Introdução
A gravidade e instabilidade da condição clínica do paciente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) eleva sua vulnerabilidade aos eventos adversos. Um dos eventos mais comuns é a lesão por pressão (LP), que se trata de acometimento da pele ou tecido subjacente resultante da ação da pressão, cisalhamento ou fricção sobre essa estrutura, que se desenvolve principalmente nas regiões de proeminências ósseas ou sob dispositivos médicos1.
As limitações na percepção sensorial, a imobilidade, sedação, ventilação mecânica, hipoperfusão tecidual, edema e umidade são fatores que predispõem o aparecimento da LP, sobretudo, na vigência de sepse, idade avançada, desnutrição e comorbidades2. No Brasil, incidências de LP na UTI em hospitais universitários e públicos variam entre 19,2% a 44%, exigindo vigilância rigorosa da equipe multiprofissional com vistas à segurança do paciente3.
A LP está frequentemente associada ao agravo do estado clínico do paciente, elevando os níveis de desconforto, risco de infecção e dor, podendo também piorar a condição emocional desse paciente, levando ao retardo da sua recuperação. Por ser uma lesão de origem multifatorial, que implica em várias terapêuticas e condutas, gera custos altos e aumenta a demanda de trabalho da equipe de enfermagem. Ressalta-se que, ausência de LP é um indicador de excelência do cuidado de enfermagem4.A identificação dos pacientes com risco para LP e o reconhecimento dos seus fatores de risco é fundamental para reduzir a incidência.
A LP é um fator notável como problema na assistência à saúde, além de trazer prejuízos ao paciente também pode se configurar como um problema econômico às instituições de saúde. A prevenção é menos dispendiosa e sustentável e a enfermagem destaca-se nesse papel, pois possui participação importante em diversas medidas de prevenção como: hidratação da pele, mudança de decúbito de duas em duas horas ou conforme a necessidade definida pela enfermeira e que deve ser aplicada tão precoce quanto possível a menos que contraindicado, suporte nutricional adequado, inspeção diária da pele, uso do colchão viscoelástico ou pneumático, manutenção da roupa de cama sem dobras, troca de fraldas e absorventes sempre que úmidas, utilização de coxins de conforto, dentre outros5,6. Cuidados preventivos individualizados conforme a condição da pele do paciente, também, poderá ser definida com o grupo de enfermeiros especialistas em feridas.
A avaliação do enfermeiro norteia as intervenções específicas nos cuidados da pele, podendo prevenir a LP em até 50%7. A avalição do risco para LP na UTI é um desafio, devido à complexidade do estado clínico e da terapêutica desses pacientes8.
Tendo em vista a suscetibilidade do paciente crítico à LP, este estudo tem como objetivos apresentar as características dessas lesões, analisar a associação entre a LP e as variáveis demográficas, de internação e condições clínicas e, identificar fatores de risco independentes para sua ocorrência.
Materiais E Método
Trata-se da análise secundária de dados do Projeto de Pesquisa: "Adaptação transcultural e análise psicométrica da Escala de Valoración Actual del Riesgo de desarrollar Úlceras por presión en Cuidados Intensivos (EVARUCI)", aprovado pelo Comitê de Ética Institucional (CAAE: 36679514.2.0000.5505 parecer nº: 887.590). O estudo foi conduzido em UTIs de um Hospital Universitário, localizado no município de São Paulo, Brasil. As três UTIs totalizaram 35 leitos de atendimento a pacientes adultos clínicos e cirúrgicos.
A amostra foi constituída de pacientes que fizeram parte do estudo primário de adaptação transcultural e análise psicométrica da EVARUCI. Os critérios de inclusão na amostra foram: idade ≥ 18 anos, ausência de LP à admissão, internação maior que 24 horas na UTI e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Pacientes com diagnóstico de morte encefálica na admissão não foram incluídos.
O tamanho da amostra foi definido tendo em vista o escore 10 da EVARUCI original como ponto de corte do risco para LP2, 80% de poder do teste, 95% de intervalo de confiança e desvio padrão de 2,58 (do ponto de corte), observando-se uma diferença de pelo menos 3 pontos para mais e para menos na escala para pacientes que podem desenvolver ou que desenvolvem LP. O cálculo amostral indicou o quantitativo de pelo menos 12 pacientes com LP, com base em incidência aproximada de 15% no serviço, num total de 80 pacientes. Para garantir maior poder da amostra e visando responder os objetivos decidiu-se por avaliar um número maior de pacientes, realizando a coleta de dados no período de seis meses, de maio a novembro de 2015.
A LP, variável dependente, foi classificada de acordo com, National Pressure Injury Adivisory Panel (NPIAP), considerando: estágio 1, pele íntegra com eritema que não embranquece; estágio 2, perda de pele em sua espessura parcial com exposição da derme; estágio 3, perda da pele em sua espessura total; estágio 4, perda da pele em sua espessura total e perda tissular; não classificável, perda da pele em sua espessura total e perda tissular não visível e tissular profunda: descoloração vermelho escura, marrom ou púrpura, persistente e que não embranquece e LP em membrana mucosa. As LP relacionadas a dispositivo médico também foram classificadas seguindo os mesmos critérios1.
As variáveis relativas às condições clínicas incluíram: gravidade da doença mensurada pelo Simplified Acute Physiology Score 3 (SAPS3)9 e o risco para LP mensurado pela EVARUCI.
O SAPS3 é uma escala preditiva de mortalidade, composta por 20 diferentes variáveis, subdivididas em: demográficas, fisiológicas e as razões de admissão na UTI. É facilmente mensurada e reflete o grau de comprometimento da doença e avaliação do estado de saúde prévio à admissão hospitalar. A escala pode variar de 16 a 217 pontos, quanto maior o score, pior o prognóstico do paciente9. O SAPS3 considera os dados da primeira hora de internação do paciente na UTI.
A EVARUCI é composta por quatro itens: consciência, hemodinâmica, respiratório e mobilidade com pontuações de 1 a 4, sendo acrescido um ponto se temperatura axilar > 38°C, saturação de oxigênio < 90%, pressão arterial sistólica < 100 mmHg, presença de maceração da pele, umidade, edema, cianose e/ou posição prona. O tempo de internação na UTI também é considerado, somando-se 0,5 à pontuação total para cada semana que o paciente permanece internado na UTI, até um máximo de dois pontos. A pontuação final varia de 4 a 23 pontos, sendo que escores baixos indicam menor risco e escores mais elevados, maior risco para LP. Junto à escala seguem as normas de uso, onde estão detalhados os critérios de pontuação para cada domínio2. Na amostra estudada, a EVARUCI foi aplicada uma vez ao dia durante a internação do paciente na UTI. A opção pelo escore do primeiro dia de internação nesta análise, denominada EVARUCI D1, foi porque não houve diferença estatística entre a média dos escores, os escores do D1, os piores escores e os escores do dia imediatamente anterior ao aparecimento da lesão. O escore D1 é uma importante avaliação de risco para LP, pois possibilita a implementação de medidas preventivas precocemente.
Os dados inseridos em planilha eletrônica Microsoft Office Excel 2007® for Windows® foram processados com Statistical Package for the Social Science® (SPSS) 20.0. A associação entre a LP e variáveis contínuas foi verificada com o teste de Mann-Whitney; as variáveis categóricas com os testes do Qui-quadrado ou razão de verossimilhança ou teste exato de Fischer. A identificação dos fatores de risco para LP foi realizada pela regressão logística multivariada, considerando a LP como variável dependente. O nível de significância estatística considerada foi de 5% e intervalo de confiança de 95%.
Resultados
A amostra foi constituída de 324 pacientes, sendo 50,6% do sexo masculino e média de idade de 58,0 anos (dp 19,25). O motivo de internação dos pacientes foi mais frequente por razões cirúrgicas (61,5%), sendo as cirurgias eletivas as mais frequentes (38,0%). Pacientes com comorbidades foram predominantes (91,0%) e 67,8% tinham duas ou mais comorbidades. A média do SAPS 3 da amostra estudada foi de 43,7 (dp 13,6), sendo a média de internação 9,5 dias (dp 11,4) e a mortalidade observada foi de 13,3%. A média da EVARUCI dos pacientes da amostra foi 8,4 pontos (dp 3,86) e a incidência de LP foi 14,2%. Entre os 46 pacientes com LP, 65,7% tinham uma lesão, 21,4% duas lesões, 10,0% três e 2,9% quatro, totalizando 70 lesões. A média do tempo até o aparecimento de LP foi de 10,6 dias (dp 10,7).
Conforme a Tabela 1, a localização das LPs foi mais frequente na região sacral (35,7%), seguida do calcâneo (30,0%) e occipital (12,9%). As primeiras LPs foram mais frequentes na região sacral (47,7%) e as subsequentes (2ª e 3ª) nos calcâneos, 60,0% e 42,8%, respectivamente. As LPs foram classificadas mais frequentemente no estágio 2 (47,1%) e lesão tissular profunda (22,8%), observando-se que as primeiras (52,2%) e segundas (46,6%) LPs foram mais frequentes no estágio 2 e a terceira (42,8%) como lesão tissular profunda. Dentre as LP da Tabela 1, 5 foram relacionadas aos dispositivos médicos, sendo duas lesões tissulares profundas relacionadas ao uso de tração cutânea (dorso do pé e plantar), uma LP estágio 2 em bolsa escrotal relacionada ao uso de fixador externo e duas LP estágio 2 relacionadas a fixação do tubo orotraqueal (orelha D e orelha E).
Sequência de LP | |||||
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1ª LP | 2ª LP | 3ª LP | 4ª LP | Total | |
Variáveis | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) | n (%) |
Localização | |||||
Sacral | 22 (47,7) | 2(13,3) | 1 (14,3) | - | 25 (35,7) |
Calcâneo | 9 (19,6) | 9 (60,0) | 3 (42,8) | - | 21 (30,0) |
Occipital | 5 (10,9) | 2 (13,3) | 1 (14,3) | 1 (50) | 9 (12,9) |
Glúteo | 6 (13,0) | - | - | - | 6 (8,6) |
Orelha | 1 (2,2) | 1 (6,7) | - | - | 2 (2,9) |
Trocânter | 1 (2,2) | - | - | 1 (50) | 2 (2,9) |
Plantar | 1 (2,2) | - | - | - | 1 (1,4) |
Joelho | 1 (2,2) | - | - | - | 1 (1,4) |
Bolsa escrotal | - | 1 (6,7) | - | - | 1 (1,4) |
Dorso do pé | - | - | 1 (14,3) | - | 1 (1,4) |
Dorso | - | - | 1 (14,3) | - | 1 (1,4) |
Categoria | |||||
Estágio 1 | 4 (8,7) | 3 (20) | 1 (14,3) | 2 (100,0) | 10 (14,3) |
Estágio 2 | 24 (52,2) | 7 (46,6) | 2 (28,6) | - | 33 (47,1) |
Estágio 3 | 2 (4,3) | - | 1 (14,3) | - | 3 (4,3) |
Estágio 4 | 1 (2,2) | 1 (6,7) | - | - | 2 (2,9) |
Lesão tissular profunda | 9 (19,6) | 4 (26,7) | 3 (42,8) | - | 16 (22,8) |
Não classificável | 6 (13,0) | - | - | - | 6 (8,6) |
A associação entre presença de LP e as variáveis do estudo (Tabela 2) foi observada em pacientes do sexo masculino cuja frequência de LP (18,3%) foi estatisticamente superior (p=0,0325). Os pacientes provenientes do Centro cirúrgico apresentaram menor percentual de LP (7,5%; p=0,0048) e a presença de LP foi estatisticamente (p<0,0001) mais frequente nos pacientes clínicos (24,0%). Chama atenção a diferença da média do tempo de internação dos pacientes com e sem LP, 27,5 e 6,5 dias, respectivamente (p<0,0001) e, também, a frequência de óbito naqueles com LP (32,6%; p<0,0001).
LP | Total | p-valor | ||
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Sim | Não | |||
Sexo (n%) | ||||
Masculino | 30 (18,3) | 134 (81,7) | 164 (100,0) | 0,0325* |
Feminino | 16 (10,0) | 144 (90,0) | 160 (100,0) | |
Idade (anos) | ||||
Média (DP) | 60,67(20,73) | 57,58 (18,99) | 58,02 (19,25) | 0,2322‡ |
Mediana | 63,5 | 59 | 60 | |
Mínimo-Máximo | 18-94 | 18-95 | 18-95 | |
Procedência (n%) | ||||
Pronto Socorro | 15 (20,3) | 59 (79,7) | 74 (100,0) | 0,0048† |
Centro Cirúrgico | 13 (7,5) | 161 (92,5) | 174 (100,0) | |
Enfermaria | 11 (24,4) | 34 (75,6) | 45 (100,0) | |
Outros | 5 (20,0) | 20 (80,0) | 25 (100,0) | |
Outro hospital | 2 (33,3) | 4 (66,7) | 6 (100,0) | |
Motivo de internação na UTI (n%) | ||||
Cirúrgico eletiva | 6 (4,9) | 117 (95,1) | 123 (100,0) | 0,0001* |
Cirúrgico urgência | 10 (13,2) | 66 (86,8) | 76 (100,0) | |
Clínico | 30 (24,0) | 95 (76,0) | 125 (100,0) | |
Tempo de Internação na UTI (dias) | ||||
Média (DP) | 27,5 (18,3) | 6,5 (5,9) | 9,49 (11,4) | <0,0001‡ |
Mediana | 24 | 4 | 5 | |
Mínimo-Máximo | 2-77 | 1-46 | 1-77 | |
Condições de saída da UTI (n%) | ||||
Alta/Transferência | 31 (67,4) | 250 (89,9) | 281 (86,7) | <0,0001* |
Óbito | 15 (32,6) | 28 (10,1) | 43 (13,3) |
*Teste do qui-quadrado; †Razão de verossimilhança; ‡Mann Whitney
Conforme a Tabela 3, os pacientes com LP alcançaram média SAPS3 mais elevada (p<0,0001), indicando maior gravidade. A média da EVARUCI foi maior (12,3) para os que desenvolveram a lesão (p<0,0001), sendo que dos 46 pacientes com LP 70% obtiveram escores indicativos de risco (>10).
Possui LP | Total | p-valor | ||
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|
||||
Sim | Não | |||
Número de comorbidades (n%) | ||||
Sem comorbidades | 5 (17,2) | 24 (82,8) | 29 (100,0) | 0,5862† |
1 | 11 (11,6) | 84 (88,4) | 95 (100,0) | |
2 | 10 (11,2) | 79 (88,8) | 89 (100,0) | |
3 | 13 (17,1) | 63 (82,9) | 76 (100,0) | |
4 e mais | 7 (20,0) | 28 (80,0) | 35 (100,0) | |
Comorbidades (n%) | ||||
Não | 5 (17,2) | 24 (82,8) | 29 (100,0) | 0,5815* |
Sim | 41 (13,9) | 254 (86,1) | 295 (100,0) | |
SAPS 3 (n%) | ||||
Média (DP) | 51,78 (12,69) | 42,31 (13,33) | 43,66 (13,63) | <0,0001‡ |
Mediana | 52,5 | 41 | 42 | |
Mínimo-Máximo | 23-90 | 16-88 | 16-90 | |
EVARUCI D1 (n%) | ||||
Média (DP) | 12,3 (4,09) | 7,8 (3,43) | 8,44 (3,86) | <0,0001‡ |
Mediana | 11,5 | 7 | 7 | |
Mínimo-Máximo | 4-19 | 2-18 | 2-19 |
*Teste Exato de Fisher; †Razão de verossimilhança; ‡Teste de Mann-Whitney
Os fatores de risco independentes que se associaram ao desenvolvimento de LP foram idade, tempo de internação e a procedência quando encaminhado da enfermaria (Tabela 4).
Discussão
A incidência de LP na amostra estudada foi elevada, indicando a vulnerabilidade do paciente de UTI. Na revisão sistemática que analisou dezoito estudos com foco nos fatores de risco preditivos para LP em pacientes adultos críticos de UTIs variadas da Europa, da Asia, dos Estados Unidos da América, da América do Sul e do Oriente Médio, a frequência média de LP observada foi díspar ao redor do mundo. O menor percentual de frequência de LP foi de 3% e o maior de 60%, sendo que os percentuais discrepantes ocorreram em UTIs cirúrgicas americanas. Apesar dessa grande variação na frequência de LP, sete estudos dessa revisão sistemática apresentaram incidências próximas ao resultado do presente estudo10, bem como o constatado em um estudo conduzido em UTIs clínicas e cirúrgicas de um hospital terciário na Tailândia, com uma amostra de 288 pacientes, cujo percentual de LP foi de 11.1%11.
Devido às terapêuticas para tratamento das disfunções orgânicas e instabilidade hemodinâmica, o paciente crítico tem a mobilidade física dificultada predispondo pressão em várias áreas com saliência óssea, além da exercida pelos dispositivos médicos, resultando em LP. Chama atenção que alguns pacientes da amostra deste estudo tiveram mais que uma LP, isso pode ter sido pelo fato de terem permanecido internado em média maior tempo na UTI. Diversas instituições dispõem de protocolos direcionados à prevenção de LP, porém alguns fatores externos não relacionados ao paciente podem interferir diretamente no cuidado preventivo da LP como: comunicação ineficaz da equipe, quantitativo insuficiente de profissionais de enfermagem, carência de enfermeiros especialistas em feridas e de suporte da educação continuada12.
Na amostra deste estudo, a maioria dos pacientes com LP desenvolveu a lesão na região sacral e calcânea, sobretudo, no estágio 2 e lesão tissular profunda. Um estudo retrospectivo americano que analisou os fatores associados à LP em 57 pacientes de uma UTI cirúrgica, mostrou que a localização e classificação com maiores percentuais foram a sacral e glútea, com lesão tissular profunda e estágio 2, respectivamente. Esses achados foram relacionados ao aumento do risco para LP nos itens mobilidade e fricção/cisalhamento na escala de Braden13.Outro estudo sobre a incidência e os fatores de risco associados ao desenvolvimento de LP em pacientes críticos na Arábia Saudita revelou que dos 84 pacientes 33 desenvolveram LP, sendo a região calcânea e a classificação estágio 1 os mais frequentes14. O desenvolvimento de LP na região calcânea chama a atenção pelo fato de a lesão nessa área ser potencialmente prevenível, considerando ser um local de fácil implementação de estratégias de alívio de pressão, como por exemplo o uso de um coxim na região das panturrilhas para elevar os membros inferiores, evitando a pressão exacerbada nos calcâneos.
No estudo brasileiro que analisou 9605 pacientes de UTI, em 2016, para validar e melhorar a escala de Braden, 138 pacientes desenvolveram LP, sendo a maioria na região sacral e classificada como estágio 215. A vulnerabilidade anatômica da região sacral à LP em pacientes de UTI, por permanecerem em decúbito dorsal com a cabeceira elevada, requer a aplicação de medidas preventivas precocemente.
A análise dos fatores de risco associados ao estágio da LP conduzida em 19.893 pacientes internados em hospitais americanos, entre 2011 e 2016, mostrou que ser mais idoso, em seguimento ambulatorial ou estar internado na UTI, possuir ostomia ou dispositivo para incontinência fecal aumentam as chances de desenvolver LP independente do estágio16.
A idade tem sido fator de risco independente para LP11,17, também, observada no presente estudo. Com o envelhecimento, além da taxa de renovação celular tornar-se mais lenta com redução da rede vascular e glandular, outros fatores sistêmicos e de redução da cognição e mobilidade contribuem na suscetibilidade da pele à LP18.
Os resultados das análises sobre ocorrência de LP em pacientes críticos de acordo com o sexo têm sido variados. Alguns estudos apontam diferenças na incidência e prevalência entre homens e mulheres, mas outros não3,4,13,16. Nos estudos em que homens apresentaram mais LP, a explicação provável é a resistência do homem em buscar serviços de saúde. Nesse sentido, observa-se que o atendimento dessa população se dá no âmbito emergencial, especializado e de urgência em condições clínicas menos favoráveis19,20. A ocorrência de LP nessas condições associadas à gravidade da doença e instabilidade hemodinâmica tem sido observada3,13,21.
A LP tem sido associada à gravidade da doença15,21. Alguns fatores que indicam a gravidade e a vulnerabilidade de pacientes em UTI descritos em estudo norte americano foram: parada cardíaca, desnutrição calórica proteica antes de desenvolverem a LP e uso de medicamentos vasopressores 48 horas antes do surgimento da lesão. Os fatores de risco intrínsecos e extrínsecos frequentes foram: imobilidade, choque séptico, elevação da cabeceira maior que 30 graus, sedação e ventilação mecânica acima de 72 horas13.
Assim, é esperado que a boa condição clínica e a estabilidade do paciente alcancem melhores resultados. Neste estudo, a incidência de LP foi menor em pacientes de cirurgia eletiva e naqueles provenientes do centro cirúrgico. As cirurgias eletivas preveem preparo antecipado do paciente com vistas à prevenção de intercorrências.
O tempo de internação dos pacientes com LP, deste estudo, foi quatro vezes maior em comparação aos sem LP, sendo observado que a cada dia adicionado de internação o risco aumentou em 22%. Numa revisão sistemática sobre fatores de risco independentes e preditivos para LP em pacientes críticos, o tempo de internação foi identificado como fator de risco em seis dos 11estudos analisados11.
O tempo de internação favorece a ocorrência de eventos adversos, identificando-o como principal fator de risco22. Em outro estudo sobre a influência da carga de trabalho de enfermagem e risco de incidentes sem lesão e de eventos adversos na UTI, os relacionados com a pele como dermatites, assaduras e LP foram os mais frequentes, sendo que a ocorrência do incidente aumentou dias de internação na UTI23.
Os achados deste estudo confirmam a característica multifatorial da LP em pacientes de UTI apontados em outros estudos. Contudo, a limitação deste estudo consiste no fato dos resultados terem sido observados em um único centro, sendo importante considerar a realização de novos estudos multicêntricos com métodos que possibilitem análises e compreensão da complexa interação dos fatores de risco no desenvolvimento da LP, considerando as medidas preventivas adotadas de rotina.
Conclusão
Múltiplos fatores associaram-se à ocorrência de LP, sejam do próprio paciente crítico, da sua hospitalização e da sua condição clínica. Os fatores de risco independentes que se associaram à ocorrência de LP indicam que na avaliação do paciente crítico, o avanço da idade, a internação anterior a sua admissão na UTI, cuja piora da sua condição clínica resultou em necessidade de cuidados intensivos e o prolongado tempo de internação devem ser considerados com vistas à prevenção de LP para que cuidados preventivos sejam aplicados precocemente, sobretudo, na região sacra e calcânea.
Ressalta-se a importância dos cuidados para prevenção de LP e o fato dos profissionais de enfermagem manterem contato direto com o paciente 24 horas por dia, durante sua permanência na instituição de saúde, permitem avaliação e monitoramento das condições clínicas que poderão requerer mudança ou intensificação nos cuidados relativos à prevenção de LP.