INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é hoje um problema social e de saúde pública no mundo, devido sua alta magnitude e aos danos causados à saúde física e mental, que podem durar mesmo após o cessar das agressões. Estima-se que a violência praticada contra mulheres entre a faixa dos 15 aos 44 anos, seja responsável por mais mortes que o câncer, malária e acidentes de trânsito1.
As relações de poder e posse do homem sobre o corpo feminino, perpetuados por meio da cultura patriarcal ao longo dos anos, ainda se mostra o principal motivador das violências. Os agravos são majoritariamente praticados por parceiros de contato íntimo, como maridos e namorados, os quais se aproveitam dos laços afetivos e vulnerabilidade da vítima para a prática das violências2.
Com o maior empoderamento da mulher nos últimos 30 anos e pressão dos movimentos feministas, no ano de 2003 foi sancionada a Lei 10.778/03, válida em todo o território brasileiro e que estabelece a notificação compulsória em todos os casos de violência, que inclui a física, sexual e psicológica, contra a mulher atendida em serviços de saúde públicos e privados. A obrigatoriedade desta notificação trouxe maior visibilidade aos casos de violência à sociedade e aos órgãos governamentais, que ao mensurar a magnitude do problema propôs diversas políticas públicas como forma de enfrentamento a este agravo3,4.
As especificidades do estado de Rondônia, que abriga em seu território áreas de garimpos, regiões fronteiriças nacionais e internacionais e número elevado de população rural e ribeirinha podem favorecer o advento de todos os tipos de violência contra a mulher, bem como a sua continuidade ao se considerar o difícil acesso desta população feminina aos serviços sociais de enfrentamento e de saúde.
Devido a magnitude do problema, a realização desta pesquisa, além das considerações acima, se motiva pelo déficit de estudos sobre a temática em Rondônia. Dessa forma acredita-se na necessidade de garantir maior visibilidade ao tema com a apresentação dos dados coletados, no intuito de conscientizar aos gestores municipais e estaduais, profissionais da saúde dos serviços públicos e privados e sociedade sobre a situação da violência de gênero no estado, incorporar novas estratégias e abordagens sobre o padrão de ocorrência destas violências e ainda contribuir para o fortalecimento das redes de apoio e ensino com o objetivo de atender as especificidades da população desta região.
Levando-se em conta as consequências que a violência contra a mulher traz à saúde física, mental e reprodutiva destas usuárias e objetivando a melhoria nos serviços assistenciais questiona-se: Como se caracterizam as violências contra a mulher no estado de Rondônia? Qual o perfil destas vítimas e a relação com o seu agressor?
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo ecológico, descritivo, de abordagem quantitativa. As informações utilizadas foram processadas na base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) disponibilizados pela Agência Estadual de Vigilância em Saúde (AGEVISA), no período de 1 de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2015. O SINAN é alimentado por meio das notificações realizadas por profissionais ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, outras instituições, como os serviços privados e as não pertencentes ao setor da saúde poderão ser cadastradas, dependendo das características regionais de cada estado e município.
A população de estudo foram todas as mulheres notificadas no SINAN, no período proposto. Como critérios de inclusão foram definidos: todas as vítimas do sexo feminino, maiores de 10 anos e residentes no estado de Rondônia. E como critérios de exclusão: vítimas em que a ficha de notificação não possuía informação de local de residência.
As variáveis selecionadas para o estudo foram agrupadas em características do perfil socioeconômico, que incluíam idade, escolaridade, informação de gestação, raça/cor, situação conjugal e município de residência; Características do perfil do agressor, que incluíam o vínculo/grau de parentesco com a vítima, sexo do provável agressor e a suspeita de uso de álcool por parte do mesmo e características do agravo, que incluía o tipo da violência, recorrência, os aspectos da lesão, local, hora e número de envolvidos na ocorrência e encaminhamento e condutadas assistenciais do caso.
A partir dos dados coletados foi realizada uma análise estatística descritiva simples das variáveis escolhidas, os resultados expressos por frequências e percentuais (variáveis qualitativas) e organizados em planilha Excel. A partir da análise e interpretação de todos os dados foram construídas tabelas e/ou gráficos com a finalidade de compreender os dados levantados, à luz da literatura pertinente.
Para a fundamentação teórica, foram utilizados artigos disponibilizados na Literatura Latino-Americana e do Caribe de Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific Eletronic Library Online (SciELO) publicados em português, que possuíam o texto na íntegra para consulta e indexados pelos descritores: agressões a mulher, violência doméstica e violência de gênero. Também foram utilizadas dissertações que abordavam a temática, além de leis e diretrizes do Ministério da Saúde.
O estudo está vinculado ao subprojeto “Morbidades em Porto Velho” é constitutivo do projeto matriz intitulado “Estudo sobre morbidades em Rondônia” e foram considerados os aspectos éticos apontados na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos. A aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em pesquisa do NUSAU/UNIR se deu pelo parecer 1.205.923.
RESULTADOS
No período estudado foram registrados no SINAN 1696 casos de violência em mulheres acima de 10 anos que residiam no município de Porto Velho/RO. A Tabela 1, se propõe a trazer o número (N) e proporção (%) das notificações e das características das vítimas entre os anos de 2007 a 2015.
Variáveis | 2007 a 2009 | 2010 a 2012 | 2013 a 2015 | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Total | 155 | 9,14 | 501 | 29,54 | 1040 | 61,32 | 1696 | 100 |
Faixa etária (anos) | ||||||||
11 a 18 | 32 | 1,89 | 96 | 5,66 | 243 | 14,33 | 371 | 21,88 |
19 a 39 | 96 | 5,66 | 299 | 17,63 | 584 | 34,43 | 979 | 57,72 |
40 a 59 | 22 | 1,30 | 97 | 5,72 | 182 | 10,73 | 301 | 17,75 |
≥ 60 | 5 | 0,29 | 9 | 0,53 | 31 | 1,83 | 45 | 2,65 |
Raça/cor da pele | ||||||||
Negra* | 88 | 5,19 | 304 | 17,92 | 690 | 40,68 | 1082 | 63,80 |
Branca | 27 | 1,59 | 98 | 5,78 | 215 | 12,68 | 340 | 20,05 |
Indígena | 2 | 0,12 | 6 | 0,35 | 8 | 0,47 | 16 | 0,94 |
Amarela | 3 | 0,18 | 1 | 0,06 | 8 | 0,47 | 12 | 0,71 |
Ignorado | 35 | 2,06 | 92 | 5,42 | 119 | 7,02 | 246 | 14,50 |
Escolaridade | ||||||||
Ens. Fundamental ** | 57 | 3,36 | 208 | 12,26 | 424 | 25,00 | 689 | 40,63 |
Ens. Médio ** | 20 | 1,18 | 66 | 3,89 | 172 | 10,14 | 258 | 15,21 |
Ens. Superior ** | 4 | 0,24 | 19 | 1,12 | 41 | 2,42 | 64 | 3,77 |
Ignorado | 74 | 4,36 | 200 | 11,79 | 387 | 22,82 | 661 | 38,97 |
Analfabeto | - | - | 8 | 0,47 | 16 | 0,94 | 24 | 1,42 |
Situação Conjugal | ||||||||
Solteira | 78 | 4,60 | 240 | 14,15 | 490 | 28,89 | 808 | 47,64 |
Casada/União Est. | 42 | 2,48 | 139 | 8,20 | 300 | 17,69 | 481 | 28,36 |
Ignorado | 30 | 1,77 | 98 | 5,78 | 174 | 10,26 | 302 | 17,81 |
Separada/Divorciada | 3 | 0,18 | 19 | 1,12 | 60 | 3,54 | 82 | 4,83 |
Viúva | 2 | 0,12 | 5 | 0,29 | 16 | 0,94 | 23 | 1,36 |
* Inclui raça/cor da pele preta e parda ** Completo e incompleto
Fonte: SINAN/AGEVISA – RO, 2017
Ao analisar a tabela, verifica-se o aumento gradual a cada triênio das notificações de violência. A faixa etária mais acometida em todos os anos foi majoritariamente de mulheres jovens adultas, dos 19 aos 39 anos de idade, com o total de 979 (57,72%), seguido das adolescentes de 11 aos 18 anos, com 301 (17,75%).
Quanto a raça/cor, 1082 (63,80%) se autodeclararam pretas ou pardas no momento da notificação e 340 brancas (20,05%). E em relação à escolaridade, 689 (40,63%) usuárias alegaram possuir ensino fundamental, porém, esta variável obteve 661 ignorados (38,97%), considerado um valor elevado ao estudo.
A respeito da situação conjugal, houve predominância de mulheres agredidas solteiras nos anos de estudo, totalizando 808 (47,64%), seguido das casadas ou que mantinham união estável, com 481 (28,36%).
O número total de mulheres que estavam gestantes, no momento da agressão, nesta pesquisa foi de 190 (12,20%), sendo 73 (4,30%) no primeiro, 49 (2,89%) no segundo, 57 (3,36%) no terceiro trimestre respectivamente, e 11 (0,65%) não tiveram a idade gestacional informada. A quantidade de 1117 (65,86%) usuárias alegaram não estarem grávidas e 389 (22,94%) foram marcados como ignorado.
As informações relacionadas às violências podem ser visualizadas na Tabela 2. Verifica-se que uma mesma usuária pode ter sofrido mais de um tipo de agressão, sendo o N para esta variável de 2422. Dentre os tipos de violência, predominou em todos os anos a física, com 1147 (47,36%), seguido da sexual, 571 (23,58%) e psicológica com 490 (20,23) episódios. No último triênio, de 2012 a 2015, houve uma discreta semelhança nas notificações das violências sexual e psicológica.
Variáveis | 2007 a 2009 | 2010 a 2012 | 2013 a 2015 | Total | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | ||||
Tipo de violência | |||||||||||
(N 2422) | |||||||||||
Violência física | 97 | 4,00 | 348 | 14,37 | 702 | 28,98 | 1147 | 47,36 | |||
Violência sexual | 61 | 2,52 | 167 | 6,90 | 343 | 14,16 | 571 | 23,58 | |||
Violência psicológica | 36 | 1,49 | 124 | 5,12 | 330 | 13,63 | 490 | 20,23 | |||
Tortura | 3 | 0,12 | 18 | 0,74 | 69 | 2,85 | 90 | 3,72 | |||
Outros * | 6 | 0,25 | 39 | 1,61 | 79 | 3,26 | 124 | 5,12 | |||
Local de ocorrência | |||||||||||
Residência | 94 | 5,54 | 319 | 18,81 | 693 | 40,86 | 1106 | 65,21 | |||
Via pública | 14 | 0,83 | 55 | 3,24 | 122 | 7,19 | 191 | 11,26 | |||
Outros | 27 | 1,59 | 64 | 3,77 | 146 | 8,61 | 237 | 13,97 | |||
Ignorado | 20 | 1,18 | 63 | 3,71 | 79 | 4,66 | 162 | 9,55 | |||
Horário de ocorrência | |||||||||||
Manhã (6:00 às 11:59) | 11 | 0,65 | 28 | 1,65 | 153 | 9,02 | 192 | 11,32 | |||
Tarde (12:00 às 17:59) | 10 | 0,59 | 47 | 2,77 | 150 | 8,84 | 207 | 12,21 | |||
Noite (18:00 às 23:59) | 223 | 13,15 | 78 | 4,60 | 18 | 1,06 | 319 | 18,81 | |||
Madrugada(00:00 às 5:59) | 60 | 3,54 | 35 | 2,06 | 98 | 5,78 | 193 | 11,38 | |||
Ignorado | 56 | 3,30 | 313 | 18,46 | 416 | 24,53 | 785 | 46,29 |
* Inclui violência financeira/econômica, negligência ou abandono, trabalho infantil, intervenção legal e tráfico de seres humanos
Fonte: SINAN/AGEVISA – RO, 2017
Encontrou-se que, considerando N=1890, devido uma única usuária poder ter sofrido mais de uma lesão no momento da violência, que a força corporal/espancamento se sobressaiu em mais da metade dos casos ocorrendo em 986 (52,17%) ocasiões, e ainda a ameaça em 345 (18,25%) casos.
Das 571 mulheres que sofreram violência sexual, 491 (85,99%) foram por meio do estupro, sendo a penetração vaginal a forma mais recorrente, em 270 (54,99%) casos.
A principal zona de ocorrência foi a urbana, se apresentando em 1313 (77,42%), enquanto o local mais comum da ocorrência foi na própria residência, em 1106 (65,21%) casos, e já os registros da hora em que a violência aconteceu foram ignorados em 785 fichas (46,29%), dificultando a análise dos dados. Dos horários assinalados, o noturno, das 18:00 às 23:59 horas apareceu 319 (18,81%) vezes, porém, houve uma redução importante no último triênio estudado, prevalecendo o período matutino e vespertino.
Quando investigado sobre a recorrência da agressão, 643 (31,91%) responderam que já tinham sofrido episódios de violência outras vezes e 624 (36,79%) afirmaram que não.
Na análise dos dados, encontrou-se que na maioria das vezes (75,41%) apenas uma pessoa foi autor da agressão e em apenas 15,57% das situações houve dois ou mais agentes. Além disto, como se observa na Tabela 3, o sexo masculino esteve presente em 1341 (79,07%) dos eventos.
Variáveis | 2007 a 2009 | 2010 a 2012 | 2013 a 2015 | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Sexo do agressor | ||||||||
Masculino | 113 | 6,66 | 392 | 23,11 | 836 | 49,29 | 1341 | 79,07 |
Feminino | 18 | 1,06 | 60 | 3,54 | 121 | 7,13 | 199 | 11,73 |
Ambos os sexos * | 2 | 0,12 | 12 | 0,71 | 18 | 1,06 | 32 | 1,89 |
Ignorado | 22 | 1,30 | 37 | 2,18 | 65 | 3,83 | 124 | 7,31 |
Possível agressor (N 1734) | ||||||||
Parceiro íntimo ** | 49 | 2,83 | 203 | 11,71 | 445 | 25,66 | 697 | 40,20 |
Desconhecido | 30 | 1,73 | 83 | 4,79 | 185 | 10,67 | 298 | 17,19 |
Amigos/conhecidos | 19 | 1,10 | 65 | 3,75 | 142 | 8,19 | 226 | 13,03 |
Familiares *** | 20 | 1,15 | 67 | 3,86 | 123 | 7,09 | 210 | 12,11 |
Própria pessoa | 4 | 0,23 | 29 | 1,67 | 61 | 3,52 | 94 | 5,42 |
Outros **** | 18 | 1,04 | 40 | 2,31 | 64 | 3,69 | 122 | 7,04 |
Ignorado | 20 | 1,15 | 25 | 1,44 | 42 | 2,42 | 87 | 5,02 |
Uso de álcool | ||||||||
Não | 77 | 4,54 | 155 | 9,14 | 426 | 25,12 | 658 | 38,80 |
Sim | 48 | 2,83 | 163 | 9,61 | 307 | 18,10 | 518 | 30,54 |
Ignorado | 30 | 1,77 | 183 | 10,79 | 307 | 18,10 | 520 | 30,66 |
* Mais de um envolvido
** Inclui namorado/ex-namorado e cônjuge/ex-cônjuge
*** Inclui pai, padrasto, mãe, filho, irmão
**** Inclui cuidador, patrão/chefe, pessoa com relação institucionalizada, policial /agente da lei
Fonte: SINAN/AGEVISA – RO, 2017
Em relação ao vínculo da vítima com o autor, vale ressaltar que o número total da categoria “possível agressor” (1734) é maior que o número de mulheres que sofreram algum tipo de agressão, pois na mesma situação, mais de uma pessoa poderia estar participando da agressão. O parceiro íntimo, que inclui namorado/ex-namorado e cônjuge/ex-cônjuge apareceu na maioria das vezes, 697 (40,20%), seguido de desconhecidos com 298 (17,19%), amigos/conhecidos com 226 (13,03%) e familiares, que inclui pai, padrasto mãe, irmão e filho, com 210 (12,11%).
O uso de álcool no momento da agressão foi visto em 658 (38,80%) notificações, enquanto “não” e “ignorado” obtiveram um resultado semelhante entre si, com 518 (30,54%) e 520 (30,66%) respectivamente.
Na Tabela 4, verifica-se que dentre as condutas realizadas, as principais em nos três triênios foram a coleta de sangue, a profilaxia contra Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e a profilaxia contra o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), com 304 (26,03%), 254 (21,75%) e 214 (18,32%%) respectivamente.
Variáveis | 2007 a 2009 | 2010 a 2012 | 2013 a 2015 | Total | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Condutas | ||||||||
Coleta de sangue | 32 | 2,74 | 85 | 7,28 | 187 | 16,01 | 304 | 26,03 |
Profilaxia contra IST | 30 | 2,57 | 72 | 6,16 | 152 | 13,01 | 254 | 21,75 |
Profilaxia contra HIV | 26 | 2,23 | 64 | 5,48 | 124 | 10,62 | 214 | 18,32 |
Profilaxia contra hepatite B | 19 | 1,63 | 57 | 4,88 | 104 | 8,90 | 180 | 15,41 |
Contraceptivo de emergência | 17 | 1,46 | 41 | 3,51 | 96 | 8,22 | 154 | 13,18 |
Coleta de secreção vaginal | 3 | 0,26 | 11 | 0,94 | 19 | 1,63 | 33 | 2,83 |
Coleta de sêmen | 2 | 0,17 | 4 | 0,34 | 10 | 0,86 | 16 | 1,37 |
Aborto previsto em lei | 1 | 0,09 | 5 | 0,43 | 7 | 0,60 | 13 | 1,11 |
Encaminhamento | ||||||||
Atenção básica | 99 | 5,16 | 307 | 15,99 | 243 | 12,66 | 649 | 33,80 |
Delegacia da mulher | 13 | 0,68 | 120 | 6,25 | 109 | 5,68 | 242 | 12,60 |
Outras delegacias | 5 | 0,26 | 76 | 3,96 | 157 | 8,18 | 238 | 12,40 |
Internação hospitalar | 42 | 2,19 | 61 | 3,18 | 78 | 4,06 | 181 | 9,43 |
Conselho tutelar | 32 | 1,67 | 77 | 4,01 | 62 | 3,23 | 171 | 8,91 |
Instituto médico legal | 22 | 1,15 | 59 | 3,07 | 52 | 2,71 | 133 | 6,93 |
DEPCA | 31 | 1,61 | 35 | 1,82 | 25 | 1,30 | 91 | 4,74 |
Programa sentinela | 22 | 1,15 | 34 | 1,77 | 19 | 0,99 | 75 | 3,91 |
Centro de referência da mulher | 3 | 0,16 | 29 | 1,51 | 21 | 1,09 | 53 | 2,76 |
CRAS | 1 | 0,05 | 14 | 0,73 | 29 | 1,51 | 44 | 2,29 |
Outros * | 3 | 0,16 | 23 | 1,20 | 17 | 0,89 | 43 | 2,24 |
* Inclui casa abrigo, ministério público e vara da infância/juventude
Fonte: SINAN/AGEVISA – RO, 2017.
Em relação aos encaminhamentos, apesar da atenção básica ter predominado em todos os triênios, apenas 649 (33,80%) mulheres foram destinadas a este ponto de atenção após a realização da notificação, seguido da delegacia da mulher em 242 (12,60) casos e outras delegacias em 238 (12,40%) casos.
Ao analisar a prevalência das notificações de violência de acordo com as regiões de saúde, identifica-se no Gráfico 1, que a região Madeira-Mamoré obteve os maiores índices de violência nos triênios estudados, porém, observa-se que a região do Vale do Jamari teve um crescimento gradativo ao longo dos anos enquanto a região do Cone Sul duplicou sua prevalência do triênio de 2010 a 2012 para o triênio de 2013 a 2015.
DISCUSSÃO
Observa-se nos resultados obtidos ao longo dos triênios estudados um aumento significativo das notificações de violência contra a mulher. Porém, estes valores podem não significar o aumento no número de casos ocorridos, mas sim o maior acesso das vítimas aos pontos de atenção da rede ou ainda uma maior sensibilização dos profissionais no preenchimento das fichas, visto que um dos objetivos da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, do ano de 2011, incentiva sistematização destes dados notificados5.
Quando analisados as prevalências dos casos por regiões de saúde no estado de Rondônia, observou-se que a região Madeira-Mamoré teve o maior crescimento em todos os triênios, principalmente a partir de 2010, o que pode ser justificado com o início das construções das usinas hidroelétricas de Santo Antônio e Jirau no mesmo ano, o que ocasionou na migração de milhares de trabalhadores para a cidade mais populosa da região. Porém, vale salientar os índices observados nas regiões de saúde do Vale do Jamari e Cone Sul, indicando o aumento no número de notificações destas localidades6.
A faixa etária predominante, dos 19 aos 39 anos, revela uma fase da vida em que a mulher se encontra em pleno período reprodutivo, ascensão econômica e social, e esta busca por autonomia pode ser um fator predisponente ao advento das violências, principalmente as provocadas por parceiro íntimo, visto a sua mudança no papel de mantenedor do lar e maior independência conquistada da mulher7.
Independentemente da idade, as mulheres pardas ou negras são as mais atingidas pelas violências, principalmente devido aos contextos históricos em que estão inseridas, que geralmente inclui condições precárias de moradia e estudo8. Apesar da grande quantidade de notificações ignoradas na variável escolaridade, o que dificulta sua análise, o ensino fundamental sobressaiu-se nesta pesquisa.
Alguns autores consideram que os poucos anos de estudo podem favorecer o quadro de violência, visto que mulheres mais instruídas costumam ter menor flexibilidade e paciência para suportar situações de violência, além de serem frequentemente independentes economicamente de seus parceiros, já as mulheres dependentes acabam silenciando-se diante da violência sofrida frente ao medo de agressor ou de não conseguirem se sustentar sozinhas8,9.
Uma pesquisa publicada em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstrou que quem possui a menor renda são as mulheres negras, sendo melhor remunerados os homens brancos, seguidos das mulheres brancas e depois homens negros. As mulheres negras são as que mais sentem os impactos do desemprego e dos baixos salários, favorecendo ainda mais a necessidade de seu parceiro10,11.
A maioria das mulheres serem solteiras pode indicar uma mudança no perfil destas mulheres, ou ainda que o fato de não possuírem vínculo matrimonial pode ser um fator estimulante para a denúncia. Estudos indicam que a valorização da união matrimonial e a religião das mulheres são possíveis fatores que impedem as denúncias12.
Quando analisadas as características das agressões sofridas pelas mulheres, observou-se que uma mesma mulher pode ter sofrido mais de um tipo de agressão simultaneamente, totalizando 2422 agressões, demonstrando que em sua maioria as violências não ocorrem isoladamente, mas sempre associadas a outros tipos.
No caso das violências físicas, a força corporal/espancamento é o meio mais comum utilizado pelo agressor, já na violência sexual, o estupro é a forma predominante. Quando ocorre o estupro, as consequências para a usuária vão além das físicas, marcando de forma permanente a imagem da mulher e refletindo em sua saúde mental, sexual e reprodutiva, além de conflitos em relacionamentos futuros13.
Um estudo realizado em serviços de saúde públicos de São Paulo mostrou que 37,40%% das mulheres já sofreram violência física, 20,30% violência sexual e 52,60% algum tipo de violência psicológica, mostrando as diferenças entre regiões, uma vez que esta última pode causar danos a longo prazo, além de manter a mulher em uma espécie de cárcere mental a impedindo de denunciar ou dar um basta nas agressões2, principalmente quando ocorre em sua residência, como demonstrado neste estudo, tornando-a refém do medo de seu agressor e transformando o ambiente familiar em um local de estresse.
Em relação ao horário, Melo e Garcia observaram que 34,80% das violências ocorreram no período da noite, 26,20% de madrugada e 23,30% pela tarde. Já neste estudo foi observado que noite aparece em segundo lugar com 18,81%, tarde com 12,21% em terceiro lugar e em primeiro lugar a variável ignorado aparece com 46,29%, dado este que se torna preocupante no momento da análise e dificulta a observação real na questão que abrange o horário das agressões, uma vez que estes mesmos dados podem subsidiar políticas públicas e de proteção reforçando sua atuação nos horários alternativos como mais suscetíveis a estas situações14. Além disto, apesar da recorrência e a não-recorrência da agressão não ter diferenciado significativamente nesta pesquisa, o mapa da violência do ano de 2015 indica que mulheres na faixa etária deste estudo estão mais susceptíveis à reincidência15.
Quando observado as características do agressor, o sexo masculino foi o principal envolvido nas agressões, principalmente o parceiro íntimo, corroborando com outros estudos, o que demonstra que o envolvimento afetivo pode proporcionar um falso domínio do homem sobre a mulher16. Apesar de ocorrer uma associação entre o álcool e a agressão, os dados desta pesquisa podem não ser considerados fidedignos, pois a quantidade de ignorados quase se iguala aqueles que fizeram uso de tal substância, demonstrando que ainda é necessário conscientizar os profissionais no preenchimento adequado das fichas para análises futuras e propostas de enfrentamento17.
Em 2012 o Ministério da Saúde estabeleceu, por meio de uma norma técnica, diretrizes a serem tomadas pelos profissionais de saúde em casos de violência sexual contra mulheres e adolescentes, dentre elas estão a coleta de sangue, profilaxia contra HIV e outras IST, entre outros. Os dados obtidos neste estudo tornam-se preocupantes ao observar o quantitativo de mulheres que sofreram violência sexual – estupro, onde menos da metade das usuárias receberam as profilaxias. Em contato com secreções, o início do tratamento profilático contra o HIV em até no máximo 72 horas do ocorrido é essencial para sua eficiência, e o acompanhamento posterior se faz igualmente necessário na detecção de outros agentes, como a herpes simples e o Papilomavírus Humano18.
Já os encaminhamentos pós-notificação indicam que, apesar da APS ter sido o principal local de para acompanhamento subsequente dos casos em todos os triênios, menos da metade das mulheres foram encaminhadas, demonstrando o descumprimento dos protocolos e fluxogramas estabelecidos e a falta de uma rede estruturada de pontos de atenção em que a APS seja o local prioritário de atendimento19.
Como fortalezas do estudo identificou-se a abertura que a gestão do estado de Rondônia possibilitou para os pesquisadores, bem como a estrutura material e técnica do Centro de Pesquisa em Saúde Coletiva – CEPESCO, pertencente Fundação Universidade Federal de Rondônia – UNIR, o qual possibilitou este estudo.
Como limitações do estudo identifica-se o número de notificações com dados incompletos ou em branco, dificultando a análise mais efetiva dos dados. Faz-se necessário maior sensibilização dos profissionais acerca da importância do preenchimento correto e integral da ficha, visto a possibilidade futura de análises mais fidedignas visando o aprimoramento das políticas públicas de saúde para as mulheres mais vulneráveis.
CONCLUSÕES
Por meio deste estudo foi possível dimensionar a magnitude das violências contra a mulher no estado de Rondônia. Observou-se que apesar de haver um crescimento constante nas notificações, as características regionais ainda possibilitam a ocorrência dos casos omissos.
Durante o período de 2007 a 2015 foram notificados 1696 casos de violência contra a mulher no estado de Rondônia, com os maiores índices de prevalência na região de saúde Madeira-Mamoré e Cone Sul. A faixa etária foi a de mulheres jovens adultas, dos 19 aos 39 anos de idade, negras/pardas, solteiras e que possuíam o ensino fundamental. No grupo das gestantes, 49 (2,89%) estavam no primeiro trimestre.
As agressões ocorreram principalmente em zona urbana, na própria residência da usuária, sendo perpetrada pelo seu parceiro íntimo. A violência física foi vista em 1147 (47,36%) casos notificados, porém, destacou-se também a violência sexual – estupro em 491 (85,99%) mulheres. Sendo que as principais condutas assistenciais tomadas foram a coleta de sangue (26,03%) e as profilaxias contra IST (21,75%) e HIV (21,75%).
Faz-se necessário ampliar os pontos de atenção e fortalecer os já existentes, além de qualificar os profissionais das diversas áreas de atendimento à mulher em situação de violência para o atendimento de humanizado e de qualidade. Além disto, consolidar os fluxos e contra fluxos de cada região, levando em conta a disponibilidade dos serviços oferecidos se torna necessário, principalmente ao observar que apenas 649 mulheres foram encaminhadas à unidade básica de saúde para acompanhamento subsequente.
Espera-se que estes resultados possam sensibilizar os gestores para o enfrentamento destas violências e que novos estudos possam ser realizados a fim de identificar os principais agentes determinantes destes agravos na busca de alternativas de minimizá-los.