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Ideas y Valores

versión impresa ISSN 0120-0062

Ideas y Valores vol.68 no.171 Bogotá sep./dic. 2019  Epub 15-Feb-2020

https://doi.org/10.15446/ideasyvalores.v68n171.62954 

Artigos

CONSTITUIÇÃO DO OUTRO E DO SI MESMO A PARTIR DA EINFÛNHLUNG EM EDITH STEIN

CONSTITUTION OF THE OTHER AND OF THE SELF EDITH STEIN'S NOTION OF EINFÜHLUNG

ETELVINA PIRES LOPES NUNES* 

* Universidade Católica Portuguesa - Braga - Portugal. enunes@braga.ucp.pt


RESUMO

A empatia, em Edith Stein, é uma vivência que permite o conhecimento do outro, mas também do "sujeito empatizante". Pela teoria "do vivenciar completo", alcança-se não apenas um conhecimento da vivência do outro, mas também dos valores subjacentes à sua ação. Através desta teoria, pretende-se responder à proposta levinasiana de uma responsabilidade total, por um lado, e, por outro, de P. Ricœur, que apresenta a necessidade de uma relação que pense ao mesmo tempo a reflexividade do si mesmo. A empatia permite um modo de constituição personalizadora para os dois sujeitos que mantém, de modo simultâneo, a unicidade e a alteridade de cada um.

Palavras-chave: E. Stein; empatia; outro; personalização; si mesmo.

ABSTRACT

According to Edith Stein, empathy is an experience that allows for knowledge of the other and of the "empathizing subject". The notion of "full experience" makes it possible to know the experience of the other, as well as the values underlying his/her actions. On the basis of this theory, the article seeks to respond to Levinas' proposal of total responsibility, on the one hand and to P. Ricœur, who argues in favor of a relation that, at the same time, takes into account the reflexivity of the self, on the other. Empathy allows for a personalized mode of constitution of the two subjects, which, simultaneously preserves the singularity and alterity of each.

Keywords: E. Stein; empathy; other; personalization; self.

Introdução

Levinas habituou-nos a olhar para o Outro1 e a responder-lhe com uma responsabilidade sem mediações, que Paul Ricoeur denominou hiperbólica e metafórica (cf. Ricoeur 1990 387-392). Segundo Ricoeur, Levinas, ao posicionar o eu perante o mandamento inscrito no rosto do Outro, deixa o eu numa situação de responsabilidade infinita, que só encontra resposta plena na substituição e na expiação do "eis-me aqui". O sujeito ficaria assim numa situação de refém. De facto, para Levinas, o eu encontra a sua verdadeira subjetidade fazendo-se responsável pelo outro. Note-se que, em Levinas, o outro por quem me sinto responsável é aquele cujo rosto me interpela, mesmo sem ser um conhecido ou amigo.

Esta noção de Alteridade que dá a precedência total ao Outro coloca uma assimetria na relação, como o próprio autor reconhece (cf.Levinas 1984 190-191), os dois elementos da relação não estão ao mesmo nível, e, por isso, o outro não é como para Husserl um Alter-ego. O outro não é concebido por analogia comigo mesmo. Levinas, parte da ideia de que o Outro é diferente de mim; somos sujeitos incomparáveis (Ricoeur 1990 384-393). Todavia, Ricoeur reconhece que Husserl na v Meditação Cartesiana, ao fundar a intersubjetividade através da empatia com o outro, quer apenas fundar o Alter-ego e a intersubjetividade na relação com o mundo exterior, e não tanto a relação constitutiva entre mim e o outro. Porém, segundo Ricoeur, Husserl deixa uma porta aberta para a constituição do eu na sua dimensão relacional, pois que, ao distinguir o corpo como Leib (carne) e Körper (corpo), deixa aberta uma possibilidade de pensar a relação da reflexividade do eu consigo mesmo (cf. id. 391). Tal abertura permite pensar o eu na sua dimensão pessoal, de passividade, de receptividade que constitui a dimensão do corpo próprio, a qual Ricoeur quer incluir na dimensão da subjectividade. "É preciso efetivamente atribuir ao si -sublinha Ricoeur- uma capacidade de acolhimento que resulta de uma estrutura reflexiva" (ibd.). Uma dimensão que conceba a identidade do eu não apenas formal, mas relacional. Tal dimensão, na sua opinião, é importante para constituir o que chama uma dialética cruzada, entre o movimento do si para o outro e do outro para o eu, equilibrando, assim, a assimetria, que Levinas deixa na relação entre o outro e o mesmo.

Dessa confrontação entre Husserl e E. Levinas resulta a sugestão de que não há nenhuma contradição por considerar como dialeticamente complementares o movimento do Mesmo para o Outro e do Outro para o Mesmo. Os dois movimentos não se anulam uma vez que um se desenvolve na dimensão gnoseológica do sentido, o outro na ética da injunção. (Ricoeur 1990 393, 1991 396)

A questão que se coloca é se esta dialitica cruzada não contém uma certa exigência de reciprocidade, a qual pode provocar uma luta pela identidade, ou, pelo menos, se não permanece ainda na lógica da reciprocidade que considera os dois interlocutores como iguais, e se não fica de novo aberta a pergunta que se apresentava crucial para Levinas: "Quem tem a precedência na relação? Eu ou o Outro?" (cf. Levinas 1984 187-190). Lembramos que esta questão é essencial para Levinas, na medida em que é somente pela teoria da justiça que o eu, de sujeito incomparável, se torna membro da sociedade, pela necessidade de repartir a responsabilidade e perceber quem tem a precedência (cf. Levinas 1974 200-206). Com esta questão, Levinas quer vencer o que ele denomina a "lógica da guerra" ou a filosofia concebida como "egologia", como ele rotula a "Filosofia Ocidental", que dá a precedência ao eu (cf. Levinas 1984 IX-XVIII).

Para evitar esta objeção, deve conceber-se, ao mesmo tempo, a dimensão constitutiva da subjectividade como relação consigo mesmo, e a capacidade de relação com os outros, que em si não elimina a diferença. É neste contexto que se insere o tema da empatia (Einfünhlung) em Edith Stein. A autora tenta ultrapassar o âmbito da fenomenologia transcendental, que encerra o fenómeno na consciência para depois o pensar na sua pureza. Desta forma, o objeto se torna um "objeto puro", fenómeno da consciência. Stein funda a relação de alteridade através da empatia; esta consiste na apreensão da vivência alheia dada num modo de constituição própria, pois que ela aplica o método fenomenológico a uma vivência transcendente ao próprio sujeito: trata-se da "experiência do outro em mim" (cf. Cabballero Bono 2002 10). Ao estudar a empatia, Stein não está preocupada primeiramente com a validação do método fenomenológico, como era a principal preocupação do seu mestre Husserl; contudo, este fica salvaguardado quando ela define a essência da empatia, mas depois o conteúdo torna-se antropológico (cf. Caballero Bono cit. em Stein 2004 10). A sua principal preocupação é o ato de empatia em si mesmo, na possibilidade que ele dá de aprofundar a relação interpessoal.

Na sua tese de doutoramento, trata o tema da empatia, que consiste numa temática muito peculiar, pois que se trata de apreender de modo fenomenológico uma vivência da minha consciência, mas que me põe numa relação com os outros. A questão que poderíamos colocar, partindo da empatia em Edith Stein, é a seguinte: como atingir a experiência do Outro e garantir a sua Alteridade? Como tomar consciência da experiência que faço de um outro e distinguir nela o que faz parte da minha experiência (vivência) e o que é a vivência do Outro? Do ponto de vista fenomenológico, a questão que se coloca é a da constituição da pessoa humana e da contribuição do "ato empático" para a constituição da pessoa própria na relação com outro.

Para responder a estas questões, abordaremos em primeiro lugar a essência dos atos de empatia segundo Edith Stein; num segundo momento, trataremos a questão do papel das vivências afetivas para a estruturação da pessoa e, num terceiro momento, a mais-valia que a vivência da empatia traz para a compreensão da estrutura da pessoa empatizada. Por fim, faremos um breve confronto entre a teoria steiniana da empatia e a posição de Ricoeur no confronto com Levinas. Na conclusão, faremos o balanço desta teoria em relação aos problemas enfatizados.

A essência dos atos de empatia segundo Edith Stein

Como refere a própria autora,

a empatia que considerámos e procurámos descrever é a experiência da consciência alheia em geral sem ter em conta de que tipo é o sujeito que tem a experiência e de que tipo é o sujeito cuja consciência é experimentada. Assim aparece a experiência que o eu em geral, tem de outro eu em geral. (Stein 2004 27)

Diríamos que a empatia proporciona um tipo de conhecimento peculiar, de justa proximidade entre o "eu" e o outro, e consiste em apreender a vivência de um outro, o seu estado de ânimo, a sua alegria ou a sua dor; no entanto, não as apreendendo como sendo um "ato originário", pois a empatia não é uma sensação nem um sentimento, nem um ato de "perceção interna" de si, e muito menos se pode reconduzir à recordação e à imaginação, mas é um ato concreto e originário através do qual podemos apreender uma vivência alheia (cf.Stein 2004 26-27). Neste sentido, como a autora explica, há uma diferença entre a minha própria vivência e a vivência do outro apreendida em mim:

Enquanto vivo aquela alegria do outro não sinto nenhuma alegria originária; ela não brota do "meu eu", nem sequer tem carácter de ter-estado-viva-antes como alegria recordada. Porém, nem sequer é uma fantasia sem vida real, mas é o outro sujeito que tem originalidade; a alegria que brota dele é alegria originária mesmo que eu não a vivencie como originária. No meu vivenciar não-originário sinto-me, de certo modo, conduzido por um originário que não é vivenciado por mim e que se anuncia em mim, manifestando-se na minha experiência vivida não-originária. Deste modo, na empatia, temos um tipo de atos experienciais sui generis. (Stein 2004 27)

Como refere António Fidalgo, o ponto essencial da teoria da empatia, para Stein, funda-se na "teoria do vivenciar completo" (cf Caballero Bono 2002 397); esta teoria pressupõe graus de conhecimento e pode compreender-se pelo modo como a autora explica o caráter "originário" e "não originário" da vivência alheia cujo processo admite vários níveis. No primeiro nível, a vivência emerge diante de mim de improviso no rosto do outro, apresentando-se como um objeto. De seguida, sou conduzido ou transferido para dentro dele colocando-me no seu lugar. Num terceiro nível, debruço-me juntamente com ele para a sua vivência como se ela voltasse de novo como objeto (cf Stein 2004 26-27). O "vivenciar completo" compreende, pois, três níveis que são: o surgimento da vivência, a explicitação do preenchimento da vivência, momento em que me coloco na sua situação, e o momento da objetivação daquela vivência.

Nem sempre a relação com o outro atinge estes três níveis. Como sublinha a própria Stein, muitas vezes, a experiência do outro fica no primeiro nível, como no exemplo da relação médico-doente: faz-se o diagnóstico, depois de ter apreendido o primeiro nível, mas não se coloca no lugar do outro para, de seguida, nos dirigirmos com ele ao seu objeto, doença, dor etc. Não basta, pois, apreender um estado de ânimo e fazer-lhe o diagnóstico; o ato de empatia implica transferir-se dentro do outro, isto é, colocar-se na sua pele. É neste momento que apreendo em mim a vivência do outro como sendo "não-originária". Segundo a autora: "São originárias todas as vivências próprias presentes enquanto tais" (Stein 2004 23); neste sentido, a recordação, a espera e a imaginação, mesmo sendo vivências do próprio sujeito, não são originárias, são vivências "presentificadas". Porém, a alegria do outro que experiencio em mim, embora esteja presente, não provém da minha vivência, experiencio-a em mim como sendo a alegria do outro. É neste ponto que consiste a novidade da sua teoria em relação às anteriores; a vivência que se encontra em mim não provém do meu eu, ela está em mim como "vivência da vivência do outro". Deste modo, o sujeito da vivência tomado pela empatia e o sujeito empatizado permanecem dois sujeitos diferentes. Essa diferença é fundamentada pelo facto de os dois sujeitos pertencerem a unidades de consciência constituídas diferentemente; eles pertencem a "fluxos de consciência" diferentes graças ao seu diferente "teor das vivências" que é qualitativamente diferente (cf. id. 30-32). É num terceiro momento que faço a descrição desta vivência como sendo a vivência do outro, dirigindo-me com ele ao seu objeto.

É a este processo que Edith Stein denomina "vivenciar completo" e que lhe dá um carácter gnoseológico diferente. Para se chegar a este ato de empatia, pressupõe-se um eu constituído não apenas na sua individualidade psicofísica, mas na sua "estrutura pessoal". Esta estrutura requer as vivências afetivas, enquanto, para Stein, estas são importantes para a constituição do eu na sua globalidade e para a formação do conhecimento.

Vivências afetivas e estrutura pessoal

O sujeito do ato de empatia não é apenas um eu puro, mas um "eu individual", constituído na sua estrutura psicofísica. Como sublinha Peter Schulz, a investigação sobre o indivíduo tal como a empreende Stein na segunda parte da sua tese edifica-se em quatro passos sucessivos: o eu puro, a corrente de consciência, a alma e o corpo. O eu puro, como em Husserl, é o sujeito do vivenciar, subjaz a todo o "eu penso", "eu quero", "eu percebo", mas é um sujeito sem qualidades. Este eu insere-se na corrente de vivências; através da vivência presente, alcança as vivências que a precedem e a seguem; neste sentido, o eu pode ser entendido como a unidade da corrente de vivências. Mas como se constitui o eu individual? O eu puro entendido como a corrente das vivências não pode dar o sentido da identidade. O que a corrente de consciência nos permite perceber é a estrutura do eu no sentido da mesmidade e da alteridade, mas não pode alcançar a distinção qualitativa dos sujeitos, nem o que concerne o sentido ao eu individual; este mostra-se só numa reflexão que cai sob o conceito de alma (cf Schulz 788).

A conceção de Edith Stein é que o eu não se constitui somente por oposição ao outro, nem tão pouco como em Husserl é somente um eu puro, mas para ela o eu é um eu individual. Mas o que significa esta individualidade? É o que faz com que um eu seja este eu e não um outro, e esta ipseidade é vivida, é o fundamento de tudo o que é meu (cf. Stein 2004 56). Ora o eu puro pode ser caracterizado pelo "fluxo das vivências", no entanto as vivências são dadas ao eu como atuais; mas como acede o eu ao fluxo, isto é, à vivência já passada? Refletindo sobre ela. É nesta reflexão que o eu apreende não só uma vivência, mas a sua sequência e a sua unidade. É precisamente a ligação entre todas as vivências do fluxo ao eu puro, que vive no presente, que faz a unidade infrangível deste fluxo (cf. id. 57). O fluxo enquanto unidade fechada não é a alma. Nas nossas vivências já se dá algo que é subjacente a elas que se manifesta nas propriedades constantes como único portador.

O conceito de alma é aqui tomado por Stein no sentido de Brentano, como unidade substancial. É na relação entre a corrente de consciência, coordenada ao eu puro, e a subjectividade, a alma, que está o fundamento da individualidade do eu, pois a "singularidade qualitativa" da corrente das vivências remete à estrutura da alma (cf. Schulz 789). No entanto, é pela "perceção interna", que é diferente da reflexão, que captamos sons, sensações, como sendo presentes. Ora é pela ligação entre a perceção interna, pela qual se captam as vivências singulares, e o seu portador idêntico, que se manifesta a "unidade constitutiva" da subjetividade, isto é, a alma.

Na expressão da autora, "esta unidade substancial é a 'minha' alma quando as vivências nas quais se manifesta são as 'minhas' vivências, atos nos quais vive o meu eu puro" (Stein 2004 58). A constituição do "eu psicofísico" pressupõe, pois, uma "unidade constituída" entre a corrente de consciência coordenada ao eu puro, a subjetividade e a alma; nesta unidade, encontra-se o fundamento da individualidade do eu.

Um eu individual ou indivíduo, é um objeto unitário em que a unidade de consciência de um eu e um corpo físico são inseparavelmente ligados, de modo que, cada um deles adquire um caracter novo: o corpo intervém como corpo vivo, a consciência como alma do indivíduo unitário. A unidade manifesta-se pelo facto de que certos processos são dados como pertencentes ao mesmo tempo à alma e ao corpo. (Stein 2004 75)

O eu é constituído numa unidade de corpo e alma; as sensações e os sentimentos pertencem ao mesmo tempo ao corpo e à alma. De facto, o processo pelo qual o eu apreende as vivências, é um processo que inclui o físico e o psíquico, existindo uma interdependência entre eles. "O corpo vivo está por natureza constituído de sensações, as sensações são componentes reais da consciência e como tais pertencem ao eu" (Stein 2004 65). A constituição do eu como unidade psicofisica acontece refletindo sobre as vivências. Esta reflexão é um olhar dirigido à nossa interioridade, este olhar reflexivo é sempre uma orientação atual, enquanto a "perceção externa" pode ser inatual, isto é: pode dirigir-se a vivências vividas anteriormente. "Pela reflexão apreendemos o ser absoluto de um viver atual" (id. 47). Estes atos de reflexão permitem compreender os outros atos e, deste modo, também permitem compreender-nos a nós mesmos (cf.Ales Bello 1992 108-109). O ato empático pressupõe esta estrutura do todo da pessoa, ele deve ser orientado pela perceção externa, mas, enquanto se trata de uma vivência do outro que apreendo em mim, requer também a "perceção interna" e a reflexão.

Na quarta parte da tese, a autora trata a questão da constituição da pessoa nas vivências afetivas; investiga como as vivências afetivas conduzem a uma paradigmática descoberta da "estrutura pessoal", à subjetividade pessoal, isto é, ao que é dado como núcleo irredutível, subjacente ao seu desenvolvimento. Esse núcleo mais profundo da pessoa desenvolve-se ao "vivenciar sentimentos". Esta vivência de sentimentos faz descobrir um nível mais profundo da pessoa de maneira diferente que os atos de perceção e de pensamento (cf. Schulz 789). Além do mais, diferentemente das vivências intencionais do pensamento e do compreender, os sentimentos surgem nas "profundidades do eu" e não são objeto imediato de uma reflexão, mas possuem um seu modo próprio de nascimento pré-reflexivo, ainda que a qualquer momento possam ser objeto de reflexão e de um olhar retrospetivo (cf ibd.).

Ao vivenciar sentimentos, verificamos que eles se manifestam de determinada maneira, manifestam qualidades pessoais. Ter consciência de... é diferente de apreender as próprias vivências afetivas ou as alheias. As vivências afectivas têm o seu fundamento nos vários estratos da pessoa, enquanto as sensações estão ligadas mais ao corpo e à parte mais exterior. Os sentimentos têm uma certa duração e intensidade, afetam a consciência da pessoa, correspondem a diferentes níveis ou estratos da pessoa, pois provêm de estratos mais profundos e requerem já uma noção de valor (cf.Stein 2004 118-119).

Os sentimentos são sempre sentimentos correspondentes a algum objeto, de algo que me é dado antes; neste sentido, precisam de "atos teoréticos" para a sua construção. O que significa que o "ato teorético" fornece um saber que antecipa o sentimento e permite a sua efetivação, a qual corresponde a um estrato do eu. Assim, quando sinto alegria por uma boa ação, tenho, diante de mim, a bondade desta ação, o seu valor positivo, mas, para me alegrar desta ação, tenho que ter tido antes o conhecimento desta; este saber é fundante da alegria. Assim, o saber que está na base do "sentir o valor" não provém de nenhuma profundidade do eu, enquanto o sentimento constituído sobre este valor penetra sempre na existência do eu e é vivido como emergindo dele (cf.Stein 2004 119).

Para Stein, o facto de "sentir o valor" permite a descoberta de um nível mais profundo da própria personalidade que é essencial para a constituição desta.

Aqui manifestam-se as conexões essenciais entre, a ordem e a jerarquia dos valores, a ordem da profundidade dos sentimentos de valor e a ordem dos estratos da pessoa que aí se descobrem. Assim todo o avanço no reino dos valores é ao mesmo tempo um ato de conquista no reino da própria personalidade. (Stein 2004 119)

Deste modo, Stein descobre uma "legislação racional de sentimentos" que permite uma decisão sobre o correto e o equívoco. "Entre sentir um valor e o sentimento do valor da sua realidade [...] e a sua profundidade no eu, há conexões essenciais" (Stein 2004 120). Sentir valores significa apreender a correlação entre eles e estabelecer uma hierarquia. A "legislação racional dos sentimentos" tem o seu fundamento pelo facto de todas as vivências afetivas poderem ser questionadas no seu fundamento, isto é, na coordenação entre valores e os estratos do eu (cf. Schulz 790).

A própria apreensão de um valor é já um valor, mas, para descobrir esse valor, devo dirigirme a essa apreensão, para tal, este deve ser objetivado. Temos, deste modo, uma vivência muito peculiar que é o sentir o valor de sentir o valor,2 uma alegria pela minha alegria. E isso faz-me descobrir a mim mesmo de maneira dupla: como sujeito e como objeto (cf.Stein 2004 120). Por outro lado, pode estabelecer-se uma correspondência entre "maior valor" e "sentimento mais forte" que, por sua vez, põe em movimento a vontade, um "querer", um "operar futuro", e não um simples comportamento a realizar. O "querer" está ligado ao sentimento de poder realizar uma determinada obra e, portanto, ao "poder realizá-la" (cf. id. 125). A "legislação racional" dos sentimentos valorativos implica apreender o querer ou a motivação proporcionada por um determinado valor. Do valor de um determinado valor, nasce o querer, o raio de ação e a criatividade do sujeito. A este tipo de vivência, chama Stein "atos espirituais", enquanto requerem o todo da pessoa (cf. id. 122). O que a autora denomina de "estrutura pessoal" é esta coordenação essencial de "sentimentos axiológicos" com valores. Cada avanço no domínio dos valores significa igualmente uma incursão no domínio da personalidade (id. 125). Neste ponto, mostra-se toda a originalidade de Edith Stein, não só no conhecimento que possui da psicologia, mas também no saber cruzar o domínio das emoções e das vivências com a forma como se estrutura a personalidade. A questão da hierarquização dos valores parece-nos importante, uma vez que em nós, na nossa subjetividade, as vivências não têm todas o mesmo significado, nem vivencial, nem gnoseológico, como, aliás, a autora sublinha. Por outro lado, sabemos que a vivência dos valores requer por sua natureza a estruturação, a seriação a hierarquização, é por estas que se norteia a nossa ação (cf Nunes 308-310). A "mais-valia" da posição de Stein é que, situando-se no domínio da fenomenologia, sem abdicar dos dados hiléticos ou vivências afetivas, chega não só ao domínio do conhecimento, através da "correlação racional de sentimentos e valores", mas também faz radicar os sentimentos de maior valor como provenientes de uma maior profundidade do eu, e, deste modo, sublinha que provêm do todo da pessoa. Aqui, poder-se-ia estabelecer uma relação com H. Bergson, quando sublinhou, a prepósito dos atos livres, que estes emanam do profundo do eu (cf Bergson 107-169); no entanto, a finalidade de Stein é outra: ao tomar conhecimento do "sentimento do valor", abre-se ou ilumina-se um estrato da personalidade, e a correlação entre sentimentos e valores corresponde ao estado atual de personalização. Assim, "à hierarquia completa dos valores corresponderia a pessoa ideal que sente todos os valores na sua ordem e de maneira adequada" (Stein 2004 126).

A constituição da pessoa alheia pelo ato empático

A este ponto, perguntamo-nos qual seja o papel da empatia na estruturação da pessoa. Como refere Ales Bello, é no âmbito da compreensão das pessoas espirituais que a empatia manifesta o seu interesse (cf 1992 119). "Assim como nos próprios atos espirituais originários se constitui a pessoa própria, também a alheia se constitui nos atos vivenciados empaticamente" (Stein 2004 126). De facto,

toda a ação do outro vivencio-a como procedente de um querer, e este por sua vez de um sentir sentimento; com isto é-me dado ao mesmo tempo um estrato da sua pessoa e um domínio de valores apreensíveis em princípio para ela, o qual motiva também, com pleno sentido, a espera de possíveis atos volitivos e ações futuras. (ibd.)

Se, por um lado, num primeiro momento, o ato de empatia me é proporcionado através do "tipo" de pessoa, por outro, mais a expressão da pessoa provém do estrato ou núcleo mais profundo, menos corresponde a um determinado "tipo", e mais únicos serão os seus atos, porque mais correspondem à sua criatividade pessoal. Assim, "compreender uma ação, quer dizer não apenas dar-lhe cumprimento empático como vivência singular, mas vivenciá-la plenamente como procedente da estrutura total da pessoa" (Stein 2004 129).

Todo o sujeito, em que apreendo empaticamente uma captação de valor, considero-o como uma pessoa cujas vivências se associam a uma unidade de sentido, mas tudo o que da sua estrutura vivencial me possa trazer uma intuição plena, depende da minha própria (cf.Stein 2004 133). Esta afirmação faznos pensar que o ato empático pressupõe a constituição psicofísica do sujeito próprio por um lado e, por outro, que este se constitui mais plenamente como sujeito espiritual, na apreensão dos valores do sujeito empatizado. O facto de eu apreender o outro como meu semelhante levame a considerarme como um objeto semelhante a ele. Por uma "simpatia reflexiva", apreendo os atos nos quais o meu individuo se constitui para si mesmo. A partir do seu "ponto de vista", o meu olhar debruça-se sobre a sua "vida psíquica" que aí se atraiçoa. Obtenho, assim, a imagem que o outro tem de mim, isto é, as aparências pelas quais me exponho a ele (cf. id. 106-107).

Ao empatizar, posso vivenciar valores e descobrir estratos da minha pessoa dos quais ainda não tive uma vivência originária. Neste caso, a intuição não seria plenamente preenchida. Porém, enquanto empatizo, reconheço um valor no outro cuja correlação não existe em mim. Stein dá o exemplo da empatia com o "tipo" do "homem religioso": posso compreender esse tipo, admirar a sua fé, apesar de não ter essa vivência originária; mas, neste caso, o que ali se apresenta como algo novo para mim permanecerá irrealizado (cf. Stein 2004 133).

O que leva a autora a concluir que a faculdade compreensiva das ciências do Espírito é o homem todo. E, neste sentido, "só quem se vivencia a si mesmo como pessoa, como totalidade de sentido, pode entender as outras pessoas" (ibd.).

Neste ponto, Stein questiona-se sobre qual seja a relevância da empatia para a constituição da pessoa própria. Uma primeira questão é que o ato empático nos ensina a colocarnos como objeto de nós mesmos, o que tem por consequência que, ao "empatizarmos" com pessoas do "nosso tipo", é como se fosse desperto o que ainda dorme em nós. Na relação com estruturas espirituais diferentemente formadas, clarifica-se o que nós não somos ou o que somos em relação aos outros. Opera-se, assim, em nós o autoconhecimento que é um meio auxiliar importante para a autoavaliação (cf Stein 2004 134). Para além disso, na empatia, abre-se simultaneamente o horizonte a valores desconhecidos para a pessoa própria; ao empatizar, deparamonos com domínios axiológicos enclausurados para nós próprios, tornandonos conscientes de uma própria carência de valor, o que nos leva por vezes a apreciarnos de maneira correcta, enquanto nos vivenciamos como mais ou menos valiosos em comparação com os outros (ibd.).

Esta temática apresenta algumas semelhanças com a questão da amizade tal como a teorizou Aristóteles na Ética a Nicómaco; para este, o homem feliz tem necessidade de amigos. Na análise de Ricoeur sobre este tema, a justificação dada por Aristóteles, recorrendo à teoria do ato e da potência, é que algo no homem está ainda em devir (cf Ricoeur 1990 217-218). É interessante a reflexão de Aristóteles ao questionar se o homem feliz tem necessidade de amigos. De facto, para o Estagirita, o homem não pode só fazer coisas, ser um cidadão, mas precisa de se nutrir de intimidade; neste sentido, o amigo é um outro si mesmo. Deve ter-se em conta que a verdadeira amizade, segundo Aristóteles, funda-se na virtude: o amigo reconhece e aprecia a virtude do seu amigo. Praticamente a amizade digna de tal nome acontece entre duas pessoas virtuosas, embora os dois amigos não possuam necessariamente a mesma virtude. Podia traçar-se aqui uma comparação entre virtudes e valores, e, neste sentido, Aristóteles compreendeu algo de muito importante. No entanto, Stein vai mais longe, pois interessa-lhe fundar gnoseologicamente a relação de empatia, mas, ao fundála, reconhece que "este ato" é fundamental não só para um conhecimento mais profundo do outro, mas também para aquele que empatiza, enquanto o valor apreendido pelo ato empático acaba por despertar o meu próprio valor que ainda dorme e, assim, revela-se necessário para a minha estrutura como pessoa.3

Pode depreender-se que, pela empatia, estrutura-se, desenvolve-se e manifesta-se o que já está dado em nós pela nossa constituição psico-física. Por outro lado, na relação de proximidade, pelo "ato empático", com a consequente teoria do "vivenciar completo", estabelece-se ao mesmo tempo uma relação de proximidade, mas não fechada em si mesma, enquanto tanto o sujeito do ato empático como o sujeito "empatizado" se orientam para um objeto comum.

A "teoria da empatia" em discussão com Ricoeur e Levinas

A relação com o outro, enquanto relação essencialmente ética em Emmanuel Lévinas, pode ser entendida como despersonalizante para o sujeito responsável, uma vez que esta, tal como a pressupõe Lévinas, corresponde a uma "vocação" ou "eleição" muito peculiar. Para Lévinas, o outro ao olhar-me, ao solicitar a minha responsabilidade, acha-me capaz de uma obra: "elege-me para o servir". Se não for compreendida neste sentido, a relação aparece como uma obrigação vinda de fora e, de certa maneira, imposta. Em resposta, Ricoeur propõe a necessidade de pensar a alteridade do outro, mas também a alteridade constitutiva do "si mesmo", mas, em nosso entender, deixa a questão em aberto. A sua posição defende que a alteridade do outro não é a única alteridade com a qual eu me deparo e pelo que propõe uma terceira modalidade da alteridade que faria parte da estrutura da ipseidade: ela é injunção inscrita na passividade da consciência; nas palavras do autor:

À alternativa: seja a estran(h)gei) eza segundo Heidegger, seja a exterioridade segundo E. Levinas, oporei com obstinação [sublinha Ricoeur] o carácter original e originário do que me parece constituir a terceira modalidade da alteridade, a saber, o ser-imposto como estrutura da ipseidade. (Ricoeur 1990 408-409, 1991 412)

Esta terceira modalidade da alteridade seria, em última análise, testemunho de um Outro, não vindo apenas de fora, como em Levinas, mas de uma alteridade inscrita em mim. Assim, a questão da minha relação concreta com o outro seria um "testemunho" (cf. Ricoeur 1990 409). Como podemos averiguar, este tipo de alteridade em mim inscreve-se no âmbito da ontologia e da ética, seguindo ainda a inspiração levinasiana; com a diferença que, em Levinas, o Outro, o Infinito está "inscrito" de certo modo, no rosto do outro, enquanto Ricoeur defende que esta alteridade é constitutiva da ipseidade, e que dela nasce o testemunho ético. Por isso, Ricoeur não mostra como a relação concreta com o outro modificaria ou desenvolveria a minha subjetividade, nem qual seria a "mais-valia" da minha proximidade na relação com o outro. De certa maneira, Ricoeur está ainda movido pela responsabilidade do eu para com o outro, mas pretende que esta responsabilidade não seja "imposta" com veemência de fora, de forma heterónima.

A noção de empatia, por sua vez, vai ao encontro do outro, entra em sintonia com ele e, nesta relação, o eu, o sujeito, também se constitui enquanto pessoa. A empatia segundo Stein, ao permitir apreender o sentimento do outro e ao permitir compreender "o valor do valor do outro", permite apreciar-me a mim próprio de maneira diferente, apreciando-me em relação ao meu próprio valor, ao que sou de mais ou de menos valor em relação ao valor do outro. O facto de o sentir o valor e de o apreciar em relação ao meu próprio valor, faz acordar o que ainda dorme em mim. Parece-nos interessante averiguar que a relação empática mostra claramente o papel fundamental da outra pessoa na constituição da minha própria. E, neste sentido, esta forma de relação situa-se mais ao nível antropológico que ético.

Na atualidade, a noção de empatia é muito utilizada para fundamentar certas teorias e práticas da relação interpessoal, como por exemplo, a relação terapêutica (cf. Silva e Cardoso 246-259), em que o cuidador ou terapeuta fica por vezes numa relação de "sujeição" em relação àquele a quem deve cuidar. Coloca-se a questão de como viver a relação de modo que esta seja personalizadora, para quem é cuidado e para o cuidador. Se considerarmos a relação empática segundo este olhar, verificamos que ela vem ao encontro de Ricoeur na medida em que não é uma relação imposta e ajuda a reconhecer ao cuidador o seu próprio dom e talento, e ensina-lhe também o que ele pode dar de seu. De modo semelhante, podemos considerar qualquer relação interpessoal que se deseja viver mais profundamente, em que cada um deveria ser capaz de se aproximar do outro, entrar em sintonia com ele, compreender as suas vivências sem, no entanto, se fundir com elas, nem tão pouco tentar simplesmente imitar o outro.

Lévinas ao propor a responsabilidade "até à substituição" pelo outro, isto é: uma responsabilidade onde eu sou responsável pelo outro, sem condições nem limites, "assumindo até a culpa do outro" (cf.Levinas 1974, 1982 101-108), apresenta um ideal ético muito elevado, mas que não pode ser aplicado tal qual; daí provavelmente Ricoeur lhe atribuir o carácter metafórico. Esta objeção que se pode fazer, justamente a Levinas, encontra uma certa resposta na sua teoria da justiça, onde nasce a questão de saber "quem é o outro" no qual o Infinito se manifesta? Como sei que sou interpelado por ele e não pelo "seu outro"? Isto é: pelo seu próximo? Questão que faz reduzir a responsabilidade em prol da justiça, pois a resposta implica a repartição da própria responsabilidade, transformando o sujeito, de "refém" do outro, em membro da sociedade; a questão da justiça torna-me também um "outro para o outro" pois que é necessário perceber na relação com o outro se o seu próximo é a sua vítima ou o seu algoz (cf. Levinas 1974 200-206; Nunes). No entanto, fica aberta a questão da constituição do eu na relação com o próximo. A empatia (Einfühlung) em Edith Stein traz uma valiosa contribuição, enquanto mostra o valor dela e da relação interpessoal na descoberta da própria identidade, bem como dos valores pessoais que constituem a pessoalidade e a unicidade própria.

Tudo se passa como se o ser humano precisasse de se encontrar com os valores do outro, aos quais tem acesso de modo privilegiado na relação empática, que se situa num âmbito muito próximo ao da amizade e da confiança, que permite descobrir o seu próprio valor e desenvolver a própria estrutura pessoal. Tal relação permite um confronto com a alteridade que não é nem de competição, nem de fusão; situa-se também a um nível diferente do que Ricoeur chama "vulnerabilidade" do outro que solicita o meu cuidado (cf Ricoeur 2001 185). De facto, a empatia acontece primeiro pela afinidade pessoal, mas o que a especifica na análise de Stein é que, pela teoria do "vivenciar completo", se atinge um nível mais profundo, permitindo aceder aos valores espirituais e aceder à singularidade pessoal. Esta dimensão da singularidade é importante no processo de personalização, pois que esta parece acontecer numa relação de proximidade que salvaguarde a diferença e a alteri-dade do outo.

Conclusão

A questão da constituição do outro e do si mesmo encontra em Edith Stein uma análise e um modo de proceder conforme à fenomenologia. Apoiada neste método, constitui a "empatia" como uma vivência do outro apreendida por mim, no meu eu, que é não apenas um eu puro, que constitui o outro por simples analogia com o eu, permanecendo no campo das essências, mas como pessoa viva, considerada nas suas várias dimensões. Stein constitui e elabora a sua teoria da empatia considerando o eu psicofísico, um eu vivo, que sente e vive nos seus sentimentos. A empatia é uma vivência que o eu encontra na sua consciência e da qual tem uma experiência; no entanto, a noção de alteridade, dada já pela fenomenologia de Husserl, permite a Stein constituir uma "vivência da vivência do outro", vivência não originária porque não vive em mim, mas no outro, no entanto posso entrar nessa vivência e depois torná-la objeto.

Sobre esta base, que considera a alma como o elemento identitário a partir do qual se desenvolve o ser pessoa, a autora trata da vivência empática como personalizadora para mim, mas também para o outro, o sujeito empatizado. Stein entente que a consciência tem a possibilidade de vivênciar, não apenas sensações, mas também sentimentos, e de apreender o valor inerente a esse sentimento. Além disso, pode estabelecer uma correlação e uma jerarquia entre "sentimentos" e "sentimentos de valor". Nós entendemos que este modo de constituição é importante e que ao penetrar não apenas no estado de alma do outro, mas também na sua unicidade pessoal, o sujeito que vive o ato empático também se constitui como pessoa; isto é: descobre os estratos mais profundos do seu ser, porque se avalia por comparação ao que vale de mais ou de menos em relação ao outro.

Esta forma de relação não é "simétrica", o outro empatizado não é concebido apenas por analogia comigo, mas também não é "assimétrica"; como pretendia Levinas ao enfatizar a "superioridade ética e metafísica do outro" no qual o infinito se abeira e me fala (cf Levinas 1984 168-191). Também não pressupõe, como Ricoeur, uma "injunção ética" de um Outro em mim do qual dou testemunho, um pouco à maneira de Descartes, ao encontrar "a ideia do infinito", inscrita em si mesmo. O que é diferente e interessante em Stein é que a unidade do ser humano vivida na sua profundidade e unicidade pessoal humaniza tanto aquele que se abeira dele como aquele que beneficia do ato empático. O que nos leva a inferir que é na relação interpessoal que se constitui, num nível superior, espiritual, o nosso ser pessoa. No entanto, a objeção de Ricoeur a Levinas e a sua proposta de uma alteridade constitutiva da "minha ipseidade", encontra um paralelo em Stein, sobretudo em Ser finito e ser eterno, enquanto a autora, nesta obra da maturidade, cruza a fenomenologia com a ontologia de S. Tomás de Aquino e mostra que, na nossa constituição fenomenológica e temporal, o eu encontra a sua finitude, e aí o eu liga-se ao ser Eterno, para receber o ser d'Ele, pois que não pode ficar no nada (cf Stein 1972 60-66). Haveria que pensar como se poderia desenvolver o tema da empatia com essa relação do ser da consciência pessoal e interpessoal, mas já sai do tema que aqui nos propusemos.

Mas o essencial da análise da empatia feita por Stein é ternos ensinado o que acontece em nós quando encontramos um outro ser humano, e como deste encontro nos podemos mover para compreender a sua e a nossa constituição. "Se é necessário passar através da corporeidade chegamos, no 'sentir' o outro, à' apreensão da sua vida psíquica e a uma série de atos que se podem definir como 'espirituais' e nisso consiste o primeiro núcleo da comunidade" (Alles Bello 2003 9).

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1Quando utilizamos o termo "outro" com a inicial em maiúscula, referimo-nos à terminologia levinasiana que atribui ao "outro" uma superioridade em relação ao eu, porque no seu rosto se manifesta o Infinito que lhe confere o estatuto de "diferente", justamente de Outro. Trata-se de uma superioridade que se manifesta na condição do "pobre do órfão e da viúva" como paradigma da "condição humana" por excelência; o Outro manifesta o Infinito no seu rosto que, por isso, tem o poder de me interpelar. No seu rosto, está inscrito o "mandamento": "não matar!" (cf. Levinas 1982 89-97, 1984).

2O sublinhado é nosso.

3Pode encontrar-se aqui já em germe, o que a autora desenvolverá mais tarde ao aplicar a teoria do ato e da potência à explicação do ser e explicitamente ao ser pessoal: E. Stein L'Être fini et l'être Eternel. Essais d'une atteinte du sens de l'Etre. Louvian/ Paris, E. Nauwelaerts/ Béatrice-Nauwelarts, 1972. Veja-se o capítulo: "Acte et puissance en tant que modes d'être", 37-60. Este capítulo situa-se na sequência da fenomenologia já desenvolvida em Sobre elProblema de l'Empatia, cruzando-a com a Filosofia do Ser de S. Tomás. Parece-nos haver uma continuidade bem conseguida entre a obra de E. Stein, enquanto fenomenóloga e agnóstica, e a fase da sua maturidade, na tentativa de constituir uma ontologia cristã apoiando-se na teoria de S. Tomás.

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MLA: Nunes, E. P. L. "Constituição do outro e do si mesmo. A partir da Einfünhlung em Edith Stein." Ideas y Valores 68.171 (2019): 105-121.

APA: Nunes, E. P. L. (2019). Constituição do outro e do si mesmo. A partir da Einfünhlung em Edith Stein. Ideas y Valores, 68(171), 105-121.

CHICAGO: Etelvina Pires Lopes Nunes. "Constituição do outro e do si mesmo. A partir da Einfünhlung em Edith Stein." Ideas y Valores 68, n.° 171 (2019): 105-121.

Recebido: 22 de Fevereiro de 2017; Aceito: 30 de Julho de 2017

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