion and seeks to disentangle the concept of private event and the notion of privacy involved in it. From the definitions and uses of the term found in the specialized literature, consideration of private event term as behavioral event with circumstantially restricted observability is proposed. In this sense, diverging from meanings as "inner", "unique" or "unobservable in principle", the notion of privacy is comprehended in terms of a circumstantially restricted observability. It is emphasized that the concept of private events may be used in the explanation of behavior since it is considered into a relational and contextual comprehension.

Key words: Private Events; Privacy; Radical Behaviorism

Resumen

La teoría de los eventos privados ha sido objeto de intensos debates y controversias, a pesar de que se ha aceptado como la forma más común de abordar y explicar los fenómenos subjetivos en el Conductismo Radical. Este trabajo es parte de esta discusión, en su empeño de desentrañar el concepto de evento privado y la noción de privacidad que participan en ella. A partir de las definiciones y usos del término que se encuentran en la literatura especializada, se propone la consideración de evento privado como un evento conductual con observabilidad circunstancialmente restringida. En este sentido, se aparta de significados como "interno", "único", o "no observable en principio"; mientras la noción de privacidad se entiende en términos de observabilidad circunstancialmente restringida. Es de destacar que el concepto de eventos privados se puede utilizar en la explicación del comportamiento si es considerado desde una comprensión relacional y contextual.

Palabras clave: Eventos Privados; Privacidad; Conductismo Radical

O conceito de "eventos privados" foi apresentado, pela primeira vez, por Skinner no texto "Operational analysis of psychological terms" (Skinner, 1945/1961), e retomado em diversos momentos de sua obra (e.g. Skinner, 1953/ 1965, 1974/ 1976, 1957). Esse conceito caracteriza-se pela explicitação dos limites e das possibilidades de conhecimento de eventos acessíveis diretamente somente ao próprio indivíduo. Tal conhecimento seria possível a partir das práticas de uma comunidade verbal, que se dedicaria ao ensino da discriminação e descrição dos eventos privados por meio de estratégias que permitiriam um acesso indireto e inferencial. O acesso indireto se basearia na relação entre a estimulação privada e eventos públicos, havendo quatro possibilidades: acompanhamento sistemático de estímulos públicos e privados; repostas públicas colaterais à estimulação privada; metáforas baseadas em propriedades comuns de estímulos privados e eventos públicos e descrição de comportamento encoberto.1

Além dessas estratégias, o conceito de eventos privados também implica algumas questões teórico-filosóficas. Entre elas estaria a defesa do caráter social do autoconhecimento, o caráter inferencial do conhecimento acerca dos eventos privados e o contato e acesso íntimo e privilegiadodo indivíduo em relação a esses eventos (Zilio & Dittrich, 2014).

Configurando-se como o modo mais comum de abordagem e explicação de fenômenos subjetivos como sentimentos, emoções e pensamentos no Behaviorismo Radical (Skinner, 1945/1961, 1953/ 1965 1957, 1969, 1974/ 1976), o conceito de eventos privados teria tamanha importância que para alguns pesquisadores da área (e.g. Baum, 2005; Carrara, 2005; Matos, 1995, 2001; Moore, 1995, 2001, 2009; Sério, 2005; Tourinho, 1999, 2004) representaria um dos principais fatores de distinção entre o Behaviorismo Radical e as demais escolas da tradição behaviorista. É pela consideração de que todos os fenômenos psicológicos funcionam sob as mesmas leis comportamentais que Skinner supera a distinção de natureza instaurada e mantida por outras tradições (e.g. Introspeccionismo, Behaviorismo Metodológico e parte do Behaviorismo Mediacional). Afirmando que todos os eventos - públicos e privados - são de mesma natureza, o Behaviorismo Radical incorpora os eventos cujo acesso e conhecimento são indiretos e inferenciais na explicação do comportamento (Marr, 2011; Palmer, 2011). Como aponta Tourinho (2004), para Skinner, o conceito de even

De acordo com Moore (2009), o conceito de eventos privados tem sido utilizado em pelo menos quatro sentidos diferentes na literatura analítico-comportamental: a) ficções explicativas; b) eventos fisiológicos; c) considerações (interpretações) disposicionais; d) eventos comportamentais privados. O problema dessa polissemia é que alguns desses sentidos não parecem coerentes com um projeto behaviorista radical, abrindo flanco para críticas à noção de privacidade a partir da própria teoria de eventos privados (Borba & Tourinho, 2010).

Considerando-se a dificuldade de definição concisa do conceito de eventos privados, bem como a relevância e centralidade desse conceito para a abordagem da temática da subjetividade no Behaviorismo Radical, o presente artigo tem como objetivo responder à questão: afinal, o que são eventos privados? Para isso são apresentadas algumas propostas de compreensão do termo, discutindo-se sua coerência e pertinência em relação à perspectiva behaviorista radical. Em seguida, explora-se a noção de privacidade implicada nas definições apresentadas, analisando-se também a coerência e pertinência de cada uma delas em relação ao conceito de eventos privados proposto.

Cabe ressaltar que a posição tomada neste manuscrito é a de que eventos privados podem fazer parte dos fenômenos subjetivos, mas os fenômenos subjetivos não se restringem à noção de eventos privados. São exemplos de fenômenos subjetivos os pensamentos, emoções, motivações, imaginações e outros. Esses podem envolver componentes públicos ou privados. Portanto, refletindo a argumentação que será explicitada, termos como "subjetivo" e "privado" não serão utilizados como sinônimos.

Definição do Conceito de Eventos Privados

Eventos Privados e Ficções Explicativas

Moore (2009) indica que algumas referências ao termo eventos privados na abordagem behaviorista radical dizem respeito a críticas às "ficções explicativas" - eventos ou entidades de outra dimensão que não comportamental, iniciadores ou mediadores da relação entre ambiente e o comportamento dos organismos. Para Moore (2009), o movimento de "operacionalizar" os eventos privados, realizado pelo que chamou de "neobehaviorismo mediacional", acabou por abrir espaço para uma compreensão de que esses eventos poderiam ser abordados por meio de construtos e conceitos desenvolvidos como metáforas explicativas, a partir dos quais se buscariam correlatos ou substratos observáveis (como as redes neurais ou estruturas cerebrais).

Behavioristas radicais não fazem distinção entre termos observacionais e teóricos em suas análises do comportamento verbal. . . Novamente, eventos privados são eventos comportamentais reais, e eles são de natureza ou respondentes ou operantes. Eles não são mais hipotéticos que a salivação ou que a pressão de uma barra o são (Moore, 2009, p. 35).

O Behaviorismo Radical, portanto, traz uma clara crítica a qualquer interpretação mediacional, ou seja, a consideração de construtos que se interpõem na relação organismo e ambiente. A crítica a tais construtos (tradicionalmente ligados à mente ou ao mental) se dá não pela consideração destes como hipotéticos versus eventos que seriam reais, mas pelo fato de que tais elos mediacionais, ao invés de explicarem o fenômeno, criam mais uma instância a ser explicada (e.g. Skinner, 1953/ 1965). Dessa forma, pode-se afirmar que, em uma perspectiva behaviorista radical, eventos privados não são construtos mentais ou mediacionais.

Eventos Privados e Eventos Fisiológicos Internos

Outro sentido para o termo evento privado apontado por Moore (2009) - eventos fisiológicos internos - pode ser encontrado em Stemmer (1992, 1995) e Oveskeid (1994). De acordo com esses dois últimos autores, uma compreensão coerente desse conceito seria a de "eventos internos" ou, mais especificamente, "eventos anatomofisiológicos". Tal opção parece basear-se nas indicações skinnerianas do tratamento dos eventos privados como "eventos sob a pele" (e.g. Skinner, 1974/ 1976), bem como nas pesquisas e avanços dos conhecimentos sobre os processos fisioquímicos envolvidos no comportamento.

Um dos principais argumentos a favor da identificação entre privado e anatomofisiológico interno é de que, nessa condição, os eventos privados caracterizar-se-iam como eventos objetivos, passíveis de mensuração, sem necessidade de inferências (Oveskeid, 1994; Stemmer, 1992,1995). Além disso, tal consideração permitiria preencher lacunas e dar maior consistência teórica à proposta behaviorista radical, aumentando também a eficiência do trabalho de investigação, previsão e controle do comportamento (Oveskeid, 1994). Nessa mesma direção, em um trabalho mais recente, Hocutt (2009) enfatiza que:

Não há uma boa compreensão do sentido no qual uma pessoa observa suas próprias sensações, sentimentos e ‘comportamentos encobertos’, mas se esses eventos ocorrem dentro do corpo, como é sensato de se crer, o fisiologista pode observá-los dadas as novas e sofisticadas máquinas disponíveis atualmente. E desde que esses eventos dentro do corpo variam com as circunstâncias e influência do comportamento, o psicólogo não pode ignorar o que o fisiologista tem a dizer sobre eles. (p.105, itálico do original)

Entretanto, apesar dessas indicações favoráveis à identificação privado-fisiológico interno, o questionamento e crítica a essa posição é também bastante conhecido na literatura da área. Grande parte dos trabalhos de analistas do comportamento (e.g. Moore, 1995, 2009; Tourinho, Teixeira, & Maciel, 2000; Zilio & Dittrich, 2014) sobre a temática de eventos privados procura demarcar esta questão - eventos privados não são o mesmo que "eventos fisiológicos internos".

Talvez a raiz dessa confusão, presente algumas vezes no próprio texto skinneriano, seja o fato de que frequentemente situações consideradas de difícil observabilidade envolvam de forma destacada eventos corporais que ocorrem "sob a pele". Aparentemente, indicações skinnerianas tal como "o mundo sob a pele" (Skinner 1974/ 1976) representariam o esforço para incluir o aparato anatomofisiológico como ambiente, ou seja, como "parte do universo capaz de afetar o organismo" (Tourinho et al., 2000, p.426). Tourinho et al. (2000) salientam, contudo, que nesse movimento também está implicada a compreensão de que são contingências de reforçamento que tornam qualquer evento diferenciado, ou seja, ambiente. Além disso, são especialmente em discussões acerca desse tema que Skinner explicita sua consideração de que é o organismo como um todo que é afetado pelo ambiente, que participa da relação comportamental. Isso fica claro, por exemplo, na crítica skinneriana à adoção de explicações neurofisiológicas pelo cognitivismo: "O cérebro é parte do corpo e o que ele faz é parte do que o corpo faz. O que o cérebro faz é parte do que deve ser explicado" (Skinner, 1990, p.1206).

Comentando também sobre essa conceituação, Zilio & Dittrich (2014, p. 489) enfatizaram que a definição dos eventos privados está calcada nas "vias pelas quais as relações privadas são estabelecidas". É o contato especial que ocorre via sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo que estabelece os eventos privados. Isso sugere a importância do organismo, especificamente do sistema nervoso, na definição de eventos privados, mas sem que eles sejam igualados a eventos fisiológicos internos.

Também nesse sentido, Tourinho et al. (2000) apontam que na compreensão skinneriana as condições corporais seriam produtos colaterais do histórico de contingências, e seu estudo mais aprofundado, descritivo, ficaria a cargo da fisiologia e anatomia. Assim, o Behaviorismo Radical considera as variáveis fisiológicas como constitutivas dos fenômenos comportamentais, sendo a base para sua ocorrência, sejam eles públicos ou privados.

Apesar de reconhecidas como capazes de preencher lacunas com informações relevantes dos processos que ocorrem durante os eventos comportamentais, eventos fisiológicos não substituem nem equivalem aos eventos comportamentais privados, da mesma forma que não o fazem em relação aos eventos comportamentais públicos. Mais diretamente, eventos comportamentais, públicos ou privados, não são redutíveis aos eventos fisiológicos. Como aponta Hineline (2011), da mesma forma que a topografia não é suficiente para determinar a relevância de um evento numa relação comportamental, sua localização anatômica tampouco o é.

Eventos Privados, Disposições e Comportamentos Complexos

Tratando do que seriam considerações disposicionais sobre termos e conceitos subjetivos, Moore (1995) faz referência à concepção da filosofia analítica que, analisando o uso da linguagem, define disposição como um conceito relativo à probabilidade de engajamento em determinados padrões de comportamentos. A partir dessa perspectiva, autores dessa corrente filosófica (e.g. Ryle, 1949/ 1980) consideram que conceitos subjetivos, quando referidos como mentais, representariam erros categoriais de análise: tratar fenômenos que são disposições (probabilidades) como se fossem eventos.

Moore (2009) afirma que, de maneira geral, conceitos disposionais tratam de produtos, efeitos ou consequências de comportamentos, e não de causas iniciadoras ou variáveis intervenientes. Nessa direção, apesar de tomarem formas sintáticas ou gramaticais que remetem a fenômenos ditos subjetivos (como pensamento, emoções, raciocínio), tais considerações não dizem respeito efetivamente a eventos privados, uma vez que podem tratar de probabilidades, frequência e propriedades eventualmente observáveis dos comportamentos de um indivíduo (Moore, 2009). Disposições não se referem, portanto, a eventos (sejam eles públicos ou privados), mas sim a relações entre eventos. Nesse sentido, comentam Lopes e Abib (2003, p.87):

Segundo Ryle (1949/ 1980), não é a existência de uma atividade fantasmagórica que precede a ação pública que caracteriza um desempenho como inteligente. A diferença entre um comportamento inteligente e um não-inteligente não é um acontecimento, é uma disposição. . . . O fato de que disposições são de um tipo lógico inapropriado para serem vistas, pode ser o motivo delas serem consideradas, pelos teóricos, um evento mental.... Possuir uma propriedade disposicional é sofrer uma alteração de seu estado inicial - exibir uma atualização - quando uma dada mudança ocorre. A inteligência pode ser considerada uma propriedade disposicional, e as ações denominadas inteligentes, atualizações dessa disposição.

Outra consideração apresentada por Moore (1995), nessa mesma direção, refere-se à extensão do argumento de que o significado de termos subjetivos viria de sua relação com fenômenos publicamente observáveis. Segundo uma concepção "estritamente disposicional" (Moore, 1995), relatar o sentimento de uma dor, por exemplo, referir-se-ia ao relato de um aumento da probabilidade de agir de determinadas maneiras (gemer, reclamar), mais do que ao fato de a pessoa estar (também) exposta a uma estimulação privada (uma estimulação dolorosa), uma vez que não haveria bases para afirmar um suposto significado para estes termos referentes à estimulação privada.

Frente a tal tese, Moore (2009) argumenta que considerações disposicionais, entendidas como probabilidades de ocorrência de determinados fenômenos, são compatíveis com a proposta behaviorista radical, uma vez que salientam as circunstâncias em que um comportamento é emitido. Contudo, o autor ressalta que em uma consideração skinneriana, nem todos os termos relativos a fenômenos subjetivos referem-se a condições publicamente observáveis. Situações que envolvem sensações corporais, por exemplo, indicariam claramente que estimulações privadas participam no controle do comportamento e, em última instância, no estabelecimento de uma disposição (probabilidade de comportar-se de uma dada maneira). Isso porque, é por meio da comunidade verbal que eventos anatomofisiológicos têm sua função estabelecida, possibilitando que tais eventos apresentem função de estímulo (e.g., discriminativo, reforçador, aversivo) e sejam objeto de uma análise comportamental (Gongora & Abib, 2001; Tourinho, 2007, Tourinho et al., 2000).

Entretanto, mesmo reconhecendo a possibilidade de estarem relacionados, Moore (2009) salienta que proposições disposicionais não devem ser confundidas com eventos privados: eventos privados são eventos ou condições corporais, ou ainda, respostas de baixa magnitude; proposições disposicionais são considerações sobre repertórios comportamentais. Tratam-se, portanto, de fenômenos de categorias (ou ordem) distintas - eventos privados são eventos, únicos, "localizados" em tempo e espaço pontuais; já disposições são considerações acerca de padrões comportamentais, acerca de sua ordenação, frequência e propriedades no tempo e espaço (Lopes, 2004; Moore, 1995).

A partir dessa argumentação parece possível estender a crítica da identificação disposições-eventos privados à outra consideração comum acerca do segundo conceito (eventos privados) - sua compreensão como relações complexas. Borba e Tourin ho (2010) apontam a possibilidade do uso do conceito de eventos privados relativo a fenômenos compreendidos por alguns autores como relações comportamentais complexas, como sentimentos, emoções e cognições. Os autores argumentam que em trabalhos nessa perspectiva (e.g. Friman, Hayes, & Wilkson, 1998;Vandenberghe, 2004),

(...) o conceito [de eventos privados] não remete a eventos específicos, mas a fenômenos complexos que podem envolver até várias relações comportamentais entrelaçadas. (...) Nesse caso, o conceito de evento privado engloba relações em que alguns termos podem ser circunstancialmente inacessíveis à observação pública. (Borba & Tourinho, 2010, p. 290)

Tal indicação também pode ser encontrada em outros trabalhos, como em Gongora e Abib (2001) e em Anderson, Hawkins e Scotti (1997). Contudo, da mesma forma que a identificação entre eventos privados e considerações disposicionais, essa posição pode ser questionada na medida em que relações comportamentais complexas envolvem, como o próprio termo denota, relações entre eventos, e não apenas um evento. Nesse sentido, incorrer-se-ia no mesmo "erro categorial" - tomar por evento algo que na verdade refere-se a um conjunto de eventos numa determinada configuração de relações. Assim como se considera incoerente tomar o "propósito de fazer algo" como um evento privado, quando de fato trata-se da consideração da probabilidade de ocorrência de um determinado operante, também o é fazer tal atribuição a um sentimento, como "estar deprimido", na medida em que esse é entendido como um fenômeno complexo, um conjunto de relações entre eventos (ambientais e comportamentais).

Tais "extensões" do conceito de eventos privados (para disposições ou relações comportamentais complexas) parecem estar intimamente relacionadas às confusões provocadas pela identificação dos termos "privacidade" e "subjetividade". A partir dos argumentos apresentados é possível pontuar tal questão, retomando a frase de Skinner (1945/1961, p.275) de que "O problema dos termos subjetivos não coincide exatamente com o dos estímulos privados (...)". Mesmo que se reconheça um papel relevante ou fundamental aos eventos privados para compreensão dos fenômenos subjetivos, essas noções não são idênticas. Fenômenos subjetivos podem envolver eventos privados, mas não são eventos privados. Como apontado acima, fenômenos subjetivos podem ser compreendidos como disposições ou relações comportamentais complexas que, como tal, envolvem não apenas mais que um evento, mas também relação(ões) entre eventos, sejam eles públicos ou privados.

Eventos Privados como Eventos Comportamentais Privados

Uma última concepção indicada por Moore (2009) refere-se à compreensão de eventos privados como eventos comportamentais não observáveis, ou ainda, de observabilidade restrita, também presente em trabalhos de outros autores (e.g. Borba & Tourinho, 2010; Catania, 2011;Hineline, 2011; Marr, 2011; Palmer, 2011; Tourinho, 2006, 2007).

De acordo com a posição expressa nesses trabalhos, tratar eventos privados como eventos comportamentais significa identificá-los como estímulos ou respostas envolvidas em uma relação comportamental. A definição de tais ocorrências como eventos privados é condicionada pela participação numa relação comportamental, isto é, depende de uma compreensão funcional. Um determinado evento fisiológico, por exemplo, pode ser considerado um evento privado se, e somente se, além da observabilidade restrita, puder ser identificado como um evento comportamental, ou seja, configurar-se como um estímulo funcionalmente relacionado com respostas do organismo, ou como uma resposta funcionalmente relacionada com determinados estímulos.

Esse parece ser um dos grandes movimentos da proposição skinneriana a partir do conceito de eventos privados - eventos antes ignorados por não serem observados diretamente passam a ser considerados quando envolvidos numa relação comportamental. Tal movimento permitiria ao Behaviorismo Radical "compreender como esses eventos contribuem para contingências controladoras de comportamento operante subsequente, seja ele verbal ou não verbal" (Moore, 2009, p.21). A proposta behaviorista radical skinneriana não nega nem possibilidade de abordagem científica (como encaminham as propostas do behaviorismo metodológico), nem a da existência (como no behaviorismo watsoniano) dos fenômenos "mentais" ou "subjetivos". Trata-se, pois, da busca por uma abordagem e compreensão desses fenômenos em uma "dimensão comportamental".

Moore (2009) indica dois tipos de eventos comportamentais privados: a) sensações2; e b) respostas operantes encobertas. Tratando de sensações, o autor afirma que tais eventos corresponderiam a condições corporais produto de relações respondentes, incondicionadas e condicionadas. O encaminhamento dado pelo autor é bastante fiel ao texto skinneriano, retomando os argumentos sobre as estratégias usadas pela comunidade verbal para ensinar descrições de eventos privados. Assim como Skinner (1945/1961, 1953/ 1965, 1957, 1969, 1971, 1974/1976), Moore (2009) pontua que o problema da privacidade refere-se ao problema da acessibilidade aos estímulos para o ensino da discriminação e descrição. Tratando do segundo tipo de evento comportamental privado - as respostas operantes encobertas - Moore (2009, p. 29) afirma que "Esse tipo de evento privado funciona como uma ligação em uma cadeia comportamental (...) eles funcionam como estímulos discriminativos para o comportamento subsequente, verbal ou não verbal, público ou privado".

Sendo formas encobertas ou respostas "em menor escala" de comportamentos operantes, essas respostas seriam sempre estabelecidas primeiramente nas formas abertas e envolveriam os mesmos aparatos neuromusculares que as formas abertas. Essas respostas passariam a um "nível encoberto" por diferentes razões, como também aponta Skinner (1953/ 1965, 1957): a) em determinado contexto a forma aberta seria punida; b) a forma encoberta pode ser mais efetiva; c) a falta de "suporte ambiental" ou condições ambientais para a forma aberta (por exemplo na ausência de lápis e papel, ficar repetindo "em voz baixa" uma lista de compras ou um número de telefone). "Como resultado, o comportamento pode retroceder a uma forma encoberta ou indiscriminável, e mesmo em estágios incipientes pode produzir estimulação encoberta que exerce um efeito discriminativo [para o comportamento subsequente]." (Moore, 2009, p. 29)

Como concluem Borba e Tourinho (2010), compreende-se que autores que empregam o conceito de eventos comportamentais privados (e.g. Simonassi, Tourinho, & Silva, 2001; DeGrandpre, Bickel, & Higgins, 1992) estariam atentos às funções dos eventos privados (estímulos e respostas) nas relações comportamentais, e não a qualquer outro tipo de categoria ou classificação definidas a priori com base apenas em características constitutivas ou de localização. Adotariam, portanto, uma postura coerente com os pressupostos relacional e funcional da abordagem analítico-comportamental. Eventos privados, nesta concepção, são eventos comportamentais privados, ou seja, estímulos discriminativos ou eliciadores, ou respostas operantes, cuja observabilidade é restrita.

A Noção de Privacidade: Observabilidade Circunstancialmente Restrita

As discussões acerca do conceito de eventos privados e seus possíveis usos permitem vislumbrar distintas noções de privacidade, indicando que a exploração e refinamento desse aspecto do conceito de eventos privados também é de fundamental importância para a abordagem dos fenômenos subjetivos. A partir da análise de textos de Skinner (e.g. 1953/ 1965, 1957, 1969, 1971, 1974/ 1976, 1989/1991), ao menos três sentidos para a consideração da noção de privacidade relativa ao conceito de eventos privados podem ser elencados:

1. Identificação da privacidade como interioridade, como em expressões recorrentes ao falar do "mundo dentro da pele" (Skinner, 1974/ 1976) e em referências nas quais eventos privados são aproximados ou identificados a condições fisiológicas: "Ao tomar uma decisão, como no autocontrole, frequentemente as variáveis manipuladas são eventos privados dentro do organismo" (1953/ 1965 p.242, itálico acrescido).

Porém, em relação a tal identificação, encontramos também afirmações de Skinner de que "A linha entre o público e o privado não é fixa. A fronteira se altera com cada descoberta de técnicas para tornar públicos os eventos privados" (1953/ 1965, p.282). Ou ainda, "Entretanto, aqui o ponto importante não é o local de estimulação, mas o grau de acessibilidade que a comunidade tem" (1953/ 1965, p.262).

Nesse sentido, juntamente com os argumentos apresentados referentes à desvinculação do conceito de eventos privados a eventos fisiológicos simplesmente, pode-se argumentar que numa interpretação analítico-comportamental, "a pele não é [propriamente] uma fronteira" (Tourinho et al., 2000), nem a localização dos estímulos é o que define a privacidade.

2. Identificação da privacidade com a noção de particularidade, àquilo que é único e exclusivo, como, por exemplo, quando Skinner (1953/ 1965, p.257) afirma que "nossas alegrias, tristezas, amores e ódios são particularmente nossos. Com respeito a cada indivíduo, em outras palavras, uma pequena parte do universo é privada" (itálico acrescido).

Não haveria muito em que questionar tal proposição, pensando que, como o autor mesmo aponta em outros momentos (e.g. Skinner, 1971, p.209; 1989/ 1991, p.44), toda relação comportamental ocorre em determinado tempo e espaço e, portanto, sua ocorrência é única. Assim, teríamos que as experiências e fenômenos relativos aos indivíduos, entendidos sempre com base nas relações comportamentais, também são únicos. Como afirmam Michelleto e Sério (1993, p.5), "Nada, apesar das leis gerais, sugere a ausência de individualidade; nada sugere que, sendo os processos de relação gerais, os produtos destes processos - o organismo, a pessoa e o eu - sejam iguais para todos que estão submetidos a eles".

Contudo, justamente por essa compreensão, não seria possível uma vinculação exclusiva entre as noções de privacidade e particularidade. Se todos os eventos estabelecidos nas relações comportamentais são únicos - tanto eventos privados quanto públicos -, seria inconsistente sustentar uma definição para privacidade baseada em um atributo aplicável também ao seu antônimo.

3. O sentido de privacidade que parece ter maior persistência ao longo da obra de Skinner é sua referência à inacessibilidade, ou ainda, a uma acessibilidade restrita. Privado, nesse sentido, refere-se ao que é acessível somente - ou de maneira particular, "íntima", como diz Skinner (1969, 1974/ 1976) - ao indivíduo, e inacessível aos demais membros da comunidade.

Como aponta Abib (1982), em muitos momentos Skinner defende que todos os eventos são de uma mesma natureza. Nesse sentido, uma das grandes distinções da proposta skinneriana é a refutação de qualquer consideração de eventos ou instâncias de natureza distinta ao comportamento, ao mundo físico: "Não temos razão para supor que o efeito estimulador de um dente inflamado seja essencialmente diferente do efeito de um forno quente. O forno, contudo, pode afetar mais que uma pessoa da mesma maneira, aproximadamente" (1953/ 1965, p.257-258). Assim, a privacidade demarcaria uma distinção não de natureza ou constituição, mas de possibilidades e modos de conhecimento em virtude da acessibilidade e observabilidade restritas deste tipo de evento.

Esse parece ser o sentindo mais coerente a uma análise da noção de privacidade no texto skinneriano: um evento privado refere-se a um evento "acessível" ou "observável" apenas ao próprio indivíduo. Não obstante, essa também é a compreensão expressa por outros autores do Behaviorismo Radical (e. g. Catania, 2011; Day, 1969a; Moore, 1995, 2009; Marr, 2011, Palmer, 2009, 2011; Tourinho, 2006, 2007). A adoção coerente desse sentido ("observabilidade restrita") em detrimento dos demais possíveis ("interioridade" e "particularidade") configura-se como passo importante para organização das discussões e avanços no estudo dessa temática. Porém, tal noção levanta outras questões, a serem discutidas e superadas pela área.

Em uma edição especial do "The Behavior Analyst" (edição 34, n° 2, 2011) pesquisadores da área apresentam um debate sobre a noção de privacidade adotada em relação ao uso do conceito de eventos privados. Analisando essa discussão acerca dos eventos privados, Leigland (2014) pontua que, embora a afirmação da existência desses eventos seja ponto pacífico entre analistas do comportamento, a questão acerca do tema refere-se à possibilidade de conhecimento dos mesmos. Ou seja, a questão que se coloca e que divide opiniões quanto à necessidade de consideração dos eventos privados por uma ciência do comportamento refere-se não à existência de tais eventos, mas à possibilidade de seu estudo científico e a relevância de sua consideração na determinação do comportamento. Em grande medida, tal questionamento passa pela discussão da compreensão da noção de privacidade como "circunstancial" ou "em princípio".

Introduzindo a discussão, Schlinger (2011) aponta que ainda que concentrado no sentido de observabilidade, encontrar-se-iam distinções relevantes na compreensão da noção de privacidade. Ao propor o abandono dos eventos privados pela Análise do Comportamento, em grande parte dos argumentos apresentados por Baum (2011), privado seria explicitamente sinônimo de "não observável para outrem", implicando a consideração de uma privacidade em princípio. Já para os demais comentadores (Catania, 2011; Marr, 2011; Hineline, 2011; Palmer, 2011) o termo privado é tomado como "não observado", alinhando-se com a compreensão de uma privacidade circunstancial.

Para Baum (2011), se a noção de privado referir-se ao que só pode ser conhecido pela própria pessoa - esse sentido, segundo o autor, manteria espaço para uma acepção dualista, uma vez que consideraria a existência de elementos (ou eventos) privados em si. Sendo assim, a proposição de uma privacidade em princípio implicaria numa reedição do dualismo "físico-mental" pela via "público-privado", devendo por essa razão ser abandonada pelos analistas do comportamento.

Já para os demais comentadores (Catania, 2011; Marr, 2011; Hineline, 2011; Palmer, 2011), o sentido atribuído à noção de "observabilidade restrita" é o de uma "privacidade circunstancial", numa proposição "puramente prática" (Schlinger, 2011). Não haveria "privacidade em princípio", mas sim uma "publicidade" de maior ou menor nível de acordo com as circunstâncias. Os chamados eventos privados deixariam de estar privados com o arranjo de condições que permitissem sua observação.

Uma interpretação em termos de eventos "privados em si" seria pouco interessante à perspectiva analítico-comportamental. Essa posição implicaria na consideração de características marcadamente distintas formando duas categorias de elementos ou eventos, que não se compromete com um dualismo de substância (físico-mental), mas se compromete com um dualismo em nível epistêmico (eventos observáveis em si, contra eventos inobserváveis em si) (Pompermaier, 2013, p.111). Desse modo, enfrentar-se-ia o problema de determinar o que é observável e o que não é, uma vez que na história da ciência encontram-se muitos eventos que eram "inobserváveis" e passaram a ser "observáveis". Exemplo disso seria o planeta Netuno, que era estudado a partir da perturbação causada na órbita de Urano antes de poder ser efetivamente observado com um telescópio mais potente (Palmer, 2011).

Na mesma direção, Catania (2011) afirma ser claro e bem estabelecido que Skinner trata da privacidade como "privacidade em termos práticos", circunstancial, ou ainda, contextual. Mais que isso, para Catania, a questão trazida por Skinner, com o conceito de eventos privados, refere-se a como indivíduos que estão em contato com distintos estímulos podem partilhar uma resposta verbal (ou comportarem-se de maneira semelhante frente a determinadas respostas verbais). Nesse sentido, Skinner não trata de quantas pessoas têm acesso ao mesmo tipo de estímulo, nem se a estimulação envolvida nos comportamentos dos diferentes indivíduos é a mesma, o que seria incoerente com o pressuposto de que cada ocorrência é única, num determinado tempo e espaço. Trata-se de como indivíduos com acesso a diferentes tipos de estimulação podem ensinar (instalar e modelar) respostas verbais relativas a um objeto ou fenômeno. Dessa forma, Catania (2011) afirma que a crítica "anti-privatista" de Baum (2011) baseia-se na concepção equivocada de que haveria uma busca pelo estímulo específico que controla o falante (sobre seus fenômenos subjetivos). Para Catania, no conceito de eventos privados de Skinner, um ouvinte (ou a comunidade verbal) precisa apenas ter acesso a algum evento correlato, para compreender e explicar ou ainda ensinar uma resposta verbal a um evento privado.

Palmer (2009, 2011) salienta ainda que a observabilidade não se trata de uma propriedade de estímulos e respostas, mas sim uma característica da relação estabelecida por um observador (sua localização ou os instrumentos de observação que tem a disposição, por exemplo) com o objeto observado.

(...) observabilidade não é uma propriedade de uma resposta, mas de uma posição e ferramentas vantajosas do observador. Um observador surdo e míope falhará na detecção de um comportamento facilmente apreendido por um observador normal, e este último irá falhar na detecção de um comportamento observado por alguém equipado com um eletromiógrafo ou outro instrumento de amplificação (Palmer, 2011, p.203).

Palmer (2011) afirma ainda que em diferentes circunstâncias o objeto de observação continua o mesmo, ou seja, mantém suas propriedades físicas constituintes; porém, o que é observado (ou não, nesse caso permanecendo privado) muda de acordo com as características do observador (ou de suas condições, posição, ferramentas etc.) em relação ao objeto observado. A partir desse argumento conduz-se a conclusão de que, em uma concepção behaviorista radical coerente, a privacidade deve ser compreendida como uma característica circunstancial e relacional e não como uma propriedade definidora.

Outro aspecto problemático da concepção de privacidade defendida por Baum (2011), apontado por Zilio e Dittrich (2014, p. 485), seria a consideração de classes distintas de eventos (e.g. eventos fisiológicos, eventos mentais e atitudes proposicionais) sob a mesma categoria. Como consequência, sua proposta alternativa à abordagem via eventos privados, por meio de "padrões estendidos de comportamento público", deveria ser aplicável a todas essas classes de eventos, fato que, segundo os autores, não acontece.

Apontando na mesma direção da afirmação de Palmer (2011, p. 203) de que a "observabilidade não é uma propriedade de uma resposta", Zilio e Dittrich (2014) criticam a posição de Baum de que a privacidade estaria na impossibilidade de observação por terceiros. Para os autores "essa definição está incompleta. Embora todos os eventos privados sejam inobserváveis por terceiros, nem todo evento "inobservável" (seja em princípio ou momentaneamente) é privado" e ainda, "ressaltar apenas o aspecto observacional na definição da privacidade, tal como fez Baum (2011a, 2011b), consiste em eliminar sua característica comportamental e relacional" (Zilio & Dittrich, 2014, p. 487).

Ainda nesse sentido, Tourinho (2006) e Palmer (2009) discutiram que a partir da consideração das variáveis contextuais pertinentes à condição do observador (posição, ferramentas, histórico de relação com o objeto e situação de observação) a observabilidade variaria num continuum gradativo, e não como uma característica ou atributo do tipo "tudo ou nada". Nessa perspectiva, como indicado também por Hayes (1994), o grau de "sutileza" de um evento não é uma característica inerente a este evento, mas se dá a partir da relação entre um evento e um observador - a depender da familiaridade dele com o evento, este último se torna mais ou menos "sutil", mais ou menos "óbvio", "perceptível". Essa interpretação mostra-se também coerente com as indicações de Skinner (1957, por exemplo) de eventos ocorrendo em "escala reduzida" (1953/ 1965) ou de "ordem decrescente de energia" (1957, p.438).

A noção de privado é relevante para a compreensão da experiência de sentimentos e emoções, ou ainda, para a explicação do comportamento, desde que assuma uma conotação contextual ou circunstancial, considerando-se os contextos e modulações das relações interpessoais relativos não a apenas um evento, mas a um conjunto ou arranjo de eventos (Tourinho 2006).

Considerações Finais

Retomando as considerações acerca da defesa do conceito de eventos privados, afirma-se que a compreensão dos chamados eventos privados independe da análise desses em termos fisiológicos. O que faz um evento ser relevante à análise comportamental, devendo por isso ser incluído na interpretação do comportamento por meio do conceito de eventos privados, é o fato de esse evento configurar-se como estímulo ou resposta do organismo funcionalmente relacionado com eventos ambientais, ou seja, o fato de estar envolvido em uma relação comportamental. O conhecimento sobre eventos fisiológicos possui, portanto, relevância em seu próprio campo, e pode ser complementar em uma análise comportamental, uma vez que diz respeito à base material, ao "substrato" do qual o comportamento é feito, mas não é suficiente nem esgota essa análise. É a busca, primordialmente, pela compreensão dos princípios e mecanismo do estabelecimento da relação entre eventos que move a ciência do comportamento, e não a compreensão desses eventos em si.

Já relações comportamentais, simples ou complexas, bem como disposições, em acordo com a argumentação desenvolvida, não se configuram como eventos privados (contrariando as posições, ou ao menos o emprego do conceito nessas condições, apresentado por autores comoGongora & Abib, 2001; Anderson, et al., 1997; Borba & Tourinho, 2010). Tal proposição refletiria um erro categorial: eventos, sejam públicos, privados, fisiológicos etc., são ocorrências únicas, circunscritas em um momento e espaço determinados; já comportamentos (simples ou complexos) e disposições configuram-se como relações entre eventos, não como eventos. Os eventos que compõe uma relação comportamental podem ser públicos ou privados, caracterização que não cabe a fenômenos relacionais.

Assim, parafraseando Skinner (1945/1961, p.272), segundo a discussão desenvolvida ao longo deste manuscrito, eventos privados deveriam ser compreendidos como: a) estímulos circunstancialmente não passíveis de observação pública direta, funcionalmente relacionados com respostas do organismo; b) respostas circunstancialmente não passíveis de observação pública direta, funcionalmente relacionadas com determinados estímulos; c) "nada mais além disso".

Pode-se indicar também que a compreensão da noção de privacidade mais adequada e coerente com a posição behaviorista radical e com a definição apresentada acima é a de uma "observabilidade circunstancialmente restrita". "Privado", dessa forma, refere-se tão somente à característica de ser circunstancialmente "não observado", e não a um atributo definidor estabelecido com base em alguma característica constitutiva pontual.

A restrição da observabilidade de determinados estímulos e respostas configura um problema de especial interesse pois está intimamente relacionada a questões do autocontrole e da autonomia, aspectos caros à cultura moderna ocidental. Como comenta Tourinho (2006), é justamente isso que justifica a grande atenção e preocupação com as "instâncias de inobservabilidade relacionadas com subjetividade ou privacidade" (p.150). Mais que um rótulo definidor para os fenômenos comportamentais ou psicológicos, a privacidade "apenas sinaliza que sob certas contingências a observabilidade de um termo da relação comportamental poderá ser restrita - não naturalmente ou irremediavelmente restrita, mas circunstancialmente restrita" (Tourinho, 2006, p.151).

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3Citação: Pompermaier, H.M., Pimentel, N.S., & de Melo, C.M. (2016). As noções de eventos privados e da privacidade no Behaviorismo Radical: A questão da observabilidade circunstancialmente restrita.

1 Para uma apresentação mais detalhada das quatro estratégias utilizadas pela comunidade verbal para o ensino da descrição de eventos privados, ver Skinner (1945/1961, 1974/1976).

2 Originalmente o texto de Moore (2009) indica como um dos tipos de eventos privados "sensações e sentimentos". Apesar do uso do termo "sentimento" ser respaldado em algumas passagens do texto skinneriano, como discutem Pompermaier, Melo e Pimentel (2014), optamos por retirar o termo na presente discussão, entendendo, junto a outros trabalhos (e.g. Moore, 1995; Tourinho, 2006; Gongora & Abib, 2001), que seu sentido disposicional, como conjunto de complexo de relações comportamentais, é mais interessante e pertinente, que sua consideração como evento anatomofisiológico pontual.

Recebido: 28 de Julho de 2015; Aceito: 08 de Agosto de 2016

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