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Anagramas -Rumbos y sentidos de la comunicación-

versão impressa ISSN 1692-2522versão On-line ISSN 2248-4086

anagramas rumbos sentidos comun. vol.21 no.41 Medellín jul./dez. 2022  Epub 10-Ago-2022

https://doi.org/10.22395/angr.v21n41a5 

Articles

O consumo da viagem através das telas: as pedagogias que circulam nos blogs e redes sociais de viagem produzidas para o público brasileiro*

El consumo de viajes a través de pantallas: las pedagogías que circulan en blogs y redes sociales de viajes producidas para el público brasileño

The Consumption of Travel Through Screens: the Pedagogies that Circulate in Blogs and Travel Social Networks Produced for the Brazilian Public

Jane Petry da Rosa** 
http://orcid.org/0000-0001-5059-6162

Marinês da Conceição Walkowski*** 
http://orcid.org/0000-0001-5385-7372

André Riani Costa Perinotto**** 
http://orcid.org/0000-0001-7094-3758

** Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestão Esportiva. Graduada em Administração e em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Atua como docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC). E-mail: jane.petry@ifsc.edu.br. https://orcid.org/0000-0001-5059-6162

*** Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa Catarina CAPES . Realizou estágio de doutorado no exterior como pesquisadora na Universidade de Lisboa - Doutorado sanduíche CAPES . Pós Doutora em Turismo e Hotelaria pela Univali. Professora do Mestrado em Turismo da UFPR. E-mail: marinesw@gmail.com. https://orcid.org/0000-0001-5385-7372

**** Doutor em Ciências da Comunicação - UNISINOS. Professor Associado - D.E - Curso de Turismo. Universidade Federal do Delta do Parnaíba. Professor Permanente do Mestrado em Gestão de Negócios Turísticos da UECE e Professor Permanente do Mestrado em Turismo da UFPR. Diretor da ABRATUR - International Academy for the Development of Tourism Research in Brazil. E-mail: perinotto@ufpi.edu.br. http://orcid.org/0000-0001-7094-3758


Resumo

As redes sociais são utilizadas por produtores de conteúdo digital para ensinar as fórmulas de um viajar que se converte no consumo de informações, destinos, produtos e serviços. Esta pesquisa tem como objetivo conhecer as maneiras com que os blogs e as mídias sociais são utilizados tanto por produtores de conteúdo, quanto por sua audiência e refletir sobre como as pedagogias que estão em operação nesses espaços influenciam no consumo da viagem ensinando diferentes modos de viajar. A forma de proceder a pesquisa foi inspirada nos Estudos Culturais e baseada em vários artefatos, principalmente, blogs e redes sociais. A coleta de dados foi realizada entre 2015 e 2018, período em que foram monitoradas as postagens e interações da audiência em onze blogs e perfis do Facebook e Instagram cujo conteúdo versa sobre viagem e realizadas entrevistas com os responsáveis pelo conteúdo produzido para estas mídias. Para o tratamento dos dados utilizou-se a análise de conteúdo. Os resultados demonstram que o viajar é apresentado nestes espaços como um produto, “comercializado” através de fotos, vídeos, narrativas e transmissões ao vivo. O produtor de conteúdo converte suas vivencias em reportagens para um público que as consome do outro lado da tela. Conclui-se que parte deste conteúdo promove a espetacularização do viajar cujo consumo carrega promesas relacionadas aos status social e a valorização do produto “eu”. Por outro lado, há iniciativas que mostram a potência das viagens como prática cultural capaz de produzir outros significados, conectar pessoas, ideias e construir saberes de forma coletiva.

Palavras-chave: viagem; consumo; mídia social; informação; meios de comunicação; fotografia; educação; Brasil

Resumen

Las redes sociales son utilizadas por los productores de contenidos digitales para enseñar las fórmulas de un viaje que se convierte en consumo de información, destinos, productos y servicios. Esta investigación tiene como objetivo comprender las formas en que los blogs y las redes sociales son utilizados tanto por los productores de contenido como por su audiencia y reflexionar sobre cómo las pedagogías que están operando en estos espacios influye en el consumo de viajes al enseñar diferentes formas de viajar. La forma de realizar la investigación se inspiró en los Estudios Culturales y se basó en diversos artefactos, principalmente blogs y redes sociales. La recolección de datos se llevó a cabo entre 2015 y 2018, durante los cuales se monitorearon las publicaciones e interacciones de la audiencia en once blogs y perfiles de Facebook e Instagram cuyo contenido es sobre viajes y se realizaron entrevistas a los responsables del contenido producido para estos medios. Para el procesamiento de datos se utilizó el análisis de contenido. Los resultados demuestran que viajar se presenta en estos espacios como un producto, “comercializado” a través de fotos, videos, narraciones y transmisiones en vivo. El productor de contenidos convierte sus experiencias en reportajes para una audiencia que los consume al otro lado de la pantalla. Se concluye que parte de este contenido promueve la espectacularización de los viajes cuyo consumo conlleva promesas relacionadas con el estatus social y la apreciación del producto “yo”. Por otro lado, existen iniciativas que muestran el poder del viaje como práctica cultural capaz de producir otros significados, conectar personas, ideas y construir conocimiento de manera colectiva.

Palabras clave: viajes; consumo; redes sociales; información; medios de comunicación; fotografía; educación; Brasil

Abstract

Social networks are used by digital content producers to teach the formulas of a journey that becomes the consumption of information, destinations, products and services. This research aims to understand the ways in which blogs and social media are used both by content producers and their audience and reflect on how the pedagogies that are in operation in these spaces influence the consumption of travel by teaching different ways of traveling. The way of carrying out the research was inspired by Cultural Studies and based on various artifacts, mainly blogs and social networks. Data collection was carried out between 2015 and 2018, during which the posts and interactions of the audience were monitored on eleven blogs and Facebook and Instagram profiles whose content is about travel and interviews were carried out with those responsible for the content produced for these media. For data processing, content analysis was used. The results demonstrate that traveling is presented in these spaces as a product, “commercialized” through photos, videos, narratives and live broadcasts. The content producer converts his experiences into reports for an audience that consumes them on the other side of the screen. It is concluded that part of this content promotes the spectacularization of traveling whose consumption carries promises related to social status and the appreciation of the product “I”. On the other hand, there are initiatives that show the power of travel as a cultural practice capable of producing other meanings, connecting people, ideas and collectively building knowledge.

Keywords: travel; consumption; social media; information; media; photography; education; Brazil

Introdução

As imagens fotográficas das viagens dos imigrantes, nas primeiras páginas dos jornais, desafiam nosso entendimento sobre os conceitos que os próprios seres humanos criaram para definir a humanidade. Informações de todos os lugares do globo viajam através de cabos, ondas e satélites. Fotografias das praias caribenhas, do Mickey Mouse, da Torre Eiffel e do Cristo Redentor, desfilam nas redes sociais como “troféus” dos viajantes em férias, e os nossos arquivos viajam até as “nuvens”, onde ficam armazenados. Idas e voltas, idas sem volta. Viajam modos de ser e estar no mundo. Viajam filmes, eventos, livros, músicas, marcas e obras de arte. O mundo segue sendo constituído e contaminado por deslocamentos, e a viagem, entendida aqui como uma prática cultural, emerge como portadora de múltiplas promessas.

Propõe-se pensar a viagem como uma ideia lúbrica, cujas definições derivam dos mais diversos olhares que lançamos sobre os percursos, os viajantes, as diferentes maneiras de viajar e registrar e a rede que é tecida por essas intersecções. A riqueza do tema vem desse emaranhado, das escolhas que cada viajante faz, do que abandona ao partir, do que descobre, do que lhe é mostrado, do que consegue ver, do que expressa, do que vive e da singularidade de cada caminho. Pesquisar a viagem, dentro dessa perspectiva, pressupõe contemplar com sutileza e atenção esses cruzamentos, observar o que pode derivar das articulações do viajar com a tecnologia, a literatura, a arte e a comunicação e refletir sobre o espetáculo da viagem nas mídias digitais e nas redes sociais, especialmente o que é promovido pelos viajantes e escritores de blogs/redes sociais, através do compartilhamento de histórias, informações e imagens. Ressalta-se que uma das motivações mais importantes para o compartilhamento de imagens nas redes sociais é a auto representação, onde os turistas procuram se associar às imagens postadas (Lyu, 2016). Além disso, é o “desenvolvimento das tecnologias de mídia que sustentam e expandem a cultura da autoexposiçã o que tornam as narrativas de primeira pessoa tão atraentes, também é o resultado da transformação do testemunho em parte do processo da produção da subjetividade e da política contemporâneas” (Sacramento, 2018. p. 7 ).

A composição das ideias manifestadas nas narrativas da viagem, não estão ligadas apenas ao ato de viajar, mas, também, as formas com que esse conteúdo se processa nas redes. Os blogs e redes sociais passam a ser o elo entre o produtor de conteúdo e a sua audiência, tornando-se uma importante fonte de pesquisa e informação para os viajantes contemporâneos. Embora muitos deles apresentem um conteúdo formado por listas, roteiros, sugestões de lugares e dicas empacotadas e organizadas de acordó com as preferências do autor.

Para discutir sobre essa migração de um meio de informação para outro, é preciso atentar para as diferenças entre a linguagem e os conteúdos dos blogs/redes sociais de viagem e os dos produtos mantidos pelos grandes grupos de comunicação (sites, guias, programas de TV e revistas). O conteúdo destes últimos é, de certa forma, pasteurizado e a linguagem utilizada é impessoal e genérica, visando atingir o maior número de pessoas possível. Grande parte das páginas/perfis de viagem, por outro lado, empregam estratégias diferentes, utilizando-se da aproximaçã o e da familiarizaçã o com o público leitor/espectador com o objetivo de constituir e manter uma audiência cativa que interaja e colabore com a construçã o e desenvolvimento do próprio ambiente no qual a narrativa acontece. As mídias sociais estão sendo cada vez mais utilizadas por viajantes a fim de obter informações que serão úteis para planejar suas rotas e baseiam suas decisões de viagem (Silva et al. 2021; Perinotto et al. 2021).

Uma das estratégias adotada pelos produtores de conteúdo sobre viagens é a utilizaçã o de uma linguagem mais pessoal e a narraçã o da experiência do vivido, características principais dessa ferramenta. Em muitos textos e imagens, a vida privada faz parte da história contada. Ou seja, vive-se na “era de uma intimidade performatizada midiaticamente como exterioridade pública, onde às tecnologias de comunicaçã o, permitem a superexposiçã o da vida íntima como espetáculo” (Sacramento, 2018, p. 12 ).

Do ponto de vista cognitivo, a imagem de um destino turístico pode ser definida como a estrutura mental formada pelas concepçõ es, impressões, conhecimentos, imaginaçã o e pensamentos emocionais desenvolvidos por meio de um processo de percepçã o pelas pessoas em relaçã o a um determinado local (Gallarza, Gill e Calderón, 2002; Juškelyt, 2016; Hunter, 2016).

Os produtores de conteúdo perceberam que parece haver um desejo de identificaçã o por parte do leitor/espectador, uma busca por aquele “lugar da internet” que ofereça as informaçõ es mais adequadas a um determinado perfil de viajante, que possa satisfazer suas necessidades e seus desejos, que esteja de acordo com suas possibilidades financeiras, e que, o autor, através de suas histórias, das imagens que seleciona e da maneira com que se dirige ao leitor, desperte nele algum tipo de reconhecimento ou empatia.

A disponibilidade de informaçõ es e o ambiente propício aos negócios criados na internet permite ao viajante, além de conhecer destinos, planejar viagens e elaborar roteiros, a compra de passagens, a escolha e a reserva hotéis, a aquisiçã o de ingresos para atraçõ es, a contrataçã o de seguros, o aluguel de carros, entre outras facilidades - muitas delas ofertadas diretamente nos blogs ou nos perfis das redes sociais e utilizadas como forma de monetizaçã o do trabalho do produtor de conteúdo digital. Outra característica que diferencia o conteúdo dos blogs/redes sociais do conteúdo disponibilizado pelas revistas, programas de TV, guias e agências de viagem, é a organizaçã o da informaçã o e a simplificaçã o do acesso à compra desses produtos e serviços. Como muitos deles utilizam-se de links, com poucos cliques é possível adquirir passagens, alugar carros e reservar hotéis de acordo os gostos e posibilidades de investimento dos consumidores. Estes mesmos procedimentos, não são passíveis de realização de maneira tão ágil quando se trata das informações disponíveis em programas de TV, guias de viagem e revistas, por exemplo. Além disso, a mudança digital, por meio da digitalização da informação, a generalização do protocolo da Internet e a rápida adoção dessas tecnologias, vem transformando a forma de produzir, armazenar, distribuir e consumir bens e serviços (Simón, 2016; Hofacker e Belanche, 2016).

Dado este cenário, no qual os blogs e redes sociais atuam como protagonistas no que se refere a busca por informaçõ es sobre viagem, temos como perguntas norteadoras desta pesquisa: O que se produz nesses espaços de mídia? De que forma este conteúdo é consumido? Quais as conexões geradas?

Portanto, o objetivo deste trabalho é conhecer as maneiras com que as mídias sociais são utilizadas tanto por produtores de conteúdo, quanto por sua audiência, e refletir sobre como as pedagogias que estão em operação nesses espaços influenciam no consumo da viagem e ensinam diferentes modos de viajar.

Aspectos metodológicos

Com o objetivo de fazer com que você, leitor, consiga acompanhar a viagem que se materializa nesta pesquisa, foi organizado um roteiro cronológico que será apresentado neste tópico.

Este estudo é de natureza exploratória e adota uma abordagem indutiva buscando explorar a natureza e o grau de uso das mídias sociais entre destinos turísticos. A abordagem qualitativa foi adotada no desenvolvimento desta pesquisa (Creswell, 2007; Flick, 2009), e a coleta de dados foi realizada a partir de entrevistas semi estruturadas com produtores de conteúdo de viagens que compartilham suas experiências em blogs e redes sociais. Além das entrevistas foram realizados o monitoramento das postagens desses produtores de conteúdo e as interações dos seguidores/leitores. Para o tratamento e análise de dados, praticou-se a análise de conteúdo que, segundo Bardin (2016) , é um leque de técnicas apoiadas na execuçã o de procedimentos estruturados e objetivos que permitem a estruturação das informações obtidas durante a pesquisa, a fim de propiciar reflexões acerca das condiçõ es de produçã o e/ou recepçã o das mensagens analisadas, conforme exposto na figura 1.

Fonte: ----

Figura 1 Diagrama da construção do processo metodológico utilizado na pesquisa. 

Para pensar as narrativas de viagem como potenciais produtoras de subjetividades no tempo presente, inspiramo-nos nos Estudos Culturais. Esta pesquisa foi realizada em etapas, algumas das quais foram se sobrepondo às outras, se ligando e formando uma teia de conhecimentos e ideias difíceis de separar e ordenar. Isso ocorreu, principalmente, em função da velocidade com que as coisas acontecem no mundo digital. De acordo com Costa, Silveira e Sommer (2003, p.39) , “nos Estudos Culturais há tantos itinerários de pesquisa e tão diferentes posições teóricas que eles poderiam ser descritos como um tumulto teórico”. E, foi nessa confusão, formada pelos vários aportes teóricos, que se juntaram aos livros e artigos científicos, entrevistas, viagens, viajantes, blogs e redes sociais. Na escolha do objeto de pesquisa entraram em cena o viajar contemporâneo, seus atores e atravessamentos vistos por um olhar atento quem buscou, no desenrolar dessa prática cultural, as intersecções, os deslocamentos, os escapes e as tensões que fazem parte das pesquisas orientadas pelos Estudos Culturais. Wortmann (2007) revela que seus trabalhos são motivados pelas “outras” e novas histórias que podem ser contadas sobre um tema e pela busca da dimensão política dos seus objetos de estudo.

A amostra é intencional e foi definida de acordo com alguns critérios. 1) Fazer parte da Rede Brasileira de Blogueiros de Viagem (RBBV) ou da Associação Brasileira de Blogueiros de Viagem (ABBV). Essas instituições congregam os chamados “blogueiros de viagem” e definem alguns parâmetros para associação. Dentre as normas estão: o tempo de existência (mínimo de 6 meses), o número de artigos publicados (mínimo 12) e o conteúdo, que deve ser considerado pelos avaliadores como consistente, original e idôneo. 2) Possuir blogs de viagem ativos e atualizados frequentemente e, também, perfis com conteúdo relacionado à viagem nas redes sociais Facebook e Instagram. Para a realização da pesquisa era muito importante que as postagens tanto no blog, quanto nas redes sociais escolhidas para a pesquisa fossem periódicas. 3) O número de seguidores nas redes sociais Facebook e Instagram. Embora não garantisse a interatividade, esse era um indicativo de que poderia haver maiores trocas entre o escritor e a sua audiência. Em função disso, optou-se por páginas que possuíssem no mínimo dez mil seguidores. 4) A representatividade. A ABBV, divide os produtores de conteúdo em dois grupos: Os nômades digitais - aqueles que que escrevem em deslocamento sobre os lugares nos quais estão residindo e trabalhando em determinado momento; E os escritores que narram suas viagens no Brasil ou no exterior a partir de um ponto fixo. Assim sendo, optamos por ter representantes dos dois grupos de viajantes. 5) O interesse em escrever sobre o viajar, viajando. O desejo de realizar as entrevistas durante uma viagem à Europa, fez com que buscássemos blogs escritos por brasileiros que, cumprissem os requisitos acima e fossem referência para os turistas, em algumas capitais europeias. 6) Acesso e permissões. Após vários contatos, buscas por permissões de monitoramento (tanto dos blogs como das redes sociais) e solicitações de entrevistas, selecionamos os blogs e perfis nas redes Facebook e Instagram que aceitaram ser monitorados e conceder entrevistas. Sendo assim, fizeram parte da pesquisa os seguintes perfis: “Aprendiz de Viajante”, “Londres para Principiantes” na cidade de Londres, Inglaterra, “Cultuga” de Lisboa, Portugal, “Conexão Paris” de Paris, França, “Agenda Berlim” de Berlim, Alemanha e “Ducs Amsterdam”, de Amsterdam, Holanda.

Além destes blogs e redes sociais que foram monitorados entre setembro de 2015 e dezembro de 2018, também foram selecionados para fazer parte da pesquisa os perfis do Facebook e Instagram do “Viajo Logo Existo”, “Viajando com Gabi”, que se enquadram na categoria de Nômades Digitais e duas páginas muito conhecidas e acessadas por turistas brasileiros: “Viaje na Viagem” e “360 Meridianos”. Além de monitorar as postagens e as interações dos leitores/seguidores destas onze páginas/ perfis, os produtores de conteúdo dos blogs/redes sociais que vivem no exterior, e cujo público são os turistas brasileiros, foram entrevistados pessoalmente nas cidades em que vivem, com exceção de Lina, do Blog Conexão Paris que concedeu entrevista por meio da plataforma “Skype”. As entrevistas semiestruturadas realizadas com os produtores de conteúdo ocorreram entre os meses de maio e junho de 2018 e as perguntas que as compuseram tinham relação com o monitoramento realizado nos meses anteriores.

Muitas das leituras realizadas nesta pesquisa têm como base questões que envolvem a relação entre a educação e as tecnologias da informação e comunicação. Dentre os vários autores estudados destacamos as pesquisas realizadas por Jenkis, Green e Ford (2014) cujo conteúdo foi associado a textos filosóficos que fizeram pensar sobre as diferentes manifestações do “eu” na contemporaneidade, dentre eles, textos de Zygmunt Bauman (2008), Gilles Lipovetsky (2016) , e especialmente de Byung-Chul Han (2015, 2016 e 2018).

A exposição do produto viagem nas redes sociais

O viajar tornou-se um produto que desperta inúmeros e diversos interesses, pois é uma fonte praticamente “inesgotável” de novidades. De tempos em tempos, destinos são escolhidos para serem promovidos pela indústria do entretenimento: eles aparecem como cenários de novelas, filmes, seriados e até como enredos de escolas de samba. Os viajantes que produzem conteúdo sobre viagens para Internet, também ajudam a colocar lugares desconhecidos nas listas de desejos dos seus seguidores através de imagens postadas nas redes sociais e de textos compartilhados via blog nos quais exaltam a descoberta de um “novo” lugar. A superexposiçã o de um destino pode causar um problema conhecido como “overtourism”, ou seja, um excessivo número de visitantes num curto espaço de tempo. As consequências são as mais diversas e podem provocar inclusive, o desinteresse por uma cidade ou região turística.

Para Bauman (2008) a promoção de determinados lugares e o “esquecimento” planejado de outros faz parte das estratégias de venda da sociedade capitalística, na qual as novidades despertam desejos de consumo, o que faz com que as pessoas estejam sempre correndo atrás de uma satisfaçã o que nunca chega. Para Bauman (2008):

a curta expectativa de vida de um produto está incluída na estratégia de marketing e no cálculo de lucros tende a ser preconcebida nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamaçã o das antigas (de ontem). (p. 31)

A listagem dos destinos mais cobiçados de 2019 elaborada pela “Lonely Planet” pode ser uma amostra dessa estratégia de venda que consiste na apresentaçã o de novidades e de outras possibilidades de viagem e na renovaçã o constante dos clássicos. O país número um da lista é o Sri-Lanka, seguido da Alemanha, do Zimbabwe e do Panamá. Já no ranking das cidades, figuram em ordem de classificação, Copenhague na Dinamarca, Shenzhen - na China, Novi Sad - na Sérvia e Miami nos Estados Unidos.

O consumo das viagens também parece ser dominado por uma temporalidade que valoriza sempre o novo, que é utilizado para promover uma diferenciaçã o e valorizaçã o do “eu” frente aos “outros” e, também, para tentar suprir os desejos de realizaçã o dos sonhos de consumo que se grudam, se incorporam, culturalmente em nós. Para Lipovestky (2016, p. 10) “na hipermodernidade há uma oferta acelerada de instantes fugitivos de felicidade - comprar um carro, fazer uma viagem, trocar a cor do papel de parede”. A duraçã o não faz parte do espetáculo. A síndrome consumista arruinou a duraçã o e trouxe à tona a efemeridade.

Bauman (2008) utiliza a aquisição de uma viagem como metáfora para explicar essa busca constante por uma “felicidade” que sempre escapa. Para ele, as sensações que nos invadem antes de uma viagem são ocasionadas pelas múltiplas promessasque foram sendo atribuídas ao ato de viajar:

Nesse contemporâneo acelerado em que uma novidade tentadora corre atrás da outra, a uma velocidade de tirar o fôlego, num mundo de incessantes novos começos, viajar esperançoso parece mais seguro e muito mais encantador do que a perspectiva da chegada: a alegria está nas compras (Bauman, 2008, p. 28)

Muito embora, no contemporâneo, o viajar tenha se tornado, por parte de muitos, um objeto de consumo desejado, cuja exposição por meio de imagens em redes sociais parece ser essencial para o desfrute completo, percebemos também um movimento diverso utilizando essas mesmas redes. Um viajar que conecta pessoas e lugares, gera aprendizados, provoca reflexões e abre possibilidades. No universo do viajante a conexão é palavra múltipla. Fazemos conexão (intrajornada), criamos conexão (com os lugares e as pessoas), usamos a conexão (através da tecnologia), construímos conexões (com o que lemos, vemos, aprendemos), enfim, o viajar é um exercício de conexões e também de desconexões.

A escrita de blogs e as postagens realizadas em redes sociais são produtos resultantes do ato de viajar. A ampla adoçã o destas por usuários e organizaçõ es gerou um aumento exponencial de dados que podem ser importantes como fonte de informação e posterior tomada de decisão (Thomaz et al, 2016). No entanto, além de servirem como base de pesquisa ou como motivação para consumo do produto viagem, muitos conteúdos postados nestas redes podem ser utilizados para produzir conhecimentos, aproximar pessoas, estimular discussões e reflexões, promover diversos tipos de conexões e estimular a cooperação. Através das redes sociais o viajar pode fomentar boas ideias e projetos inovadores, bem como auxiliar na proposição de alternativas para que o movimento da viagem não se esgote, não fique confinado nos arquivos, nas telas, nas estantes das nossas casas e nos álbuns de fotografia.

Um exemplo do prolongamento do viajar são as redes de sociabilidade que se formam após viagens acadêmicas, por exemplo (Trigos e Pacheco, 2021). Os encontros e contatos que fazemos em eventos técnico científicos e artísticos podem dar origem a parcerias e intercâmbios produtivos. Por outro lado, o que vimos, vemos ou ouvimos em viagem pode inspirar projetos ou nos impulsionar a desenvolver atividades nas quais outras vozes, diferentes habilidades e uma diversidade de ideias tenham vez. As tecnologias têm um papel essencial nesse processo, pois permitem que as conexões entre pessoas (seus lugares, suas instituições ou organizações) continuem mesmo após as viagens e que os diálogos iniciados possam prosseguir (Zucco et al., 2018).

Baseados na leitura das obras “Juntos” de Richard Sennett (2015) , “Cultura da conexão” de Henry Jenkis, Green e Ford (2014) , “A cultura da participação” e “Lá vem todo mundo” de Clay Shirky (2011 e 2012), passamos a pensar, nos desdobramentos das viagens, nas formas de perpetuar essas vivências e conectar a riqueza de conteúdos disponíveis nas redes e nas maneiras de fazer com que os registros e símbolos do viajar circulem e ajudem a produzir outros tipos de conhecimento.

Como vimos, vivemos num mundo dominado pela efemeridade, repetição, transparência, volatilidade, homogeneidade e individualidade, o que culmina no desejo por um viver acelerado e no consumo desenfreado de mercadorias, serviços, informações, modos de vida, ideias, entre outros. Alguns autores deixam pistas para a superação deste “estado de coisas” que se estabeleceram no contemporâneo. Em “A salvação do Belo”, Han (2016) assevera que para encontrarmos novamente a beleza, precisamos resgatar o espanto, o estranhamento, o que foi destruído pela visibilidade excessiva dos lugares e objetos. Para ele, atualmente, o belo foi amaciado e até o feio e o repugnante se tornaram consumíveis, foram-lhe retiradas toda a negatividade, arrancadas toda a forma de comoção e vulneração. O belo, hoje, esgota-se no “gosto”. Segundo o autor,

a comunicação visual, polida e impecável efetuasse como um contágio sem distância estética. A visibilidade exaustiva do objeto destrói também o olhar. E só a alternativa rítmica de presença e ausência, do encobrimento e desvelamento, que mantém desperto o olhar. [...] Hoje, não só o belo, mas também o feio se torna polido. O feio, tal qual o usaram os artistas e poetas fin de sièle, tinha alguma coisa de abissal e demoníaco. (Han, 2016, p. 17-18 )

Ao final do livro, o autor deixa algumas indicações do que é possível ser feito para recuperar a ideia do belo que foi aniquilada pela sua transformação em objetos, lugares e ideias que se limitam a agradar. Para Han (2016, p.99) , “são essenciais à beleza as correspondências secretas entre as coisas e as noções, encadeamentos esses que acontecem ao longo de amplos períodos temporais”.

Embora os autores Sennett (2015) , Jenkis el al (2014) , Shirky (2012) e Lipovetsky e Serroy (2011) utilizem-se de outras metáforas e de diferentes relações, referências e histórias para pensar o contemporâneo, há uma congruência entre as pistas deixadas por Han (2016 e 2018) e as indicações fornecidas por eles. Richard Sennett (2015) acredita que a cooperação e a união de diferentes habilidades, pensamentos, formas de ser e viver podem se transformar em um antídoto contra a fragmentação, a competição e a individualidade. Para ele, os valores e práticas que irão contribuir para que as pessoas se mantenham “juntas” são a expansão do tempo de duração das coisas e a capacidade de lidar com a diversidade.

O mundo social tem se organizado em trocas de curtíssimo prazo, ao invés de relações de longo prazo e que a “dilatação” do tempo é necessária para que outras relações se estabeleçam. Ele se utiliza do ambiente empresarial para exemplificar essas questões. No que diz respeito às empresas, o alongamento do tempo implica manter trabalhadores em suas equipes, ao invés de deslocálos permanentemente, de maneira flexível. Ou seja, o tempo funcionando aqui como cimento, como uma narrativa. (Sennett, 2015, p. 191 )

Sobre a cooperação, Sennett (2015) diz que o segredo para sua efetividade, pode estar em pensar “junto” com pessoas que não se conhece bem, com as quais não se está conectado intimamente e, também, com quem não se tem muita empatia. Para que isso seja feito é preciso imaginar as relações sociais como uma oficina, na qual as pessoas, com diferentes qualidades e habilidades, trabalham sobre um problema comum. Ainda segundo o autor, é preciso substituir as discussões pelos diálogos.

A produção do “eu” por meio das redes sociais

As redes sociais são o espaço perfeito para os que desejam dar publicidade às suas vivências de viagem. É nesse espaço que a intimidade se exterioriza. Elas foram inventadas para a exibição pública do “eu”, são um exemplo das relações sociais mediadas pelas imagens. De acordo com Sibília (2016), boa parte da nossa sociabilidade passa por aí. Em contraste com o “decoro” e o “pudor da exposição - valores próprios dos séculos XIX e XX -, “hoje, o mostrar-se perde boa parte da sua carga pejorativa e ganha legitimidade moral. Esta situação se mostra evidente com o êxito das selfies, que não contam tanto pelo momento da sua produção, mas pelo valor da sua circulação. A selfie se constrói para ser mostrada”.

Han (2016) ), enxerga nas selfies um retrato de um mundo sem consistência, no qual tudo precisa ser mostrado para ter valor. Isso se reflete no “eu” desestabilizando- o e tornando-o inseguro. “É precisamente esta insegurança, este temor por si mesmo, que conduz a dependência do selfie, a uma marcha no vazio do eu, que não encontra nunca sossego. Confrontado com o vazio interior, o sujeito do selfie tenta em vão produzir-se a si próprio” (Han, 2016, p. 24).

Essa produção de si mesmo através das redes pode ser considerada o ápice da sociedade de consumidores de Bauman (2008), na qual tudo se transforma em mercadoria, inclusive o consumidor. Nesse contexto, o viajar torna-se, também, um instrumento de valorização e venda do produto “eu”. Bauman (2008) entende que para se adequarem a essa configuração as pessoas são aliciadas, estimuladas ou forçadas a promover uma mercadoria atraente e desejável. Para tanto, fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm à disposição para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo.

Han (2015) encontra lugar para esse consumidor-mercadoria na sociedade de desempenho, um lugar habitado “não mais pelos sujeitos da obediência, mas pelos sujeitos da performance e da produção, empresários de si mesmos” (p. 23). Segundo ele, a principal mudança da sociedade disciplinar para sociedade de desempenho foi a desvinculação da negatividade e a maximização da produção.

Para elevar a produtividade o paradigma da disciplina é substituído pelo esquema positivo do poder, pois a partir de determinado nível de produtividade, a negatividade da proibição tem um efeito de bloqueio, impedindo um maior crescimento. A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever. [...]. O sujeito de desempenho é mais rápido e produtivo que o sujeito da obediência. O poder, porém, não cancela o dever. O sujeito de desempenho continua disciplinado. (Han, 2016, p.13-14)

As imagens de viagens postadas nas redes sociais são uma forma de promoção de si. Um esforço de venda do “eu” mercadoria que precisa da manifestação dos “outros” para validar essa construção. O esforço dessa performance tem como propósito o olhar alheio. Para Sibília (2016) sua meta consiste em conquistar a atenção daqueles que a observam. “Eis uma possível explicação da insistência na ‘interatividade’ dos formatos mais atuais; particularmente, da performance. Porque esta apenas existe se alguém estiver olhando - ou, melhor ainda, admirando e batendo palmas” (Sibília, 2016, p. 359). Em função disso, essa exposição de imagens do “eu” também pode ser vista como uma forma de controle e pressão que o próprio indivíduo exerce sobre si. A disciplina continua, mas é exercida de dentro para fora. O consumidor-mercadoria é o único responsável pelos seus sucessos e fracassos. Essa violência interna pode levar às doenças neuronais como a depressão e ou o transtorno de ansiedade, que segundo Han (2015) , dominam o contemporâneo.

Em uma entrevista concedida para o jornalista Carles Geli e publicada no jornal El País, Han (2015) reafirmou essas ideias. Vive-se com a angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito, e se você não é um vencedor, a culpa é sua. Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se realizando. [...] É “a alienação de si mesmo”, que no físico se traduz em anorexias ou em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento (on-line).

Para Bauman (2018) a incapacidade de atingir um ajuste perfeito entre o esforçoe a recompensa pode ser uma fonte prolífica do que ele chama de “complexo de inadequação” (p. 22). E, nesse contexto, uma mercadoria cujo consumo parece importante para “adequação” aos modelos de sucesso ou às pressões por desempenho da sociedade contemporânea, são as viagens. Embora Onfray (2009) tenha classificado os habitantes desse mundo em nômades e sedentários, todos agora parecem ser impelidos a “querer a viagem”. Além de tudo o que já promove a espetacularização desse produto, circulam na cultura, discursos que são usados para promover a ideia de viagem como necessidade, como um item de consumo obrigatório.

Apresentação e análise dos resultados

Nesta etapa, apresentaremos, em tópicos, os principais resultados obtidos nesta pesquisa advindos das fontes primárias de dados utilizadas na composição deste trabalho: entrevistas realizadas com os produtores de conteúdo de viagem, monitoramento das postagens dos blogs e redes sociais selecionados para a pesquisa e interação da audiência com os produtores de conteúdo.

O consumo da viagem-espetáculo nas redes

A viagem quando vista como mercadoria transforma-se em um produto leve, fácil de consumir e digerir, pois comumente vem acompanhada de um manual de instruções que determina onde fixar os olhos. Além disso, a promessa de venda vem carregada de ideias como relaxamento, fuga da rotina, liberdade, novidade e transformação e é emoldurada por belos elementos estéticos, ou seja, esse viajar parece não suportar nenhum tipo de negatividade. É com o intuito de ampliar a sociedade de consumidores, que somos estimulados a nos desprender, a “dar um tempo”, aproveitar a vida (Han 2015).

Nesta mesma sociedade de consumidores, há a dicotomia “turista x vagabundo” sinalizada por Bauman (1999) , que serve como ponto de reflexão sobre os efeitos segregadores da globalização e sobre o fetiche pelo consumo da viagem. De acordo com o autor, o viajar suscita diferentes olhares sobre aqueles que se põem em movimento. Segundo ele, o turista pode escolher o seu itinerário ou o seu destino. No entanto, esta flexibilidade e mobilidade do turista são o fardo do vagabundo. O turista inicia sua viagem por achar seu lar entediante e desejar viver experiências mais emocionantes, o vagabundo está em movimento, não por manifestação de sua liberdade, mas porque foi impelido a tal.

Os turistas se movem porque acham o mundo a seu alcance (global) irresistivelmente atraente. (...). Os vagabundos se movem porque acham o mundo a seu alcance (local) insuportavelmente inóspito (...) O que se aclama hoje como “globalização” gira em função dos sonhos e desejos dos turistas. Seu efeito secundário é a transformação de muitos outros em vagabundos. Vagabundos são viajantes aos quais se recusa o direito de serem turistas. Não se permite nem que fiquem parados (não há lugar que lhes garanta permanência, um fim para a indesejável mobilidade) nem que procurem um lugar melhor para ficar. (Bauman, 1999, p.101 )

O consumo do viajar que se processa nas telas tem como um dos elementoschave a busca por referências para a viagem que se “deseja”. E as redes sociais estão repletas delas. Um exemplo é o perfil no Instagram do “Viajando com Gabi” (VG). Em algumas postagens, como a da imagem abaixo, ela constrói sua credibilidade vendendo uma ideia de viajante experiente (que já esteve no lugar quatro vezes) e diferenciada (convidada a participar de um tour VIP). Assim, ela vai construindo uma relação de confiança com seu público, o que de certo modo facilita a venda dos produtos e serviços que possam divulgar durante as conversas com os seguidores.

Fonte: Perfil no Instagram do “Viajando com Gabi”, 2018.

Figura 2: Viajando com Gabi - Viagem à Bolívia. 

De acordo com Jenkis, Green e Ford (2014, p.115) , atualmente a probabilidade de êxito dos influenciadores ou formadores de opinião está ligada, dentre outros aspectos, às estruturas sociais escolhidas por eles para divulgar seu trabalho, ou seja, aquelas que melhor apoiam a propagação de seus textos de mídia. Para eles, “as pessoas exercem graus variáveis de influência, no entanto, essa influência pode ser contextual e temporal, dependendo do assunto, da credibilidade da pessoa e de variedade de outros fatores”, dentre eles o meio escolhido para se comunicar. Gabriela elegeu o Instagram para divulgação de suas viagens, uma plataforma que favorece a conexão constante (sem ruídos) e que possui grande apelo estético (lisa e polida). Embora tenha um blog e um perfil no Facebook, é através do Instagram que ela desenvolve seu relacionamento com os seguidores.

Em algumas postagens, ela ajuda a construir a ideia do viajar como uma atividade que conduz ao êxtase. Um momento descolado da realidade, no qual nenhuma preocupação a abala - nem mesmo a falta de recursos para continuar a viagem - e onde tudo é fácil, rápido e mágico - quem desejar pode, por exemplo, nadar com plânctons e ver unicórnios. Sobre esse assunto Han (2016, p.20) entende que a informação, ao contrário do saber, habita um tempo amaciado a partir de pontos indiferenciados do presente. É um tempo sem acontecimentos nem destino. “A comunicação hoje se torna lisa, amacia-se através da transformação de uma troca sem fricção de informações [...] ela alcança a sua velocidade máxima quando o idêntico reage ao idêntico”. Assim sendo, na presença da positividade e do que não perturba, basta simbolizar a nossa aprovação com os signos das interações.

Fonte: Perfil no Instagram do “Viajando com Gabi”, 2018.

Figura 3: Viajando com Gabi - flashes. 

As imagens das redes sociais do “Viajando com Gabi” são recheadas de “flashes” de um cotidiano editado para ser comercializado e preparado para dar visibilidade aos parceiros que escolheram uma mulher, nômade, viajante solo, que largou tudo para se aventurar pelo mundo, como porta-voz dos seus produtos e serviços. As mensagens de vendas são “disfarçadas”, instalam-se no meio das conversas leves e divertidas que ela promove com o leitor. Segundo Sibília (2016, p. 38), “os pactos comerciais devem ser dissimulados para não perderem a eficiência”.

A produtora de conteúdo ainda recorre à construção de um relacionamento mais íntimo com seus seguidores como forma de cativar a audiência. Ela fala da saudade que sente da família, das complicações para manter relacionamentos amorosos em sua vida nômade, dos trabalhos que faz para custear parte das viagens e também compartilha “segredos”, ao ensinar truques para tirar fotos e fazer poses como as suas.

Fonte: Perfil no Instagram do “Viajando com Gabi”, 2018.

Figura 4: Viajando com Gabi - Momentos e poses. 

Nas entrevistas realizadas com os produtores de conteúdo fica clara a importância que muitos deles dão à produção de conteúdos voltados ao consumo da viagem espetáculo. O responsável pelo perfil “Ducs Amsterdam”, por exemplo, revelou que ao planejar as postagens para seu blog ou suas redes sociais procura mesclar histórias, dicas, informações e curiosidades de viagens sobre Amsterdã ou sobre a Holanda, com postagens que ele já sabe que farão sucesso entre os leitores/seguidores. Ele cita como por exemplo a produção das famosas listas contendo os melhores restaurantes, hotéis, cafés ou passeios, todas elas emolduradas por elementos de apelo estético como imagens bem produzidas de apetitosos pratos de comida, paisagens de tirar o fôlego, belas construções, etc. Outro produto, que segundo ele tem alto índice de consumo por parte dos leitores/seguidores são os roteiros.

Da mesma forma, a responsável pelo blog/perfil “Londres para Principiantes” revela que o maior número de acessos acontece nas postagens em que ela compartilha roteiros para um, dois ou três dias na cidade. As listas de lugares para comer por menos de 10 libras e ideias sobre o que fazer na cidade em dias de chuva também fazem sucesso. A análise realizada aponta que tal fato foi comprovado através do monitoramento do alto número de interações (curtidas e comentários) que este tipo de conteúdo provoca. A relevância dada pela audiência às listas foi assunto comentado por todos os entrevistados. Conhecedores da demanda por conteúdo “pronto” associado a imagens atraentes, alguns dos entrevistados produzem guias para serem baixados gratuitamente pelos seguidores com vistas a aumentar o número de acessos e o alcance das páginas e criar instrumentos de relacionamento com seu público.

Além das listas, episódios da vida privada do produtor de conteúdo são muito valorizados pela audiência. Segundo os entrevistados, esta demanda revestiu-se de maior importância quando o Instagram passou a fazer parte das ferramentas utilizadas para “falar” sobre viagens. De acordo com os responsáveis pelo perfil “Cultuga”, a audiência passou a solicitar que eles aparecessem mais nas imagens, falassem sobre seu dia-a-dia, revelassem seus gostos e preferências. Para darem resposta a este tipo de solicitação, muitos dos entrevistados começaram a planejar a produção de conteúdos que colocavam em evidência o “eu-narrador”, revelando cenas do seu cotidiano e da vida privada. De acordo com a produtora de conteúdo do “Conexão Paris” este tipo de comportamento do leitor/seguidor parece demonstrar um desejo de encontrar uma espécie de identificação com quem está do outro lado da tela. Segundo ela, em função desta demanda, houve alteração na forma em que ela processava e compartilhava alguns conteúdos inserindo mais episódios do seu cotidiano na cidade e aparecendo nas imagens.

Alguns perfis que fizeram parte desta pesquisa foram além, utilizando os stories (recurso presente no Instagram e Facebook) quase que exclusivamente para exposição da intimidade. Podemos citar como exemplo desta exibição a página Ducs Amsterdam. Daniel, o responsável pelo perfil, utilizava os stories como uma espécie de “novela” diária, na qual compartilhava com seus seguidores sua rotina diária (levando os filhos à escola de bicicleta, preparando o almoço, mostrando as suas coleções de caneta tinteiro, etc). Essa utilização se destina, primordialmente, a vender modos de vida, a celebrar marcas parceiras e, através da exposição indiscriminada do “eu”, criar e ditar modos de viajar e viver. Para Sibília (2016, p.62) os limites daquilo que se pode dizer e mostrar para o outro seguem se alargando e nesse contexto a exibição da intimidade tem grande valor. “Ela parece ser cada vez mais importante na hora de definir quem se é e quanto se vale”. Bauman e Lyon (2014, p.29) se referem a esse tipo de comportamento como uma “erosão” do anonimato. “Tudo o que é privado agora é feito, potencialmente, em público - e está potencialmente disponível para consumo público”. Sibília (2016) continua sua análise ressaltando que é o olhar do outro que valida esse tipo de manifestação. “É preciso que os outros tenham acesso a esse universo, antes preservado por sólidas paredes e rígidos pudores, pois o olhar alheio deve legitimar a existência disso que se mostra, quantificando o seu valor com diversas manifestações interativas” (p. 62).

Plataformas como o Instagram promovem novas maneiras de interação entre os indivíduos e as telas. O processo de registrar os momentos e compartilhá-los nas redes sociais implica o envolvimento entre o produtor de conteúdo, seus seguidores e o aplicativo. Esse formato de interação permite a construção de subjetividades desses indivíduos envoltos nas lógicas do espetáculo, ou seja, na interação social mediada pelas imagens. Essa hiperexposição transforma os indivíduos no que Gilles Lipovetsky (2016) chama de indivíduo-espetáculo, personagens de um mundo hiper conectado. Para Han (2016, p. 38) o mundo digital é um espaço no qual se toleram apenas diferenças consumíveis e aproveitáveis. Ele atribui a isso, a mesmice, o narcisismo e a falta de espanto e a perda da sensibilidade. Ou seja, o mundo digitalizado é um mundo humanamente interconectado que leva a que cada um esteja continuamente a olharse a si mesmo e, quanto mais densa é tecida a rede, mas radicalmente se blinda o mundo perante o outro e o lado de fora.

A viagem gerando conexões

A análise do consumo, no contexto da tecnologia, é feita no livro “Cultura da Conexão”, de Jenkis, Green e Ford (2014) . Os autores estudaram as motivações dos grupos que fazem circular materiais midiáticos como parte de suas contínuas interações sociais. Para eles a circulação do conteúdo de mídia (criado ou produzido por “pessoas comuns”, celebridades ou empresas) dentro da cultura participativa pode servir a uma variedade de intereses

alguns deles culturais (como promover um dos sexos ou um artista), outros pessoais (como fortalecer os laços sociais entre amigos), ou políticos (como criticar a construção do gênero e da sexualidade dentro da mídia de massa) e econômicos (como os que servem às necessidades imediatas de indivíduos comuns, assim como aqueles que atendem às necessidades das indústrias de mídia). Não estamos falando que os fãs estejam de algum modo resistindo ao capitalismo de consumo e seus regimes de propriedade intelectual por meio desses vários processos e práticas, uma vez que muitas dessas atividades não autorizadas poderiam indiretamente beneficiar marcas e empresas de mídia. Seja quais forem os motivos da audiência, ela pode descobrir novos mercados, gerar novos significados, renovar franquias já enfraquecidas, apoiar produtoras independentes, localizar conteúdo global que nunca foi comercialmente introduzindo num mercado local, ou interromper e reformatar as operações da cultura contemporânea enquanto acontecem todas essas coisas. (Jenkis, Green e Ford, 2014, p. 62-63 )

Em resumo, essa análise dos autores nos ensina que a circulação de conteúdos de mídia, independentemente do motivo e dos que irão lucrar com isso, é capaz de aumentar a latitude do material, prolongar o seu tempo de vida e com isso possibilitar a criação de novas relações e significados. As pistas deixadas por Lipovetsky e Serroy (2011) também falam da necessidade do desenvolvimento da cooperação e Shirky (2012) enaltece os poderes da produção colaborativa e das ações coletivas. E como a viagem pode contribuir com esse processo? O propósito desta pesquisa, não é a de anunciar soluções para os problemas que afligem o contemporâneo. Mas sim, pensar nas conexões que podem ser feitas entre o viajar e suas manifestações nas mídias sociais. Apresentaremos alguns exemplos que julgamos conter ideias que podem contribuir com o prolongamento dessa prática cultural. O intuito é propor um exercício de produção de pensamentos com as histórias que nos são contadas através dos blogs e das redes sociais, fazendo com que o viajar se desdobre, propiciando encadeamentos e articulações que permitam a composição de teias mais densas.

No período que passamos monitorando os blogs e redes sociais, percebemos que além de nos ensinarem modos de viajar a partir da experiência do vivido, muitos dos escritores se dedicam a criar conteúdo que vai além do compartilhamento de dicas e roteiros. Isto também ficou evidenciado durante as entrevistas. Para a maioria dos entrevistados a ideia consiste em fazer dos blogs/redes sociais mais do que mídias utilitárias - acessadas apenas como ferramenta de planejamento de viagem - mas sim, torná-las um lugar de espraiamento do tema, um espaço para se falar dos viajantes, das viagens, do viajar e das suas conexões culturais e históricas, do cotidiano naquele local, dos eventos, das tradições, de personalidades, de notícias, etc. Ainda que, nas entrevistas, os produtores de conteúdo tenham deixado claro que não cultivam a utopia de que os blogs voltem a ser uma plataforma de debates e construção coletiva, eles entendem que essa mídia pode ser um espaço gerador de múltiplos significados.

No blog “360 Meridianos”, por exemplo, que se autointitula um espaço no qual o leitor irá encontrar dicas de viagem e “cultura viageira”, há conteúdo diversificado sobre o viajar. Além das dicas, o leitor irá encontrar séries especiais sobre a vida de grandes viajantes, postagens sobre a história de determinados pratos típicos, muitas crônicas de viagem a respeito dos mais diversos assuntos, postagens que falam sobre a vida nômade, artigos sobre fotografia de viagem, orientações sobre como escrever histórias de viagem, entre outros. O blog é um exemplo de como o viajar pode se perpetuar e pulverizar através das redes.

Sobre esse assunto, Jenkis, Green e Ford (2014) consideram que todo o conjunto de práticas sociais e culturais que cresceram em torno das inovações tecnológicas e que constituem o que chamamos de “cultura ligada em rede” não foram criadas pelas tecnologias. No entanto, citam vários exemplos nos quais ela foi fundamental para que se pudesse construir relações, criar materiais de forma coletiva, e propiciar as mais diversas apropriações que geram diferentes interpretações e usos dos conteúdos que circulam através das redes.

Talvez nada seja mais humano do que dividir histórias, seja ao pé do fogo ou em “nuvem”, por assim dizer. Todos devemos tomar cuidado para não supor que os meios mais participativos de circulação possam ser explicados exclusivamente (ou mesmo basicamente) por esse surgimento da infraestrutura tecnológica, ainda que essas tecnologias desempenhem um papel crucial nas mudanças (que agora experimentamos). (Jenkis, Green e Ford, 2014, p. 25 )

Jenkins, Green e Ford (2014), continuam suas análises, afirmando que: “Há muito tempo já sabemos que notícias com narrativas geram conversa” (p. 36). Ao que parece, alguns produtores de conteúdo uniram a sua capacidade de dividir histórias com o uso das tecnologias para disseminar conteúdos relacionados ao viajar (nos blogs e redes sociais) que tem com objetivo criar algumas brechas, sair da mesmice e da transparência, que quando repetidas sem cessar, de acordo com Han (2016) levam a instalação do tédio.

Nos blogs e redes sociais “Agenda Berlim”, “Ducs Amsterdam” e “Cultuga”, encontramos muitos exemplos de postagens que não utilizam o “eu” como referência, nem trazem aspectos da vida pessoal para promover o diálogo com os seguidores. Os escritores usam fatos históricos, costumes do lugar, curiosidades e resenhas de livros para criar o interesse pela temática das viagens. Segundo revelaram nas entrevistas, o que atrai a atenção dos leitores é um equilíbrio entre conteúdos pedagógicos e informativos sobre o local sobre o qual escrevem, entremeados com postagens sobre a vida pessoal e o cotidiano dos lugares.

O acesso ao conteúdo disponibilizado no “Ducs Amsterdam” nos permite conhecer um pouco da história, das tradições, dos costumes e do modo de vida dos holandeses. Ao ler o blog e a acessar as suas ramificações nas redes você poderá descobrir que na Holanda o Sinterklaas é muito mais “famoso”, entre as crianças, do que o Papai Noel. Saberá como funciona o sistema de saúde holandês, entenderá os motivos que fizeram com que os colonizadores holandeses trocassem como os Ingleses, Nova York pelo Suriname e saberá que, nos anos 1970, a população do país teve que lutar para que as bicicletas tivessem espaço por um sistema viário dominado pelos automóveis.

Por outro lado, seus seguidores acompanham a rotina dele e de sua família. Em diversas postagens ele compartilha imagens dos cafés que frequenta, mostra o deslocamento até a escola dos filhos feito todos os dias de bicicleta, conversa e tira dúvidas sobre sua coleção de canetas tinteiro, explica os métodos que propiciaram sua evolução na corrida de rua, entre inúmeros outros aspectos da sua vida pessoal.

Durante a entrevista, ele revelou que estuda como contar histórias e que a variedade de artigos postados por ele, faz parte de uma estratégia que visa manter o seu público sempre interessado na leitura do blog, nas histórias que ele narra por meio de vídeos publicados no seu canal no YouTube ou pelos stories - recurso que ele utiliza para manter a comunicação diária com o seu público no Instagram.

Embora saibamos, que muitos dos produtores de conteúdo recebem incentivos financeiros em função das visualizações, interações e compartilhamentos dos conteúdos postados em suas páginas e que este mesmo conteúdo é o que traz visibilidade e lucro às mídias como Instagram, Facebook e YouTube, por exemplo, optamos por focar, neste item, nas conexões que se processam através da temática viagem.

A rede está repleta de exemplos através dos quais o viajar cria conexões entre as pessoas e permite o compartilhamento de conteúdo que pode ser utilizado para diversas finalidades. No blog “Viaje na Viagem” (VnV) há um espaço para que viajantes postem os seus roteiros e recebam críticas e sugestões de outros leitores. O VnV também conta com uma sessão na qual o escritor lança um questionamento para que as pessoas compartilhem as suas experiências. A pergunta “Uber em Montevidéu e Buenos Aires, quem já usou?” foi respondida por mais de cem leitores. O site “Tripadvisor” é outra manifestação do compartilhamento de ideias por meio do uso das tecnologias. Através dessa plataforma, pessoas avaliam restaurantes, museus, parques, hotéis e outros equipamentos turísticos e o conteúdo fica disponível para a visualização dos demais usuários.

Outro exemplo é o blog “Mulheres viajantes”, citado por alguns dos perfis pesquisados, que foi criado para dar espaço a relatos de mulheres que viajam sozinhas e que encontraram no viajar e na partilha das suas vivências uma forma de empoderamento feminino. Há também projetos que utilizam os símbolos do viajar como meio de aprendizagem. De acordo com o site “Catraca Livre” (2018), David Arwood, professor de ensino fundamental do Tennessee, nos Estados Unidos, estava procurando uma maneira de mostrar aos seus alunos quão diverso e vasto o mundo é. Ele resolveu acessar a rede Reddit (uma espécie de comunidade de fóruns de debate) e solicitar às pessoas que enviassem cartões postais à escola na qual trabalha, para que os estudantes pudessem pesquisar e aprender algo sobre outros lugares e depois respondê-los. O projeto foi um grande sucesso. Foram recebidos cartões de todos os estados, estadunidenses e de mais de noventa países. Neste caso, um simples cartão-postal transformou-se em um artefato com múltiplos significados.

O viajar também pode ser pródigo em produzir pensamentos e ideias, como nos ensinou Botton (2012) . O Projeto “Litro de Luz”, surgiu em meio a um intercâmbio social que o jovem Vitor Belota fez na cidade de Nairóbi, no Quênia, na qual atuava como professor de comunidades carentes. Em entrevista à revista “Use Reserva”, Belota (2018, on-line) revelou que a sua opção pelo empreendedorismo foi fruto de uma oportunidade identificada durante a viagem. Segundo ele, o empreendedorismo social se orienta pelo reconhecimento de necessidades não atendidas ou pelas oportunidades que surgem pelo caminho. “No meu caso elas se apresentaram. Vi o quanto era difícil dar aula em uma sala escura ou chegar em casa e não poder estudar por falta de iluminação”. Ele conta que as pessoas que conheceu durante viagem e as ideias que eles encontraram por meio do acesso à tecnologia, foram importantes para poder levar luz a muitas escolas quenianas.

Dentre os vários conteúdos sobre o viajar que circulam por meio das redes, cita-se, para finalizar, alguns artigos do blog “Agenda Berlim”. Um deles, explica o porquê do dia Nove de Novembro, não ser comemorado na Alemanha, embora tenha sido a data da queda do muro que, durante quase trinta anos dividiu o país. Segundo o escritor do blog/redes sociais, esse dia marca, também, alguns episódios muito tristes da história alemã, como a noite dos cristais. Esse evento é desconhecido por muitas pessoas, inclusive por vários leitores do blog e seguidores das redes sociais do “Agenda Berlim” que se manifestaram sobre o assunto dizendo o quão enriquecedor foi conhecer mais esse fato da história alemã.

A postagem que fala sobre o protesto das mulheres alemãs contra o nazismo - única manifestação desse tipo durante os doze anos de governo de Hitler-, pode ser consumido como mais uma das histórias da guerra, como uma narrativa que nos permite falar sobre a II Guerra Mundial de outra maneira ou ainda, conectá-la com diferentes momentos da história mundial nos quais as mulheres foram às ruas para reivindicar direitos ou protestar. No “Agenda Berlim” também podem ser encontrados artigos sobre costumes alemães. Um deles fala sobre o hábito de efetuar pagamentos em dinheiro vivo. As motivações desse ato, explicadas pelo produtor de conteúdo, nos permitem conectar vários momentos da história do país e entender como esses acontecimentos podem ter contribuído para a conformação dessa prática.

Algumas iniciativas que promovem desdobramentos do viajar, como as apresentadas neste item, mostram o quão potente pode ser a utilização de um artefato cultural como as viagens - que despertam a curiosidade das pessoas - para gerar novos conhecimentos e aprendizagens. Sobre as muitas possibilidades de construção coletiva do saber, Sibília (2016), Han (2016) e Sennett (2015) consideram que as tentativas realizadas para prolongar o tempo de duração das coisas, aumentar as conexões entre os diferentes e estimular o “fazer junto”, podem atuar como escudo contra alguns dos males que afligem o contemporâneo.

Considerações finais

Durante as viagens para realizar as entrevistas com os produtores de conteúdo, foi aberto um espaço para os ensinamentos que estavam nas ruas, nos outdoors, nos panfletos turísticos. Uma propaganda, em um vagão do metrô, nos levou à exposição “Os impressionistas vão à Londres” - uma narrativa sobre o quanto uma viagem forçada à Londres, em razão da guerra franco-prussiana, influenciou no trabalho de vários artistas, dentre eles Monet, Pissarro e Tissot. As histórias de viagem que encontramos no museu Van Gogh nos fizeram perceber o quanto os deslocamentos do artista foram importantes para que ele mudasse a sua maneira de enxergar o mundo e expressasse isso através das suas pinturas. Da mesma forma, a história de uma das principais praças de Berlim, a Alexander Platz, contada por Pacelli, escritor do blog “Agenda Berlim”, nos fizeram procurar referências bem diferentes das comumente mapeadas na ocasião em que visitamos a praça.

Assim pode vagar o viajante, entre indicações e descobertas, produzindo seus próprios vínculos e encadeamentos, encontrando respostas ou formulando novas perguntas. Como vimos, a ampliação do tempo de duração das coisas pode ser uma possibilidade para a entrada de oxigênio nas práticas viciadas pela reprodução. Esse alongamento do viajar também pode ser importante para que as ideias “repousem” e possibilitem diferentes ou novas articulações.

Muitos dos autores pesquisados para a composição deste trabalho também nos falam sobre a importância da abertura para o diverso e para o múltiplo. O prolongamento do tempo de uma viagem pode residir na substituição dos roteiros pontilhados por períodos destinados ao vagabundear, no exercício da escrita e da narrativa e também na abertura para as diferentes ideias, conteúdos e maneiras de ensinar a viajar que circulam nas redes.

Por outro lado, o que nos motivou a realizar este estudo, foi a percepção de que este mesmo viajar que circula nas redes como objeto de promoção de pessoas e mercadorias, também pode ser utilizado de maneira diversa. Como nos ensinou Walter Benjamin (1987) , as narrativas de viagem sempre produziram curiosidade. As histórias narradas em alguns blogs/redes sociais pesquisados sobre aquele lugar que está longe, que guarda histórias e outras formas de se relacionar, estudar, trabalhar, viver, podem servir para fazermos do viajar um instrumento de múltiplas conexões. Embora essa outra maneira de ensinar a viajar também venha permeada pela visão do escritor, ela não está envolvida pela ideia de guiamento, tampouco da promoção do “eu”. Há diversas postagens que fornecem pistas, provocam, deixam abertas brechas para que o viajante construa suas próprias relações.

Concluímos, portanto, que parte do conteúdo produzido e compartilhado através das redes, promove a espetacularização do viajar cujo consumo carrega promessas relacionadas a uma elevação do status social através da valorização do produto “eu”. O consumo desse tipo de conteúdo pode levar ao esgotamento, e contribuir grandemente com as doenças neuronais que afligem tantas pessoas no contemporâneo. Por outro lado, há diversas iniciativas que mostram a potência das viagens como prática cultural capaz de produzir outros significados, conectar pessoas, ideias e construir saberes de forma coletiva.

É sobre essa potência das viagens que nos falam Botton (2012) , Ianni (2003) e Onfray (2009) , uma atividade capaz de produzir conhecimentos outros através das possibilidades de comparar e confrontar. Esse viajar requer um espaço, solicita lentidão, nos convida a enxergar o que não foi dito. É preciso aproveitar essa ideia de suspensão e afastamento que a viagem promove para fazer esse exercício. Esta investigação nos faz enxergar que o viajar pode perder muito de sua riqueza quando não deixamos espaço para os nossos achados, para os vínculos que podemos criar entre o que estudamos, o que nos contaram e o que vemos. Quando o mapa e as listas desaparecem, surgem outras possibilidades.

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* Artigo oriundo da Tese de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Educação da primeira autora, pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Brazil

Recebido: 02 de Fevereiro de 2022; Aceito: 25 de Abril de 2022

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