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Revista Cuidarte

Print version ISSN 2216-0973On-line version ISSN 2346-3414

Rev Cuid vol.12 no.2 Bucaramanga May/Aug. 2021  Epub Oct 01, 2021

https://doi.org/10.15649/cuidarte.1377 

RESEARCH ARTICLE

Pandemia de Covid-19 e atendimento especializado em oncologia: relato de experiência

Pandemia de Covid-19 y la atención especializada en oncología: relato de experiencia

The COVID-19 pandemic and specialized oncology care: An experience report

Tamara Otsuru Augustinho Teixeira1 
http://orcid.org/0000-0002-3588-653X

Veronica Torel de Moura2 
http://orcid.org/0000-0003-1566-1752

Gislene Padilha dos Santos3 
http://orcid.org/0000-0002-3534-049X

Ieda Aparecida Carneiro4 
http://orcid.org/0000-0002-3718-8241

Edvane Birelo Lopes De Domenico5 
http://orcid.org/0000-0001-7455-1727

1. Bacharel em Enfermagem e pós-graduanda da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil. Responsável pela Melhoria Contínua e Navegação de Pacientes do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo, Brasil. E-mail: ta_augustinho@yahoo.com.br Autor correspondente.

2. Bacharel em Enfermagem e pós-graduanda da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil. Enfermeira do Hospital BP Mirante, São Paulo, Brasil. E-mail: vero.paula@gmail.com

3. Enfermeira do Hospital BP Mirante, São Paulo, Brasil. Email: gislenepadilha_2@hotmail.com

4. Doutora em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo.Diretora do Hospital São Paulo, Universidade Federal de São Paulo, Campus São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: ieda.carneiro@unifesp.br

5. Doutora em Enfermagem, Livre-docente, Professora Associada do Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. Líder do Grupo de Pesquisa GEPEBE e Coordenadora do Programa de Extensão Universitária Acolhe-Onco. São Paulo, Brasil. E-mail: domenico.edvane@unifesp.br


Resumo

Introdução

A pandemia de Covid-19 trouxe muitos desafios para a assistência oncológica, gerando novos desenhos operacionais nas esferas da gestão e da assistência.

Objetivo

Descrever experiências de implantação de processos administrativos e assistenciais de instituições prestadoras de atendimento oncológico durante a pandemia da Covid-19.

Método

Relato de caso, descritivo, qualitativo. As experiências contidas nos relatos compreendem o período de 05 de março a 31 de janeiro de 2021. Os relatos são provenientes de instituições distintas do município de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Resultados

Os 3 relatos descrevem ações como: triagem dos pacientes para a incorporação de estratégias de telemedicina e tele-enfermagem; preparação de ambientes livres de Covid-19 para a segurança de profissionais e pacientes; reforço às ações educativas na geração de conhecimentos e adoção de comportamentos seguros para equipes de saúde e pacientes, entre outras.

Discussão

Os relatos descreveram como eixo comum a implementação de ações para viabilizar a segurança dos pacientes, dos profissionais e do meio ambiente, bem como a continuidade da assistência oncológica. A literatura científica e as recomendações dos conselhos, sociedades e organizações foram subsidiárias das medidas instituídas.

Conclusão

O ineditismo da situação de isolamento social devido ao risco da disseminação da COVID-19 demonstrou-se um campo fecundo para a incorporação de novas estratégias de gestão e assistência em Oncologia. Perdas e danos certamente ocorrerão no processo de assistência oncológica na vigência desta pandemia. Neste contexto, o mapeamento da queda de diagnósticos de câncer bem como das interrupções de tratamento é fundamental para mitigação de suas consequências.

Palavras-Chave: Gestão da Segurança; Oncologia; Infecções por Coronavirus; Assistência Ambulatorial; Pandemias

Abstract

Introduction

The COVID-19 pandemic has brought many challenges to oncology care, leading to the implementation of new operational models in health management and care.

Objective

To describe the experiences related to the implementation of health management and care models in cancer treatment centers during the COVID-19 outbreak.

Materials and Methods

A qualitative descriptive case report was conducted including experiences from March 5 to January 31, 2021. Reports were provided by different cancer treatment centers in São Paulo, Brazil.

Results

Actions such as identification of patients eligible for telemedicine and telenursing strategies, preparation of COVID-19-free environments for healthcare professionals and patients, and support for educational actions to increase knowledge and adoption of safety behavior for healthcare professionals and patients were observed in the three reports.

Discussion

A common element described in the reports is the implementation of actions to improve the safety of healthcare professionals, patients and the environment, as well as the continuity of cancer care. Scientific literature and recommendations of advisory boards, associations and organizations were supplementary to the measures applied.

Conclusions

Social distancing due to the risk of COVID-19 spread proved to a successful field for the introduction of new health management and care in cancer treatment. Although there will certainly be loss and damage to cancer treatment processes during this pandemic, mapping the drop in cancer diagnosis, as well as treatment interruptions, is essential to mitigate any consequences.

Key words: Safety Management; Medical Oncology; Coronavirus Infections; Ambulatory Care; Pandemics

Resumen

Introducción

La pandemia de Covid-19 trajo muchos desafíos para la atención oncológica, generando nuevos diseños operativos en las esferas de gestión y atención.

Objetivo

Describir las experiencias de implementación de procesos administrativos y de atención de instituciones proveedoras de atención oncológica durante la pandemia de Covid-19.

Métodos

Reporte de caso, descriptivo, cualitativo. Las experiencias del reporte cubren el período del 5 de marzo al 31 de enero de 2021. Los informes provienen de diferentes instituciones en el municipio de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Resultados

Los 3 reportes describen acciones tales como: detección de pacientes para las estrategias de telemedicina y tele enfermería; preparación de entornos libres de Covid-19 para la seguridad de profesionales y pacientes; refuerzo de acciones educativas para generación de conocimiento y adopción de comportamientos seguros para profesionales y pacientes, entre otros.

Discusión

Los reportes describen como eje común la implementación de acciones para la seguridad de los pacientes, los profesionales y el medio ambiente, así como la continuidad de la atención oncológica. La literatura científica, las recomendaciones de consejos, sociedades y organizaciones fueron subsidiarias de las medidas instituidas.

Conclusión

La novedad del confinamiento social debido al riesgo de propagación de COVID-19 demostró ser un campo fructífero para la incorporación de nuevas estrategias de gestión y asistencia oncológica. Ciertamente, habrá pérdidas y daños en el proceso de atención oncológica durante esta pandemia. En este contexto, el mapeo de la caída del diagnóstico de cáncer, así como de las interrupciones del tratamiento, es esencial para mitigar sus consecuencias.

Palabras-clave: Administración de la Seguridad; Oncología Médica; Infecciones por Coronavirus; Atención Ambulatoria; Pandemias

Introdução

Em 2020 vivenciou-se algo antes visto apenas nos relatos históricos dos grandes eventos da humanidade: um surto pandêmico, causado pelo novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, passível de causar a doença COVID-191. A pandemia da COVID-19 assolou o mundo em velocidade e intensidade imprevisíveis. Apesar da maioria (80% estimados) das pessoas experimentarem infecção com sintomas leves que exigem cuidados simples no domicílio, um quinto dos infectados desenvolvem quadros mais graves, necessitando de hospitalização. Neste grupo, a taxa de mortalidade alcançou 5%2. O diagnóstico de câncer em tratamento ativo foi considerado um fator de risco de evolução desfavorável; em um recente estudo que caracterizou os desfechos de uma coorte de pacientes oncológicos com COVID-19, a taxa de mortalidade alcançada foi 13%3.

Logo após os primeiros relatos da pandemia, na segunda quinzena de março de 2020, iniciou-se uma mobilização acentuada no Brasil, culminando na implementação, em todo o Estado de São Paulo, do distanciamento social, sendo autorizada apenas a abertura de estabelecimentos comerciais considerados de primeira necessidade (alimentação, abastecimento, saúde, bancos, limpeza e segurança)4. Ante ao desconhecido desta nova ordem social, muitos foram os questionamentos e especulações, expressos em todas as mídias sociais. A criação de dois hospitais de campanha foi anunciada no município de São Paulo, totalizando 2.000 leitos, o que sinalizou a perspectiva de gravidade da situação5.

Na perspectiva dos profissionais da saúde, certamente, iniciou-se uma mobilização distinta entre os especialistas em cuidados críticos, intensivistas e socorristas, e os profissionais de outras áreas de especialidades clínica e cirúrgica. Profissionais especialistas em oncologia questionavam-se: Como manter os pacientes oncológicos protegidos da COVID-19 sem interromper diagnóstico, tratamento e acompanhamento desses pacientes? Como não subtrair qualidade assistencial? O que pode e deve ser mudado na rotina assistencial do paciente com câncer?

As semanas subsequentes mostraram-se desafiadoras para todas as ações rotineiras empreendidas no cuidado do paciente com câncer, estando ele em fase diagnóstica, em tratamento, em seguimento ou em final de vida. Planos de ação foram elaborados e, como em toda situação extremada, uma nova ordem surgiu impulsionada pela urgência. Profissionais enfermeiros contribuíram e muito para desenhar os planos de ação na atenção oncológica, encontrando-se experiências relatadas em países de renda média, como o Brasil, nas quais privilegiou-se como recursos a teleconsulta e os grupos sociais, via mobile; o uso racional de alguns quimioterápicos antineoplásicos e adiamentos de procedimentos cirúrgicos e planejamentos radioterápicos6.

Já é possível afirmar que os pacientes com câncer foram afetados de forma desproporcional pela pandemia da COVID-19, impactados negativamente pela taxa de mortalidade em pacientes com câncer que desenvolveram a COVID-19, pela lentificação da prestação de cuidados contra o câncer e pela grave interrupção de pesquisas, pois buscou-se salvaguardar os pacientes e concentrar esforços do sistema de saúde no controle e combate da pandemia7.

Certamente, medidas para mitigar danos estão sendo tomadas, constantemente, em todos os serviços prestadores de cuidados oncológicos ao redor do mundo, em decorrência das oscilações nos números de casos da COVID-19. O compartilhamento de experiência é necessário para que o futuro se beneficie desse aprendizado. O presente artigo objetiva descrever experiências exitosas de implantação e manutenção de processos administrativos e assistenciais de instituições prestadoras de atendimento em Oncologia durante a pandemia da COVID-19.

Materiais e Método

Tipo de estudo: Relato de experiência, descritivo, qualitativo.

Desenho do estudo: As experiências foram selecionadas considerando os seguintes critérios: ter a participação de enfermeiras especialistas em Oncologia nas tomadas de decisão; proceder de instituições que, tradicionalmente, associam assistência, ensino e pesquisa; estar baseada em assistência oncológica que prioriza o cuidado integral e interdisciplinar. As enfermeiras especialistas responsáveis pelos relatos das experiências, autoras do manuscrito, reuniram-se para organizar os conteúdos a partir do consenso sobre os tópicos: caracterização da instituição sede quanto a organização do serviço de oncologia; descrição detalhada das ações empreendidas no período da pandemia da Covid-19; considerações acerca de possíveis desdobramentos e repercussões de acordo com cada experiência institucional.

Período e instituições participantes: O presente artigo traz uma reflexão retrospectiva, sustentada por três relatos de planos assistenciais em oncologia, implementados por instituições gerais e de grande porte, do município de São Paulo, São Paulo, Brasil, entre 05 de março de 2020 e 31 de janeiro de 2021.

Instituição participante 1: O Hospital São Paulo (HSP), mantido pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), de natureza privada e filantrópica, é o hospital universitário da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). O HSP-Unifesp é um hospital geral, de alta complexidade, com 753 leitos, predominantemente destinados aos pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), sistema público de saúde brasileiro. Fundado em 1936, o HSP - Unifesp localiza-se no bairro de Vila Clementino, na zona sul da cidade de São Paulo, no campus São Paulo da UNIFESP e possui a certificação de hospital de ensino pelos Ministérios da Saúde e da Educação8.

Instituição participante 2: A Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), possui um complexo constituído por três unidades (Paulista, Mirante e Penha), subordinadas à uma única gestão executiva, que atendem, em caráter privado e filantrópico, diferentes perfis de pacientes. Fundada em 1859, é atualmente o maior polo privado de saúde da América Latina, com mais de 1.000 leitos, referência no atendimento médico-hospitalar em diversas especialidades, como Cardiologia, Oncologia e Neurologia, entre outras. Está localizada no bairro da Bela Vista, zona sul da cidade de São Paulo e é chancelada por diversas instituições nacionais e internacionais do setor hospitalar9.

Instituição participante 3: O Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC) é um centro hospitalar privado, sem fins lucrativos, fundado por imigrantes de língua alemã na cidade de São Paulo, provedor de serviços de alta complexidade voltados à assistência, ao tratamento, ao ensino e à pesquisa em diversas especialidades médicas, incluindo a Oncologia. Fundado em 1897, localiza-se no bairro do Paraíso, zona sul da cidade de São Paulo. Com 96 mil metros quadrados de área construída, o HAOC possui 350 leitos e 22 salas cirúrgicas, distribuídas em 5 torres10.

Preceitos éticos

O desenho do estudo não envolveu dados de seres humanos. Não houve coleta de dados de forma direta, como também não houve coleta de dados em prontuários de pacientes. A construção do manuscrito seguiu as normas éticas de pesquisa, refletindo a veracidade dos fatos, em conformidade com o código de conduta dos profissionais e com a anuência das instituições referidas.

Resultados

Relato 1: O planejamento da assistência ambulatorial oncológica em um hospital universitário

O HSP-Unifesp está credenciado como um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e isto significa que o câncer pode ser tratado neste hospital geral credenciado pelos gestores locais e habilitados pelo Ministério da Saúde. O atendimento oncológico dá-se, totalmente, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e os pacientes atendidos provem da regulação da Rede "Hebe Camargo" de Combate ao Câncer da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que organiza a distribuição dos pacientes nos centros que ofertam tratamentos oncológicos11.

Majoritariamente, o perfil predominante do paciente atendido, constatado em pesquisas já realizadas, é de classe econômica C ou inferior, nível de escolaridade até 9 anos, ainda com um percentual de não alfabetizados, moradores em bairros da periferia da capital paulista ou municípios que não dispõem de assistência oncológica12,13. O atendimento ambulatorial destes pacientes dá-se em áreas físicas externas ao hospital, de segunda a sexta-feira, em horários comerciais, por diferentes equipes médicas, de acordo com a subespecialidade oncológica.

Na condição de hospital universitário, em 2008 fez-se uma aliança entre a Escola Paulista de Enfermagem (Departamento de Enfermagem Clínica e Cirúrgica) e a Escola Paulista de Medicina (Departamento de Oncologia Clínica e Experimental) e um programa de extensão universitária foi criado, intitulando-se Acolhe-Onco: interdisciplinaridade no cuidado integral ao paciente com câncer. Este programa mantém três atividades essenciais até os dias atuais: atuação de forma interdisciplinar com a equipe médica nas consultas presenciais, manutenção da atividade de aconselhamento telefônico, número de telefone móvel, ligado das 7 às 22 horas, 7 dias na semana, e construção de material educativo-assistencial para promoção do autogerenciamento, adesão terapêutica e segurança do paciente.

O planejamento assistencial oncológico na condição de pandemia da COVID-19 do HSP seguiu as orientações oficiais em âmbito nacional e de entidades internacionais. Instituímos as seguintes diretrizes que permaneceram nos primeiros 6 meses (de março a setembro de 2020): restringir consultas médicas ambulatoriais, permanecendo pacientes em fase diagnóstica e com complicações clínicas dependentes de avaliação presencial e realizar consultas médicas e de enfermagem por telefonia móvel semanalmente. As equipes médicas, durante os seis primeiros meses, selecionavam os pacientes que seriam atendidos presencialmente com uma semana de antecedência, considerando o performance status, exames (laboratoriais e imagens) e as demandas do planejamento assistencial. As avaliações das consultas de enfermagem realizadas pelo ATEnf Acolhe-Onco foram parte constitutiva desta decisão. Os atendimentos presenciais, reagendamentos das consultas presenciais e notificação dos pacientes que receberam teleconsulta médica foram realizados por secretários administrativos da Linha de Cuidado em Oncologia do HSP.

Medidas adotadas em março de 2020 e mantidas até o período atual (2021) são: aconselhamento telefônico de enfermagem permanente para pacientes e familiares; d) alertas, via contato telefônico, de recomendação de comparecimento em consulta ambulatorial e exames laboratoriais e de imagem, realizados por secretários administrativos; e) encaminhamentos para cirurgias eletivas e para colocação de cateteres de longa permanência centrais, totalmente implantados e de inserção periférica, para pacientes rigorosamente selecionados, considerando performance status e urgência para o controle do câncer. As atividades estão descritas na Figura 1.

Figura 1 : Plano de atividades da oncologia ambulatorial, iniciativa do Programa de Extensão Acolhe-Onco e Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia da Universidade Federal de São Paulo, SP, Brasil, 2020. 

Os atores de enfermagem que estão atuando nas unidades ambulatoriais e no Aconselhamento Telefônico de Enfermagem Acolhe-Onco, ATEnf Acolhe-Onco, são enfermeiros da Residência Multiprofissional em Oncologia, com tutoria e preceptoria presentes diariamente. Um residente do 2º ano é escalado semanalmente para permanecer em sua residência domiciliar com o celular do ATEnf Acolhe-Onco e, exclusivamente, realizar consultas de enfermagem, que são registradas no REDCap/UNIFESP. O tele-enfermagem se dá de modo reativo, a partir das demandas dos pacientes e familiares (ligações e mensagens recebidas), ininterruptamente, das 07 às 22 horas. Pacientes e familiares são estimulados a telefonarem, mas também a escreverem mensagens em aplicativos (Messenger® ou WhatsApp® ). Também há o atendimento pró-ativo, de segunda a sexta-feira das 8 às 18 horas, telefonando-se para os pacientes nos números de telefonia fixa ou móvel que encontram-se nos seus prontuários eletrônicos, a partir da presença dos critérios: quimioterapia antineoplásica oral com risco para não adesão terapêutica e situações de vulnerabilidades clínicas, socioeconômicas e emocionais verificadas em consultas presenciais.

Nenhuma assistência ambulatorial foi subtraída, permanecendo multiprofissional, com a presença constante dos profissionais da Medicina, Enfermagem, Nutrição, Fisioterapia, Farmácia, Serviço Social e Odontologia, assegurando cuidado integral ao paciente.

Nossa percepção, que deverá ser validada por estudos que estamos desenhando, tem nos sinalizado que a maioria dos pacientes se encontra orientada quanto aos riscos de contrair a COVID-19 e, também, cônscios da necessidade de manterem o tratamento oncológico. Entretanto, alguns relatos obtidos nas consultas médicas e de enfermagem sinalizam para casos nos quais há resistência dos pacientes e de seus familiares para o comparecimento na instituição hospitalar, seja para realização de exames e consulta médica ou atendimento emergencial. Nosso compromisso atual está em manter comunicação efetiva, demonstrar empatia e respeito pelas expressões de temor e hesitação, mas também conduzir o processo alicerçado nas evidências científicas.

Relato 2: Atribuições de enfermeiros especialistas em oncologia no planejamento assistencial na pandemia da Covid-19

O Centro Oncológico da BP oferece cuidado integrado de saúde para pacientes oncológicos e onco-hematológicos, permeando todos os serviços oferecidos pela instituição, da prevenção ao tratamento. A equipe multidisciplinar é formada por profissionais especializados e compreende médicos oncologistas, cirurgiões de diversas especialidades, equipe de enfermagem, nutricionistas, farmacêuticos, odontólogos, psicólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais9.

Ante o cenário de pandemia da COVID-19, o centro de oncologia da BP enfrentou a necessidade de adequação das suas práticas para o manejo adequado dos pacientes oncológicos, tendo como objetivo a manutenção do tratamento dos seus pacientes sem aumentar o risco de contágio pelo SARS-CoV-2. Uma das medidas adotadas pelo centro de oncologia em março de 2020, foi a triagem de pacientes e acompanhantes antes da entrada no hospital com o objetivo de minimizar o risco de pessoas potencialmente infectadas pelo SARS-CoV-2 transitarem pelas dependências do hospital. Nesse processo, realizado por profissionais de saúde, todas as pessoas (funcionários, pacientes, acompanhantes, fornecedores) passam por uma aferição de temperatura e um breve questionário focado nos sintomas suspeitos de infecção pela COVID-19. As orientações de medidas de prevenção são reforçadas e incluem higienização das mãos e uso de máscara de proteção.

O enfermeiro especialista em oncologia na BP atua no centro de oncologia e é responsável pela coordenação do cuidado ambulatorial ao paciente com câncer e pelo desenvolvimento da equipe multidisciplinar envolvida, por meio de ações educativas que divulgam as práticas baseadas em evidências científicas. São diversas as atividades das enfermeiras especialistas e entre elas estão àquelas desempenhadas junto à equipe médica nas consultas iniciais, consultas de avaliação durante tratamento e consultas de seguimento oncológico. Nas consultas iniciais, após decisão da conduta terapêutica médica, o paciente é consultado por um enfermeiro especialista, que avalia clinicamente o paciente (entrevista e exame físico) e, conjuntamente, com o paciente e família traça o plano de cuidados de enfermagem, decidindo, inclusive, as necessidades de encaminhamentos para outros profissionais, como psicólogo, dentista e nutricionista.

As atividades do enfermeiro especialista em oncologia incluem as orientações acerca do tratamento instituído, incluindo manejo dos efeitos colaterais e toxicidades, agendamento dos retornos, exames e procedimentos a serem realizados e questões gerais acerca do percurso para cumprir as etapas do tratamento dentro da instituição, atuando como um navegador do paciente.

Nas consultas de acompanhamento do plano terapêutico, o enfermeiro realiza uma assistência mais direcionada para as manifestações clínicas e psicossociais relacionadas ao tratamento e adoecimento e planeja de forma individualizada como fará o seguimento desse paciente e com qual frequência ele será avaliado. Cabe ressaltar que o enfermeiro especialista realiza contato telefônico de forma proativa em todos os pacientes em tratamento sistêmico, que inclui a quimioterapia citotóxica, terapia com drogas-alvo, medicamentos oncológicos orais, imunoterapia e terapia endócrina (hormonioterapia).

Nas consultas de seguimento oncológico, o enfermeiro especialista também atua de forma individualizada com foco nas necessidades apresentadas pelo paciente e desempenha um papel de educador nos pacientes sobreviventes ao câncer. O modelo assistencial da oncologia da BP permite que a maioria dos oncologistas foquem seus atendimentos em subespecialidades tais como oncogenética, tumores ginecológicos, gastrointestinais, geniturinários, torácicos entre outros. A assistência médica circunscrita a subespecialidades tem se refletido também na assistência das enfermeiras especialistas.

Retornando ao cenário de pandemia da COVID-19, além da boa prática da triagem aliada ao uso racional dos equipamentos de proteção individual (EPIs) no centro de oncologia, os enfermeiros especialistas também tiveram suas rotinas modificadas com foco na educação dos pacientes em qualquer fase que ele se encontre na linha do cuidado oncológico. As atividades consensuadas na equipe oncológica incluíram também: consultas presenciais, triagem e aconselhamento telefônico com enfermeiros especialistas nos diferentes diagnósticos oncológicos, teleconsultas e telemedicina com médicos oncologistas. Os pacientes que estão em seguimento oncológico, com doença estável ou não detectável, são orientados a adiar a consulta presencial, com a prerrogativa de agendamento caso haja necessidade avaliada por aconselhamento telefônico de enfermagem.

O aconselhamento telefônico executado pelas enfermeiras especialistas em oncologia da BP destaca-se por este envolver orientações diversas aos pacientes de acordo com as necessidades inerentes à fase da linha do cuidado oncológico na qual se encontram. As enfermeiras possuem um telefone exclusivo e o horário de atendimento aos pacientes compreende o expediente nas dependências da BP. A partir do contato telefônico, o enfermeiro oncológico pode avaliar o paciente de forma efetiva e coordenar junto à equipe médica a frequência das avaliações presenciais. Na atual conjuntura de pandemia, o enfermeiro faz perguntas acerca do seu estado de saúde, incluindo questões sobre os sintomas da COVID-19, tais como febre, presença de tosse, alteração do olfato ou paladar e falta de ar. Além disso, também se investiga acerca do seu convívio, por exemplo, se teve ou está tendo contato com alguém com sintomas ou com diagnóstico confirmado da COVID-19.

A coleta de dados ampliada para a análise de riscos tem permitido que o enfermeiro recomende a manutenção do agendamento e da sua ida ao serviço para realizar o tratamento ou, caso o paciente apresente algum risco de estar infectado, oriente o paciente a entrar em contato com o seu médico oncologista ou buscar atendimento de emergência. Na nossa prática rotineira, a decisão é, invariavelmente, compartilhada entre o enfermeiro e o médico oncologista que, juntos, estabelecem a melhor conduta para o paciente. O enfermeiro transmite as orientações e esclarece as dúvidas de pacientes, familiares e/ou cuidadores. Cuidadores são, comumente um familiar ou cuidador profissional, que requer uma atenção especial por parte dos profissionais de saúde e devem receber igual educação quanto às orientações das medidas de precaução da infecção pelo SARS-CoV-2.

Também instituímos a triagem telefônica com a finalidade de gerenciar as consultas médicas presenciais. O enfermeiro, a partir de dados do prontuário em relação ao histórico oncológico e de dados clínicos, junto com o médico oncologista, decide e planeja de forma personalizada como serão as avaliações oncológicas presenciais no ambulatório. Os pacientes em terapêutica medicamentosa são avaliados em relação aos eventos adversos e sua consulta médica pode ser mantida ou ser realizada por telemedicina. Assim, a consulta e triagem telefônica de enfermagem possibilitam a identificação de pacientes com sintomas e, portanto, com risco de serem portadores da infecção pela COVID-19, impedindo que o mesmo se dirija ao ambulatório de oncologia e coloque em risco os demais pacientes e equipe de profissionais que ali trabalham.

Na nossa experiência institucional, os enfermeiros especialistas em oncologia agregam habilidades e conhecimentos que os caracterizam como praticantes avançados. O desenho assistencial favorece que o enfermeiro oncologista torne-se referência para o paciente, desempenhando papéis decisivos sobre o planejamento e condução do cuidado, executando atividades de navegação das etapas a serem percorridas pelo paciente do diagnóstico à sobrevivência ao câncer, incluindo as imprevisibilidades decorrentes da pandemia da COVID-19.

Cabe ressaltar que todas as medidas adotadas desde o início da pandemia (Março de 2020) estão sendo mantidas até hoje (dezembro de 2020), tais como: triagem de pacientes e acompanhantes antes da entrada no hospital, reforço das orientações de medidas de prevenção como a higienização das mãos e uso de máscara de proteção, aconselhamento telefônico do enfermeiro aos pacientes e cuidadores, recomendações acerca da manutenção do tratamento e seguimento oncológico tais como consultas presenciais e teleconsultas.

Relato 3: Gestão de estrutura e processo em centro especializado em oncologia para a instituição de vias livres de COVID-19

Em 2009 o HAOC conquistou a certificação da Joint Commission International, principal acreditação internacional de segurança e qualidade dos serviços de saúde, e em 2016 desenvolveu um modelo assistencial próprio. O modelo assistencial do HAOC contempla o cuidado individualizado, baseado nas melhores evidências científicas, adaptadas à história e condições de vida do paciente e seus familiares. A educação para o autocuidado é uma de suas premissas fundamentais10.

O Centro Especializado em Oncologia do HAOC oferece, em regime ambulatorial, assistência aos pacientes com administração de medicamentos e coleta de exames laboratoriais, discussões clínicas e consultas multiprofissionais com oncologistas, cirurgiões oncológicos, radioterapeutas, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas e psicólogos. O atendimento aos pacientes ocorre de segunda à sexta-feira, das 7 às 20 horas, com média de 2040 atendimentos/mês. Com fácil acesso a unidade de terapia intensiva, centro cirúrgico, centro de diagnósticos por imagem e pronto atendimento, serviços e processos são interligados, oferecendo o suporte necessário para os pacientes oncológicos ao longo do continuum do câncer.

Tendo em vista os primeiros relatos da pandemia, no dia 20 de março de 2020, a Diretoria do Centro de Oncologia, com a coordenação das Superintendências do HAOC, deflagrou um projeto acelerado de adoção de medidas preventivas para reduzir a um mínimo a exposição de pacientes ambulatoriais e colaboradores ao contágio do SARS-CoV-2. Baseado nas diretrizes internacionais e nacionais e no modelo assistencial do HAOC, além de medidas como postergar cirurgias eletivas, realizar consultas de seguimento e de avaliações de exames por telemedicina e reuniões através de videoconferência, reorganizamos os processos do HAOC, enfatizando a proteção individual em cada passo, principalmente para os pacientes em tratamento antineoplásico. Foram criados caminhos internos (pathways) para diagnóstico e terapêutica dedicados ao paciente oncológico e seu adequado manejo, e implementamos o conceito de vias livre de COVID-19 (Figura 2).

Figura 2 : Medidas Implementadas para manutenção de Vias Livres de COVID-19 do Centro Especializado em Oncologia Hospital Alemão Oswaldo Cruz®, São Paulo, SP, Brasil, 2020. 

Nossas reuniões multidisciplinares diárias (tumor boards) discutem cada caso levando em consideração o estado geral do paciente, a presença de comorbidades e a agressividade e a urgência de cada procedimento ou tratamento. A decisão terapêutica é tomada para cada paciente individualmente, equilibrando riscos e benefícios de tratamentos ou procedimentos, no contexto da pandemia. Estas recomendações são dinâmicas, e incluem as mais recentes evidências científicas tornadas públicas. A implementação destas medidas permitiu manter o atendimento e o cuidado adequado de nossos pacientes com câncer, que não têm o privilégio de poder retardar suas terapias ou postergar procedimentos.

Colaboradores e corpo clínico do HAOC passaram a ser triados quanto à presença de sintomas sugestivos de infecção por SARS-CoV-2 (febre, rinorreia, tosse, perda de olfato ou paladar, odinofagia ou dispneia) ou contato com um caso suspeito/confirmado para COVID-19 ao chegarem ao hospital para início do trabalho. As portas de acesso ao Centro de Oncologia foram bloqueadas e somente colaboradores do ambulatório podem acessar a área restrita mediante liberação por configuração eletrônica do crachá de identificação. Em dezembro de 2020 os colaboradores atuantes em Oncologia passaram a realizar uma autotriagem para verificação de sintomas da COVID-19 ou contato com um caso suspeito/confirmado para COVID-19 por meio de um questionário eletrônico padronizado pelo HAOC, preenchido antes da chegada do colaborador à instituição.

Todos colaboradores que apresentassem sintomas sugestivos de infecção por SARS-CoV-2 ou contato com um caso suspeito/confirmado para COVID-19, eram orientados a não comparecer às unidades de Oncologia e a comunicar os respectivos gestores para direcionamento conforme protocolo institucional. Após a implementação da autotriagem para colaboradores, o gestor que recebe resposta positiva para um ou mais dos critérios estabelecidos, reforça a importância do não comparecimento do colaborador à unidade Oncológica antes da avaliação do Centro de Atenção à Saúde e Segurança do Colaborador (CASSC). O CASSC avalia as condições clínicas do colaborador e a indicação da coleta de RT-PCR para SARS-CoV-2, e fornece as orientações sobre retorno ao trabalho conforme protocolo institucional.

Desde a implementação das vias livres de COVID-19, todos os pacientes têm temperatura corporal aferida e são triados quanto a presença de sinais/sintomas suspeitos de infecção por SARS-CoV-2 e história de contato com casos suspeitos ou confirmados para então obter permissão de entrada no Centro de Oncologia. Os colaboradores são orientados a impedir a entrada e a comunicar imediatamente os respectivos gestores caso algum paciente ou acompanhante, colaborador, médico ou fornecedor, apresente um ou mais critérios avaliados na triagem, para adequado e rápido atendimento do caso suspeito, em local isolado, conforme protocolo institucional.

Devido a condições físicas favoráveis e disponibilidade de EPIs, é possível prover cuidado integral aos pacientes, essência do modelo assistencial do HAOC, com a permissão de um acompanhante fixo por paciente, nas consultas ambulatoriais e infusões no Centro de Oncologia, nos leitos de internação segregados para pacientes acometidos pelo SARS-CoV-2 (acompanhante mantido também em isolamento), e, com a permissão de visitas nos leitos da UTI também dedicados exclusivamente para atendimento da COVID-19.

Outros cuidados como limpeza terminal, prévia à entrada no Centro de Oncologia, de materiais provenientes de outras áreas como almoxarifado, nutrição de pacientes, abastecimento de máquinas de café, manutenção entre outros, também foram implementados.

Os atendimentos presenciais postergados ou realizados por telemedicina foram retomados gradualmente a partir de junho de 2020, favorecendo a continuidade do tratamento oncológico.

O período prolongado desta pandemia aliado à reabertura do comércio e à aproximação das festas de final de ano, parece ter levado a população a um relaxamento das medidas preventivas da COVID-19 tais como lavagem de mãos, uso de álcool gel, uso de máscaras faciais e, principalmente, o distanciamento social. Esse relaxamento pôde ser notado no HAOC, e levou à composição de uma nova força-tarefa em dezembro de 2020, para sensibilização e retomada da adesão às medidas preventivas da COVID-19, dentro e fora da instituição. Envio de emails corporativos recorrentes para colaboradores, elaboração de cartazes para o Centro de Oncologia, destaque à importância da triagem telefônica de pacientes e acompanhantes um dia antes do atendimento presencial, reuniões de conscientização de gestores com suas equipes e divulgação da importância da adesão à todas as medidas preventivas do protocolo institucional nas mídias sociais do HAOC foram as principais ações realizadas.

Embora a adoção de medidas preventivas para reduzir a um mínimo a exposição de pacientes oncológicos ambulatoriais e colaboradores ao contágio do SARS-CoV-2 tenha exigido do HAOC uma resposta rápida e criteriosa, a triagem de todos os pacientes, acompanhantes e colaboradores bem como o reforço recorrente sobre a importância da manutenção da adesão às medidas preventivas, são processos viáveis e essenciais para obter-se vias livres da COVID-19. Somente com vias livres da COVID-19 é possível a manutenção do atendimento seguro para pacientes e colaboradores do HAOC.

DISCUSSÃO

Os relatos acima trazem, indubitavelmente, uma linha condutora comum e que expressa o compromisso das instituições e de seus profissionais da Oncologia no enfrentamento da pandemia da COVID-19 para proteção de pacientes, colaboradores e ambiente. As principais sociedades oncológicas internacionais e nacionais, corroboradas pelo Instituto Nacional do Câncer do Brasil, INCA, recomendaram veementemente a manutenção da assistência em todo o continuum do câncer, com diagnósticos e tratamentos oncológicos sem interrupções, bem como uma comunicação eficaz com os pacientes, respondendo dúvidas e fornecendo informações precisas sobre medidas para prevenir a infecção pelo novo coronavírus14-17.

Assim sendo, a pandemia da COVID-19 impactou as equipes de saúde e a assistência ao paciente oncológico com diversas adaptações tais como: gestão de recursos humanos e de EPIs, fluxos de triagem telefônica e presencial, processos de teleconsultas médicas e de enfermagem, estratificação de risco e protocolos de tratamento de pacientes18, algumas das adaptações, descritas nos relatos dos 3 casos.

A nova ordem proporcionou a expansão da telemedicina, anteriormente incipiente no Brasil, e o Ministérios da Saúde, apoiado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), autorizou o seu uso para atendimentos à população, na edição extraordinária do Diário Oficial da União (DOU), PORTARIA Nº 467, DE 20 DE MARÇO DE 2020, justificando que a estratégia é importante para "reduzir a propagação da Covid-19 e proteger as pessoas". Seguindo a mesma diretriz, a RESOLUÇÃO COFEN Nº 634/2020, autorizou e normatizou a teleconsulta de enfermagem como forma de combate à pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 mediante consultas, esclarecimentos, encaminhamentos e orientações com uso de meios tecnológicos19, 20.

A teleconsulta de enfermagem, via web e na modalidade aconselhamento telefônico, demonstrou ser viável para atender, de forma eficiente e efetiva, a população de pacientes oncológicos e de seus familiares, na perspectiva de promover a avaliação das toxicidades relacionadas aos tratamentos, principalmente farmacológico, bem como os sinais e sintomas derivados do processo de adoecimento. A teleconsulta tem favorecido a educação em saúde contínua e de acordo com as demandas clínicas e psicossociais neste período no qual os pacientes devem permanecer em distanciamento social, porém em segurança e com bem-estar21.

Nesse cenário de incertezas e de implementação de novas estratégias assistenciais, muitos trabalhos com boas práticas têm sido constantemente publicados, o que demanda de nós, profissionais da saúde, disciplina para nos mantermos atualizados e educarmos nossos pacientes sustentados pelas melhores evidências científicas. A Union for International Cancer Control (UICC) atualiza, regularmente, uma página na qual encontra-se todos os links dos membros da UICC com suas últimas publicações sobre a pandemia da COVID-19, incluindo duas instituições brasileiras relacionadas ao terceiro setor, que tem disponibilizado em suas redes sociais, materiais educativos para a população leiga22.

Dentre os principais objetivos da equipe interdisciplinar de saúde em Oncologia está a segurança do paciente em termos processuais e estruturais. A manutenção do paciente em sua casa requer o reforço de canais de comunicação eficazes presencialmente, assegurando a emissão e recepção adequada de orientações e informações, bem como a instituição ou aprimoramento de comunicação não presencial, seja ela via telefonia móvel, fixa ou internet, como relatado na experiência do projeto Acolhe-Onco do HSP e das enfermeiras especialistas do hospital BP.

Estudo britânico descreveu critérios semelhantes com os adotados nas consultas telefônicas relatadas no presente artigo, ou seja, as consultas presenciais permaneceram para os pacientes que precisavam de início urgente da terapia ou avaliação do desempenho. A satisfação do paciente (n = 108) com a telemedicina foi alta (média, 9/10), e os profissionais avaliaram que a telemedicina é eficiente, sem aumento da carga de trabalho associada, em comparação com consultas presenciais. Interessante observar neste estudo que 80% (n = 86/108) dos pacientes desejavam alguma telemedicina como parte de seus cuidados futuros, citando custos reduzidos e tempo de viagem23.

Em outra publicação, os autores descreveram cinco ações para o enfrentamento da COVID-19, considerando que o mundo se encontra em estado extremo de VUCA, acrônimo das forças armadas dos EUA para uma situação "Volatile, Uncertain, Complex, and Ambiguous", ou seja, volátil, incerta, complexa e ambígua. Os autores advogam pelas seguintes ações: coloque as pessoas em primeiro lugar, gerencie as operações de maneira criativa, participe do trabalho em equipe e da comunicação, crie parcerias externas e adote uma liderança clara e humilde24.

O trabalho em equipe em saúde foi fortemente demonstrado nos nossos relatos de casos. Trabalhar em equipe exige muitas habilidades, valorizadas para a excelência da assistência e que têm sido testadas nas suas potencialidades. Neste momento de crise, o trabalho em equipe precisa ser reelaborado e algumas estratégias incluem reuniões e protocolos compartilhados, discussões em mini equipes, identificação de riscos de falhas e estratégias compartilhadas de resolução de conflitos. Também exige que as pessoas se sintam seguras para fazer perguntas, expor suas preocupações, oferecer sugestões e compartilhar diferenças de opinião sobre estratégia e, verdade seja dita, que este tipo de ambiente nem sempre é encontrado entre os profissionais de saúde. Cabe destacar que favorecer este tipo de ambiente promove resultados de qualidade e segurança e supera as diferenças de maneira eficaz, estimulando o aprendizado e a inovação responsável, tão necessários de serem assegurados na atualidade25.

Outra condição que desestabiliza o trabalho em equipe é a subtração do contingente quantitativo adequado de profissionais. Uma pesquisa realizada em abril de 2020 pelo Royal College of Physicians no Reino Unido, constatou que 20% dos 2513 profissionais entrevistados estavam afastados do trabalho, principalmente devido à suspeita de infecção pelo SARS-CoV-2 ou porque um dos membros de sua família teve sintomas. A pesquisa relevou ainda que 78% dos entrevistados tinham acesso a EPIs26. O uso apropriado de EPIs é determinante para a preservação da saúde dos profissionais que atuam na assistência direta a pacientes. Recursos financeiros limitados são um desafio para hospitais do SUS, principalmente para hospitais universitários como o HSP que contemplam pós-graduandos na assistência direta ao paciente. O uso racional de EPIs conforme diretrizes internacionais divulgadas pela OMS e campanhas para captação de doações são estratégias adotadas por essas instituições.

O afastamento de profissionais de saúde compromete o dimensionamento adequado destes profissionais e pode impactar na qualidade e na segurança da assistência prestada aos pacientes. Adicionalmente, a sobrecarga de trabalho aliada a um período de incertezas durante a pandemia aumenta o stress dos profissionais que cuidam de pacientes oncológicos, uma das populações com maior risco de mortalidade pela COVID-19. Neste contexto, a implementação das vias livres de COVID-19 relatada na experiência do HAOC, proporciona não somente maior segurança aos pacientes, mas também aos profissionais de saúde, com potencial impacto na taxa de profissionais infectados pela COVID-19.

Neste cenário rico em recomendações, é incontestável o protagonismo que os enfermeiros alcançaram e o quanto ainda poderemos colaborar no processo de recuperação pós-pandemia, por meio da adoção de medidas que favoreçam o retorno aos patamares de normalidade e excelência da assistência oncológica após o período de medidas restritivas. Baseadas em nossas experiências como enfermeiras especialistas em oncologia, bem como nas orientações veiculadas por importantes instituições, dentre estas a Oncology Nursing Society27 (Estados Unidos da América), a European Oncology Nursing Society28 (Europa) e o próprio Ministério da Saúde do Brasil, cabe-nos, agora e futuramente, exercer a liderança das atividades fundamentais de gestão, educação e prática assistencial na Oncologia e, adicionalmente, neste cenário de pandemia da COVID-19.

As limitações do presente estudo referem-se ao tipo, relato de experiência, que impede generalizações, bem como ao vínculo das autoras com as instituições-cenário dos relatos que, certamente, apesar do cuidado na neutralidade narrativa, pode conter algumas subjetividades.

Conclusões

O presente artigo reuniu três relatos de casos de instituições paulistanas provedoras de atenção oncológica e que, apesar das diferenças jurídicas (pública e privada), conseguiram implementar as principais recomendações nacionais e internacionais para a continuidade da assistência, com vistas a manutenção de sua qualidade.

Em época de pandemia da COVID-19, os desafios são diários, incluindo o desgaste emocional ocasionado pelo risco constante de falta de materiais adequados, ocorrências de adoecimentos pela COVID-19 de pacientes e profissionais da saúde, além da preocupação constante do que está por vir. Indubitavelmente, haverá perdas e danos neste processo e isto significará um novo planejamento estratégico para mitigá-los, incluindo o mapeamento da queda de diagnósticos de câncer bem como das interrupções de tratamento.

O compartilhamento de experiências, conforme objetivamos neste artigo, somada às melhores evidências científicas, ao desejo de pacientes e familiares e à utilização otimizada dos recursos (humanos e materiais), são as ferramentas para o enfrentamento atual e futuro. Certamente, nesse processo de manutenção das atividades inerentes ao cuidado em oncologia, há um trabalho incessante de profissionais e gestores em saúde e dos próprios pacientes e familiares. Todos devem compactuar e acreditar na intencionalidade de fazer não apenas o possível, mas, também, o melhor.

As implicações para a prática são: oferecer exemplos de desenhos operacionais para a manutenção da assistência oncológica durante a pandemia da COVID-19; facilitar a incorporação de ações semelhantes na perspectiva do favorecimento da assistência oncológica; suscitar publicações de relatos que contribuam para a construção do conhecimento neste cenário desconhecido para os pesquisadores na atualidade.

Referências

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Financiamento: O presente estudo não teve fontes de financiamento.

Recebido: 15 de Julho de 2020; Aceito: 26 de Fevereiro de 2021; Publicado: 14 de Junho de 2021

*Correspondência. Tamara Otsuru Augustinho Teixeira. E-mail: ta_augustinho@yahoo.com.br

Conflitos de interesse: As autoras declaram não haver conflitos de interesse.

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